PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ricardo Alexandre da Cruz Negros e Educação: as trajetórias e estratégias de dois professores da Faculdade de Direito de São Paulo nos séculos XIX e XX MESTRADO EM EDUCAÇÃO História, Política, Sociedade SÃO PAULO 2009 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ricardo Alexandre da Cruz Negros e Educação: as trajetórias e estratégias de dois professores da Faculdade de Direito de São Paulo nos séculos XIX e XX MESTRADO EM EDUCAÇÃO História, Política, Sociedade Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação no Programa de Pós – Graduação em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Kazumi Munakata. Área de concentração: História da Educação SÃO PAULO 2009 Errata 1. Na página 20, parágrafo 4º, segunda linha, onde se lê parace leia-se: parece. 2. Na página 30, parágrafo 4º, na segunda linha, onde se lê Bandechi (1969) leia-se: Para Bandechi (1969). 3. Na página 37, parágrafo 2º, na décima primeira e décima segunda linha, onde se lê “Sobre os escravos por sua vez, pesava o sistema escravista [...]”, leia-se: “Sobre os negros por sua vez, pesava o sistema escravista [...]”. 4. Na página 45, parágrafo 3º, na quarta linha, onde se lê socrocaba leia-se: Sorocaba. 5. Na página 53, parágrafo 1º, sexta linha, onde se lê “[...] realiza as mais importantes feiras de murares de que sem notícia no Brasil”, leia-se: “[...] realizavam as mais importantes feiras de muares que se tem notícias no Brasil”. 6. Na página 53, citação, primeira linha, onde se lê murares leia-se: muares. 7. Na página 100, na bibliografia, onde se lê Zélia leia-se: Zeila. 8. Na página 100, na bibliografia, faltou a seguinte referência: LOPES, Eliane Marta Teixeira & GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da Educação. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2005. 9. Na página 101, ainda na bibliografia, onde se lê Ricard leia-se: Richard. Folha de Aprovação São Paulo, _____/______/________ Banca Examinadora ....................................................................... Professor Dr. Kazumi Munakata (Orientador) ............................................................................ Professora Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini ............................................................................ Professor Dr. José Geraldo Silveira Bueno Ao meu amor Jaci, pelo apoio incondicional, e a nossa amada filha Inaê. Á memória de meu pai. A minha mãe, pelo amor e dedicação. Ao professor Écio, por tudo que fez por mim A todos os meus amigos, de modo muito especial a Lalado, Adriano, Evandro, Elias, Elizete, Douglas, Jucirlei,Tim, Cristiano e Eusébio. Agradecimentos Quero agradecer ao meu orientador Kazumi Munakata pela orientação competente, criativa e por ter acreditado e se aventurado comigo na realização deste trabalho. Á professora Zeila de Brito Fabri Demartini e ao professor José Geraldo Silveira Bueno, pelas preciosas contribuições no exame de qualificação. O meu agradecimento à professora Eunice Prudente por ter me concedido gentilmente uma série de entrevistas e também aos funcionários do Arquivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em especial ao Valdir, ao Geraldo e a Márcia. Aos professores e à secretária Betinha do Curso de Mestrado do Programa de Pós – Graduação em Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP. Ao professores do Departamento de Educação da Universidade Federal de São João Del Rei em especial ao professor Écio Antônio Portes, que me apresentou ao mundo da pesquisa e de quem fiquei amigo. Aos camaradas Jeferson, Luis, Sérgio e a todos os amigos que conheci em São Paulo. Agradeço ao decisivo apoio do Programa de Bolsas de estudos da Fundação Ford e à equipe da Fundação Carlos Chagas, que coordena o programa no Brasil, pela concessão da bolsa sem a qual não teria sido possível a realização deste trabalho. Tinha accentuado preconceito contra os estudantes de cor, e perseguia-os implacavelmente. Começava por não admitir que lhe extendessem a mão. Uma vez deu o pe a um delles, que o queria cumprimentar. - Desafôro! – Dizia. – Negro não póde ser doutor. Há tantas profissões apropriadas: cozinheiro, cocheiro, sapateiro... (Fala do conselheiro Prudêncio Cabral um dos professores da Academia Jurídica de São Paulo, no século XIX). Resumo Este trabalho aborda a trajetória de dois professores negros: José Rubino de Oliveira e Eunice A. J. Prudente. O primeiro, de seleiro em Sorocaba tornou-se professor da Academia Jurídica de São Paulo, no século XIX, em pleno período escravocrata. A segunda, nascida no século XX, filha de operários, torna-se a primeira professora negra da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, além de ocupar outros cargos de destaque. Nesse sentido, o trabalho objetivou identificar quais foram as estratégias empreendidas por esses sujeitos que lhes possibilitaram construir uma trajetória marcada por ascensão educacional e social. A fim de identificar quais foram as estratégias empregadas pelos dois professores, buscou-se reconstruir as suas trajetórias e para isso foram utilizadas, no caso do professor José Rubino, as obras dos memorialistas da Academia de São Paulo Almeida Nogueira (1907-1912) e Spencer Vampré (1977). Em relação à professora Eunice recorreu-se á entrevista. A análise dos dados revelou que tanto a professora Eunice como o professor José Rubino utilizaram um conjunto de estratégias como a de se valer da ajuda de terceiros, isto é, do capital social, a estratégia do concurso público, entre outras. Ao se analisar a trajetória inicial do professor José Rubino, ocorrida no século XIX, e da professora Eunice, ocorrida no século XX, constata-se que essas estratégias utilizadas por eles se mostraram suficientemente fortes, pois providenciaram que ambos chegassem a um certo momento de suas trajetórias de posse de um volume significativo de capital cultural e social que lhes renderam ascensão social. Os dados permitiram constatar também que todas as estratégias efetuadas pelo professor José Rubino (com exceção da entrada dele no seminário) foram utilizadas pela professora Eunice Prudente apesar de suas trajetórias estarem abrigadas em contextos diferentes. Essa constatação é importante porque sugere que algumas dificuldades (reveladas pelas estratégias utilizadas pelos dois sujeitos) enfrentadas pelo professor José Rubino, no passado, tem similaridade com as enfrentadas pela professora Eunice Prudente, no presente, como foi apresentado neste trabalho. Palavras-chave: Trajetória de estudantes negros, Negros e Educação, Estratégias. Abstract This work approaches the trajectory of two black professors: José Rubino de Oliveira and Eunice A. J. Prudente. The first one was a saddler in Sorocaba and became a professor at Sao Paulo Law Academy in the 19th century, during the slavery period. The second one was born in the 20th century and, daughter of workers, became the first black woman to teach at Sao Paulo University Law School, besides occupying important positions. This way, the work aimed at identifying the strategies used by these subjects that allowed them to build a trajectory of educational and social ascension. In order to identify the strategies both teachers adopted, we tried to rebuild their trajectories, so the opus of the memorialists of Sao Paulo Academy, Almeida Nogueira (1907-1912) and Spencer Vampré (1977), were used in the case of José Rubino. Regarding professor Eunice, we used the interview. The data analysis revealed that both professor Eunice and professor José Rubino had a group of strategies like using the help of others, that is, the social capital, the public examination strategy, among others. When analyzing professor José Rubino’s (in the 19th century) and professor Eunice’s (in the 20th century) first steps, we realize that the strategies they used were strong enough for them to reach, at a certain point of their trajectories, a significant volume of cultural and social capital that provided them social ascension. The data also permitted us to realize that all strategies used by professor José Rubino (excepted by his entrance in the seminar) were used by professor Eunice Prudente, despite their trajectories being part of different contexts. This evidence is important because it suggests that some difficulties (revealed by the strategies used by the two subjects) faced by professor José Rubino in the past were similar to the ones faced by professor Eunice Prudente, more recently, as it is presented in this work. Keywords: Trajectory of black students, Black and Education, Strategies Sumário Introdução.......................................................................................................................10 Algumas referências sobre a educação dos negros no Brasil ........................................10 O tratamento do tema negro e educação pela História da Educação..............................13 O tema: recorte temporal e espacial................................................................................18 A categoria negros...........................................................................................................21 Metodologia e fontes.......................................................................................................22 Capítulo 1 – A história da Academia Jurídica de São Paulo. 1.1. A São Paulo do século XIX e a criação e funcionamento do Curso Jurídico..........29 1.2. O Curso Jurídico e seu lugar como formador de uma elite dirigente em prol de um Estado Nacional..............................................................................................................35 Capítulo 2 – A presença de negros no Curso Jurídico de São Paulo no Século XIX e a trajetória do professor José Rubino de Oliveira.............................................................41 Capítulo 3 – A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e a presença de negros no seu interior no século XX e a trajetória da professora Eunice Aparecida de Jesus Prudente.........................................................................................................................64 Considerações Finais.....................................................................................................89 Fontes............................................................................................................................98 Referências Bibliográficas............................................................................................99 Introdução Durante um ano, como bolsista de iniciação científica trabalhei no projeto “A Presença de Negros na Academia Jurídica de São Paulo – 1827-1890”. Sob a orientação do professor doutor Écio Antônio Portes, da Universidade Federal de São João Del Rei. Estudei a trajetória de alguns estudantes negros que frenquentaram Academia Jurídica de São Paulo no século XIX. No entanto, devido à falta de recursos, assim como, principalmente, a impossibilidade de locomoção até aos arquivos de São Paulo, não foi possível aprofundar de maneira satisfatória o nosso objeto de estudo. Sendo assim, as questões trabalhadas na pesquisa motivaram-me a dar continuidade e aprofundar os estudos sobre o tema. Algumas referências sobre a educação dos negros no Brasil As poucas referências sobre a educação dos negros no Brasil estão ligadas a estudos de cunho sociológico, realizados a partir da segunda metade do século XX. Esses normalmente tratam a educação deste segmento como uma variável, entre outras, que é utilizada para demonstrar os diferentes graus de desigualdades entre brancos e negros na sociedade e na educação brasileira. Ou seja, a educação dos negros não era o objeto de estudo central dessas pesquisas sociológicas que estudavam a população negra. No entanto, tais estudos de cunho sociológico apontaram como o emprego da categoria raça pode ser de grande importância nas análises educacionais e também forneceram pistas, apesar de não terem como foco central a educação dos negros, sobre a relação entre negros e educação no Brasil. Nesse sentido, parece pertinente citar alguns desses trabalhos que de uma forma ou de outra produziram dados sobre o tema. Assim, é relevante apresentar alguns dos trabalhos que marcam o percurso do tema relações raciais no Brasil e que apontam alguns elementos sobre a educação da população negra. Até a década de 1950, circulava no Brasil a tese da democracia racial, segundo a qual as relações raciais entre os segmentos negro, branco e índio se deram e se davam de maneira harmoniosa. No entanto, os estudos empreendidos pela Escola Paulista de Sociologia, que foram encomendados pela Unesco, liderados por Florestan Fernandes e Roger Bastide, produziram uma veemente contestação da tese da democracia racial. É nesse contexto que surgem trabalhos de grande relevância sobre a questão racial no Brasil, como os de Oracy Nogueira, Roger Bastide, Florestan Fernandes, Virgínia Leone 10 Bicudo e Aniela Meyer Ginsberg, que foram compilados em um volume intitulado “Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo” (1955) ou “A integração do negro na sociedade de classes”, de Florestan Fernandes (1964). Num segundo momento, foi produzido um conjunto de outras pesquisas influenciadas pelos estudos desenvolvidos anteriormente, principalmente, a partir do lançamento do livro “Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo”, acima citado. É interessante destacarmos os trabalhos de Fernandes (1964), Cardoso (1977), Ianni (1987), que de forma sucinta analisam o acesso do negro à educação/escolarização. Nas obras de Fernandes (1964), Ianni (1987) e Cardoso (1977) é possível perceber algumas relações do negro com a educação formal. Fernandes (1964), ao analisar a integração do negro na sociedade de classes, chama a atenção para o fato de que, com o fim da escravidão, passado algum tempo, a família negra se dividiu em dois subgrupos: de um lado, a família “integrada” e do outro, a família “desintegrada”. Nas famílias negras “integradas,” notavam-se melhores condições psicossociais para as crianças negras aproveitarem as escassas possibilidades educacionais oferecidas na época, tendo chance de ascenderem socialmente, atribuindo maior valor à educação escolar. O que Fernandes pretendia com essas análises era mostrar quais eram os fatores que facilitavam ou dificultavam a integração do negro na sociedade de classe. Para ele, a educação é focalizada na perspectiva da integração do negro na sociedade brasileira. Cardoso (1977), por sua vez, ao estudar a formação da sociedade escravocrata e a situação do negro do Rio Grande do Sul, salienta o fato de que algumas organizações negras ligadas à imprensa, detentoras de um determinado grau de instrução e escolaridade, já vinham, há algum tempo, denunciando as arbitrariedades praticadas na escola contra alunos negros. E de modo especial, denunciavam as práticas discriminatórias que, segundo essa imprensa negra, tinham a função de impedir que os negros se beneficiassem da educação, da mesma forma que ocorria com os alunos brancos. Cardoso destaca, ainda, o fato de que o negro vê a educação como uma possibilidade de ascensão social e como única alternativa de se ver livre dessas representações negativas que lhe eram dirigidas. Uma vez que livre dessas representações, poderia circular com maior segurança na sociedade de classes. Essa mesma visão sobre o papel da educação no “meio negro” é compartilhada por Cardoso e Ianni (1960, p. 168): “uma das principais preocupações dos negros e mulatos, particularmente chefes de família e aqueles que estão ingressando na classe média, diz 11 respeito à luta pela elevação intelectual, como técnica segura de ascensão social e integração em grupos brancos”. E ainda, “o elemento de cor” só terá êxito em suas empreitadas nas várias instâncias sociais “impondo-se pela cultura”. Contudo, é necessário ter prudência, como já mencionado, com a forma com que esses autores trabalham com a variável educação em seus estudos. Uma vez que a educação nesses estudos não constitui um fim em si mesmo, ela é “focalizada sob o ângulo restrito da escolaridade, e os dados a respeito constituem um dos itens que ajudam a configurar a situação da população negra naquela área, em contraste com a população branca” (Pahim, 1987, p. 4). É oportuno lembrar também, nas palavras de Hasenbalg (1979, p.19) que, “notase entre Fernandes, Ianni e Cardoso a tendência a reduzir os problemas dos negros e dos mulatos àqueles das classes operárias e massas populares”. E ainda, “reconhecem os problemas (raciais), mas têm uma perspectiva otimista a respeito”, pois acreditam que “com o desenvolvimento da industrialização, a discriminação tenderá a desaparecer”. Otimismo que segundo Hasenbalg e Silva (1990, p. 241), não se efetivou: A evidência acumulada aponta para a conclusão de que níveis crescentes de industrialização e modernização da estrutura social não eliminam os efeitos da raça ou cor como critério de seleção social e geração de desigualdades sociais. Essas são algumas das idéias sobre educação dos negros que podem ser encontradas nas obras citadas. É importante lembrar que cada vez mais têm surgido importantes estudos que tratam das relações raciais na escola. Esses estudos têm apontado que a forma com que a escola trata (ou não trata) as questões raciais, pode afetar o desempenho escolar dos alunos negros e com isso reduzir a possibilidade desses alunos obterem êxito escolar e profissional. Segundo Castro e Abramovay (2006, p. 22): No plano das discriminações, instituições, como a escola, podem servir à sua reprodução e, com isso, reduzir possibilidades de mobilidade educacional e social de crianças e jovens negros. A escola não necessariamente está atenta à relevância do clima escolar e das relações sociais para o desempenho escolar, que pode ser afetado por sutis formas de racismo que muitas vezes não são assumidas ou conscientemente engendradas, Esse é um dado importante porque ajuda a dimensionar o grave problema da relação do negro com a escola no Brasil. Isso, porque colocar em pauta que as possíveis razões para o mau desempenho escolar dos alunos negros, que geralmente redunda em abandono escolar, não estão ligadas somente a questões de origem social ou de classe, mas questões ligadas ao racismo constituindo variáveis (que agem juntas com as questões de origem social) que atuam 12 negativamente na trajetória escolar dos alunos negros, dificultando ainda mais a possibilidade de que eles obtenham mobilidade educacional e social. O tratamento do tema negro e educação pela História da Educação. No campo da história da educação, especificamente, o tema negros e educação é ainda pouco estudado. No entanto, há alguns estudos, que apesar de serem poucos, dão importantes contribuições que ajudam a compor o quadro da história da educação dos negros no Brasil. O trabalho “A escolarização da população negra na cidade de São Paulo nas primeiras décadas do século XX”, de Zeila de Brito Fabri Demartini, publicado em 1989, é uma dessas contribuições. Isso, em razão do pioneirismo do mesmo, em sinalizar uma nova perspectiva, ao perceber a atuação dos negros em sua relação com a escola. Demartini (1989), pensando as diversas etnias de São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, tenta entender como a população negra se relacionava com a escolarização e como nesse processo se dava a relação dos negros com os outros grupos de imigrantes. O estudo apontou que a educação foi primordial porque subsidiou as várias ações políticas e sociais que os negros elaboraram, e serviu também, como fator de aproximação da comunidade negra em torno de uma causa comum que era a busca por educação como forma de superar a situação precária em que se encontravam os negros. Em 1992, o artigo intitulado “Raça e Educação: uma relação incipiente”, de Regina Pahim Pinto, chama a atenção para o fato de que os pesquisadores da área da História da Educação não atentarem para a presença de grupos negros no campo da educação: A História da Educação, por sua vez, também vem ignorando sistematicamente as iniciativas de grupos negros no campo da educação, tais como a criação de escolas, centros culturais, seu engajamento em campanhas de alfabetização visando a população negra, ou mesmo suas propostas de uma pedagogia que leve em conta a pluralidade étnica do alunado (Pinto, 1992, p. 47). Um indício da marginalidade que o tema negros e educação vem ocupando no campo da História da Educação pode ser verificado quando se analisa o número de trabalhos relacionados ao negro e à educação apresentados em uma das grandes reuniões da área de História da Educação Brasileira: o Congresso Luso – Brasileiro de História da Educação. Cláudia Costa Alves (1998), em seu artigo “Os resumos das comunicações e as possibilidades esboçadas no II Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação”, realizado em Portugal, em 1998, fez um balanço com os resumos dos trabalhos apresentados no congresso a fim de verificar as tendências dos mesmos que “podem ser considerados como amostra expressiva da 13 pesquisa que se realiza hoje em história da educação e da cultura em Portugal e no Brasil” (Alves, 1998, p. 196). No balanço, Alves (1998) mapeou 205 trabalhos que foram aprovados pela comissão científica, sendo que 25 eram provenientes de Portugal, 174 do Brasil e um de Macau. Dos 174 trabalhos provenientes do Brasil, apenas três enfocavam o negro na educação brasileira. No entanto, algumas mudanças vêm ocorrendo no campo da História da Educação com o surgimento de novas pesquisas que têm como objeto de estudo central a presença dos negros em espaços escolares. Apesar de serem poucos ainda os estudos sobre o assunto, eles vêm apresentando a necessidade de se pensar a forma de tratamento tradicionalmente dirigido aos negros pela historiografia da educação brasileira. Esses trabalhos adotam uma abordagem que busca apontar a presença dos negros nos diferentes momentos da história da educação brasileira e com isso, contribuir para que a invisibilidade dos negros na História da Educação seja superada. Esse novo modelo de abordagem, que busca dar visibilidade às possíveis relações estabelecidas pelos negros no campo escolar, pode ser encontrado no trabalho “Negros e Educação no Brasil”, de Luis Alberto Oliveira Gonçalves, publicado no livro “500 anos de educação no Brasil” (2000). O autor faz um mapeamento da trajetória educacional dos negros levantando questões, tais como: quem teria se ocupado da educação dos negros no período colonial, ou no período pós-abolição? De que forma os negros se agruparam para buscar melhores condições educacionais e sociais numa fase marcada pelo intenso crescimento urbano no Brasil, especialmente no início do século XX? Utilizando-se dos depoimentos de José Correia Leite, entre outros, Gonçalves (2000) esclarece tais questões apontando que foi a existência de entidades negras de caráter cívico e recreativo que ofereciam cursos destinados às crianças e aos jovens negros. E cita, que foram organizações como a Frente Negra, que favoreceram o agrupamento dos negros e possibilitaram sua busca por melhores condições educacionais e sociais. Outro trabalho que se encaixa nessa perspectiva é o estudo de Marcus Vinícius da Fonseca, que no