Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura
Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128
06 e 07 de agosto de 2009
UFS – São Cristóvão, Brasil
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MARCAS DA IDEOLOGIA FRANQUISTA NO DISCURSO DE “CARMEN
SOTILLO”, PERSONAGEM DE MIGUEL DELIBES
Marina Azevedo Pereira Nogueira (UEFS)
É conhecida a relação existente entre Literatura e História. No Romance espanhol
contemporâneo de pós-guerra esta relação mostra-se ainda mais evidente porque neste
momento a Literatura assume mesmo uma posição de protesto. Cinco horas com Mario (CHM),
de Miguel Delibes – romancista espanhol muito comprometido com a problemática de seu
tempo, reconhecido na Espanha e em muitos países – é uma de suas obras mais importantes,
considerada por muitos críticos como um dos melhores romance de pós-guerra.
Neste romance há a história de uma mulher, Carmen Sotillo, que estabelece um
solilóquio frente ao cadáver de seu marido, Mario Diez Collado, durante as cinco horas, desde
que termina o velório até o outro dia. Durante a ‘conversa’, Carmen em desabafo, começa a
‘falar com Mario’, pois de certa maneira Mario possui uma voz veiculada pelos versículos
bíblicos que deixa sublinhado e que agora Carmen lê e utiliza de pretexto para queixar-se das
frustrações, os desejos, as angústias, que leva dentro de si, acumulados em vinte e três anos de
casamento. À medida que Carmen fala apresenta-nos paulatinamente a identidade de Mario e a
sua própria, totalmente diferentes e distantes.
A obra é composta de três partes: o prólogo, anúncio da morte de Mario e
acontecimentos do velório (vozes, vultos, imagens); o corpo narrativo, vinte e sete capítulos
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onde Carmen, no que os críticos denominam ‘monodiálogo’, ‘fala com Mario’; e o epílogo; os
acontecimentos do amanhecer.
É importante ressaltar que a obra foi publicada em 1966, mesma data que compõe o
marco temporal do romance que começa com um anúncio jornalístico sobre a morte de
Mario: “Rogad a Diós en caridad por el alma de D. Mario Diez Collado que descanso en el
Señor, confortado con los Auxílios Espirituales, el 24 de marzo de 1966, a los 49 años de
edad”. (CHM. p. 7).
Portanto, os personagens principais que compõem o romance nasceram e viveram em
um período conturbado da Historia da Espanha: Ditadura de Primo Riviera (1923), a Segunda
República (1931-1936), guerra Civil Espanhola (1936-1939) e Ditadura Franquista (19391975); período em que ocorreram muitas mudanças políticas, muito descontentamento e o
contexto externo de duas guerras mundiais.
CONTEXTUALIZAÇÃO FORMAL DO ROMANCE
Sobejano, no capítulo intitulado ‘La forma de la novela y su sentido histórico social’, resume
em uma frase o que seria o romance: uma obra que ‘fascina por sua estruturação e linguagem e
também por causa da revelação de um conflito: oposição entre homem e mulher, Espanha
fechada e Espanha aberta, simplificação e complexidade, massa burguesa e pessoa marginal’1 .
Para conseguir tal proeza que nos é tão bem explicitada por Sobejano, Miguel Delibes
combina o que parece impossível numa técnica narrativa singular: o não-linear dentro do
linear. Dentro de um marco narrativo que nos situa no espaço e no tempo dando-nos a idéia
de linearidade (uma noite na casa da viúva no ano de 1966), ou seja, entre o prólogo e o
1
(SOBEJANO, 1982, p. 10. trad. livre).
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epílogo é posto um recorte, o corpo narrativo (vinte e sete capítulos com o discurso de
Camen); e aqui as idéias e fatos são apresentados sem uma seqüência temporal.
No prólogo, composto de um capítulo, apresenta-se a cena inicial: um morto (Mario),
a viúva (Carmen) os demais personagens relevantes à trama – os filhos do casal (Borja,
Aráranzu, Mario, Álvaro e Menchu); os amigos de Carmen; os amigos de Mario – e os
acontecimentos do velório, oferecendo-nos já uma primeira amostra sobre a sociedade da
época.