seu artigo, fruto da sua dissertação de mestrado, “Educação e Escravidão – Um desafio para a análise historiográfica” (2002), fornece elementos importantes que ajudam a entender a dinâmica educacional no período escravocrata. Nesse estudo, o autor analisa o modelo educacional do escravo no período citado, voltado para a socialização e para o trabalho. Fonseca demonstra que esses processos educativos materializam-se nos espaços familiares, nas oficinas, nos locais de trabalho etc. 14 O trabalho “Sob(re) o Silêncio das Fontes... A trajetória de uma pesquisa em história da educação e o tratamento das questões étnico-raciais” (2002), Eliane Peres identifica, no século XIX, a presença de alguns estudantes negros que frequentaram o curso noturno da Biblioteca Pública Pelotense, analisando suas trajetórias sociais e profissionais. Nesse estudo, a autora chama a atenção para a necessidade da problematização, dentro do campo da História da Educação, da relação negro/educação, e para isso é fundamental trabalhar de modo criativo as fontes em História da Educação para que elas possam “falarem”. Peres (2002), chama a atenção para a necessidade de se ampliar o conceito de fontes e de construir também novas formas de interpretá-las. Uma vez que as poucas fontes existentes sobre a população negra nem sempre registram o pertencimento racial desses sujeito, sendo necessário formular estratégias para superar os limites dos documentos. Surya Aaronovchi Pombo de Barros, na sua dissertação de mestrado defendida em 2005 com o título “Negrinhos que por ahi andão: a escolarização da população negra” (18701920), pretende, dentro de uma perspectiva histórica, evidenciar o processo de escolarização da população negra no período de 1870 a 1920 em São Paulo. Barros (2005), ao analisar a presença de crianças negras nas escolas públicas, relaciona essa presença com o discurso das elites intelectuais que apontavam para a necessidade de se escolarizar a população pobre. Busca ainda evidenciar, como se deu o interesse da população negra em ter acesso à educação e como o discurso das elites intelectuais influiu de fato no favorecimento da presença de crianças negras nas escolas paulistas. No livro “História da Educação”, Eliane M. T. Lopes e Ana M. O. Galvão alertam para o fato de que: A História da Educação, assim como o campo da educação de modo geral, sabe, hoje, que não é possível se compreender a educação sem lançar mão dessas categorias [de gênero, de etnia e de geração], que contribuem para aguçar o olhar sobre as diferentes realidades. Por muito tempo, não se perguntou, por exemplo, sobre a educação dos negros, dos indígenas ou sobre a especificidade da educação feminina nos diferentes momentos do passado (2005, p. 41). Mariléia dos Santos Cruz (2005), em seu artigo “Uma Abordagem sobre a história da educação dos negros” ,em que analisa a trajetória da pesquisa em educação e sua relação com a afro-descendência, reconhece que na década de 1990, de fato, teve início uma abordagem sobre o negro na história da educação, mas que esses estudos ainda estão muito longe de fazer frente aos desafios apresentados pela educação brasileira. Apesar de a história da educação brasileira ter funcionado como um dos veículos de continuísmo da reprodução do tratamento desigual relegado aos negros na sociedade brasileira, não se pode negar que existe uma história da educação e da 15 escolarização das camadas afro-brasileiras. Essa história tem sido resgatada por pesquisadores, grande parte de origem afro-descendente, que têm procurado evidenciar informações que retratam as relações educativas do negro com as escolas oficiais e com o próprio movimento negro brasileiro. Esses trabalhos têm sido em sua grande maioria voltados para abordagens de períodos mais atuais da história. Diante do quadro de carência de informações sobre a história da educação do afrobrasileiro em épocas mais remotas, e principalmente devido à sua omissão nos conteúdos oficiais da disciplina História da Educação, torna-se necessário e urgente o incentivo a pesquisa nesta área (Cruz, 2005. p. 30). A autora prossegue dizendo que os poucos estudos sobre os negros na História da Educação estão relacionados com a pouca valorização acadêmica do tema. No âmbito das pós-graduações, tem havido necessidade de linhas de pesquisa voltadas para a educação dos afro-brasileiros, com especial destaque em história da educação (...), Esse fato legitima o mito da não-escolarização dos negros e impede inclusive a possibilidade de multiplicação de pesquisadores conhecedores do tema Negro e Educação dentro das universidades (Cruz, 2005, p. 30-31). No entanto, trabalhos como “Cor e magistério” (2006) organizado pela pesquisadora Iolanda de Oliveira, tem ajudado na construção da história da educação do negro no Brasil e valorizado a temática negros e educação o que pode ajudar a estimular o aumento no número de estudos sobre a questão. Esse trabalho “Cor e magistério” é composto por uma série de artigos, assinados pelos principais pesquisadores do tema racial no Brasil, e tem como objetivo esclarecer o lugar que os professores negros ocuparam e ocupam no sistema educacional brasileiro nos diferentes momentos da história da educação brasileira. Outro trabalho que tem como objetivo identificar a presença dos negros no ensino, principalmente a presença dos negros nas escolas formais do século XIX, é o estudo de Marcus Vinícius da Fonseca que em sua tese de doutorado, defendida em 2007, intitulada “Pretos, Pardos, Crioulos e cabras nas escolas mineiras do século XIX”, faz uma análise de como se processou, no período de 1820 a 1850, a construção e estruturação de uma política de instrução na província de Minas Gerais e como se deu a consolidação desse processo em relação à população negra livre da província. A partir do registro censitário, Fonseca (2007) construiu um perfil racial das escolas mineiras que, ao ser confrontado com outros documentos, revelou uma significativa presença de negros nos espaços de educação formal. E de posse dessa constatação, o autor alerta os danos que causam para a história da educação dos negros a ausência da categoria raça nos estudos dos pesquisadores da área de história da educação. A história da educação não acompanhou de perto este movimento [da necessidade do emprego da categoria raça] e ainda não há clareza quanto à importância da categoria raça como um instrumento a ser utilizado pelos pesquisadores desta área. 16 Nos anos de 1990, surgiram as primeiras críticas em relação a indiferença dos pesquisadores da área em relação a esta temática, que ainda continua a ter um lugar periférico na produção da maioria dos historiadores que investigam a questão educacional ( Fonseca, 2007, p. 18). Fonseca (2007, p. 20), ainda com base nas constatações feitas pelo seu estudo de que os negros frequentaram escolas formais no século XIX, crítica a concepção corrente e recorrente na história da educação de que os negros não frequentaram escolas no século XIX. Na história da educação, esta concepção se manifesta através de uma idéia que é reafirmada com certa freqüência, a de que, no período anterior ao século XIX, os negros não frequentaram escolas. De um modo geral acreditava-se que a população negra havia penetrado nos espaços escolares apenas após a expansão das escolas públicas, na segunda metade do século XIX. [...]. [Esta concepção] promove uma invisibilidade dos negros, pois alimenta a crença de que, no Brasil, a educação se desenvolveu sem a construção de um padrão de relações raciais, que, na verdade, era um problema nos períodos mais recentes. A fim de superar essa concepção que cria e sustenta uma certa invisibilidade dos negros nos espaços escolares, Maria Lúcia R. Muller escreveu o trabalho “A cor da escola” (2008) que analisa a presença de professores e alunos negros no interior das escolas na Primeira República. A autora utilizando, de modo muito criativo, um conjunto de fotos, demonstra que apesar dos documentos oficiais das escolas não registrarem, havia sim uma parcela significativa de alunos e professores negros nas escolas. A medida que vai desenvolvendo o seu trabalho, a autora confere cores às escolas tendo em vista que havia brancos, talvez em maior número, mas também negros. Por fim, o trabalho “Trajetórias escolares de alunos negros em São Paulo (1935 a 1964)” de Bruno Bontempi Júnior e Sérgio Tenório de Almeida, publicado nos anais do III Seminário Internacional de educação: Escola e Cultura, em 2008, é outro estudo que merece destaque. Nesta pesquisa, Bontempi e Almeida (2008) analisam a trajetória de alguns estudantes negros que frequentaram a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período de 1935 a 1964. Os autores têm como intento verificar as condições que possibilitaram que esses sujeitos negros tivessem acesso à Faculdade de Medicina e a cursassem, tendo em vista que aqueles sujeitos construíram suas trajetórias escolares numa sociedade fortemente marcada pelo preconceito racial. Esses são alguns dos trabalhos, entre outros, produzidos no campo da História da Educação que tratam da presença dos negros na educação e as ligações desse segmento da população com a educação formal no Brasil. Esses estudos têm dado valiosas contribuições 17 para a superação de “um certo padrão de invisibilidade dos negros na historiografia educacional” (Fonseca, 2007, p. 32). É interessante destacar que a produção exposta acima, relativa ao negro e à educação no campo da história da educação, tem privilegiado como seu objeto de estudo o negro no ensino elementar (especialmente quando o período estudado é o século XIX), sendo raros os trabalhos que abordam a presença de negros no ensino superior, e secundário, no século XX e especialmente no século XIX. Recorte temporal e espacial. Assim, esse trabalho se insere na perspectiva apresentada anteriormente, que busca contribuir para a superação da invisibilidade do negro na historiografia da educação e, para isso, está investigando a trajetória de um professor negro e de uma professora negra que estudaram na Faculdade de Direito de São Paulo. O primeiro no século XIX, e a segunda no século XX. Embora o trabalho só trate da presença desses dois estudantes, foram identificados, também, outros estudantes negros que passaram pelo Largo do São Francisco ao longo do século XIX e XX. estudantes estes visíveis, no século XIX, nas figuras de Otávio Pereira da Cunha (1867-?) 1 , (João Tomás de Araújo 1867-?), José Rubino de Oliveira (18641868), José Fernandes Coelho (1870-1874), José Corrêa de Jesus (1860-1864), Avelino Rodrigues Milagres (1853-1857). No século XX, identificamos os seguintes sujeitos: Antônio Ferreira Cesarino Júnior (1924-1928), Oscarino Marçal (1959-1966), José Sebastião dos Santos (1968-1972) e Eunice Aparecida de Jesus Prudente (1968-1972) Infelizmente, não obstante os esforços, não foi possível localizar fontes que permitissem analisar a trajetória de todos os sujeitos mencionados. Assim, como já foi dito, o foco desse estudo será dirigido para a trajetória do Professor José Rubino de Oliveira, e da Professora Eunice Aparecida de Jesus Prudente. Porém, esse conjunto de estudantes identificados no século XIX serão apresentados no segundo capítulo, na parte que trata da trajetória de José Rubino, porque a forma com que eles são descritos nas páginas da obra de Nogueira nos ajuda a tecer algumas reflexões que de uma forma ou de outra possibilita compreender algumas questões ligadas à trajetória de José Rubino. 1 Ano de entrada e ano de colação de grau. No caso de Otávio Pereira da Cunha e João Thomas de Araújo, não consta no livro de registro de diploma os seus nomes. No entanto, descobriu-se que, segundo Nogueira (1908), ambos provavelmente concluíram o curso de direito na Academia Jurídica de Recife. Nogueira, não fornece as datas de quando ocorreram tais formaturas. 18 Já em relação aos sujeitos identificados no século XX, como será explicado no tópico relativo às fontes, o único sujeito apresentado foi o professor Antônio Cesarino Júnior. Buscou-se, sempre que possível, estabelecer relação entre a trajetória do professor Cesarino Júnior e a trajetória da professora Eunice. A trajetória de Cesarino Júnior foi objeto de estudo em uma tese de doutorado realizada por Irene M. F. Barbosa em 1997. Esse trabalho de Barbosa (1997), sobre Cesarino Júnior, que também era negro e que foi professor da Faculdade de Direito, ajuda a entender melhor como se deu o processo de entrada e permanência da professora Eunice na qualidade de primeira professora negra da Faculdade de Direito da USP. Devido ao fato de José Rubino de Oliveira ter sido professor da Academia, tem-se um conjunto maior de dados sobre ele, o que permite uma análise mais detalhada de sua trajetória. No caso da professora Eunice A. Prudente, além de documentos como seu prontuário, no arquivo da Faculdade de Direito, foi possível também o uso de entrevista. O critério utilizado para escolha desses sujeitos foi o seu pertencimento racial (ser negros) e ter frequentado a Academia Jurídica de São Paulo. Os seis sujeitos encontrados no século XIX foram identificados nas obras dos memorialistas Almeida Nogueira (1907-1912) “Tradições e reminiscências. Estudantes, estudantões e estudantadas”, obra em nove volumes e Spencer Vampré (1977), “Memórias para a história da Academia de São Paulo”. Os outros quatro sujeitos encontrados no século XX foram identificados em livros Acadêmicos e pela ajuda dos funcionários do arquivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O período escolhido no século XIX é aquele que vai da data de nascimento de José Rubino de Oliveira em 1837, a sua morte em 1891. No século XX, trabalha-se a partir do período do nascimento da professora Eunice Aparecida de Jesus Prudente em 1946. O espaço escolhido foi a Academia Jurídica de São Paulo, que desempenhava no século XIX um importante papel social no Brasil. A Academia destacava-se, entre outros motivos, por formar essencialmente os filhos das camadas dirigentes. Os filhos daqueles que “ocupavam cargos – chave nos diversos setores da administração central do Império e da Nação Independente, o que propiciava um trânsito no gerenciamento dos destinos da Nação e no encaminhamento do melhor e mais seguro destino escolar e social de seus filhos" (Portes, 2001, p. 26). Além de ser também a porta de entrada para aqueles que desejassem entrar na vida política partidária, tornando-se assim, um político profissional. Assim, fica explícito o papel da Academia que funcionava como um veículo que possibilitava ascensões sociais, mas 19 que, sobretudo, era um espaço que consolidava as reproduções sociais, um espaço de manutenção do status dos que majoritariamente frequentavam o seu interior. Embora no século XX a Faculdade de Direito de São Paulo tenha perdido o lugar central que exercia como formadora da elite letrada do país, ela continua sendo um importante centro formador de personalidades políticas com destacada atuação no quadro político nacional. O fato de a Academia estar situada na cidade de São Paulo é um ponto importante para a pesquisa. Primeiro porque são poucos, como já foi mencionado, os trabalhos que tratam da educação da população negra no período escolhido, em São Paulo, no século XX e principalmente no século XIX. Segundo, em se tratando de estudos relacionados à raça, ter a cidade de São Paulo como contexto no qual se insere o objeto de estudo é um fator enriquecedor, uma vez que a cidade funcionou (e funciona) como um verdadeiro “laboratório” onde se relacionam diferentes etnias. Não é à toa que a cidade foi escolhida como o epicentro dos estudos organizados por Florestan Fernandes e Roger Bastide sobre relações raciais que culminou, em 1955, no clássico “Relações raciais entre brancos e negros em São Paulo”. Após a identificação dos dois sujeitos foram feitas algumas indagações tais como: quais foram as estratégias utilizadas pelo professor José Rubino e pela professora Eunice Prudente que os possibilitaram, nos dizeres de Viana (1998), obterem longevidade escolar e realizarem uma trajetória de ascensão educacional e social? Se considerarmos o início da trajetória do professor José Rubino e da professora Eunice e o fim da trajetória do primeiro e o momento presente da trajetória da segunda, percebe-se que eles começam com um baixo capital econômico, social e cultural e tempos depois conseguem ampliar consideravelmente esses capitais. Uma vez identificadas as estratégias empreendidas pelo professor José Rubino e pela professora Eunice Prudente, tentou-se também responder a seguinte questão: quais são as relações possíveis que podem ser estabelecidas entre uma trajetória e outra, entre, principalmente, as estratégias utilizadas pelo professor José Rubino, no século XIX, e as estratégias utilizadas pela professora Eunice, no século XX, não obstante os contextos sociais e educacionais serem tão diferentes? Por fim, que destino social tiveram os dois sujeitos? No caso de José Rubino de Oliveira, ele doutora-se e depois de nove concursos tornase, pelo que parace, o primeiro professor negro da Academia Jurídica de São Paulo em 1879. A professora Eunice A. J. Prudente doutora-se em direito em 1996, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e passa por vários cargos de destaque, como o de secretária na Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, assumido em 31 de março de 2006. De 1999 a 2001, ocupou a Diretoria Executiva do Programa de 20 Orientação e Proteção ao Consumidor – Procon e desde 1985 atua como professora, tornandose, em 1994, professora titular, do Departamento de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Em todos esses cargos, a professora Eunice A. J. Prudente foi a primeira mulher negra a ocupá-los. No caso da Secretária da Justiça e Defesa da Cidadania, a sua nomeação, conforme noticiaram alguns jornais, foi um marco histórico uma vez que ela foi a primeira mulher na história a exercer esta função. De fato, ao conferir na Secretaria de Justiça, constatou-se que o cargo existe desde 1892 e, por ele passaram 74 secretários. Portanto, em mais de cem anos de existência, só haviam assumido o cargo homens, entre eles alguns bastante ilustres, como Washington Luis e Miguel Reale, entre os quais a única mulher da lista é a professora Eunice, que ficou no cargo de 31 de março de 2006 a 31 de dezembro do mesmo ano. A categoria negros. Uma vez que se pretende empregar o termo negros para designar os sujeitos da pesquisa é pertinente fazer, mesmo que de forma breve, algumas observações em torno da categoria negro. O uso da categoria negros, que era uma das reivindicações do movimento negro, só passou a ser efetivo nas ciências sociais a partir dos trabalhos de Florestan Fernandes, em detrimento do termo preto. Na verdade, ao se analisar os trajetos das pesquisas sobre relações raciais no Brasil, pode-se perceber o itinerário realizado pelos sistemas de classificação racial do negro: Com a força dos movimentos negros urbanos, o século XX vai conhecer um conjunto de esforços no sentido de se interferir no sistema de classificação racial brasileiro: ‘de homens de cor a pretos’, ‘de pretos a afro-brasileiros’; ‘de afrobrasileiros a negros’, ‘de negros a afros-descendentes’, e assim por diante (Gonçalves, 2004, p. 16). Embora as fontes utilizadas nesse trabalho, classificam José Rubino de Oliveira como pardo, ele será considerado aqui como um não-branco, como um negro. Assim, a categoria negros será utilizada aqui como um somatório de pretos e pardos, que é categoria utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. 21 Metodologia e Fontes. A metodologia empregada para a investigação deste objeto de estudo é aquela que se ocupa com a investigação das trajetórias e das estratégias dos diferentes sujeitos sociais presentes ao longo da obra de Pierre Bourdieu. Foram utilizados os conceitos de habitus, capital cultural, capital social e campo social. O habitus pode ser entendido como um determinado estilo de vida que o indivíduo exterioriza, é uma espécie de marca individual e intransferível que a pessoa porta e que sustenta os julgamentos, uma determinada visão de mundo. Nesse sentido, o habitus pode ser entendido como um “sistema de sinais distintivos” que é composto por um conjunto de “características adquiridas [pelos sujeitos] no seu processo de socialização e incorporadas de modo a possibilitar-lhes as concepções e habilidades necessárias para a sua vida individual e social” (Oliveira, 2004, p. 83). Essas concepções e habilidades, que são aprendidas e apreendidas pelos sujeitos, é que constituem as estratégias, as táticas engendradas e aplicadas pelos mesmos em suas trajetórias individuais e socioeducacionais. Nessa perspectiva, segundo Bourdieu (1983, p. 94), o habitus é um: Sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita que funciona como um sistema de esquemas geradores de estratégias que podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente concebidos para este fim”. O capital cultural, diferentemente do capital econômico, é incorporado ao indivíduo, uma vez que o mesmo é parte constitutiva do próprio sujeito: Sendo pessoal, o trabalho de aquisição é um trabalho do ‘sujeito’ sobre si mesmo (fala em ‘cultivar-se’). O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da ‘pessoa’, um habitus. Aquele que o possui ‘pagou com a sua própria pessoa’ e com aquilo que tem de mais pessoal, seu tempo. Esse capital ‘pessoal’ não pode ser transmitido instantaneamente (diferentemente do dinheiro, do título de propriedade ou mesmo do título de nobreza) por doação ou transmissão hereditária, por compra ou troca (Bourdieu, 2008, p. 74-75, grifo do autor). Bourdieu informa, que o capital cultural se veicula por meio de três estados: o estado incorporado, que seria a possibilidade de o indivíduo dispor de tempo e meios para poder efetuar um trabalho pessoal de inculcação do conjunto das qualificações intelectuais. O estado objetivado seria a posse pelo sujeito de bens culturais como as pinturas, escritos, trabalhos de artes plásticas, obras de artes em geral. E por fim, o estado institucionalizado, que seria o reconhecimento legal, burocrático do capital cultural visível nos diplomas, certificados escolares etc. 22 Na reconstrução e análise da trajetória do professor José Rubino e da professora Eunice Prudente, buscou-se entender como se deu o processo de aquisição desse habitus ao longo de suas trajetórias, considerando para isso o papel exercido pela família, pela relação estabelecida com a Faculdade de Direito de São Paulo, seja como alunos, seja como professores. Pois, como aponta Oliveira (2004, p. 84), “esse conceito de habitus permite compreender também de que forma o homem se torna ser social (...)”, pois o habitus incorporado pelos sujeitos estudados nesta pesquisa em seu: processo de socialização primária (família) revelará o esforço familiar que permite a reestruturação do habitus pelo Sistema de ensino escolar e outros valores disponíveis na sociedade, propiciando-lhe ascender socialmente a uma carreira de sucesso, através da docência no ensino superior. Em outras palavras, o habitus é o produto da posição e da trajetória social dos indivíduos (Oliveira, 2004, p. 84, grifos da autora). Tentou-se identificar também se José Rubino de Oliveira e Eunice Prudente possuíam e fizeram uso de um determinado capital cultural no sentido de transitar com o mínimo de tensões possíveis num meio que a priori não era o deles, tanto pelos seus perfis raciais como pela suas origens sociais. O conceito de capital social segundo Bourdieu (2008, p. 67): É o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e inter -reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis. Esse conceito foi muito útil na análise da trajetória educacional e escolar do professor José Rubino e da professora Eunice, uma vez que ele ajudou na compreensão do significado que teve a presença de determinadas pessoas e o peso que elas tiveram para que esses sujeitos obtivessem sucesso em suas trajetórias educacionais e profissionais. Por fim, utilizou-se também o conceito de campo social que é descrito por Bourdieu (2006, p. 135) como: Um espaço multidimensional de posições tal que qualquer posição actual pode ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variáveis pertinentes: os agentes distribuem-se assim nele, na primeira dimensão, segundo o volume global do capital que possuem e, na segunda dimensão, segundo o composição do seu capital – quer dizer, segundo o peso relativo das diferentes espécies no conjunto das suas posses. Dessa forma, o campo social é por excelência um espaço de luta concorrencial. Assim, os agentes disputam uma determinada posição ou a manutenção de posições adquiridas, em lutas anteriores, em um campo específico. O interessante é que as posições distribuídas e 23 ocupadas em um determinado campo estão relacionadass com a posse, o uso e sobretudo com o volume dos diferentes tipos de capitais que o sujeito possui. Um exemplo: O jovem que se inicia no campo científico, e que se volta fervorosamente para os estudos, na está simplesmente produzindo conhecimento, mas sobretudo investindo num capital cultural [e social], que irá posteriormente assegurar-lhe uma posição dominante no capo dos pesquisadores científicos (Ortiz, 1983, p. 22). A noção de campo social contribuiu para que se entendesse quais foram as estratégias que o professor José Rubino e a professora Eunice utilizaram que lhes permitiram assegurar uma posição dominante no campo do direito. É importante também tecer algumas considerações sobre o conceito de trajetória. Essa pode ser entendida como um ponto de partida e de chegada de uma determinada pessoa. A trajetória individual do sujeito é importante porque oferece pistas que ajudam a elucidar questões que dificilmente poderiam ser esclarecidas pela trajetória coletiva de um determinado grupo. Sobretudo, porque essa trajetória individual pode se apresentar como um desvio em relação à trajetória do grupo ao qual está vinculado o sujeito. Por exemplo, se for considerada a trajetória coletiva dos negros na sociedade brasileira escravista do século XIX, dificilmente se poderia supor que eles freqüentaram o ensino superior da época. Fontes: Consultando a literatura que trata as relações raciais no Brasil, pode-se perceber o esforço que os estudiosos do tema têm que fazer para lidar com os inúmeros desafios que se apresentam, como a ausência de fontes, má conservação dos arquivos etc. Essa mesma dificuldade é sentida pelo pesquisador da história da educação, que esteja interessado em estudar como se deu a trajetória educacional da população negra. De fato, na busca pela consecução desse trabalho, várias foram as dificuldades encontradas. Tanto é, que o objetivo inicial era investigar a trajetória de seis sujeitos negros que estudaram na Academia Jurídica de São Paulo no século XIX, mas devido aos poucos dados e a sua qualidade, não foi possível manter essa proposta. Assim, a proposta foi modificada e o trabalho passou a ter como meta investigar a trajetória do professor José Rubino de Oliveira no século XIX e de quatro estudantes negros que estudaram na Faculdade de Direito no século XX. No entanto, ao procurar dados sobre esses estudantes do século XX, novos obstáculos surgiram. Dos quatros estudantes, só foi possível pesquisar a trajetória de um deles que foi a da professora Eunice Aparecida de Jesus Prudente, professora da Faculdade de Direito da USP, que gentilmente nos cedeu três entrevistas. Em relação aos 24 outros três estudantes do século XX, com exceção de Antônio Cesarino Júnior, não se conseguiu localizar dados sobre eles. Em razão de o negro Antônio Cesarino Júnior ter exercido também a função de professor da Faculdade de Direito da USP e ter a sua trajetória estudada pela pesquisadora Irene Barbosa (1997), resolveu-se em vez de estudar a trajetória dele, o que já foi muito bem feito por Barbosa, utilizar-se desse estudo com o fim de melhor compreender a trajetória da professora Eunice, principalmente no que se refere a sua presença na qualidade de professora negra da Faculdade de Direito. Dessa forma, o processo de pesquisa se revela muitas vezes como um processo difícil e tenso. Porém, à medida que as dificuldades iam ocorrendo, estratégias foram sendo montadas para que não obstante os problemas, esse trabalho fosse realizado. Foi com esse esforço que se resolveu estudar a trajetória do professor José Rubino, no século XIX, e da professora Eunice Prudente, no século XX, e tentar identificar as possíveis estratégias que eles utilizaram e que os ajudaram a obter ascensão educacional e social. Mesmo com a reformulação da proposta do trabalho que teve como consequência a definição de que se pesquisaria a trajetória desses dois professores da Faculdade de Direito, outras dificuldades apareceram. Primeiro, ao analisar os prontuários percebeu-se que eles traziam poucas informações e para piorar, o prontuário de José Rubino havia se perdido em decorrência de um incêndio ocorrido na Academia em 1880. Outra dificuldade foi que não se encontrou nada de substancial nas análises feitas em alguns documentos, por exemplo nas Atas da Congregação que se encontram no Arquivo da Faculdade de Direito da USP. Essas Atas informam sobre os assuntos de ordem burocrática e administrativa, que ocorriam na Academia, como: transferências de alunos, solicitações de diversas naturezas como pedido de alunos para refazer exames perdidos etc. Também foi pesquisada uma série importante do jornal A Província de S. Paulo, A República e o Polichinelo disponíveis em microfilme no Arquivo Público Paulista, mas não foi encontrada nenhuma referência relativa aos sujeitos do século XIX e XX. Procurou-se por registros iconográficos, como álbuns de fotografias, relativos aos sujeitos junto ao arquivo e à biblioteca da Faculdade de Direito, mas os funcionários disseram que dificilmente haveria registros dessa natureza. No entanto, foram encontrados dois retratos 25 de José Rubino na Faculdade de Direito e uma foto 3x4 da professora Eunice Prudente anexada ao seu prontuário. Nesse sentido, trabalhar com as poucas fontes existentes, que de alguma forma podem ajudar na elucidação da história da educação dos negros, não é tarefa fácil. Pois como bem destacou Peres (2002), há um “silêncio nas fontes” que tratam da educação dos negros. Um exemplo disso é a dificuldade de se encontrar registros referentes à cor dos sujeitos nos documentos. No entanto, apesar das dificuldades, é necessário estudar a educação dos negros no Brasil, a fim de contribuir, mesmo que de modo modesto, para uma maior visibilidade de como se processou a trajetória educacional desse segmento no campo da história da educação. Assim, não obstante essas dificuldades, as seguintes fontes foram utilizadas para a consecução da pesquisa. Na obra “Tradições e reminiscências. Estudantes, estudantões e estudantadas”, publicada em nove volumes ao longo dos anos de 1907 a 1912, Almeida Nogueira apresenta os vários sujeitos, e suas respectivas turmas, que passaram pela Academia Jurídica de São Paulo de 1831 a 1890, por meio de suas crônicas, casos anedóticos ocorridos dentro e fora da Academia. É possível identificar que entres os sujeitos citados há seis a quem Nogueira se refere ou como preto ou como pardo. Em seu esforço em reconstituir o cotidiano da Academia de São Paulo, Nogueira oferece informações importantes como o ano de entrada, turma a qual pertenceram, e alguns encaminhamentos profissionais, principalmente daqueles que se transformaram em “figuras de proa” no campo jurídico brasileiro. Almeida Nogueira nasceu em 1851 pertenceu à turma acadêmica de 1869-1873 da Academia Jurídica de São Paulo. Em 1890, após prestar concurso, foi nomeado professor da Academia, vindo a falecer em 1914. Outra obra importante é a de Spencer Vampré “ Memórias para a História da Academia de São Paulo” publicada, em dois volumes, em 1924 e reeditada em 1977. Neste trabalho Vampré, assim como Nogueira, tenta reconstruir a história da Academia apontando seus eventos, episódios e personagens importantes que passaram pelas Arcadas. Spencer Vampré nasceu em 1888 e faleceu em 1964. Pertenceu à turma de 1904-1908. Foi um dos principais historiadores da Faculdade de Direito de São Paulo. Sobre a utilização das obras desses dois memorialistas é importante fazer aqui uma reflexão. Pois, embora a obra de Vampré (1977) e principalmente a de Nogueira (1907-1912) 26 ofereçam importantes informações, sobretudo em relação à trajetória de José Rubino, sem as quais seria impossível realizar esse trabalho, é preciso ter cuidado com esse tipo de fonte. Isso porque, muitas vezes, as obras dos memorialistas funcionam como forma de prestar homenagem póstuma, louvor àqueles que já morreram. No caso dos dois memorialistas que se está aqui utilizando, de modo especial no caso da obra de Nogueira, ocorre o inverso, ou seja, Nogueira (1908), não constrói seus registros sobre a presença dos estudantes negros, que passaram pela Academia Jurídica de São Paulo, no século XIX, de forma apológica. Ao contrário, ao se analisar a forma com que Nogueira descreve esses estudantes negros tem-se a impressão de que eles só mereceram registros em sua obra por terem se envolvido em situações engraçadas, cômicas e não pelas suas possíveis qualidades intelectuais. É provável que a origem racial e social de Almeida Nogueira, que era branco e filho de Pedro Ramos Nogueira, fazendeiro e Barão de Joatinga, tenha pesado na forma com que ele descreve os estudantes negros, tendo em vista as representações negativas que se tinha do negro na época e que Nogueira, provavelmente, partilhava, como será visto no início do segundo capítulo. Os prontuários Foram analisados os prontuários dos estudantes negros identificados no século XIX e o da professora Eunice no século XX. Os prontuários foram utilizados para complementar e, algumas vezes, confrontar as informações que aparecem na obra de Almeida Nogueria (19071912) e de Spencer Vampré (1977). As informações conferidas foram a cor atribuída aos sujeitos, nome dos país, ano e local de nascimento. Entrevista Utilizou-se também, como recurso metodológico, a história oral que permite, por meio de entrevistas, a reconstrução de acontecimentos, que muitas vezes, como é o caso desta pesquisa, não foi possível apreender somente pelo uso de documentos escritos. Seja porque a quantidade deles é reduzida, ou está em mal estado ou mesmo inexiste. Assim, o historiador se vê na contingência de buscar novas possibilidades para que possa, assim, contar de alguma forma a sua história. HO [História Oral] é uma técnica de coleta de dados baseada no depoimento oral, gravado, obtido através da interação entre o especialista e o entrevistado, ator social ou testemunha de acontecimentos relevantes para a compreensão da sociedade. A HO tem por finalidade o preenchimento de lacunas existentes nos documentos escritos. (Haguette, 2007, p. 95). É nesse sentido que será utilizada a entrevista com a professora Eunice A. J. Prudente, uma vez que seu prontuário pouca ou nada nos diz sobre a sua trajetória. A entrevista nos fornece dados que pela escassez ou inexistência das fontes escritas não encontramos. 27 Na verdade, as entrevistas, no caso de muitas pesquisas em que os testemunhos escritos são raros e esparsos, possibilitam a visualização de rostos e a escuta de vozes de parcelas da população muitas vezes consideradas de maneira homogênea e que, embora, expressem uma época, um pertencimento social, de gênero, de etnia, de origem (rural ou urbana), são compostas de indivíduos singulares (Lopes & Galvão, 2005, p. 90). Dessa forma, em razão da ausência de um quadro mais amplo e específico de fontes, este trabalho está sendo construído com base numa diversidade de registros sem o qual seria impossível a sua realização. Nesse sentido, concorda-se com a fala de Maria Odila Dias (1995, p.17) que ao estudar o cotidiano das mulheres escravas em São Paulo, no século XIX, deparou-se, assim como nós, com dificuldades ligadas às fontes. A documentação é especialmente difícil pela natureza dispersa das fontes e também por estarem, em geral, como toda fonte escrita, comprometidas com valores outros, de dominação e poder [...]. É uma história do implícito resgatada das entrelinhas dos documentos, beirando o impossível, uma história sem fontes. Este trabalho está organizado da seguinte forma: No primeiro capítulo, procurou-se indicar o processo de instalação da Academia Jurídica de São Paulo e seu papel de formadora de uma elite dirigente nacional, criada para fundamentar e erigir o Estado Nacional Brasileiro. No segundo capítulo, são apresentados os estudantes negros que estudaram na Academia Jurídica de São Paulo no século XIX, e é feita uma analise da trajetória de José Rubino de Oliveira que de seleiro em Sorocaba torna-se professor da Academia de Direito de São Paulo. O terceiro capítulo ocupa-se da trajetória da professora Eunice Prudente, ocorrida no século XX. Sendo filha de família operária consegue atingir postos importantes como o de secretária na Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo e de professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sendo que em ambos os cargos a professora foi a primeira mulher negra a ocupá-los. 28 Capítulo 1 – A história da Academia Jurídica de São Paulo. 1.1. A São Paulo do século XIX e a criação e funcionamento do Curso Jurídico. A São Paulo do início do século XIX é vista, pela literatura e fontes historiográficas, como uma cidade atrasada, fortemente marcada pela organização político-social da colônia. A cidade tida como “arraial dos bandeirantes” possuía um modesto centro comercial ligado a uma economia de subsistência. Geograficamente a cidade sofria com a precariedade do sistema de transportes, o que impossibilitava uma maior comunicação entre as freguesias. A vida na cidade era marcada pela ausência de serviços urbanos como transporte, canalização de água, distribuição de gêneros alimentícios etc. Além do mais, o estado de sujeira da cidade, a falta de hábitos de higiene, entre outros fatores, contribuíam para a disseminação de doenças. Nesse sentido, como já foi sugerido acima, São Paulo era uma província isolada e atrasada, com uma organização social e familiar gerida por hábitos patriarcais. No âmbito econômico havia uma economia mal articulada com uma estrutura produtiva fechada (...). Tal fato significou que boa parte da população viuse obrigada a competir com a mão-de-obra escrava, sobrevivendo precariamente, numa situação de subemprego, com remuneração intermitente e submetida a ocupações aleatórias (Campos, 2004, p. 20). São Paulo contava com cerca de vinte mil habitantes e possuía fortes características de uma comunidade rural. Tais características somadas a uma economia modesta contrastavam com o cosmopolitismo de cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Recife. A organização social e política da cidade, na primeira metade do século XIX, ainda era muito incipiente, como nos aponta Morse (1954): O conceito de um governo ou corpo de leis impessoal que provê serviços padronizados, dentro de uma configuração urbana, e exige, por sua vez, acatamento uniforme, pouca atenção ou reverência recebia. [A vida social na cidade] funcionava ao acaso; isto é, não era frequente o homem intervir calculadamente nos processos naturais de sua comunidade. Com a criação da Academia Jurídica de São Paulo, em 1827, e posteriormente com o desenvolvimento da cafeicultura, entre tantos outros fatores importantes, esse perfil da cidade, é significativamente modificado 2 . 2 Para se ter uma idéia, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade de São Paulo possuía em 1872 cerca de 31. 385 habitantes e a partir daí a população cresce de modo vertiginoso chegando ao ano de 1900 com uma população de 239.820 habitantes. 29 Mas parece haver um consenso na literatura consultada sobre o assunto, de que é a criação da Academia Jurídica a grande responsável por inaugurar um novo momento para São Paulo e anunciar as mudanças que ocorreriam na cidade no decorrer do século XIX. Com a criação do curso de direito, o centro da vida urbana passa a ser a Academia. Assim é que frente a um panorama, à primeira vista, estagnado, a Academia de Direito de São Paulo constituiu-se, no período compreendido entre 1827 a 1865-9, em pólo difusor de mudanças sociais e que, a grosso modo, contrastava com a miséria e a ‘desordem’ imperantes no espaço da cidade. De fato, São Paulo parecia viver às expensas da vida acadêmica. Não somente os estudantes eram efetivos usuários dos serviços urbanos, a despeito de sua precariedade, como também a vida social e cultural se desenvolvia como se emanasse dos interiores da Academia”. (Adorno, 1988, p. 81). Dessa forma, com criação da Academia Jurídica, com o surgimento do “burgo de estudantes” e, mais tarde, com a economia cafeeira, o perfil de São Paulo é radicalmente modificado, mas é a Academia que ocupa o papel de destaque como a instituição que promove a cultura na cidade, modificando o ritmo da vida social, como nos revela Adorno (1988, p. 81), ao afirmar que “até acontecimentos como bailes, festas, comemorações cívicas eram promovidas pelos e para os estudantes, a tal ponto que imigrantes portugueses se queixavam de serem discriminados”. E ainda segundo Adorno (1988, p. 81), foi: através da ação dos acadêmicos, de seus institutos e associações, de sua imprensa e do que a vida estudantil proporcionava em termos de prestigio e poder (...) foi a cidade, pouco a pouco, perdendo sua fisionomia herdada dos tempos coloniais e abrindo espaço para as transformações que se anunciavam”(). No entanto, a criação da Academia Jurídica de São Paulo foi um processo que se deu de modo tenso e, de certa forma, demorado. Bandechi (1969), a fundação dos cursos jurídicos no Brasil está relacionada ao movimento de independência, pois naquele momento era necessário alicerçar o Estado, que se constituía independente, numa organização legal que refletisse e desse suporte à nacionalidade e, para isso ocorrer, era imprescindível uma estrutura jurídica. Já em 1823, o deputado paulista José Fernandes Pinheiro propunha na Assembléia Constituinte a necessidade de criação de uma universidade e, principalmente, de uma faculdade de direito. A defesa para que se implantasse o curso de direito no Brasil tinha dois propósitos: assegurar e garantir, por meio da lei, uma organização da vida social baseada em fundamentos jurídicos e possibilitar que a juventude brasileira deixasse de ser formada na Europa (especialmente em Coimbra, para onde ia grande número de estudantes) e passasse a ser formada em solo nacional. Em seu texto, Bandechi expõe uma série de falas da época que 30 denunciam a discriminação e opressão às quais estavam sujeitos os jovens brasileiros que estudavam em Coimbra: Uma porção escolhida da grande família brasileira, a mocidade, a quem um nobre estímulo levou à Universidade de Coimbra, geme ali debaixo dos mais duros tratamentos e opressão (propositura de Pinheiros feita na Assembléia constituinte entre os anos de 1823-1826, apud Bandechi, p. 152, 1969). O entusiasmo em torno da criação do curso jurídico no Brasil pode ser percebido nos comentários veementes e, geralmente, depreciativos tecidos na época sobre a Universidade de Coimbra, como se pode notar na fala de Bernardo Pereira de Vasconcelos: Estudei direito público naquela Universidade, e por fim sai um bárbaro, foi-me preciso até desaprender (...), ali [Universidade de Coimbra] não se admitem correspondências com as outras academias; ali não se confere os graus senão àqueles que estudaram o ranço de seus compêndios; ali está aberta continuadamente uma inquisição, pronta para mandar às chamas todo aquele que tivesse a desgraça de reconhecer qualquer verdade ou na religião ou na jurisprudência, ou na política (Vasconcelos, apud Bandechi, p. 153, 1969). A necessidade de implantação de um curso de direito no Brasil era admitida pela maioria daqueles que estavam encarregados de pensar os rumos que o reino, agora independente, deveria tomar. Mas a grande questão era a implantação do curso de direito. De fato, se havia concordância nos ataques dirigidos à Universidade de Coimbra e na necessidade de se criar um curso de direito no Brasil, as discordâncias começaram quando da determinação em qual província instalá-lo. De um lado, havia a proposta de Fernandes Pinheiro de que o curso deveria ser instalado em São Paulo, pois, segundo o mesmo, a província apresentava a vantagem de possuir um clima temperado, baixo custo de vida, proximidade com outras importantes províncias como a de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Até mesmo o fato de que na cidade não havia distrações foi evocado por Fernandes Pinheiro, que considerava tal fato positivo uma vez que, não havendo distrações, os jovens não desviariam sua atenção dos estudos. Por outro lado, os deputados baianos Silva Lisboa e Montezuma discordavam de Fernandes Pinheiro, dizendo que a Bahia era o local mais adequado para a implantação do curso de direito: Não sei por que aqui sempre se anda com São Paulo para cá São Paulo para lá; em nada aqui se fala que não venha São Paulo, (...) A conceder-se um só Colégio, não devia ser em São Paulo, mas na Bahia, não pelo que vulgarmente se diz, de cada um puxar a brasa para a sua sardinha, não é por eu ser baiano, não é o espírito do amor da pátria que me obriga a dizer que o lugar do colégio não deveria ser São Paulo, mas o meu amor da minha nação em geral, o bem comum de todos os meus concidadãos, pois ficando muito distantes das províncias de Pernambuco, Ceará, Piauí, Maranhão, etc.,torna quase impossível aos habitantes daqueles lugares o aproveitarem-se das ciências, que ali se ensinaram; ao mesmo passo que na Bahia fica um centro comum do nosso Império, tanto para o norte como para o sul, além de oferecer, pela qualidade do seu comércio, muitas facilidades de transportes de 31 qualquer parte para ali; o que não sucede em São Paulo ( Deputado Baiano Montezuma, apud Bandechi, p. 154, 1969). A resposta não se fazia esperar: A Bahia em que tenho ouvido falar, nunca eu a escolheria para isso [implantação do curso de direito]; é a segunda babilônia do Brasil, as distrações são infinitas e também os caminhos da corrupção; é uma cloaca de vícios (Deputado Antônio Carlos Andradas, apud Bandechi, p.157, 1969). Analisando o empolgado debate em torno do melhor lugar para a implantação do curso de direito, pode-se perceber que a grande tônica do debate que perpassa mesmo os conflitos de interesses motivados pelos