Nessa parte, narrada em terceira pessoa onisciente, percebe-se a presença marcante: da
religião no anúncio da morte de Mario “Rogad a Diós en caridad por el alma de”; e dos
convencionalismos: todo o velório é um ato mecânico as pessoas entram saúdam ‘besos sin
calor’ e saem ‘les unía una difusa responsabilidad, un sentimiento acomodaticio’ (CHM. p.12); Carmen se
mostra o tempo todo, preocupada com as convenções sociais: seus filhos que não choram a
morte do pai ‘Ya ves Mario, ni una lágrima. Ni luto por su padre’ (CHM. p.16); as atitudes dos
visitantes ‘las barbas de Moyano y su palidez de muerto hacían bien en el velatorio. En cambio el menchón
albino de Valen Detonaba.’ (CHM. p.11).
O epílogo também composto de um capítulo apresenta a cena final: despertar para a
condução do enterro. No corpo narrativo, a narração perde sua temporalidade, pois em cinco
horas a personagem (Carmen) fala de seus vinte e três anos de matrimônio, não como na
narração tradicional, seguindo uma seqüência vital no tempo (começando pela juventude, o
namoro, casamento, os filhos e assim sucessivamente), mas obedecendo ao fluxo de sua
consciência, ou seja, sem uma seqüência lógica visível.
Esta parte do romance é de uma complexidade estrutural que uma grande atenção do
leitor, a história nos é contada a partir da perspectiva de Carmen e com a fala dela, sem
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interferência nenhuma do narrador, colocando o leitor diante da personagem a auscultar o
fluxo de sua consciência.
A linguagem utilizada é totalmente coloquial como na fala corrente cheia de ‘idas e
vindas’. Se o leitor quiser compreender, quem é Carmen e todo o resto que ela relata, terá que
realizar as associações necessárias. Característica do denominado
romance estrutural
espanhol, uma transformação do romance social da década de 1950.
Cada um dos vinte e sete capítulos do corpo narrativo, escritos em um só parágrafo
cada, começa com uma citação bíblica que representa a Mario e é a partir dessas citações que
Carmen elege uma temática (a que melhor lhe convém) para ‘falar’ com o cadáver, como se ele
pudesse ouvi-la, ou contestá-la.
A essa técnica a crítica especializada denomina de muitas maneiras: há os que a
denominam de solilóquio mental, já que o discurso de Carmen não deixa claro se ela utiliza a
voz, ou apenas pensa; outros, a denominam monólogo interior, pois é a técnica mais adequada
para deixar fluir a consciência da personagem, o próprio Delibes chega a declarar que se trata
de um solilóquio mental que termina por ser verbal, pois quando Mario (filho) encontra
Carmen de joelhos pela manhã fica subentendido que sua mãe falava sozinha diante do
cadáver. Entretanto a classificação que me pareceu mais adequada é a de Sobejano,
“monodiálogo”, monólogo porque Carmen dirige seu discurso a alguém que já não está vivo e
diálogo porque, de certa maneira, há uma participação de Mario, pois as passagens bíblicas
sublinhadas por ele na bíblia que Carmen lê diante dele, são uma representação de seus
valores.
‘Cinco horas com Mario’, como muitos críticos concordam, representa antes de tudo o
conflito ideológico da sociedade espanhola pós-guerra mediante duas personagens opostas
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entre si (Carmen Sotillo e Mario Collado), o que coloca essa obra no plano do romance social
espanhol da vertente realista crítica. Este gênero de romance se caracteriza por apresentar
uma radiografia dos defeitos da sociedade através de um exame da consciência individual do
homem espanhol representativo da coletividade.2
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
‘Cinco horas com Mario’ possui como marco temporal a data de 1966, na Espanha,
período da ditadura franquista e como a análise mostra a presença dos ideais propagados pelo
regime Franquista revelados na construção da personagem ‘Carmen’, portanto faz-se
necessário expor o contexto histórico da época em que o autor construiu a personagem.
Durante o corpo narrativo do romance a personagem Carmen faz referência a
lembranças que tem da implantação da Segunda República Espanhola e da Guerra Civil: que
vieron a José maria em el mitin de Azaña em la plaza de Toros y em abril del 31 dar vivas a la
república”(….) “lo pasé bien bien la guerra, oye, (CHM, p. 93). O Franquismo foi um regime de
inspiração Nazi-Fascista que se estabeleceu na Espanha depois da Guerra Civil Espanhola de
1936. O general Franco apoiado pela burguesia conservadora (proprietários de terras, alto
clero e setores do exército) lutou contra a Segunda República espanhola, que havia sido
instalada em 1931, durante a Guerra Civil que terminou em 1936 com a vitória das tropas
franquistas.