regionalismos, é a consciência que os deputados tinham de quão importante seria a instalação de tal curso para o desenvolvimento da região na qual viesse a instalar-se (Martins e Barbuy, 1999), o que de fato veio a se confirmar, com a instalação da Academia de Direito de São Paulo. O desentendimento em torno do local onde se instalaria o curso jurídico foi superado com a aprovação do projeto, em 31 de agosto de 1826, transformado em lei em 11 de Agosto de 1827, que determinava a criação de um curso jurídico no Norte, em Olinda, e outro no Sul, em São Paulo. A Escola de São Paulo foi inaugurada em 1º de março de 1828 e, com a aprovação de seus estatutos em 1831, passou a ser chamada de Academia Jurídica de São Paulo. Ficou definido que o curso teria cinco anos de duração e sua grade curricular seria composta por nove cadeiras: Direito Natural, Direito Público, Análise da constituição do Império, Direito das Gentes, Diplomacia, Direito Pátrio Criminal e Teoria do Processo Criminal, Direito Mercantil e Marítimo, Economia Política e Teoria e Prática do Processo adotado pelas Leis do Império. A literatura consultada nos fornece alguns elementos sobre a escolha dessa grade curricular. Por exemplo, não é por acaso que a primeira cadeira era a de Direito Natural, matéria que foi por um tempo o epicentro do curso de direito, uma vez que, com suas bases filosóficas, fornecia os principais conceitos utilizados no ensino e na prática do direito, servindo de base também às demais áreas do direito. Já o Direito Público tinha como função essencial formar os homens públicos capazes de compreender o Estado e conjugar, no interior desse, de modo apropriado, suas dimensões políticas e administrativas. Uma análise mais atenta da composição desse currículo revela que havia de fato mais interesse em se criar o curso de direito para a formação de uma classe dirigente nacional do que mesmo a formação de advogados em si. Um exemplo disso pode ser verificado na discussão ocorrida na época sobre o estabelecimento ou não, no currículo, da cadeira de Direito Romano ou Direito Público, sendo que a preferência recaiu sobre a última. A razão 32 para que a preferência recaísse sobre a cadeira de Direito Público “(...) decorria do objetivo de formação de uma elite preparada para funções políticas e administrativas mais do que para o exercício da advocacia” ( Martins & Barbuy, p. 28, 1999). Mas, se de fato foi esse interesse que favoreceu a preferência da cadeira de Direito Público em relação à de Direito Romano, esse mesmo interesse parece ter sido, posteriormente, repensado, já que o Direito Romano foi incluído no currículo da Academia de São Paulo a partir de 1851. No que diz respeito às formas de acesso à Academia, ficou definido que seriam criados os exames preparatórios, que eram uma espécie de provas que os alunos podiam fazer quando bem lhes aprouvessem. Podiam, por exemplo, fazer o exame de língua francesa num determinado ano e o de latim em outro, e assim por diante. Os exames preparatórios eram compostos por cinco matérias: língua francesa, gramática latina, retórica, filosofia racional e moral e geometria. Com a aprovação dos novos estatutos, em 1831 foram incorporadas mais quatro matérias: aritmética, história, geografia e inglês. Para matricular-se nos Cursos Jurídicos, o estudante deveria apresentar as certidões de aprovações nessas matérias, além da certidão de idade que comprovasse que o rapaz tinha quinze anos completos. O governo determinou, ainda, que as respectivas matérias que compunham os exames preparatórios fossem oferecidas na cidade de São Paulo e Olinda e, para isso, foram criados os chamados colégios preparatórios ou cursos anexos aos Cursos de Jurídicos (Haidar, 1972). Não foram poucas as queixas contra os preparatórios, como nos afirma Haidar (1972, p. 48): “a desorganização dos cursos anexos que se reduziam a um amontoado de aulas avulsas desprovido de qualquer estrutura, somavam-se aos clamores contra os desmandos de professores relapsos e de examinadores inescrupulosos”. Os professores reclamavam de seus parcos ordenados; os alunos, das insistentes ausências dos professores. Da criação dos exames preparatórios – é importante ressaltar que essa tensão que surgiu com a criação e manutenção desses exames – abriu-se caminho para que uma grande questão, que iria perdurar e se tornar uma das grandes questões educacionais da Primeira República, fosse colocada em pauta: a ausência de um ensino secundário organizado uniformemente no país. com o surgimento das Academias de São Paulo e de Olinda e com o estabelecimento de um padrão básico de conhecimentos que deveriam ser apropriados como requisito de acesso às Academias, evidenciou-se a necessidade de se pensar a instrução secundária no país. Sobretudo, porque os exames preparatórios vinham se mostrando ineficientes e estavam sendo objeto de ferrenhas críticas tanto de alunos, como de professores, e mesmo de ministros, como se pode verificar na denúncia do Ministro do Império Marcelino de Brito em 1843: 33 Lente já houve que no ano não foi a sua cadeira mais de vinte ou trinta vezes pretextando moléstia que, aliais, não o impediu de se ocupar de outros negócios; e dentre os professores do colégio das artes tais há que, dando parte de impedidos para irem às aulas, ensinam em suas casas, e têm-se animado a anunciar nos periódicos que dão lições particulares das mesmas matérias que são obrigados a professar pública e gratuitamente (Relatório apresentado a Assembléia Geral em 1843, apud, Haidar, 1972, p. 49). Várias foram as medidas adotadas para a organização e moralização dos exames de preparatórios, como maior controle do governo sobre os cursos anexos, sendo que os programas e compêndios deveriam ser os mesmos que eram adotados na Corte, criação de concursos para seleção de professores e substitutos, estabelecimentos de prazos de validades para os exames feitos etc. Essas medidas de alguma forma surtiram algum efeito, mas não deslocaram o debate em torno dos exames preparatórios e a busca pela formatação do ensino secundário. Pelo contrário, pode se dizer que o debate se amplia: As transformações sociais e econômicas do final do século XIX e início do século XX acarretam percepções de crise na educação e na sociedade, tema constante nos discursos (...). O combate aos exames parcelados é então visto como a solução para enfrentar os males da crise (Gasparello, 2003, p. 74). Mas como nos sugere Antunha (1980), é somente com a reformulação da instrução Pública na Primeira República que os exames preparatórios saem de cena e se ensaia um novo modelo de ensino secundário, pensado de modo institucionalizado (organizado e uniforme) como curso regular de ensino a ser adotado em todo o país. Assim como houve inúmeras dificuldades na implantação da Academia de Direito de São Paulo, como o local onde instalá-la, não foram poucos e de várias ordens os obstáculos que ameaçavam seu funcionamento: havia carência de professores, e muitos daqueles que eram nomeados para a função de professor mal compareciam às aulas, seja por problemas de saúde ou por exercerem altos cargos no governo. Outra dificuldade, de ordem didática, era que nem todos os professores possuíam conhecimentos e erudição suficientes para ministrarem as aulas de suas respectivas cadeiras e havia, ainda, uma escassez de obras atualizadas que contemplassem as diferentes áreas do direito. Para piorar o quadro, eram muitos os conflitos entre professores, diretores e alunos, além das insistentes investidas do governo imperial pelo controle dos conteúdos dos cursos. No entanto, apesar de todos os problemas, a Academia recém instalada manteve seu funcionamento e passou a ocupar o papel central na vida cultural de São Paulo. A tal ponto que, como sugerem Martins e Barbuy (1999), se a proclamação da independência simbolizou a emancipação política, o estabelecimento dos cursos jurídicos representou a emancipação intelectual do Brasil. 34 1.2. O Curso Jurídico e seu lugar como formador de uma elite dirigente em prol de um Estado Nacional. A Academia foi criada, como já foi dito, por decisão da Lei de 11 de agosto de 1827, e sua criação se situa dentro de um projeto de construção do Estado Nacional Brasileiro (Adorno, 1988). E cabia à mocidade, armada pelo saber que seria fornecido pela Academia, formular, realizar tal projeto e velar por ele. É imprescindível que a mocidade que é esperança do porvir se convença de que esta grande pátria não creou Escólas e não fundou institutos como estes, unicamente para preparar amanuenses e promotores; mas principalmente para formar pelo estudo e pelo saber, homens que a possam guiar em suas luzes, e engrandecê-la com suas sabedoria ( Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, 1849, apud Schwarcz, 2007, p. 141). Essa mocidade que deveria ocupar os assentos da Academia era composta basicamente pelos filhos das elites brancas rurais, que fizeram da Academia sua sede. A Academia “foi celeiro de um verdadeiro ‘mandarinato imperial’ de bacharéis” (Adorno, 1988, p. 79). Foi a porta de entrada para os bacharéis que desejassem entrar na vida política partidária, tornando-se assim um político profissional, um bacharel – político. O livro, sem data, de Douglas Michalany “São Paulo No Limiar do Seu Quinto Século” – especialmente a parte do livro intitulada “As Arcadas” – revela a importância da Academia Jurídica na formação de quadros dirigentes para os vários setores de destaque na sociedade brasileira. Como bem aponta Costa Santos (2005, p. 6-7), Embora o livro não apresente data de publicação, como o seu intuito é expor o caráter representativo da Academia de Direito de São Paulo em diversos setores da sociedade brasileira, a lista, disposta é perfeitamente ilustrativa. O autor apresenta, egressos dessa Academia, oito presidentes da república eleitos, trinta e seis governadores de São Paulo, além de setenta e seis nomes de personalidades com atuação em diversos outros cargos de destaque político ou de visibilidade na literatura e no jornalismo. Nesse sentido, a criação da Academia Jurídica de São Paulo, assim como a de Recife, representa a tentativa de formar quadros para a atuação política, ou seja, pretendia-se formar uma intelligentsia nacional que desse conta de enfrentar os desafios específicos da nação recém-independente. Pois, o Brasil se sentia convocado a dar provas “para fora e para dentro” de que de fato era independente e, para dar confiabilidade e legitimidade a “essas provas”, eram necessárias novas leis que produzissem uma nova consciência político-social-jurídica. Dessa forma, o desenvolvimento da nação estava condicionado ao bom andamento da Academia de Direito uma vez que: Nas mãos dos juristas estaria, portanto, parte da responsabilidade de fundar uma nova imagem para o país se mirar, inventar novos modelos para essa nação que acabava de se desvincular do estatuto da metrópole, mas mantinha no comando um monarca português (Schwarcz, 2007, p. 141). 35 Pode-se perceber que a Academia carregava em seu bojo uma função política, que perpassava a sua função acadêmica. Ela devia, mais do que formar técnicos especializados, formar grandes juristas e eruditos – formação de uma elite nacional que despojada dos elementos culturais que os prendiam à metrópole e que fosse capaz de desenvolver um pensamento próprio. É nesse contexto que a figura do bacharel tornou-se símbolo de prestígio no Brasil. Prestígio, como já foi lembrado, que não advinha do curso de direito por si só, isto é, o curso não era um fim em si mesmo. O prestígio crescente do bacharel era decorrente da sua valorização simbólica em função das possibilidades políticas de que o profissional de direito podia fazer uso. Como de fato o fez. Com efeito, da Faculdade de Direito de São Paulo saíram os personagens políticos (ministros, presidentes, senadores, governadores e deputados geralmente vinculados também à imprensa) que determinaram os rumos tomados pelo país na busca pela construção de um Estado Nacional. Mas, para a materialização desse Estado nacional era necessária não só autonomia política, mas também autonomia cultural e burocratização do aparelho estatal (Adorno, 1988). É nesse sentido que, no Brasil, a formatação de um regime político ocorre quase que simultaneamente com profissionalização da política, que passou a ser vista como uma ocupação estratégica na unificação da elite política. E era a Academia a responsável por essa profissionalização da política, como sugere Adorno (1988, p. 78) ao afirmar que “ a profissionalização da política, principiada no interior das Academias de Direito, conferiu papel determinado ao bacharel”. Papel esse central na construção do Estado tendo em vista que “O Estado brasileiro erigiu-se como um Estado de magistrados, dominado por juízes, secundados por parlamentares e funcionários de formação profissional jurídica” (Adorno, 1988, p. 78). O bacharel formado nas Academias transitava nos espaços diretivos dos órgãos centrais e regionais de governo. Envolvido em toda uma teia de relações sociais, o bacharel é considerado por Adorno como o principal intelectual do século XIX. Segundo Adorno (1989, p. 89), “a prevalência do ideal de liberdade sobre o de igualdade, dominante desde os primeiros anos da Academia de Direito de São Paulo, reproduziu-se na formação intelectual, cultural e política dos bacharéis”. Aqui é preciso fazer uma reflexão. Na verdade, é extremamente importante fazer uma pequena problematização sobre algumas contradições que giravam em torno da construção do Estado brasileiro enquanto nação independente e dos efeitos que essas contradições teve na Academia Jurídica de São Paulo. Para Adorno (1988), com a independência do Brasil, 36 a proposta de construção da nação brasileira ganha força e é concebida por uma ideologia política com fundamentos liberais. No entanto, aqui no Brasil, à época, esse ideário liberal foi reinterpretado ganhando uma particularidade bastante inusitada, isto é, ocorreu uma verdadeira separação, no núcleo desse liberalismo, entre os postulados liberais e os princípios democráticos. Nesse sentido, afirma Adorno (1988, p. 34, grifo nosso): Para as elites proprietárias rurais a agenda liberal significou progresso, liberdade, modernização e civilização, não obstante implicasse paradoxalmente a proposição de um projeto político de âmbito nacional que mantinha a escravidão, não tinha pretensões democratizantes, não revelava a intenção de transforma o país numa república e sequer se baseava na premissa da igualdade jurídica, política e social. Dessa forma, quando se fala em ideal de liberdade e igualdade (política, social, jurídica), no contexto da construção da nação brasileira no século XIX, é preciso ter muito cuidado e se pergunta a todo o momento: que tipo de liberdade e igualdade estava sendo pensada naquele momento? Liberdade e igualdade para quem? De fato, foi uma liberdade e uma igualdade pensadas para alguns homens brancos e ricos proprietários de terras. O grosso da população formada por escravos, homens brancos livres e negros libertos ficavam desprovidos de benefícios sociais é políticos. Os negros libertos sofriam ainda com o tratamento desigual na sociedade por serem negros uma vez que, não obstante serem livres, a pessoa do negro estava associada á idéia de escravo, isto é, havia ainda uma idéia muito forte de que ser negro equivalia a ser escravo. Sobre os escravos por sua vez, pesava o sistema escravista com todas as suas consequências e violências. Assim, a nação brasileira nasce e tem seu desenvolvimento, no século XIX, acompanhado, entre outros, de um dilema democrático como revela Adorno (1998, p. 25): [existiu no Brasil] um dilema democrático que percorreu todos os meandros das estruturas de apropriação do poder nessa sociedade, no século passado. [...] a cisão entre princípios liberais e princípios democráticos, sistematicamente reatualizada entre as duas opções políticas antagônicas – o radicalismo e o conservadorismo –, se manifestou desde as lutas pela independência do país, ganhou corpo nos movimentos verificados do Nordeste ao Sul, ao longo de quase sete décadas de vida da monarquia, e encontrou seu ponto de convergência e apoio na ação do Estado. Progressivamente, as forças populares foram expulsas do âmbito institucional e silenciadas as reivindicações verdadeiramente democráticas. [...]. [assim decorrem] inevitáveis restrições à participação política de outros estratos sociais constituídos de homens livres porém destituídos da propriedade. Uma outra questão que vale ser ressaltada é que além desse dilema, o projeto de construção do Estado Nacional Brasileiro, no século XIX e sua consolidação no século XX, pauta-se na idéia de construção de uma nação branca. Essa questão pode ser atestada observando-se a adoção no Brasil das políticas de imigração européia e também da eugenia 37 com seus postulados de melhoramento racial. Na verdade no final do século XIX e inicio do século XX, os conceitos de superioridade racial ganharam muita força no Brasil. Os intelectuais brasileiros da época adotaram as “teses científicas” da eugenia defendendo que o progresso do Brasil só ocorreria se houvesse o branqueamento da população. Assim, frente ao enorme contingente de indivíduos negros, mestiços e indígenas que formavam a população brasileira a elite social e política do país deu como certo que o país só se desenvolveria se fossem adotadas medidas que possibilitassem a vinda de europeus para o Brasil . Dessa forma, além de suprir a mão-de-obra nas lavouras, ocupar partes do território nacional que ainda careciam de colonização, o imigrante europeu foi incentivado a estabelecer-se no país com o objetivo declarado de melhorar a população brasileira, isto é, embranquecê-la. Diwan (1997, p. 117), comenta que “os imigrantes europeus não carregavam o estigma preconceituoso de que eram preguiçosos, sujos e indisciplinados tal como os negros e os mulatos”. Um dos principais personagens da Eugenia no Brasil o médico Ricardo Kehl, um dos fundadores da Sociedade Eugênica de São Paulo em 1918, comentou em 1922 que “a nacionalidade brasileira só embranquecerá à custa de muito sabão de coco ariano”( Kehl, apud, Diwan, 2007, p. 87). Uma questão reveladora é que com a chegada da república, essas idéias, sobretudo as práticas eugenistas, ganham espaço na sociedade e a simpatia do Estado Brasileiro que considera o negro e, em menor grau o índio, como um elemento negativo na constituição do povo, da nação brasileira por ameaçar o progresso do país. Assim que, “no Brasil, o regime republicano amplia essa discussão [sobre a construção de uma nação branca], pois para boa parte dos eugenistas brasileiros, o país era ainda uma nação sem ‘povo’(Diwan, 2007, p. 96). Essas questões apontadas estiveram presentes também no interior da Academia Jurídica de São Paulo, tanto no século XIX como no século XX. Essa instituição, que nasceu com a missão de implantar legalmente a nação independente, não deixou de representar os interesses daqueles que majoritariamente a frequentavam. Nesse sentido, a postura da academia respondia aos interesses, seja no império ou em parte do regime republicano, de uma elite que se utilizou em grande escala da jurisprudência como forma de servir-se do Estado na legalização de muitos de seus interesses particulares enquanto grupo social. Segundo Verger (1990, p. 127 ): Os estudos jurídicos puderam, no início, facilitar o recrutamento dos servidores do Estado mas que absolutamente não impediram que estes últimos constituíssem uma casta fechada, um novo ‘grupo social’ que serve a coisa pública e dela se serve. 38 Assim como na sociedade brasileira, a elite política, nos dizeres de Nogueira, (apud, Schwarcz, 1993, p. 186), “na melhor das hipóteses [...] reservavam o liberalismo para o terreno fugidio da retórica... [...]”. Na Academia também o que reinava era um ideal de democracia que pertencia mais ao mundo da retórica. A prova disso é que a mesma visão que o Estado Brasileiro tinha do negro podia ser encontrada também na Academia, tida como um verdadeiro centro do liberalismo, como confirma Schawarcz (1993, p. 186) ao dizer que na Faculdade de Direito de São Paulo dominava “um liberalismo de fachada, cartão de visita para questões de cunho oficial, convivia com um discurso racial, prontamente acionado quando se tratava de defender hierarquias, explicar desigualdades”. Uma outra questão que pode ser levantada é que embora a Academia de Direito tenha surgido para preparar e fornecer homens para ocupar cargos chaves no estado que se constituía, os negros que por ela passaram, não tiveram esse destino. Ou seja, os estudantes negros que estudaram na Escola de Direito não foram preencher cargos políticos na elite dirigente nacional que se formava. Nem mesmo José Rubino, que se tornou professor das Arcadas e destacado estudioso de Direito administrativo foi recrutado por esse Estado. E o curioso é que consultando Adorno (1988), Nogueira (1908) e Vampré (1977) constata-se que a maioria dos professores da Academia, portanto colegas de profissão de Rubino, ocupavam importantes cargos políticos como ministros, deputados, senadores etc. Os autores apresentam em suas obras algumas listas com os nomes daqueles que passaram pela Escola de Direito e ingressaram na carreira política e entre esses nomes não consta nenhum relativo aos sujeitos negros que estudaram na Academia no século XIX. De fato, Academia de Direito de São Paulo nasce destinada a forma e a fornecer homens para ocuparem os postos de comando da nação. Mas, se por um lado a Academia recebia entre seus alunos, apesar de todo o preconceito racial que ecoava em seu interior, estudantes negros e os formava, o Estado Brasileiro, por outro lado, não podia tolerar que esses negros chegassem a ocupar os cargos, principalmente políticos, para os quais a Academia tinha como função preparar. Função a qual ela devia a própria razão de sua existência. No entanto, com esses indivíduos negros a Academia não cumpriu esse papel a ela destinado e assumido. No século XX, São Paulo já não é mais uma extensão da Faculdade de Direito. A capital paulista cresceu num ritmo acelerado. Uma nova paisagem urbana e social surgia, a ponto de se transformar na maior metrópole da América do Sul. Ao lado das mudanças ocorridas em São Paulo, foram criadas e se desenvolveram outras importantes instituições de 39 ensino, como a Escola Politécnica e a Escola Livre de Farmácia (ambas criadas na última década do século XIX), a Faculdade de Odontologia, criada em 1901 e de Medicina, em 1913. Assim, a Faculdade de Direito já não era mais a única faculdade de expressão em São Paulo, como nos informa Martins e Barbuy (1998, p. 179). Em 15 de março de 1930 foi solenemente inaugurada a nova sede da Faculdade de Medicina. Tratava-se também de uma instituição de ensino superior, com prestígio crescente, correspondendo à própria valorização das ciências e à noção de modernidade que dominava as mentalidades. Sua instalação em prédio monumental ocupou páginas inteiras d’O Estado de S. Paulo, o jornal mais prestigioso do período. E dali para frente começaram a ser frequentes as notícias sobre ela. A Faculdade de Direito perdia agora a primazia também na imprensa, passando a dividir seu espaço, ate ali exclusivo, com outra grande instituição de ensino. Com o surgimento e desenvolvimento dessas instituições de ensino constituiram-se as condições favoráveis para a criação de uma universidade em São Paulo. Assim é que a Faculdade de Direito de São Paulo (antiga Academia Jurídica de São Paulo) saiu do âmbito federal e foi transferida, em 10 de abril de 1934, pelo Decreto Nº. 24.102, para o do Estado de São Paulo, com o intuito de que a mesma fosse incorporada à Universidade de São Paulo, criada em 25 de janeiro, do mesmo ano, pelo Decreto Nº 6.283. Com a criação da Universidade de São Paulo, a Faculdade de Direito continuou tendo um papel político, cultural e social importante sendo palco de vários acontecimentos políticos como, por exemplo, na resistência ao golpe militar de 1964 e na campanha pela redemocratização com o lançamento, em 1977, da Carta aos Brasileiros de Gofredo Silva Telles Júnior. No entanto, ficou claro que a Faculdade de Direito havia perdido, no século XX, a supremacia cultural e a função que sempre havia exercido, no século XIX, de guardiã da cultura letrada do país. O que não significou que ela tenha se democratizado e aberto as suas portas aos pobres e aos negros, como será visto nas análises relativas à trajetória da professora Eunice Prudente. 40 Capítulo 2 – A presença de negros no Curso Jurídico de São Paulo no século XIX e a trajetória do professor José Rubino de Oliveira. Neste capítulo, pretende-se apresentar os sujeitos negros que passaram pela Academia Jurídica de São Paulo, no século XIX, identificados na obra de Almeida Nogueira (1908) e principalmente tratar a trajetória do professor José Rubino de Oliveira. Os sujeitos encontrados foram: Otavio Pereira da Cunha, João Tomás de Araújo, José Fernandes Coelho, José Corrêa de Jesus e Avelino Rodrigues Milagres e José Rubino de Oliveira. Esses sujeitos, com exceção de José Rubino que será analisado mais adiante, serão brevemente apresentados e far-se-ão algumas considerações sobre a forma como estes sujeitos são descritos pelo memorialista Almeida Nogueira. Otávio Pereira da Cunha, nasceu no Rio de Janeiro em 1846. Filho de Mariana da Boa Morte. No seu prontuário, aparece filho de “pai incógnito” 3 . Matriculou-se na Academia Jurídica de São Paulo no ano de 1867 e, segundo Nogueira, terminou o curso anos depois na Academia de Direito de Recife. Nogueira (1908, L. 5, p. 299) assim o descreve 4 : Octavio Pereira da Cunha [...] pardo escuro, ou antes – negro. Extremamente descurado na toillette. Na gíria acadêmica soe chamar-se plilosophia a essa negligencia; quando, porém, ella ultrapassa os limites do aceio pode-se conservar o euphemismo, comtanto que se filie tal philosophia à seita de Diógenes. O Octavio não deixava de ser intelligente, e mesmo tinha veia poética. Prossegue Nogueira (1908, L. 5, p. 300): Inúmeros são os episódios da chronica academica, aos quaes está ligado o nome de Octavio. São, porém, em geral, de tal natureza, que os não poderíamos referir aqui, mesmo em latim. Nos últimos tempos da sua vida acadêmica em S. Paulo, estava o Octavio tão decahido que quase diariamente era conduzido sem sentidos a pernoitar nalgum posto policial [...]. Quando, em beneficio seu, era retido na custodia, achava meios de obter a introducção alli de bebidas alcoólicas. Assim, segue Nogueira contando outras tantas histórias jocosas do estudante Otávio P. da Cunha. 3 Para alguns pesquisadores, entre eles Piratininga Júnior (1991) e Barros (2005) o epíteto (pai) incógnito fazia referência geralmente a filhos bastardos de negras com homens brancos e era usado para garantir o anonimato desses. 4 Optou-se por usar o texto na forma em que ele aparece na obra de Almeida Nogueira. Por isso, algumas palavras estão sem acento e escritas com grafia diferente da atual. 41 O segundo estudante encontrado é João Thomaz de Araújo, que nasceu em Vassouras 5 no Rio de Janeiro em 1840. Filho de João Thomaz e Araújo. Não há registro no seu prontuário do nome de sua mãe. Entrou na Academia de São Paulo em 1867 e terminou o curso de direito, a exemplo de Otávio Pereira da Cunha, em Recife. Segundo Nogueira (1908, L. 5, p. 297), ele era “preto. Não primava pela inteligência”. Uma vez, na aula de Direito Internacional, começou elle assim a exposição que havia decorado: - “vamos tratar dos tratados de que a Cadeira tratou.” Isto era o menos, porque nen mesmo era correcta a sua dicção. Assim, pronunciava regiume, expressão que o padre Andrade corrigia, indignado, errando tambem: Diga rezimen, sr. Arauzo! O terceiro sujeito identificado é José Fernandes Coelho, nascido no Rio de Janeiro em 1849. Filho de Antonio Fernandes Coelho e Rosária Maria da consolação. Matriculou-se nas Arcadas em 1870 e formou-se em 1874. Vejamos o que dele fala Nogueira (1908, L. 2, p. 327): Estatura regular, cor preta. Amavel, intelligente e bom estudante.(...). Todo S. Paulo o conhece, o estima, admira-lhe o talento, e especialmente a vigorosa oratoria na tribuna judiciaria, pois aqui reside desde de sua formatura.. Em assumptos de direito ecclesiastico e canonico, poucos no Brasil lhe levarão a palma. Aliás, sempre foi dado a esta especialidade juridica, assim como catholico pratico. Nogueira (1908, L. 2, p. 329), narra um episódio curioso ocorrido entre José Fernandes Coelho e Luis Gama. Uma feita[...], Fernandes Coelho havia accusado com o fulgor habitual de sua palavra o réo que era um homem de cor e tentára assinar um outro preto. Luiz Gama, como advogado da defesa, tirou partido da circumstancia e disse na sua peroração: - Vós vedes, srs. Jurados, que tudo é negro neste processo. O advogado da defesa é negro, o promotor publico é negro, o acusado é negro, a pretendida victima é também um negro. Somente vós, srs, juizes, somente vós sois brancos. Que tem branco que metter o nariz em negócios de negro? mandae, pois, embora este desgraçado. José Corrêa de Jesus é o quarto sujeito identificado. Ele nasceu em Iguaçu, no Rio de Janeiro em 1835 e era filho de Cypriana Maria de Santa Rita. No seu prontuário consta filho de pai incógnito. Matriculou-se na Academia de São Paulo em 1860 e formou-se em 1864. Segundo Nogueira, tornou-se importante chefe político na província do Espírito Santo. José Corrêa de Jesus é assim descrito por Nogueira (1908, L. 6, p. 267): 5 Essa informação contrasta com a informação contida no prontuário de João Thomaz de Araújo que diz que ele nasceu na cidade de Ouro Preto, localizada em Minas gerais. Porém, decidiu-se por utilizar as informações encontradas em Nogueira. 42 Alto, corpulento, pardo escuro, cabelos crescidos e erectos, pelle rugosa, physionomia carregada. (...) Intelligente, habil, bom orador. Não se conformava com o facto de sua cor; pretendia que era branco. Tanto que no carnaval se phantasiava de negro, pintando o rosto a carvão. Conseguia apenas ficar preto retinto; mas era como se não estivesse travesti. De mais, ainda mascarado, não era difficil conhecêl-o. o seu physico volumoso e modos desajeitado trahiam-lhe sem demora o incognito. Corrêa de Jesus era companheiro de casa do Ferreira Alves e formava com elle contraste em muita coisa, a começar pela cor: um claro e louro como um sueco, delicado e pudibundo qual uma gentil senhorita; o outro trigueiro como Othelo, grande, grosso e brejeiro. O quinto e último sujeito é Avelino Rodrigues Milagres, nascido na cidade de Formiga Minas Gerais em 1833 6 . Filho do Pároco Felisberto Rodrigues Milagres e de Francisca Rodrigues. Avelino Rodrigues Milagres era, narra Nogueira ( 1908, L. 7, p. 166), “alto, preto, barba quase nenhuma, mas algum bigode”. Continua Nogueira: Dotado de grande talento (...), depois de formado, o dr. Milagres, em vez de procurar um grande centro, onde pudesse refulgir a sua extraordinária mentalidade, sepultou-se intellectuamente na pequena cidade mineira do seu nascimento, e, assim, não sahiu da obscuridade. Optou-se por fazer a apresentação desses sujeitos do modo apresentado acima, devido às poucas informações encontradas sobre eles e também porque, de acordo com o que foi aludido na introdução, parece necessário tecer algumas considerações sobre a forma que Nogueira apresenta esses sujeitos. Como foi informado, José Rubino de Oliveira não foi apresentado porque a sua trajetória será analisada posteriormente. No momento, é oportuno chamar a atenção para o fato de que todos os sujeitos citados por Nogueira (1908), com exceção de João Thomas de Araújo, são apontados como “inteligente”, “talentoso”, “bom orador”, “hábil”, “bom estudante”. Essas designações são importantes porque corroboram a idéia de que uma das estratégias utilizadas por esses sujeitos foi a de se mostrarem bons alunos, alunos brilhantes. Essa era uma forma de serem mais bem aceitos pelos alunos e professores e atenuar o fato de serem estudantes negros num espaço habitado em sua maioria, como ocorria na Academia de São Paulo, por brancos ricos. E interessante que mesmo Otávio Pereira da Cunha que é descrito por Vampré (1977, vol. 2, p. 6 Nesse caso também há uma contradição uma vez que no prontuário de Avelino Rodrigues Milagres consta que ele é natural de Prados (Minas Gerais) e não de Formiga e que ele teria nascido em 1832 e não 1833. Também nesse caso optou-se por utilizar as informações fornecidas por Nogueira. 43 192) como “um grande boêmio dado ao vicio da embriagues (sic)” não deixou de ter a sua inteligência reconhecida por Nogueira. 7 Um outro ponto, que merece ser ressaltado, extraído das descrições feitas por Nogueira, e apresentadas acima, é o modo que ele utiliza para descrever esses sujeitos. O registro que Nogueira faz sobre esses estudantes negros está, como se pode ver, ligados a casos anedóticos, cômicos e eles geralmente são descritos como grossos, desajeitados, sem asseio pessoal, etc. Segundo Portes (2001, p. 38, grifos do autor.): [É] importante perceber, nesses casos, que o anedótico, o folclórico, são os elementos que evolvem os registros obtidos sobre esses estudantes atípicos das Academias. Essa forma de tratamento merece ser analisada. Ser uma figura folclórica, pertencer ao anedotário institucional parece ser a razão de se merecer registro, o qual se dá de forma cômica, engraçada, que disfarça os preconceitos e encobre as discriminações observadas na prática pedagógica de diferentes professores. O anedótico, o folclórico, encerrados em si mesmo, podem mascarar um série de circunstâncias sociais vividas pelos atores aqui caricaturados, em um cotidiano de penúrias para se manterem no interior de uma instituição supostamente aberta a todos. Dessa forma, esses estudantes negros foram registrados na obra de Nogueira, talvez com exceção de José Rubino, não pela inteligência, pela qualidade de bom orador, pelo talento, mas sim por participarem de algum caso anedótico, engraçado protagonizado por eles dentro ou fora da Academia. Mas, tratemos da trajetória de José Rubino. José Rubino de Oliveira, segundo os registros consultados, era pardo. Um “não branco”. As referências revelam que eram constantes as brincadeiras de Rubino sobre o fato de ele ser, como se dizia na época, um homem de “cor”. Vejamos a descrição de Nogueira (1908, L. 4, p. 230). 8 “Estatura regular, rosto comprido, ornado e ligeiro bigode e escassa barbica sob o queixo. De cor parda... sim, elle era pardo. Não tocaríamos neste ponto, se não fosse o próprio (sic) Rubino o primeiro a chasquear sobre a coisa” (grifos nosso). E ainda: Embora pardo disfarçado, não queria ele aproveitar-se desse disfarce; ao contrário, fazia alarde de sua cor. Nela falava todos os dias, a toda hora, em tom humorístico, tal qual o fazia Luiz Gama, de quem era amigo e de quem, gracejando, se dizia parente (Nogueira, 1908, p. 230). 7 Essa estratégia, de se mostrar bom aluno, será tratada mais profundamente na trajetória do professor José Rubino e da professora Eunice Prudente. 8 Todas as citações e referências relativas a José Rubino foram tiradas do livro 4 da obra “Tradições e Reminiscências” (1908) de Almeida Nogueira. 44 Há na Faculdade de Direito de São Paulo dois registros iconográficos de Rubino, um quadro de 1878, apresentado juntamente com outros, no corredor do primeiro andar do prédio da Faculdade e um outro na sala da Congregação. Observando tais registros percebe-se que: Qualquer olhar atual que lancemos sobre esses registros não nos ajudará a compreender o pertencimento racial de Rubino, pois ele não aparece nesses registros, aos nossos olhos, como um negro, embora, esses registros apresentem fenótipos propícios à construção de leituras discriminatórias: como, por exemplo, o cabelo espichado. A origem social de Rubino, a convivência com os seus pares, a situação social vivida por ele e as construções acerca da cor no século XIX é que determinavam que ele fosse um “pardo”, com todos os efeitos que isso pudesse ter, para a época. (Portes & Cruz, 2007, p. 153). José Rubino de Oliveira, nasceu em Sorocaba - São Paulo, a 24 de agosto de 1837 e faleceu a 4 de agosto de 1891. Era filho de José Pinto de Oliveira e Rita Maria do Espírito Santo. Perdeu cedo a proteção paterna, fato que veio agravar ainda mais a situação de pobreza em que vivia sua família. Rubino foi educado pelo padrasto, de nome Antônio José da Luz e Silva 9 , negociante de arreios em Sorocaba, que o ensinou a ler e a escrever. Devido à situação financeira da família de Rubino que, segundo Vampré (1977, p. 254) 10 , “era de família pobre mais honrada”, ele teve desde cedo de trabalhar. Assim, ele era “ selleiro na cidade de socrocaba. Era também jockey 11 , nas corridas que então alli frequentemente se realizavam (Nogueira, 1908, p. 253). Rubino “inteligente e vivaz, não se resignou, porém, ao modesto ofício” (Vampré, 1977, p. 254), e possuindo as habilidades de leitura e de escrita, recursos de grande importância para a época, ao tomar conhecimento da inauguração do Seminário Episcopal de São Paulo, em 1856, para lá se dirige matriculando-se em 1859. A passagem de Rubino pelo seminário foi decisiva na sua trajetória, pois foi no seminário que conseguiu apropriar-se dos conhecimentos que possibilitaram sua entrada na Academia. Assim, Rubino passa: 9 Parece haver aqui um certo erro como aponta Portes e Cruz ( 2007, p. 155): “Existe, aqui, um erro histórico a ser reparado: os biógrafos de Rubino, Almeida Nogueira e Vampré nominam o padrasto de Rubino de Benedito da Luz. Entretanto, nos agradecimentos que aparecem na tese de doutorado de Rubino, de 1869, está grafado: “À meu padrasto e muito amigo o Sr. Antônio José da Luz e Silva...”, a não ser que ele tivesse como apelido Benedito da Luz”. 10 As citações e referências, relativas a Rubino, foram tiradas do volume 2 da obra, em dois volumes, de Spencer Vampré (1977) “Memórias para a história da Academia de São Paulo”. 11 Sabe-se, que a atividade de Jockey está ligada, historicamente, a indivíduos com poder aquisitivo na sociedade. Assim, embora tenha pesquisado não foi possível identificar a relação de Rubino com essa atividade uma vez que tanto Nogueira (1908), Vampré (1977) e Blake (1970) são unânimes em afirmar a situação de pobreza vivida por Rubino. 45 cerca de quatro anos estudando humanidades e depois teologia. Isso lhe possibilitou a apropriação de uma gama de conhecimentos que o ajudariam mais tarde a fazer frente às exigências escolares e sociais que poderiam se impor a ele no transcorrer de sua vida. A entrada de Rubino no Seminário assume um papel fundamental na sua trajetória educacional. De fato, é essa passagem de Rubino pelo Seminário que viabiliza o seu sonho de entrar na Academia. Assim, o Seminário assume o papel de um lugar estratégico para a continuidade da caminhada educacional de Rubino. A sua passagem pelo Seminário diminuiu de maneira considerável a distância entre ele e os umbrais da Academia. (Portes & Cruz, 2007, p. 157-158). De fato, em 1863, Rubino, deixa o Seminário e presta os exames preparatórios e ingressa com a idade de 27 anos na Academia Jurídica de São Paulo. Durante o curso, Rubino esteve: sempre a luctar com as difficuldades materiaes da vida, procurava auferir do exercício do magisterio particular, dando licçoes de mathematicas, os recursos indispensaveis à sua sebsistencia (sic) e aos seus estudos no Curso Jurídico, que tão brilhantemente concluiu (Nogueira, 1908, p. 240). Nesse ínterim, conta Nogueira que Rubino quando era ainda estudante tentou concurso de professor substituto para lecionar na Academia, a cadeira de geometria e aritmética, mas foi vetado por não se admitirem estudantes como professor da Academia. Apesar dos contratempos em 1868, com 31 anos, Rubino colou grau e: pouco tempo depois de sua collação de gráu de bacharel, inscreveu-se Rubino para a defesa de theses. Disputando o grau de doutor, não aspirava a uma distincção meramente decorativa, mas a habilitar-se com requisito, então essencial, para pretender um logar na Congregação da Faculdade. (Nogueira, 1908, p. 238. Grifos nosso.). Essa citação evidencia a intenção de Rubino de adentrar novamente na academia agora como docente. Mas a vida de Rubino não se resumia aos pátios da Academia Jurídica como se pode ver no envolvimento dele num debate sobre questões religiosas. Em 1868, chega à cidade um grupo de pastores evangélicos divulgando as doutrinas de Martin Luthero. Sabendo da chegada desses pastores evangélicos um grupo de estudantes católicos da Academia, do qual fazia parte Rubino, convidaram os pastores para um desafio. O episódio foi assim narrador por Nogueira (1908, p. 237-238): Taes debates travaram-se num vasto salão do Joaquim Elias, à rua de S. José, no prédio hoje ocupado pela casa commercial do sr. Charles Hü. Accordes ambos os lados sobre o ponto objectivo das discussões, a saber – os caracteres da verdadeira egreja – dissertaram alternativamente os pastores protestantes e os estudantes catholicos sobre a unidade, a santidade, a catholicidade e a apostolicidade da egreja, cada qual procurou demonstrar que somente a sua egreja reunia aquelles quatro predicados essenciaes, considerados no symbolo do concilio de Nicéa, desenvolvido pelo concilio de Constantinopla. Rubino dissertou, se não nos falha a memória, sobre o primeiro ponto; procurou demonstrar que somente a egreja catholica é – uma, e que, ao contrario, são muitas 46 as seitas protestantes e também multíplice a doutrina por ellas professada, a despeito dos esforços empregados pelos lutheranos para unificar sob o nome de egreja evangelica. A sua peroração foi eloqüente e despertou calorosos applausos. Um ano depois de sua engenhosa defesa em favor da Igreja Católica, em 1869, Rubino obtém o grau de doutor 12 . Com o titulo, Rubino buscar materializar seu desejo de tornar-se professor da Academia, mas isso não ocorre de maneira fácil e imediata. Pois, antes de tornarse professor da Academia, Rubino se inscreveu em nove concursos 13 consecutivamente, sem sucesso, até que no nono foi nomeado professor. Nos primeiros sahiu sofridamente, nos immediatos regularmente e nos ultimos perfeitamente. Ao terminar a ultima prova do seu nono concurso, foi alvo de calorosa e espontanea manifestacão do auditorio (Nogueira, 1908, p. 239). Essa insistência de Rubino pode ser entendida como manifestação de um sobreesforço aliado a uma tenaz autodeterminação, que foi indispensável para que o ex-seleiro ocupasse a vaga de docente da Academia. É bem provável que durante essas tentativas, Rubino tenha enfrentado diversas dificuldades sejam materiais ou simbólicas. Talvez a principal delas seja a apresentada abaixo. Ao narrar os concursos, realizados por Rubino, Nogueira omite o fato de que em seu 6º concurso, realizado em 1874, Rubino é aprovado, mas o concurso é anulado pelo Governo. Tal fato é narrado por Spencer Vampré: Efetivando-se o concurso, para a vaga de substituto, aberta pelo falecimento de Almeida Reis, inscrevera-se Delfino Cintra, Joaquim Augusto de Camargo, e José Rubino de Oliveira, sendo este proposto ao Governo. Mas, o certame foi anulado” (Vampré, 1977, p. 230, grifo nosso). Uma vez anulado esse concurso, um novo concurso para preenchimento da vaga deixada por Almeida Reis, é aberto em 1875, e tem o seguinte resultado: Aberto novo concurso, para a vaga deixada por Almeida Reis, inscreveram-se Joaquim Augusto de Camargo, Delfino Pinheiro de Ulhoa Cintra Júnior, José Luís de Almeida Nogueira, Benedito Cordeiro de Campos Valadares, e José Rubino de Oliveira. Depois de prova escrita e oral, apresentou a Congregação ao Governo os nomes de Delfino Cintra, Joaquim Augusto de Camargo, e Benedito Valadares. O Imperador nomeou Joaquim Augusto de Camargo, por dec. De 4 de dezembro de 1875, tomando posse a 11 do mesmo mês (Vampré, 1977, p. 232-233, grifo nosso). 12 O Correio Paulistano noticiou o doutoramento de Rubino: “Concluiu ontem a sua defesa de theses, sendo plenamente approvado o sr. José Rubino de Oliveira. Receba os nossos sinceros parabéns o talentoso e ilustrado doutor, que de tal arte vê coroados brilhantemente seus estudos acadêmicos”. O Correio Paulistano, ano XVI, 24/04/1869, n, 3.856. 13 Nogueira, no seu livro sobre a Academia aponta que Rubino havia feito nove concursos, mas não especifica os anos em que estes concursos ocorreram. Segundo o que pude apurar no livro de memórias de Spencer Vampré, os referidos concursos ocorreram nos anos de 1871, 1872, 1872, 1873, 1874, 1874 (?), 1875, 1877, 1879. 47 Note-se que entre os nomes citados por Vampré, aparece o de José Luís de Almeida Nogueria o autor da obra A Academia de São Paulo - tradições e reminiscências que é utilizada aqui como fonte. Assim, não parece provável que Almeida Nogueira não tenha tomado conhecimento do fato de que Rubino havia sido aprovado num concurso, ocorrido um ano (1874) antes a esse de que Nogueira participa juntamente com Rubino, em 1875, mas que o mesmo foi anulado. No entanto, Nogueira não narra o fato. Também chama a atenção o fato de que no concurso ocorrido em 1874, do qual Rubino saiu vitorioso, é reprovado, entre os outros: Joaquim Augusto de Camargo, que um ano depois, no concurso de 1875, sai vitorioso. Pelo que parece, os candidatos eram selecionados e indicados mais pelo gosto pessoal do Governo, do que pela competência demonstrada nos concursos. Embora, a Congregação formada pelos professores catedráticos da Academia pudesse indicar, baseado no desempenho nos concursos, um determinado candidato, era o Imperador que dava a palavra final como parece ter ocorrido no caso de Rubino. Nesse sentido, Adorno (1988, p. 146-147, grifos nosso) faz o seguinte comentário: Os concursos para admissão de lentes substitutos pautavam-se por regras particulares de interpretação dos preceitos estatuários. Formalmente, esses concursos procuravam avaliar qualidades intelectuais e didáticas dos candidatos[...]