O regime franquista obedecia perfeitamente ao ABC do nazi-fascismo, sendo somente
um pouco mais tímido em relação ao racismo nazista, como exemplifica o fragmento a seguir
retirado de documentos intitulados ‘ Los secretos de la falange’:
2
(CASADO, 1973)
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A revolução consistirá, por exemplo, em alcançar esta série de objetivos morais e
políticos: voltar a crer em Deus, amar fanaticamente à Pátria, afirmação do mando
único, adoração fervorosa a Franco, entusiasmo pela vida militar, a honra, a
disciplina e a idéia de serviço [...] exaltação do matrimônio; procriação dos filhos. 3
O dogma do Franquismo é ‘Deus, Pátria e Família’ sendo missão primordial do estado
propagá-lo preservá-lo nas mentes de seus súditos. Isto era realizado num regime de
colaboração entre a igreja e o Estado. O estado marca seus objetivos através de leis criadas
pela sua organização política “La falange”, os falangistas exerciam o controle autoritário sobre
a vida social: educação, sindicalismo, meios de comunicação, órgãos de segurança. E a igreja,
mediante a doutrinação e sua ação pastoral procurando a cristianização do lar.
A falange contava com uma seção feminina criada em 1934, inicialmente tendo caráter
assistencialista, entretanto mais tarde passou a servir como instituição encarregada da
formação das mulheres,
nem más nem menos que inculcar-lhes um padrão de conduta nacional sindicalista,
baseado nos princípios axiomáticos da Pátria como unidade de destino, a religião
católica como moral e a puericultura como dever. 4
Mendéz em ‘Mujer falange y franquismo’, faz um excelente estudo sobre a situação da
mulher no sistema político social do Franquismo. Em cujas estruturas hierarquizadas o papel
da mulher era inferiorizado pelo homem e por ela mesma.
A educação feminina consistia essencialmente em decorar bem a sala e preparar bem o
café, a mulher deveria ser uma servente eterna, calada e obediente; isenta de qualquer função
sexual que não fosse a de procriar. Franco se dirigiu às mulheres em escassas ocasiões, numa
das primeiras disse:
3
4
(MENDÉZ apud CABALLERO, 1983 p.154).
(MENDÉZ,1983.p.142)
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Não acabou vosso trabalho com o realizado nas frentes de batalha [...] lhes resta
ainda a reconquista do lar, formar as crianças, as mulheres espanholas [...] É
necessário esse patriotismo em seus lares. 5
Um binômio Espanha-Anti-Espanha representativo de duas posições ideológicas da
sociedade da época, a dos vencedores da Guerra civil: antiliberais, tradicionalistas, elitistas,
anticomunistas, uma Espanha ‘ arraigada em velhos preconceitos e um materialismo
descarado, e a dos vencidos, chamados pelos primeiros de ‘rojos’, a Espanha aberta ao mundo,
desejosa de desenvolver-se espiritualmente6.
MARCAS DA IDEOLOGIA FRANQUISTA NO DISCURSO DE CARMEN
A grande maioria dos críticos que já versaram sobre ‘Cinco horas com Mario’
concordam com a leitura de Sobejano ‘ el contraste entre la costumbre inauténtica (Carmen ) e la
búsqueda por la autenticidad ( Mario)’7, Partindo dessa característica de Carmen, a inautenticidade,
farei minha análise a partir do discurso da personagem a fim de demonstrar as marcas da
massificação engendradas pelos aparelhos ideológicos do Estado franquista que estão em
grande evidência na obra.
Logo no prólogo, Delibes já nos oferece uma prévia dos traços que caracterizam
Carmen: uma mulher muito preocupada com as convenções sociais de seu tempo: a titulação
do marido na ‘esquela’ fúnebre, os filhos que não choram a morte do pai, a empregada que
deve estar no seu lugar, na cozinha.
Os capítulos que seguem como já é sabido começam por citações bíblicas, das quais,
Carmen elege um tema e começa a fazer livres associações. Já no primeiro capítulo, a
5
(FRANCO APUD MENDÉZ, 1983 p. 74).
(FOGLIA apud PAUK, 1975,p.198)
7
(SOBEJANO,1982 p. 10).