. No entanto, aqui também a subjetividade nos julgamentos constituíam procedimento corrente. Com muita freqüência, critérios estranhos à avaliação interferiam nos processos seletivos. O protecionismo, o pistolão e o patronato configuravam garantias de êxito e, não raro, chegavam ao conhecimento público como atos regulares e legítimos. Levando-se em consideração a forma com que a Academia reagiu quando o negro (abolicionista) Luís Gama, fato que será citado abaixo, tentou matricular-se na instituição, pode- se supor que a Academia Jurídica de São Paulo não tenha encarado com bons olhos a possibilidade de ter um pardo entre os seus docentes. Não se pode afirmar que as várias reprovações de Rubino estejam ligadas ao seu pertencimento racial. No entanto, em vista do episódio exposto, pode-se aventar essa possibilidade. Enfim, aprovado no concurso, Rubino foi nomeado professor da Academia: “Desta vez não se fez demorar o decreto da sua nomeação. E já era tempo, tanto mais que havia elle chegado áquelle ponto com o exclusivo arrimo do seu talento e inquebrantavel energia d’alma” (Nogueira, 1908, p. 238, grifos nosso.). É interessante como essa fala de Nogueira, referente à nomeação de Rubino, deixa uma certa impressão de que ele já deveria ser professor da Academia. “Desta vez não se fez demorar o decreto da sua nomeação”, essa frase transmite a idéia de que Rubino já merecia 48 (ou já deveria?) ocupar a vaga de professor, mas que por algum motivo, não obstante sua competência, ele ainda não era. Rubino foi nomeado professor substituto em 1879, com 42 anos, e tornou-se catedrático em 1882, assumindo a cadeira de Direito Administrativo, devido à aposentadoria do conselheiro Furtado de Mendonça. E “Dahi por deante, concentrando-se no estudo deste importante ramo do direito patrio, adquiriu o dr. Rubino de Oliveira a justa nomeada de um dos mais illustradoss lentes da nossa Faculdade.(Nogueira, 1908, p. 239). Rubino chegava a gabar-sede sua condição de pardo. O que não o impedia de adotar e expressar comportamentos racistas. Como nos revela Nogueira (1908, p. 233): Nas mesas de exames mostrava-se elle muito rigoroso nos julgamentos quando o estudante era algum moço de côr. - Negro para ter pergaminho – explicava – deve demonstrar talento e conhecimento; do contrário, por aqui não passa! Agora, branco – qualquer burro pode passar: eu mesmo lhe abrirei a porteira. Nesse ínterim, dizia-se na época, aludindo-se ao fato de Rubino ser negro: “O Rubino de uma marradas para entrar na Academia; agora dá marradas contra quem quer entrar.” (Vampré, 1977, p. 255). José Rubino de Oliveira faleceu em 4 de agosto de 1891, com 54 anos de idade, em plena atividade intelectual, vítima de uma doença desconhecida. Inicialmente é importante chamar a atenção nessa reconstrução da história de vida de Rubino, para a presença de alguns fatores que foram decisivos na sua trajetória como, por exemplo, a presença de seu padrasto, a sua entrada no Seminário Episcopal de São Paulo e a sua atividade remunerada como professor. Observe-se que é no entendimento desses fatores e na forma com que eles se articularam na trajetória de Rubino, que é possível entender e identificar as estratégias utilizadas por ele para conseguir vencer as dificuldades e galgar o grande “numero de degraus que elle teve de galgar para chegar á posição social que ocupou” (Nogueira, 1908, p. 235). O fato de o padrasto de Rubino tê-lo ensinado a ler nos instiga a pensar um pouco a educação, ou melhor, os vário processos educativos que existiam no século XIX. Nesse período, o Brasil não contava ainda com um sistema escolar que correspondesse à demanda por instrução pública. Mesmo São Paulo, uma das principais províncias do Brasil no final século XIX, sofria com uma precária rede escolar (Demartini, 1989). Uma das consequências era que o acesso à educação no período era extremamente dispendioso para a família. Ou seja, ou a família enviava o filho para educar-se num determinado local onde havia professores ou contratavam-se os serviços desses. Aqueles que não possuíam recursos tinham que elaborar 49 estratégias que lhes permitissem acesso à leitura e à escrita. A trajetória escolar de Tobias Barreto é um exemplo dessa afirmação. Segundo Romero (1903), Tobias Barreto frequentou mais sete espaços escolares em diferentes cidades como Sergipe, Bahia e Pernambuco antes de ingressar na Academia Jurídica de Recife em 1864. Demartini (2001, p. 129, grifo nosso), num artigo intitulado “Educação da Infância Brasileira – 1875-1983”, utilizando, entre outras fontes, as memórias de velhos professores que aprenderam a ler no final do século XIX e início do XX, comenta que: As famílias de fazendeiros preocupavam-se em dar educação aos seus filhos, contratando preceptoras ou enviando-os para estudar em colégios internos para meninos ou para meninas. Havia portanto, entre estas famílias, um relacionamento com a leitura que poderia ser um facilitador de uma procura, pelas crianças, de aprendizado precoce da mesma, o inverso sendo esperado entre famílias de poucos recursos. Mas não foi o que se verificou, pois também entre os mais excluídos socialmente este aprendizado providenciado pelas próprias crianças foi citado. Assim, indivíduos brancos, negros e mesmo escravos aprenderam a ler no século XIX sem fazer uso necessariamente da sala de aula ou contarem com a presença de um professor de carreira. Esse é um fato muito interessante porque nos faz pensar, para o período em questão, um conceito mais largo, mais amplo de educação. Educação essa que não estava somente vinculada à escola. Em relação aos escravos, Souza (2001, p.103) indica que os escravos letrados eram “em geral escravos de estudantes ou de padres”. A autora prossegue fornecendo outros elementos sobre a relação dos escravos com a aprendizagem, que ajudam a dimensionar a dinâmica do processo educativo da época. Ao escravo de ganho, principalmente, e ao escravo de aluguel, indiretamente, a cidade oferecia oportunidades de exercício de trabalhos em setores semiformais e informais[...]. Permitiu igualmente que os escravos fossem lançados no fluxo de espaços e temos de trabalhos e de formações práticas. Ou seja, em espaços nos quais o exercício e a aprendizagem profissionais eram indissociados, em que mestres e a aprendizes trabalhavam misturados, oferecendo aos inexperientes um aprendizado pelo fazer e pelo ver fazer (Souza, 2001, p. 103). A educação com seus processos de aprendizagens (que podem ocorrer dentro e fora da escola) estava presente na vida social e os indivíduos, sempre que podiam, aproveitavamse de situações da vida cotidiana para aprenderem e sempre que possível tiravam partido desse aprendizado. Um exemplo, bastante ilustrativo, é o caso do advogado e abolicionista Luis Gama, que nasceu em 1830 e aos 10 anos foi vendido como escravo, pelo pai, e que mais tarde aprendeu a ler e a escrever com a ajuda de um estudante e também por ouvir aulas atrás das portas de um colégio onde trabalhava. Souza (2001, p. 104), assim narra o caso: 50 Dos dez aos dezessete anos, Luiz Gama serviu como escravo na casa do alferes. Primeiro, como escravo doméstico, aprendeu a ser copeiro, a lavar e passar roupa, depois, como escravo de ganho, a costurar e a ser sapateiro. Quando tinha dezessete anos, hospedou-se na casa um estudante, vindo de Campinas que, por amizade, começou a ensinar-lhe as primeiras letras. Segundo relato recolhido por Menucci (1938), Luiz Gama empregou-se no Colégio Isidoro, onde, ao mesmo tempo que trabalhava como servente ou zelador, atrás das portas das salas de aula, procurava aprender. Após aprender as primeiras letras, não tardou muito para que Luiz Gama se valesse desse aprendizado para conquistar sua liberdade. Como também nos informa Souza (2001, p.104): “Luiz Gama pediu ao senhor que lhe concedesse a alforria, uma vez que ler e escrever, mesmo que minimamente, não estava ligado à representação que senhores e escravos faziam da condição escrava”. O caso de Luiz Gama corrobora a idéia de que a educação, no século XIX, não deve ser pensada somente do ponto de vista da educação escolar. Um ponto de vista dessa natureza poderia induzir ao risco de se considerar, equivocadamente, que por não se registrar no período um sistema de ensino (uniforme e organizado) e uma maior quantidade de escola, não ocorreram outras manifestações educacionais (informais) traduzidas em situações de ensino e aprendizagem que ocorriam no dia a dia das pessoas, na normalidade de suas vidas cotidianas e de suas relações sociais. Um outro exemplo, que evidencia essa necessidade de se pensar a educação escolar mas sem se descuidar dos vários processos informais de aprendizagem, pode ser encontrado em Demartini (2001). Ao estudar o processo de aprendizagem de professoras alfabetizadas no final do século XIX e início do XX, a autora encontrou casos em que crianças ensinaram outras crianças a lerem. Demartini (2001, p. 131, grifos da autora)), encontrou também um caso revelador onde uma professora afirma que foi alfabetizada pela filha de uma escrava da fazenda onde morava. O relato dessa professora é bastante ilustrativo sobre como o ato de ensinar a ler e a escrever podiam ocorrer de maneira informal. Por isso, resolveu-se citar este depoimento. Observemos a narrativa: Quem me alfabetizou foi uma pretinha, a filha da escrava que me amamentou. Me queria muito bem e... ela que me alfabetizou. Eu vendo ela estudar. Ela aprendeu, ela aprendeu lá, com sei lá, lá não sei com quem?! Eu aprendi. Foi uma pretinha e eu tenho orgulho de dizer isso. Eu devo isso â raça negra. Eu saber ler. Não fiz obrigada. Nessa época eu morava na fazenda, ela era empregada, ela era filha de escravos da fazenda. E com ela era muito inteligente, minha avó 51 mandou estudar. E ela me alfabetizou. Eu tinha uns 7 ou 8 anos. E ela foi heróica porque ela alfabetizou todo mundo lá. Lá na fazenda. Todo mundo tinha que saber ler. Um pedacinho de jornal assim era lido, era lido (grifos da autora). Por fim, o relato acima, e tudo o que foi dito, evidencia que quando se pensa a educação no século XIX, deve-se estar atento às diferentes manifestações de ensino e de aprendizagem que o contexto da sociedade da época abriga. É num melhor entendimento desse contexto educacional que se pode entender o fato de José Rubino ter sido alfabetizado no seu núcleo familiar. Uma outra questão imprescindível, que ajuda a situar a trajetória de José Rubino, é o fato dele ter nascido em Sorocaba que era na época uma das principais regiões da província de São Paulo e conhecida como a “cidade dos tropeiros”. Porém, não se pretende fazer uma reconstrução da história da cidade de Sorocaba, pretende-se apenas apontar alguns elementos que possibilitem pensar o contexto no qual José Rubino passa de 1837, quando nasce, até 1859, quando sai para se matricular no Seminário Episcopal de São Paulo. Portanto, ele passa uma parte importante de sua vida, 22 anos, na cidade de Sorocaba. Segundo alguns historiadores, Sorocaba surge no final do século XVI com o nome de Vila Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba. Segundo Goulart (1961, p.151), “até 1762 Sorocaba era uma vila pobre”. No entanto, do surgimento do tropeirismos, na segunda metade do século XVIII, até a sua intensificação na metade do século XIX, e seu declínio no fim desse, a Vila Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba ganha grandes estímulos de desenvolvimento em decorrência da atividade das tropas. Segundo Lisboa (2008, p. 61): Foi este momento histórico que impulsionou os habitantes da Vila de Nossa Senhora da Ponte, atual Sorocaba, para a região do novo surto econômico e o sorocabano passou a ser tropeiro, a viajar tropeando animais das campinas do sul para todos os lugares do Brasil. As tropas eram formadas por uma grande quantidade de burros, mulas e eram conduzidas por um conjunto de homens, responsáveis pelo transporte de inúmeras mercadorias como açúcar, ouro, e mais tarde, o café. Além disso, é atribuída a atividade exercida pelas tropas a ocupação, fixação e expansão das fronteiras brasileiras. Segundo Goulart (1961, p. 165): [se] não fossem elas, as tropas, carreando produtos e mercadorias, possivelmente muitos dos nódulos populacionais encravados nas profundezas do interior do Brasil, que depois vieram a se constituir em cidades econômicas e socialmente progressistas, não teriam resistido à carência de meios de sobrevivência ou então permaneceriam, por muito tempo, em estado de vida semi-selvagem. [...]. As tropas desenvolveram uma atividade superior, transportando civilização e riquezas, que 52 para sempre as fixaram em qualquer manifestação da evolução de certas regiões do Brasil. A Vila Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba era uma região de parada obrigatória para os tropeiros, onde eles descansavam e alimentavam o gado e o muar (burro, besta e mula). Além disso, a Vila torna-se com o tempo um verdadeiro centro distribuidor de artigos relacionados à prática do tropeirismo com a criação (por volta de 1790) da de muares que ganhou fama nacional como indica Goulart (1961, p.151): “Na cidade de Sorocaba [...] era onde se realizam as maiores e mais importantes feiras anuais de murares de que sem notícia no Brasil”. Trindade (1992, p. 55), também comenta o importante papel que o tropeirismo desenvolveu em Sorocaba: “A ‘cidade dos tropeiros’, ninguém tem dúvida, era Sorocaba – a grande reunião de compradores, vendedores e condutores de mulas, a feira de fama nacional”. Straforini (2001, p. 16, grifos nosso) relata de modo mais explícito como era essa feira na cidade Sorocaba: A Sorocaba cabia a comercialização dos muares que vinham em grande quantidade dos campos de criação ainda xucros. Desta forma, organizou-se uma feira anual para a comercialização desses animais que atraía pessoas vindas de todos os cantos do Brasil para a compra dos animais, para participar das festas e para comprar produtos manufaturados. Todas as atividades econômicas estavam voltadas para a feira de muares, possibilitando o surgimento de inúmeras oficinas de produtos manufaturados voltados para os tropeiros e para os demais freqüentadores da feira, como redes, arreios, facas, facões, prataria, tecidos rústicos, etc. Os estabelecimentos comerciais também eram abundantes, possibilitando para alguns o enriquecimento. A agricultura estava voltada totalmente para o abastecimento interno. Pode se dizer que Sorocaba foi um lugar produzido pelo e para o tropeirismo. Dessa forma, Sorocaba ganha destaque na província de São Paulo e também no Brasil e passa a atrair gente de todos os cantos do país que vinham para a feira e muitas vezes acabavam por estabelecer residência na região. Segundo Straforini (2001, p. 78), vinham pessoas das mais diversas localidades como “nordestinos, nortistas, goianos, matogrossenses, mineiros, fluminenses e paulistas”. É pertinente frisar que essas pessoas que compareciam às feiras não vinham somente para efetuar negócios, pois a feira oferecia várias possibilidades como espetáculos teatrais entre outros. A feira de murares era um acontecimento que congregava milhares de pessoas em Sorocaba. Muitas dessas pessoas não se fixavam na cidade apenas para comprar ou vender muares. A cidade oferecia muito mais aos seus visitantes, como os espetáculos artíticos, jogos de azar e esportivos (cavalhada, entre outros que envolviam cavalos) bares, bordéis, inúmeros estabelecimentos comerciais e manufatureiros. [...]. Num país estruturalmente agrícola, a dinâmica urbana em 53 Sorocaba, pelo menos no período da feira, era o paraíso para quem desejava estar em contato e misturar-se com o povo, poder comprar e/ou vender, estabelecer negócios futuros, emprestar dinheiro e/ou contrair dívidas, se divertir, encontrar novos amores e/ou inimigos (Straforini, 2001, p. 109). O tropeirismo, assim como essa importante feira de muares, que ocorriam em Sorocaba desde o final do século XVIII, e que teve seu auge em meados do século XIX (1850 e 1860), entrou em decadência no fim do século XIX e início do século XX, quando em Sorocaba é instalada a Estrada de Ferro Sorocabana e a cidade passa por um intenso processo de industrialização ficando conhecida como a “Manchester Paulista”, em alusão à industrializada cidade inglesa de Manchester. Essas considerações em torno da cidade de Sorocaba nos ajuda a pensar a trajetória de José Rubino. Não se pode esquecer de que ele trabalhava como Seleiro, juntamente com o seu padrasto Antonio José da Luz e Silva, em Sorocaba num período em que o tropeirismo e a feira de muares atingiram seu ápice na cidade. Embora, como afirma Straforini (2001, p. 108, grifo nosso), Sorocaba, no século XIX, tenha “se especializado na produção de algumas mercadorias, como rede, arreios, sacada (selas de madeiras chapeadas à prata), facas, ponches e mantos[...] pelos relatos encontrados sobre a condição social de José Rubino em Nogueira (1908) e Vampré (1977), essa profissão não parece ter gerado fortuna nem a ele e nem a sua família. Pelo contrário, esses autores contam que com a morte do padrasto, Rubino se viu em grandes dificuldades financeiras sobretudo quando ingressa na Academia de Direito. Gourlar (1961, p. 160, grifos nosso), comenta que a hierarquia econômico-financeira na cidade de Sorocaba no século XIX especialmente no auge das feiras e do tropeirismo era assim distribuídas: A hierarquia econômico-social existente na cidade tinha como ápice os alquiladores, comerciantes de burros, que por cinco ou seis meses ficavam ausentes buscando as manadas no sul; vinham em seguida os hoteleiros, donos de hospedarias, que se contavam em ais de uma centena; por último os artesão, que trabalhavam sobretudo o couro. Por outro lado, embora não se possa afirmar com exatidão o grau e a extensão da condição social de José Rubino, o fato de ele ter tido a possibilidade de contar com um padrasto que o ensinou a ler e de ter exercido uma profissão que lhe permitia um contato com uma série de pessoas, como ocorria em Sorocaba, foi de suma importância na sua trajetória. O fato de Rubino trabalhar de seleiro junto com o padrasto num contexto como era o de Sorocaba no século XIX, que era o principal entreposto do tropeirismo brasileiro e onde ocorria a grande feira de muares, certamente o aproximou de muitas pessoas de diferentes classes sociais e formação intelectual. 54 Como aponta Demartini (1979), as idéias circulam e ao contrário do que geralmente se pensa, não estão confinadas a determinados espaços. De fato, não são apenas mercadorias e animais que circulavam com os tropeiros ou não era somente dinheiro que as pessoas que vinham negociar nas feiras de muares de Sorocaba traziam. Numa época em que os meios de comunicação ainda eram incipientes, essas pessoas eram responsáveis pela circulação de idéias, de informações, de comportamentos etc. Para Goulart (1961, p. 166), A tropa de muares representou papel destacadíssimo na dinâmica social e econômica dos centros populacionais a que serviu, (sic) inda mais que era, na verdade, o único meio disponível e regular para o intercâmbio de produtos e de idéias com as regiões mais desenvolvidas. O autor prossegue tecendo considerações sobre o importante papel do tropeiro na transmissão de idéias e de informações. Essa era uma parte importantíssima da ação social desenvolvida pelos tropeiros: a transmissão de informações orais[...]. O tropeiro era o telégrafo, era o jornal, era o rádio, porque era êle, ao regressar da Côrte, quem levava as notícias mais frescas, eram “os primeiros a dar as últimas” posto que estas, ao serem transmitidas, já levavam um atraso muitas vez (sic) de meses. Mas, sem a regularidade das viagens das tropas, as populações segregadas nos núcleos interiorizados ficariam praticamente incomunicáveis e só poderiam expedir e receber notícias em casos esporádicos (Goulart, 1961, p. 180). Sobre essa aproximação e circulação de idéias provocadas pela movimentação de pessoas, afirma Straforini ( 2001, p. 81) que “Sorocaba era um lugar onde se concretizavam os mais diferentes interesses. A feira proporcionava esse encontro de interesses longínquos e próximos”. E ainda, “Nas feiras, um número significativo de homens fixava-se na cidade e, entre um negócio e outro, os bares e botequins eram muito procurados para o lazer e ‘troca de prosa’ que também podiam gerar bons negócios” (Straforini, 2001, p. 111). Assim, devido ao fato de o padrasto de Rubino exercer uma atividade que lhe possibilitava relacionar-se com um conjunto variável de pessoas, é possível supor que além de ensinar o enteado a ler e a escrever, Antônio José da Luz e Silva viabilizou para Rubino o acionamento de um determinado capital social adquirido pela prática da profissão que ele exercia e que lhe permitia construir e estabelecer relações sociais que parecem ter beneficiado Rubino. Provavelmente, José Rubino deve ter-se valido desse contexto favorável para ficar a par das idéias e das notícias (como a que lhe revelou a existência do Seminário em São Paulo) que circulavam na época e tirou partido de sua condição de seleiro para potencialiazar 55 possíveis contatos (convertidos em capital social) que o ajudaria a viabilizar sua trajetória de ascensão social. Vejamos a citação de Nogueira que faz referência à saída de Rubino da profissão de seleiro que exercia em Sorocaba, rumo ao recém- criado Seminário Episcopal de São Paulo. “Destas modestas posições sahiu, a conselho de pessoas que lhe apreciavam os dotes naturaes do espírito, para vir matricular-se no Seminario Episcopal de S. Paulo” (Nogueira, 1908, p. 235, grifos nosso.). Essas pessoas de quem fala Nogueira, ao que tudo indica eram pessoas que se relacionavam com Rubino. Pessoas que tinham contanto com ele frequentemente a ponto de poder formar um juízo sobre ele e identificar nele “dotes naturais do espírito”. As pessoas que o aconselharam, certamente eram pessoas instruídas, ou pelo menos tinham muito claro a importância da educação para um jovem que se mostrava inteligente. Parece provável que Rubino estabeleceu contato com essas pessoas ao exercer, junto ao seu padrasto, a função de seleiro ou ao exercer a atividade de jockey. Apesar da procura, não foram encontrados dados que autorizem afirmar o alcance da participação dessas pessoas que aconselharam Rubino a ir para o seminário, mas é possível que além de conselhos, ele pode ter recebido uma ajuda efetiva no sentido de estabelecer contato com o seminário para que nele fosse aceito. Mesmo que tudo o que Rubino tenha recebido sejam apenas os conselhos dessas pessoas que apreciavam a sua inteligência, como mostram os registros, esse fato, ao que parece, só foi possível graças a um capital social que o padrasto, e o próprio Rubino, pareciam possuir e que fez uso para viabilizar a escolarização do enteado. No Seminário Episcopal de São Paulo, Rubino dá continuidade ao seu processo educacional e, ao mesmo tempo, inicia a sua educação formal. A passagem dele pelo Seminário foi decisiva na sua trajetória educacional, pois é nesse espaço que ele adquiriu os conhecimentos necessários que o possibilitaram entrar na Academia Jurídica de São Paulo. Não é possível saber se ao entrar no seminário Rubino já tinha como objetivo chegar à Academia Jurídica de São Paulo. Ou se é durante a sua passagem no seminário que ele decide cursar a Escola de Direito. No entanto: indiferente de Rubino ter entrado ou não no seminário com o objetivo explícito de chegar à Academia, o Seminário funcionou como uma estratégia eficiente no sentido de viabilizar de maneira decisiva a entrada dele naquela instituição, pois, se mesmo de maneira sucinta fizermos uma reflexão sobre o sistema educacional brasileiro nesse período, isto é, na segunda metade do século XIX, perceberemos que quase não havia no Brasil um sistema de ensino racionalmente organizado e consolidado que pudesse, assim, atender, de maneira satisfatória, à demanda da população por educação. O que havia, pelo contrário, era basicamente espaços 56 educacionais mal articulados entre si, o que tornava normalmente inviável, e demasiadamente oneroso, para os indivíduos pobres, a continuidade dos estudos em diferentes níveis de escolarização. Nessas circunstâncias, normalmente, só os indivíduos com maior poder aquisitivo podiam investir em uma educação mais prolongada. Nessa perspectiva, acreditamos ficar explícito que a passagem de Rubino pelo Seminário funcionou, de maneira consciente ou não, como uma estratégia para entrar na Academia Jurídica de São Paulo, estratégia essa que se revelou eficiente, uma vez que, assim que ele terminou os estudos no seminário, ele presta os exames e é admitido como estudante do curso de direito em 1864. (Portes e Cruz, 2007, p. 161-162). É importante lembrar que a entrada nos seminários, conventos enfim na vida religiosa era uma estratégia largamente utilizada pela população pobre como forma de obter ascensão social. Nesse sentido, o interessante estudo de Silva (2001) “A imigração italiana e a vocação religiosa no Vale do Itajaí” que analisa a imigração italiana para o nordeste de Santa Catarina e a trajetória de construções das vocações religiosas desses italianos, é um bom exemplo que ajuda a entender como que de fato a carreira eclesiástica era vista pela família italiana como um projeto (consciente ou não) de ascensão social. Segundo Silva (2001, p. 198): [...] a ida do filho para o seminário representava a possibilidade de ele estudar, mesmo que não viesse a se tornar padre. Conclui-se, portanto, que além do desejo de ter um filho padre – motivo de orgulho e status para a família e comunidade –, o estudo era um bem cultural almejado para os filhos[...]