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personagem se define ‘una mujer (...) que no se encuentra a la vuelta de la esquina’ (p.39), no capítulo
seguinte reafirma: ‘una mujer de su casa, una mujer que de dos se saca cuatro’ (p. 47). Mãe de cinco
filhos, nunca trabalhou fora, inteiramente dedicada as tarefas do lar, todos os traços da típica
mulher espanhola pequeno-burguesa revelados pela submissão, fragilidade e espírito de
sacrifício.
A respeito da educação dos filhos, nos é apresentada como reprodutora do poder do
Estado dentro da família, cumpre o papel da aculturação propagado pelo Estado e pela Igreja.
Apresenta uma preocupação demasiada que seus filhos divinizem e obedeçam aos pais: ‘ el
respecto y la admiración por los padres es lo primero que hay que inculcar en los hijos, Mario, y esto no se
consigue sino com autoridad’(CHM, p.151); a final foi assim que ela foi educada ‘ en casa me lo
grabaron a fuego’ (CHM, p.61).
Carmen está sempre retomando os ensinamentos que recebeu dos pais (mamá y papá),
por exemplo, sobre a educação diz “mamá a este respecto? Decía, verás, decía, ‘ a una muchacha bien, le
sobra com saber pisar, saber mirar y saber sonreír” (CHM, p.74), “¿Para que va estudiar una mujer ,
Mario, si puede saberse?(…) Hacerse un marimacho, ni más ni menos, que una chica universitaria es una
chica sin feminidad”.
São muitos os temas que aproximam Carmen à ideologia vigente, por exemplo: a
questão da autoridade, para Carmen ‘una autoridad fuerte es garantía del orden’, o que o mundo
precisa, segundo ela é ‘autoridad y mano dura (...) es preciso callar y obedecer, siempre toda la vida, a ojos
cerrados (...) que el diálogo se va a paseo (...) libertad de expresión, ¿Puede saberse para que la quiere?’
(CHM, p.235).
Uma reiteração constante da personagem é que ‘una tiene principios y los principios son
sagrados’ , e seus princípios são muito bem explicitados pelo autor no discurso da personagem,
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por exemplo, o nacionalismo conservador e preconceituoso para com estrangeiros ( los
extranjeros, esos con todos sus adelantos, nada tienen que enseñarnos); protestantes, judeus ( El concilio(...)
con esas colaciones de que los judíos y los protestantes son buenos(…) pero antes la muerte que rozarme con un
judio o un protestante) e negros ( negros con los negros y blancos con los blancos, cada uno en su casita y todos
contentos).
Um outro tema tratado com muita insistência é o da sexualidade. O discurso da
personagem neste último tema é muito contraditório, de acordo com o ideal de feminilidade
do período para esta parcela da população espanhola que Carmen alegoricamente representa,
ela deveria ser um ser etéreo e luminoso, isento de qualquer função sexual que não fosse a de
procriar. Entretanto se mostra com um desejo latente de satisfação sexual: ‘no la voy a decir que
mi marido es un rutinario (…) que en seguida te pasa y a una le deja con la miel en los labios’ (CHM,
p.163).
Reclama o tempo todo do fato de Mario não haver cumprido com as obrigações de
marido na lua de mel e também de sua ‘frieza’ durante toda a vida: ‘la primera vez, te diste media
vuelta y me dijiste buenas noches, me quedé fría, que nunca me hizo nadie un feo así (…) en una situación así,
acepta antes una brutalidad que un desprecio’ (CHM, p.113).
E chega até a cometer um quase adultério com seu amigo Paco Alvarez. ‘Paco me besó y
me abrazó, lo reconozco, pero de ahí no pasó, estaría bueno, te lo juro, y tienes que creerme, es mi última
oportunidad, Mario’ (CHM, p.281).
Uma coisa percebe-se em relação a este tema e que a grande maioria dos críticos
concorda: um conflito moral se apresenta como a motivação do discurso de Carmen, a traição
que ela comete. Ao mesmo tempo em que Carmen preserva tanto os ‘seus princípios’, ao
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afirmar que mulher não sente prazer, mulher tem que casar-se, não deve estudar, faz algo
oposto a estes.
Foglia 8, afirma que ‘o dinheiro erotiza Carmen, os homens por quem ela se interessa
ao longo de sua vida são Paco e Galli Constantino, o amante de sua irmã, no seu discurso
estão sempre relacionados com coisas de valor material. Paco, por exemplo, para ela está
sempre associado ‘ao cheiro de colônia e tabaco rubio’ enquanto que o tabaco utilizado por
Mario ela odeia, afinal o dele não é tão caro; e o carro de Paco que ela diz que ‘a enlouquece’,
em suas próprias palavras ‘la chifla’; enquanto que Mario possui uma bicicleta da qual ela
envergonha-se.
De fato faz parte da ideologia do período essa ambição material, é quando se começa
uma empreitada para convencer a sociedade de que seu padrão de vida poderia ser cada vez
melhor sem meter-se em política. A personagem enquadra-se perfeitamente nesse quadro,
afinal seu maior sonho de consumo era um Seiscentos (modelo automotivo muito popular
durante o período). Todas essas características tornam a personagem uma alegoria
representativa de dada parcela da população espanhola do período; cujos ideais eram pautados
basicamente no autoritarismo, conservadorismo político e social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dois questionamentos surgem ao término deste trabalho: Afinal quem é ‘Carmen’?
Porque ‘Carmen’, personagem representativa da Espanha do Regime (franquismo), está viva e
Mario que representa aos ideais renovados está morto? ‘Carmen Sotillo’ é uma personagem
muito complexa, a pesar de seu mundo fechado representado na linguagem própria da classe
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(Foglia apud Martin Gaite, 1998, p. 49)
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media pequeno-burguesa não acostumada à leitura: da sabedoria popular, cheia de provérbios
e frases feitas, com um espaço de vivencia mínimo e uma visão unilateral das coisas.
No princípio desta pesquisa, direcionei minha leitura a uma possível ‘morte’ de
‘Carmen’. - De que modo? Delibes, ao criar ‘Carmen’, tenta fechar, conscientemente ou não,
as possibilidades de leitura dessa personagem. De modo que a primeira vista ‘Carmen’ parece
estar morta, ou seja, não tem consciência de que seu mundo está desmoronando, sente e por
isso fala ‘pelos cotovelos’ com Mario, tentando aliviar sua consciência por causa da traição?
Sim, mas num processo inconsciente de percepção da queda de seu mundo.
O Discurso de Carmen pode ser representado num gráfico decrescente; começa com
altivez, criticando os valores de marido, tentando convencê-lo de que seus valores são os
únicos verdadeiros (compréndelo, convéncete, fíjate, reconócelo, botárate) e termina por decair em
redenção pelo pecado (solo quiero que me comprendas, discúlpame, no me vayas confundir com mi
hermana, mírame, hazme ese favor, perdóname).
‘Carmen’ representa uma geração mutilada pelo Regime franquista, todo o seu discurso
está minado pelos axiomas pregados pela Ditadura. O momento em que se processa o
discurso de ‘Carmen’ é 1966, a Espanha passava por um momento de grandes transformações:
um momento de abertura do país ao estrangeiro não somente na economia como também na
sociedade.
Por todos esses pontos apresentados é que a idéia inicial é de que ‘Carmen’ é que está
morta: uma personagem criada para representar uma determinada parcela da população
espanhola de pós-guerra que tenta manter valores que já não se pode sustentar mais. Aí reside
mais uma ironia do romance: o vivo é Mario, são seus valores que imperarão no contexto
histórico da época?
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Até que alguém consiga trilhar esse caminho, embora saibamos que toda obra literária
pode ser compreendida a partir do sentido ideológico ou vivencial que o leitor traz consigo, os
argumentos da crítica especializada e, principalmente, a construção da personagem por seu
autor só nos direciona a uma leitura. Uma personagem caracterizada por ser fio condutor da
ideologia franquista, mediante a qual se demonstra os problemas sociais, religiosos e políticos
de uma época.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASADO, G. La novela social española. Barcelona: Seix Barral S.A, 1973.
DELIBES, M. Cinco Horas con Mario. Colección destinolibro. Barcelona, 1982.
FOGLIA, G. Carmen una mujer bien mujer. (Una lectura de Cinco horas con Mario de
Miguel Delibes). Dissertação de mestrado. São Paulo, 1998.
MÉNDEZ, G.M.T. Mujer, Falange y Franquismo. Madrid, 1983.
MANZO-ROBLEDO, F. ‘Aspectos formales e ideológicos en la exploración de la conciencia femenina de
Cinco horas con Mario, de Miguel Delibes’ in Espéculo. Madrid. 2000. URL
SOBEJANO,G. Cinco Horas con Mario (versión teatral) estudio introductorio Espasa-calpe,
SA. 3ªed. Madrid, 1982.
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