. O desejo de aquisição desse capital cultural figurava como um dos motivos mais importantes, talvez mais do que a própria vocação religiosa, para que esses sujeitos ingressassem nos seminários, conventos, enfim na vida religiosa. Silva (2001, p.193, grifo nosso), constata que: Na sua maioria, os religiosos e religiosas entrevistados, ao responderem e refletirem sobre a sua opção religiosa, declararam que sua decisão não foi tomada no momento em que saíram de suas casas para as instituições religiosas, mas em momentos posteriores de sua formação. Tal fato permite inferir que outros motivos induziram sua ida para os seminários, conventos, tendo atuado, portanto, fatores de outra ordem que não a motivação para a carreira religiosa [...]. A estratégia de ingresso na carreira religiosa como forma de obter ascensão social, na maioria das vezes, se revelava bastante eficiente uma vez que permitia ao indivíduo acesso a um determinado capital cultural, que dificilmente ele adquiriria pelas suas condições materiais, e a possibilidade de deixando (ou não) a vida religiosa investir esse capital cultural no mercado de trabalho. Sobre aqueles indivíduos que abandonaram as instituições religiosas Silva (2001, p. 235) comenta: Um grande número de filhos e filhas que abandonaram os seminários e conventos não mais retornavam à casa paterna, empregando-se nos centros urbanos mais próximos e retomando seus estudos. Eles formariam uma classe média urbana composta principalmente de professores de nível médio e superior, bem como de profissionais liberais que disputariam o mercado de trabalho nos centros mais importantes [...]. 57 Assim, fica claro que seguir carreira religiosa era de fato uma estratégia utilizada pelas famílias como forma de buscar ascensão social. Porém, é preciso levar em consideração um fato importante. Se de um lado a população pobre desde longo tempo fez uso da vida religiosa como forma de ascensão social é preciso ter em conta que a população branca pobre parece ter tido maior oportunidade de fazer uso dessa estratégia do que a população negra pobre. Pelo menos é isso que deixa antever o trecho de um artigo, de autoria do abolicionista Antônio Bento, publicado em 13 de maio de 1893 no jornal A Liberdade: “Nos institutos religiosos que atualmente existem em São Paulo, nos diversos colégios que sempre abrem 2 ou 3 lugares para os pobres, os filhos de preto não são admitidos. Alegam como razão que os brancos é que sustentam esses estabelecimentos e, como os brancos ricos são antigos escravocratas, não consentem nesses estabelecimentos os filhos de preto. Há escolas modelos, mas não se vê nelas um preto. O escândalo chega até o ponto de o Sr. Arcoverde fazer o regulamento do Seminário Episcopal com o seguinte artigo: Art. 10º. – Para ter lugar entre os gratuitos e meio pensionistas do Seminário é preciso o pretendente não ser de cor Preta!!! Note Oh! Caifazes meus, que no artigo 7º. Do mesmo regulamento o meio pensionista é aquele que paga duzentos mil réis por ano. De sorte que o preto nem mesmo pagando, pode ser aluno do Seminário”. (texto de autoria de Antônio Bento publicado no jornal A liberdade em 13 de maio de 1893, apud Quintão, 1995, p. 88). Veja que o seminário em questão é o mesmo que recebeu José Rubino anos atrás em 1859. Da citação apresentada, pode se supor que embora a entrada na vida religiosa era uma estratégia que a população pobre lançava mão pode-se dizer que, talvez, a população negra pobre encontrava maior dificuldade para recorrer a essa estratégia pelas possíveis barreiras raciais que as instituições de ensino da Igreja podiam erguer contra os negros. Assim, não parece que a população negra pobre utilizou-se da mesma forma e na mesma proporção, que a população branca pobre, da estratégia de entrada na vida religiosa como forma de ascensão social no Brasil. Pelo menos no caso do Seminário Episcopal de São Paulo, pode-se dizer que brancos e negros pobres não tinham a mesma recepção como nos indica a citação acima. Por outro lado, pode-se supor também que se no Seminário Episcopal de São Paulo no ano de 1893 (portanto cinco anos depois do fim do regime escravista) havia toda essa barreira proibindo a entrada de alunos negros, como nos informa Antônio Bento, é possível que na época em que José Rubino entrou, 1859, as pressões raciais contrárias a entradas de negros fossem ainda maiores. Embora sejam apenas suposições, se isso tiver ocorrido de fato a nossa hipótese de que Rubino para entrar no Seminário Episcopal contou com a ajuda de terceiros ganha ainda mais força. 58 De toda forma, com a ajuda do seminário, Rubino faz os exames de preparatórios e entra na Faculdade de Direito em 1864. Considerando a sociedade da época, fortemente marcada pelo racismo, é possível supor, tendo em vista a origem social e a cor da pele, que Rubino tenha enfrentado uma série de dificuldades e de constrangimentos que um espaço como o da Academia lhe impunha. A Academia Jurídica de São Paulo, como já foi dito, recebia em sua maioria indivíduos provenientes de famílias brancas e ricas. Nesse espaço, aparentemente constrangedor, Rubino teve que lançar mão de estratégias que lhe permitissem transitar na Academia da melhor forma possível, ou seja, de modo que a variável origem social e racial não lhe causasse ou causasse o mínimo possível de conflitos que pudessem atrapalhar a continuidade de sua trajetória escolar. As relações sociais e raciais que marcam a sociedade brasileira do século XIX certamente ecoavam nas relações que se estabeleciam dentro da Academia. Um exemplo bastante ilustrativo é a prática pedagógica do Conselheiro Prudêncio G. T. Cabral, professor da Academia na primeira metade do século XIX, narrada por Nogueira (1907, L. 2, p. 47): Tinha accentuado preconceito contra os estudantes de cor, e perseguia-os implacavelmente. Começava por não admitir que lhe extendessem a mão. Uma vez deu o pe a um delles, que o queria cumprimentar. - Desafôro! – Dizia. – Negro não póde ser doutor. Há tantas profissões apropriadas: cozinheiro, cocheiro, sapateiro... Um outro exemplo interessante envolvendo um estudante negro de nome Fogaça, e o Conselheiro e Mestre Cabral, também foi registrado por Nogueira (1907, L. 2, p. 47): Ás vezes estando presente o Fogaça, o Cabral nen olhava para o lado delle, mas perguntava ao bedel 14 : - Senhor Mendonça, já marcou ponto no negro? - Mas, sr. Conselheiro, protestava respeitosamente o Fogaça, eu estou presente!... - quer o negro esteja ausente, quer o negro esteja presente, marque ponto no negro 15 . Esse episódio é importante porque nos ajuda a visualizar as tensões raciais que certamente ocorriam no interior da Academia Jurídica de São Paulo e denota, o tipo de julgamento que provavelmente os professores lançavam sobre os alunos negros. Bourdieu (2008, p. 192) num texto intitulado “As categorias do juízo professoral” comenta que “O julgamento professoral apóia-se de fato sobre todo um conjunto de critérios difusos[...]” e que: Não há dúvida de que os julgamentos que aplicar-se à pessoas em seu todo levam em conta não somente a aparência física propriamente dita, que é sempre socialmente marcada (através de índices como corpulência, cor, forma do resto), mas também o corpo socialmente tratado (com a roupa, os adereços, a cosmética e 14 Bedel, era um empregado da Faculdade de Direito que entre outras atribuições ajudava ao professor a computar as faltas e presenças dos alunos às aulas. 15 Marcar ponto significa indicar que o aluno em questão faltou. É interessante observar que o Conselheiro Cabral indica ao bedel que independente do negro Fogaça estar ou não presente ele deveria, sempre marcar falta para o estudante. 59 principalmente as maneiras e a conduta) que é percebido através das taxinomias socialmente constituídas, portanto lido como sinal da qualidade e valor da pessoa (Bourdieu, 2008, p. 193, grifo do autor). O episódio, apresentado acima, envolvendo o professor Cabral e o aluno Fogaça, contribui também para a corroboração da hipótese, que vem sendo confirmada, de que os negros frequentaram escolas no século XIX. Embora tenha procurado, não foram encontradas outras referências sobre este estudante chamado Fogaça, nos arquivos da Faculdade de Direito. No entanto, com base em Nogueira, é possível aventar que este aluno pertenceu à turma de 1839 a 1843, o que nos permite supor que desde o início da inauguração da Academia, em 1828, já havia a presença de estudantes negros no interior da Faculdade. Essa constatação é relevante porque ajuda a colocar em cheque o “padrão de tratamento dispensado aos negros pela historiografia educacional brasileira e sua principal característica [que] é a promoção da invisibilidade dos membros deste grupo racial. Isto se manifesta nos trabalhos de história da educação através de uma afirmação explícita ou velada de que, no Brasil, os negros não freqüentaram escolas”(Fonseca, 2007, p. 9, grifos do autor). Além do mais, aponta que havia a presença de estudantes negros não só no ensino elementar como já foi demonstrado por Fonseca (2002; 2007) e por Barros (2005), mas também nos graus mais avançados, como no ensino superior. Embora não se possa afirmar que o comportamento racista do professor Cabral represente necessariamente o comportamento dos demais professores da Academia 16 , ele sinaliza para o fato de que o aluno negro que tivesse a petulância, o “desaforo” de se meter a ser doutor, em vez de ser cocheiro, cozinheiro etc, estaria sujeito a inúmeras humilhações e constrangimentos. O fato de Rubino dar aulas particulares possivelmente para aqueles que iriam mais tarde tornarem-se estudantes da Academia pode ter lhe ajudado a adquirir o traquejo que lhe possibilitou, da melhor forma possível, inserir-se num espaço dominado em sua maioria por pessoas brancas, vindas das camadas elevadas da sociedade brasileira, como era o espaço da Academia Jurídica. A maioria dos alunos da Academia, sendo brancos e ricos, provavelmente vivenciaram experiências sociais e educacionais que lhes formaram como habitus uma determinada visão 16 Afinal, apesar deste comportamento do Conselheiro Cabral, a Academia permitiu a entrada do mesmo Fogaça no seu interior. De certa forma, esse fato sugere que nem toda a Academia era refratária ao ingresso de estudantes negros apesar de todo preconceito racial que havia na sociedade da época e que certamente ecoava, como se verifica na postura do professor Cabral, no interior da Academia. 60 de mundo, determinados valores, possivelmente comum entre eles, que Rubino teve que incorporar. No entanto, o fato de dar aula para particulares e ter contato na qualidade de aluno das Arcadas com os filhos das elites intelectuais e econômicas do Brasil, aproximava Rubino do mundo deles, mas não fazia com que ele fizesse parte deste mesmo mundo. É nesse sentido, que ele, como um “diferente”, possivelmente teve que se esforçar por se mostrar parecido com aqueles que habitavam a cena acadêmica. Essa era uma forma de se socializar e de se identificar com os demais estudantes. E já que, a principio, a sua origem social e racial constituíam variáveis negativas para um início de aproximação e identificação com esses estudantes, Rubino teve que desenvolver estratégias de socialização especificas de acordo com o perfil dos alunos mencionados. O que estava em jogo era que ou Rubino se mostrava igual ou se mostrava subalterno em relação àqueles que dominavam os assentos da Academia. Assim, além de se apresentar como um ótimo estudante, foi necessário a Rubino entender o mais breve possível a “regra do jogo”, isto é, incorporar o que era usual na Academia, adquirir um certo habitus que o possibilitasse utilizar determinadas práticas 17 que ajudassem a camuflar, de certa forma, sua origem social e racial naquilo que essas variáveis pudessem pôr em risco sua permanência na Escola de Direito. Rubino parece utilizar-se de um certo “mimetismo estratégico necessário à adaptação a condições adversas” (Portes, 2001, p. 28-29). Segundo Nogueira (1908), Rubino concluiu o curso de modo brilhante e que sempre foi um estudante notável. “Na Academia, segundo nos affirmam os seus colegas de anno, foi elle sempre contado entre os mais notaveis estudantes” (Nogueira, 1908, p. 286). Rubino, com o intuito de vencer as possíveis barreiras motivadas por preconceito ligadas a sua origem racial e social, se esforça em se tornar um aluno brilhante. Mostrando-se um estudante brilhante, ele tentava amenizar as diferenças existentes entre ele e os demais estudantes. Essas diferenças, se aprofundadas, poderiam ter consequências nefastas na trajetória de Rubino, que poderiam se traduzir em constrangimentos como o de não ser aceito ou mesmo de ser impedido de cursar a Academia Jurídica, a exemplo do que ocorreu com o seu amigo Luis Gama. Esse sendo negro e abolicionista, foi impedido de matricular-se na 17 Para se ter uma idéia de como era necessário aos alunos negros e pobres desenvolver esse conjunto de práticas, recorrer-se-á-se mais uma vez a um episódio protagonizado pelo Mestre Cabral e o seu aluno Fogaça: “Nos dois anos do curso de Civil, levou a canto chorado um estudante de nome Fogaça, mulato feio e maltrapilho, pois o descuido na toilette era também, para o conselheiro Cabral, caso de forca!” (Nogueira, 1907, L. 2, p. 47. Grifos nosso). 61 Academia de Direito por oposição dos estudantes. Menezes (1969, p.65), narra o episódio que foi publicado na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em 1864: Em princípio de sua carreira, tentou [Luis Gama] cursar a Faculdade de Direito de São Paulo. A generosa mocidade acadêmica daquela época entendeu que deveria matar as aspirações do pobre rapaz, tratando-as com o suplício de santo Estevão e o apedrejaram com meia dúzias de chicotes lorpas. Luis Gama excluiu-se, revoltado, da companhia dos moços, horrorizado com a benevolência dos eruditos. Outra estratégia utilizada por Rubino, para fazer frente às suas necessidades e continuar seus estudos na Academia, foi recorrer ao trabalho remunerado como mostra este anúncio publicado no Diário de São Paulo, em 11 de fevereiro de 1862: José Rubino de Oliveira, estudante do 3º ano da faculdade jurídica desta cidade, tema honra de participar ao público que, com a necessária vênia da Instrução Pública, acaba de abrir uma aula na casa nº 80 da rua de São Bento, onde leciona primeiras letras, gramáticas latina e francesa, e também aritmética e geometria. As pessoas, que quiserem utilizar-se de seus serviços queiram se dirigir à casa supra indicada, onde o encontrarão para tratar. (Publicado no Diário de São Paulo em 11/02/1862, apud Dias, 2002, p. 209). Assim, “porque era pobre e precisava de meios de subsistência para si e sua mãi, estudou direito, leccionando mathematicas elementares e outras matérias” (Blake, 1970, p. 171). Essa estratégia surte efeito, pois ele, apesar das dificuldades, consegue dar seguimento aos estudos. Essas estratégias elaboradas e utilizadas por Rubino se mostraram suficientemente fortes, pois, Rubino, em 1868, cola grau em Direito na Academia Jurídica de São Paulo, e, já em 1869, um ano depois, obtém o título de doutor, com 32 anos de idade, na mesma Faculdade de Direito. Na reconstrução da história de vida de Rubino, pode-se apontar também que ele foi constituindo uma autodeterminação, um sobre-esforço que foi determinante na consecução de sua trajetória. A persistência de Rubino se revela de modo mais evidente nos sucessivos concursos que ele fez para professor da Escola de Direito. Afinal, ele faz nada mais nada menos que oito concursos para professor da Academia. Essa insistência de Rubino em se tornar professor da Academia pode ser pensada também como uma estratégia, pois se tornando professor da Academia ele estaria coroando com êxito a sua ascensão social sobretudo porque ser professor da Escola de Direito de São Paulo, no século XIX, representava trabalhar em uma das principais instituições de ensino superior do Brasil que, na qualidade de formadora da elite política da nação, era uma das células mais importantes no projeto de construção do Estado Nacional Brasileiro. Esse fato pode explicar por que Rubino, sendo negro, encontrou tanta dificuldade para pertencer ao quadro de professores da eminente 62 Academia Jurídica de São Paulo. Ainda mais quando se pensa que possivelmente parte da Academia era contrária à entrada de negros em seus cursos, o que se dirá do fato de um negro ter pretensões de se tornar professor dessa Faculdade. Esse acontecimento só podia ser tomado nos dizeres do Conselheiro Cabral como um “desaforo”. E esse desaforo do negro Rubino não podia passar impune. Como já foi aludido ele no seu 5º concurso, ocorrido em 1874, é aprovado, mas o concurso é anulado. Esse fato revela que possuir conhecimento não era o único critério para ser aprovado naqueles concursos. Não se devia cometer o desaforo de sendo negro pretender fazer parte do ilustrado quadro de professores das Arcadas. Sim, havia um critério mais importante que conhecimento e competência que era o de pertencimento racial. No entanto, Rubino não desanima e numa obstinação surpreendente continua tentando até que pela sua insistência, juntamente com a sua competência, consegue vencer as barreiras raciais que contra ele estavam erguidas. Rubino só é admitido segundo Nogueira (1908), quando se torna impossível negar seu obstinado esforço e incontestável talento. As estratégias que foram empreendidas por Rubino se revelaram suficientemente fortes uma vez que lhe possibilitou traçar uma trajetória bastante incomum para a época: de seleiro, em Sorocaba, ele chega a professor da Academia Jurídica de São Paulo que era, no século XIX, o principal reduto de onde saía a elite intelectual e política do Brasil. Por meio das estratégias aplicadas por Rubino, que lhe permitiram dar continuidade a sua trajetória de ascensão educacional e social, ele foi adquirindo uma série de disposições, por exemplo, a sua autodeterminação. As estratégias possibilitaram, ainda, que Rubino formasse um importante capital cultural acionado por ele para o enfrentamento das dificuldades sociais e raciais que uma trajetória como a sua, ocorrida no século XIX, em pleno período escravocrata, demandava. A posse e o uso por parte de Rubino de um determinado capital cultural articulado com capital social lhe permitiram se movimentar pelo campo do direito conseguindo atingir um pólo dominante dentro deste campo. 63 Capítulo 3 – A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e a trajetória da professora Eunice Aparecida de Jesus Prudente no século XX. Foram identificados quatro sujeitos negros na Faculdade de Direito de São Paulo no século XX. No entanto, como já foi exposto na introdução, por uma série de razões só foi possível trabalhar a trajetória da professora Eunice Aparecida de Jesus Prudente. Porém, entre os sujeitos identificados se encontra Antonio Cesarino Júnior que teve a sua trajetória pesquisada por Irene M. F. Barbosa em sua tese de doutorado intitulada “Enfrentando preconceitos – Um estudo da escola como estratégia de superação de desigualdades” e publicada em livro em 1997. Nascido em 1906, na cidade de Campinas no Estado de São Paulo, Cesarino Júnior, negro e de uma família pobre, foi aluno na Faculdade de Direito de 1924 a 1928. Em 1937, fez concurso e tornou-se professor da Faculdade de Direito exercendo essa função por cerca de trinta e oito anos. Cesarino Júnior é considerado o fundador do Direito do Trabalho, o que lhe conferiu projeção internacional. O excelente trabalho realizado por Barbosa (1997) é importante para o estudo que aqui se está realizando, porque além da autora pesquisar a trajetória de um sujeito negro e pobre que construiu uma trajetória marcada por ascensão social, ela utiliza um referencial teórico semelhante ao que se está utilizando neste trabalho, isto é, Barbosa também se vale, no seu trabalho, de alguns conceitos encontrados na produção do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Dessa forma, este trabalho relativo à trajetória do professor Cesarino Júnior 18 será utilizado sempre que for possível tecer alguma comparação entre a sua trajetória e a da professora Eunice. Eunice Aparecida de Jesus Prudente nasceu em 10 de setembro de 1946, no bairro da Mooca, em São Paulo. Foi educada, em São Paulo, na Escola pública São Teodoro, que era mantida pelo colégio Sion (onde ela estuda de 1959 a 1962), e depois no Colégio público Domingos Faustino Sarmiento (1963- 1966). Filha de pai metalúrgico e mãe tecelã. O primeiro veio da zona rural de Mococa e a segunda da zona urbana de Jundiaí. Segundo a 18 professora Eunice Prudente conta que chegou a conhecer o professor Cesarino Junior: Na verdade, ele [Cesarino Júnior] já estava aposentando, e era a professora Marly [Cardone], assistente dele, é que dava as aulas. Mas, às vezes, o pessoal fazia tanta bagunça que a gente já sabia que na aula seguinte ele vinha pra dar bronca [risos]. Então... eu ainda peguei o Cesarino Júnior, não fui aluna dele diretamente, fui da Marly Cardone, mas o conheci bem... ele vinha sempre aí às aulas... ele dava aula [somente] na pós – graduação. [...]. Ele [ Cesarino Júnior Foi] o estruturador do Direito do Trabalho no Brasil. Era um gênio. 64 professora Eunice “eles se conheceram morando na Mooca, num movimento chamado Juventude Operaria Católica – JOC, onde se discutiam as condições dos trabalhadores”. Como se pode perceber na fala acima, a professora Eunice nasceu numa família de militantes. Aliás, é justamente num movimento social que seus pais se conhecem e constituem família. Esse é um dado importante uma vez que alguns estudos 19 apontam para o papel fundamental que a família (negra) tem na trajetória dos sujeitos, juntamente com a escola, no sentido de que a família contribuir na formação de um determinado perfil, no forjamento de uma determinada identidade, conformando um habitus como deixa transparecer a professora ao se identificar como negra: “o fato de me considerar negra está intimamente ligado à minha família”. A professora segue contando que cresceu numa família que se interessava pela questão racial e isso marcará toda a sua trajetória social e educacional: Sempre tive muito envolvida com a questão racial por causa de minha família. Veja, da parte de minha mãe, meu avô integrou a Frente Negra Brasileira, meu avô materno, que era de Jundiaí da área urbana. Minha avó materna dizia que eu não conheci o senhor Arlindo Silva 20 , mas ela o hospedava na casa dela, assim como alguns nomes que hoje lembram a História, e a gente vê porque aquelas pessoas existiram mesmo. Então, quando eles percorriam as cidades com as causas da Frente Negra Brasileira, em Jundiaí, ficavam hospedados na casa de minha avó e ela tinha muito orgulho disso. Ainda como aluna da escola Domingos Faustino Sarmiento, orientada por um amigo da família, o Coronel Antônio Marcelo, presta concurso para escriturária na Caixa Beneficente da Guarda Civil do Estado de São Paulo. Sendo aprovada, permanece neste cargo até prestar novo concurso, em 1969, também para escriturária no Instituto Oceanográfico da USP. Em 1968, ingressa na Faculdade de Direito de São Paulo e cinco anos depois, 1972, conclui o curso. No ano de 1980, obtém o título de mestre em Direito Público com o trabalho 19 Sobre o papel que a família negra exerce na vida escolar da criança negra consultar, entre outros, Cunha Júnior (1987) e Barbosa (1987). 20 Aqui a professora parece ter ser enganado. Provavelmente, ela estava se referindo a Arlindo da Veiga Santos, nascido em Itu, em 1902 e falecido em São Paulo em 1978. Arlindo Veiga Santos, foi um dos principais líderes da população negra na primeira metade do século XX e presidente, nos anos de 1931 a 1937, da maior entidade negra da história do Brasil, a Frente Negra Brasileira. 65 intitulado “Preconceito racial e igualdade jurídica no Brasil” sob a orientação do professor Dalmo de Abreu Dallari. Por indicação desse mesmo professor, é contratada para o cargo de docente da Faculdade de Direito em 1985. Nove anos depois, em 1994, torna-se professora titular da Faculdade de Direito e em 1996 recebe o título de doutora na área de direito constitucional com a tese de nome “Direito à personalidade integral: cidadania plena” também sob a orientação do jurista e professor da Faculdade de Direito Dalmo de Abreu Dallari. A professora Eunice não ficou somente no âmbito da USP, como ela mesma explica: (...) eu não fiquei o tempo todo aqui no âmbito da USP. Quando eu comecei a carreira docente, eu deixei a carreira administrava [da USP] e prestei o concurso para advogada da Empresa Metropolitana de Planejamento da grande São Paulo (Emprasa) e depois da companhia do Metrô (...). nessas duas empresas públicas, na Emprasa e depois na Companhia do Metrô, ocupei cargos de coordenadoria, de chefia de advogados. Além de atuar como advogada dessas empresas, a professora ao longo de sua trajetória tem alcançado sucesso profissional ocupando cargos de destaques, como já mencionado na introdução. Em alguns deles sua presença na condição de mulher negra constituiu-se num marco por ser um fato inédito, como ocorreu no caso da Faculdade de Direito, onde a professora Eunice é a primeira mulher negra (e única) a lecionar em seu interior. A professora Eunice foi também a primeira mulher negra a assumir a Diretoria Executiva do Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor – Procon. No entanto, ao assumir a Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo é que ela passa à história como a primeira mulher a ocupar o cargo de secretária da Justiça, cargo nunca antes ocupado por nenhuma mulher negra ou branca. De fato, ao conferir na Secretaria de Justiça, constatou-se que o cargo existe desde 1892 e, por ele passaram 74 secretários. Portanto, em mais de cem anos de existência, só haviam assumido o cargo homens, entre eles alguns bastante ilustres, como Washington Luís e Miguel Reale, entre os quais a única mulher da lista é a professora Eunice, que ficou no cargo de 31 de março de 2006 a 31 de dezembro do mesmo ano. A professora Eunice Prudente não só se identifica como negra como atua em sua vida profissional e acadêmica com questões ligadas às relações raciais. A sua dissertação de mestrado “Preconceito racial e igualdade jurídica no Brasil” defendida em 1980 é um bom exemplo da sua militância e do seu envolvimento com as questões ligadas ao negro. Nesse trabalho, que foi publicado pela editora Julex em 1989, a professora Eunice buscar entender 66 por que, no Brasil, a discriminação racial não era considerada como crime e a partir da pergunta o que é crime ela tenta demonstrar, que o direito no Brasil não possuía as ferramentas necessárias para tipificar a discriminação racial como crime 21 . No doutorado, apesar de não ter o negro como objetivo de seu trabalho, a professora trata das diferentes formas que o preconceito racial é assimilado nos grandes, médios e pequenos meios urbanos. O envolvimento da professora Eunice com o tema pode ser verificado também quando se observa o seu Currículo Lattes. Esse mostra que ela possui vários artigos sobre o tema e participou de vários eventos que tratam da questão do negro no Brasil. Além de escrever sobre assuntos relacionados ao negro, principalmente sobre a atuação do judiciário frente à aplicabilidade das leis antidiscriminatórias, a professora coordena atualmente um grupo de pesquisa intitulado Núcleo de Pesquisa e Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro – NEINB na USP. Um dos primeiros elementos a ser observado na trajetória da professora Eunice é o papel fundamental que a sua família parece ter exercido sobre ela no sentido de lhe possibilitar perceber a educação como um valor, e constituir uma identidade racial que a ajudou adquirir uma certa consciência de seu pertencimento racial. A educação era percebida como algo importante pelos pais da professora Eunice. Em relação à família de seu pai ela conta que eles residiam em fazendas e que o seu pai não teve muito estudo, o que não significa que a educação não fosse percebida, pela família, como um bem, como algo importante que podia viabilizar melhores condições de vida. A avó paterna da professora Eunice sai da fazenda em que residia com seus filhos devido à ação de fazendeiros que aproveitando da morte de seu marido, tomaram suas terras. Dessa forma, a avó da professora, ajudada por um compadre, muda com os seis filhos para uma fazenda onde as condições de vida e a escola eram melhores. Ele [o pai] é de uma época em que o governo exigiu que nas fazendas tivessem escolas, então havia lá um professor que ainda usava 21 Com a Constituição de 1988 e outras regulamentações como a da Lei 7.716/89 a Discriminação racial passa a ser crime tipificado, isto é, é proibido discriminação de raça, cor, etnia. As penas variam de um a três anos de reclusão e multa. Atualmente devido à pressão da sociedade, sobretudo daquelas pessoas ligadas às questões raciais, descontentes com as lacunas existentes ainda na Legislação sobre a discriminação racial, tramita na câmara dos Deputados, já há oito anos, o Projeto, de autoria do Deputado Paulo Pahim, que institui o Estatuto da Igualdade Racial. O Estatuto gerou uma grande polêmica que atingiu seu ápice com a entrega, em junho de 2006, por opositores a implantação das cotas raciais, ao presidente do Congresso Nacional um manifesto contra o projeto de Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial. Esse manifesto argumenta que as cotas são inconstitucionais uma vez que prega a discriminação por raça. Rapidamente os defensores das cotas também fizeram um manifesto alegando que as cotas são necessárias porque o próprio Estado Brasileiro reproduziu o racismo em suas políticas. Assim, ainda não se sabe se o Estatuto será ou não aprovado. 67 palmatória, que batia nos alunos. Mas a minha avó, que ficou viúva com seis filhos, essa avó paterna, eu morava em fazenda, teve a coragem de mudar-se com toda a família dela para uma fazenda do banco do Brasil (...). Lá, no seu tempo, tinham condições de vida melhor, escolas melhores (...). Essa mudança da avó paterna da professora Eunice para a fazenda do Banco do Brasil surtiu seus efeitos, pois, segundo ela, os seus tios mais novos tiveram uma escolaridade maior do que a do seu pai. Outra questão interessante é que a avó paterna da professora Eunice não encerra seu itinerário na fazenda do Banco do Brasil, onde as condições eram melhores. Pelo contrário, dessa fazenda ela se dirige para a capital e vai residir na Mooca. Essa decisão aconteceu talvez por sentir que, na capital, ela teria condições ainda melhores do que tinha na fazenda do Banco do Brasil. Os estudos e o sucesso profissional obtidos por uma tia paterna da professora Eunice podem estar relacionados com o fato da avó dela ter vindo residir na capital. Segundo a professora, essa sua tia de nome Ana Florença de Jesus Romão, formou-se em contabilidade e prestou concurso na Rede Ferroviária Federal ocupando cargos importantes nesta empresa. Além do mais, conta a professora que essa tia foi dirigente nacional da Juventude Operária Católica – JOC e que sempre esteve envolvida com questões ligadas ao movimento negro. No que diz respeito à família da professora Eunice por parte da mãe percebe-se como a família parece ter assimilado a educação como algo importante. Eunice menciona que tanto a sua avó como sua mãe e seus tios foram escolarizados. (...) [minha mãe] vem de Jundiaí, os pais dela eram alfabetizados. O pai dela era contínuo da Ferrovia Paulista, acho que é companhia Paulista de Estrada de Ferro... meu avô, pai da mamãe. E minha avó (...) vinha de Rio Claro e lá também ela tinha estado na escola, ela era assinante de jornal de Jundiaí, etc. As lembranças que eu tenho de minha avó materna é sempre sentada lendo jornais com aquele oclinho lendo jornal. E a partir daí, ela discutia tudo... Ela também havia ficado viúva, também teve que defender os direitos e tal, mas aí ela já estava numa cidade que era a de Jundiaí, então todos os filhos dela foram para a escola, todos aprenderam profissões etc. (...) Quando a minha mãe veio trabalhar em São Paulo foi que conheceu meu pai. 68 É interessante observar que a avó da professara Eunice não só é alfabetizada como parece possuir o hábito de leitura sendo ela mesma assinante de um jornal em Jundiaí. E que a leitura desse jornal, e quem sabe de outros tipos de textos, lhe serviam de base para discussão como aponta a professora Eunice. Ela lembra sempre da avó materna com os óculos lendo jornal, a lembrança desse hábito de leitura de sua avó pode ter deixado referências positivas para a professora Eunice sobre a prática da leitura. Assim, pode-se dizer que embora a professora Eunice derivasse de um núcleo familiar de baixo capital econômico, ela pôde contar, por outro lado, com um restrito mas eficiente capital cultural que lhe foi passado pela sua família, como por exemplo, as referências do hábito de leitura da avó materna, com quem ela convivia, que parece ter possibilitado que nela constituísse um habitus, isto é, uma disposição incorporada para os estudos. Além disso, embora os seus pais não tenham efetuado uma trajetória educacional marcada por longevidade escolar, eles eram alfabetizados e parece, como se verá adiante, que tinham muito claro a importância de educar seus filhos. Um outro elemento que a família da professora Eunice parece ter transmitido a ela é uma apurada consciência racial no sentido de ela se perceber como negra e se aceitar como tal. Esse é um fator importante tendo em vista que para a criança negra é imprescindível receber, desde cedo, orientações sobre algumas práticas discriminatórias que essas podem estar sujeitas no seu processo de socialização como, talvez, o mais importante deles: o ingresso na escola. A falta de orientação na família [negra] sobre a questão racial causa uma situação de “estranhamento” na criança, a partir, principalmente, do momento em que ela inicia seu processo de socialização na escola, quando, então ela passa a ser objeto de rejeição (primeiro contato com processo de exclusão do diferente): xingamentos, rejeição nas brincadeiras infantis, etc. Muitas vezes, a criança não consegue verbalizar esse sentimento de rejeição e as conseqüências surgem, sendo uma delas, a resistência para ir à escola (Cunha, apud Oliveira, p. 18, 2004). Eliana de Oliveira (2004, p. 18) em sua tese de doutorado intitulada “Mulher negra professora universitária – trajetória, conflitos e identidade”, comenta também que: A família negra tem influência importante e papel fundamental na socialização do indivíduo, para que ele compreenda as diferenças étnico-raciais de nossa sociedade e também para preveni-lo de situações constrangedoras de práticas discriminatórias. Portanto, a família não deve silenciar sobre a realidade étnica, mas desenvolver na criança a interiorização de imagens positivas sobre características como: traços físicos, cor da pele, cabelo, etc (...). Nesse sentido, a família da professora Eunice parece lhe ter transmitido, desde muito cedo, uma consciência racial, que ao longo de sua trajetória vai se constituindo e se 69 traduzindo num certo habitus racial, no sentido de lhe informar que as relações sociais em vários momentos da vida cotidiana, poderiam ser permeadas por práticas discriminatórias e que era importante tomar consciência dessa realidade para poder aprender a lidar com essas situações. Vejamos a fala da professora: Quando eu comecei o ginásio eu deixei escola são Teodoro e vim para o Colégio Domingos Faustino Sarmiento, na época considerado um dos melhores, localizado no Brás. Aí eu estudei com filhos de comerciantes ali... ali eu já senti a questão racial: não recebia todos os convites etc, mas ali os meus colegas... aí eu acho que minha família foi fundamental, sempre me orientou de saber que essa discriminação existia e o que eu ia passar, e quem eram realmente meus amigos, então uma consciência racial eu recebi em casa. Barbosa (1997, p. 216), no seu estudo já mencionado sobre o negro Antônio Cesarino Júnior constatou um fato que vai ao encontro do relato apresentado acima: As manifestações de preconceitos, identificadas na história da família de Cesarino Júnior, e em sua trajetória, em particular, revelam que tentativas foram feitas para se lidar com os problemas de natureza racial que, muitas vezes, nem eram admitidos e quase nunca eram visíveis. Nesse relato, fica bem visível também o papel fundamental que a família dela teve no sentido de a introduzir não só nos debates ligados à questão racial, mas também nos debates políticos. Essa orientação sobre a questão racial recebidas pela professora Eunice será decisiva em toda as sua trajetória educacional como se pode ver na forma com que ela lida com a discriminação racial quando estava ainda no ginásio como ela mesma narra: Então, eu já tinha em casa discussão em torno da questão racial e meu pai me levava junto com o meu irmão às assembléias, sindicatos dos metalúrgicos localizados, na época, aqui na Rua do Carmo, próximo à Praça da Sé, onde questões que não era(m) lá discutida ou quase que proibidas mesmo, que eram as questões raciais, eram discutidas em plena Praça da Sé. Então, eu me lembro de vê-lo falando ardorosamente de questões raciais em plena Praça da Sé, porque no passado era assim: as pessoas discutiam política na Praça da Sé. Essa postura da família da professora Eunice tanto frente à educação como em relação às questões raciais favoreceu para que nela ocorresse um processo de formação de um habitus que a predispunha não somente a valorizar a educação, mas também construir um consciência 70 racial marcada pela aceitação de si mesma, enquanto negra. Note-se que “o habitus é simultaneamente a grade de leitura pela qual percebemos e julgamos a realidade e o produtor de nossas práticas (Bonnewitz, 2003, p. 78) Esse habitus, essa forma de perceber o mundo foi fundamental para professora Eunice porque a ajudou a enfrentar situações de discriminação racial no mercado de trabalho e também na qualidade de professora da Faculdade de Direito da USP como será apontado abaixo. Uma outra questão importante é como que os debates políticos, que ocorriam nas assembléias e sindicatos dos metalúrgicos, pareciam não contemplar as questões relacionadas ao negro. Tanto é que devido ao fato de as questões raciais não serem debatidas nesses ambientes, o pai da professora Eunice se via obrigado a se dirigir à Praça da Sé, onde se discutiam ardorosamente as questões raciais. Aliás, foram muitas as críticas do movimento negro a essa indiferença do movimento operário e da esquerda em relação às questões relacionadas aos negros. Esse posicionamento do movimento operário e da esquerda, de um modo geral, fez com que o movimento negro travasse uma luta à parte, o que ocasionou uma situação bastante interessante uma vez que enquanto o movimento negro travava uma luta de raça, o movimento operário e a esquerda travavam uma luta de classes. Florestan Fernandes num artigo intitulado “Lutas de classes, lutas de raças” publicado na revista Teoria e debate em 1988, chama a atenção justamente para esse fato ao tensionar as questões de classe em relação às questões raciais. Para Fernandes, a situação do negro é uma violência que “exige uma contra-violência que remova a concentração racial da riqueza, da cultura e do poder” (Fernandes, 1988, p. 8). O sociólogo chama atenção ainda para o fato de que embora a classe seja um elemento fundamental, é preciso estar atento também para a questão racial. “Se a classe tem de ser forçosamente o componente hegemônico, nem por isso a raça atua como um dinamismo coletivo secundário”(Fernandes, 1988, p. 9). Não se pretende aqui demorar sobre essa questão, mas parece necessário frisar que a questão racial só ganha espaço na pauta de discussão das centrais sindicais na década de 1990. Esse fato pode ser verificado com o reconhecimento da importância da temática racial para a organização dos trabalhadores pelo V Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores – CUT. A Central Geral dos Trabalhadores – GGT, organizou em 1990 o Seminário Nacional de Sindicalistas Antirracista em 1990 no Rio de Janeiro. Esse seminário deu origem a uma comissão Nacional Contra a Discriminação Racial o que acabou por 71 influenciar também a Força Sindical – FS, que acabou por reestruturar a sua Secretaria Nacional de Desenvolvimento da Igualdade Racial. Cabe ressaltar que algumas das conquistas e avanços na luta contra a discriminação, obtidos pelos negros, pelos movimentos negros nem sempre foram engendrados ou em parceria com os partidos políticos de esquerda, ao contrário do que eventualmente se poderia esperar e imaginar 22 . Como bem assinala Guimarães (2003, p. 252). O que há de novo, portanto, é que, ao contrário dos anos de 1960, não foram as classes médias “brancas”, mobilizadas em torno de ideais socialistas e empenhadas numa política de alianças de classes, pretendendo-se, no mais das vezes, os porta-vozes de camponeses e operários, que tomaram a cena política. Quem empunhou a nova bandeira de luta por acesso às universidades públicas foram os jovens que se definiam como “negros” e se pretendiam porta-vozes da massa pobre, preta e mestiça, de descendentes dos escravos africanos, trazidos para o país durante mais de trezentos anos de escravidão. Um exemplo de como os partidos tidos como de esquerda não tinham a questão racial em sua agenda de luta pode ser percebido no caso do Partido dos Trabalhadores que só em 1995 criou um espaço para discussão em torno da questão racial, quando foi criada a Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT. Retornando à trajetória da professora Eunice, ela ao sair em busca de trabalho se depara com o preconceito racial: Bom, eu comecei a trabalhar fazendo o curso colegial, que seria o que se chama hoje o nosso curso médio. E acompanhando minhas colegas do colégio público, comparecia às empresas privadas para fazer testes, mas não tive sorte, ou melhor dizendo, fui algumas vezes expressamente discriminada. O relato transcrito evidencia a dificuldade encontrada pelos negros, que perdura até hoje, de inserção no mercado de trabalho, como vêm demonstrado alguns estudos, no sentido de que os negros deparam-se com uma significativa desvantagem em relação aos brancos ao disputarem vagas no mercado de trabalho, sobretudo aquelas vagas existentes nas empresas privadas. Acompanhamos a continuação do relato da professora Eunice: Então, nós íamos sempre em grupo fazer o teste e atender às chamadas das empresas que publicavam nos jornais que estavam 22 Entre outras conquistas pode-se apontar a criação em 1984, em São Paulo, do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra que tinha como objetivo apoiar os movimentos sociais afro-brasileiros. Com a consolidação do Movimento Negro Unificado (MNU),criado em 1978, como um espaço importante de debates sobre a discriminação racial e reivindicações houve uma pressão sobre o Estado que se viu obrigado a tomar uma atitude em relação ao tema das questões raciais, o que culminou com a criação do conselho mencionado acima. Uma outra conquista foi a transformação da data 7 de julho (dia da criação do MNU) no Dia Nacional de Luta Contra o Racismo. 72 precisando de secretárias, de estagiárias, etc. Então eu comparecia com minhas colegas, quando a gente saía dos testes, das entrevistas, elas diziam que tinham ido mal, etc, mas elas eram aprovadas e eu não. Embora a professora não aponte em sua fala, pode- se deduzir que essas colegas que a acompanham são brancas uma vez que a Eunice parece indicar, com esse relato, que possivelmente ela se saía tão bem ou mesmo melhor do que as suas colegas nos testes, e devido a sua cor era preterida enquanto suas colegas brancas eram aprovadas. Com o intuito de contornar essas barreiras raciais erguidas pelo mercado de trabalho, a professora lança mão da estratégia do concurso como forma de buscar trabalho numa empresa pública. Eu já sabia que aquilo [preterimento no mercado de trabalho] era discriminação racial, passei então a me preparar para o concurso público. (...) Mas a discriminação no mercado de trabalho que hoje vejo comentar já havia na minha época [e] por sua vez, também minhas tias já reclamavam desta situação. Dessa forma, avisada por um funcionário da Guarda Civil, o Coronel Antônio Marcelo, a professora Eunice faz concurso para escriturária e ingressa na Caixa Beneficente da Guarda Civil de São Paulo (por volta de 1965/1966). Parece pertinente, embora essa reflexão seja trabalhada mais profundamente no fim deste capítulo, chamar a atenção aqui para um fato que tem se mostrado revelador tanto na trajetória educacional e social da professora Eunice como na do professor José Rubino de Oliveira: a presença do outro, isto é, a presença de pessoas que de alguma forma contribuíram para o encaminhamento e manutenção da trajetória desses sujeitos. Trata-se de um decisivo capital social que foi utilizado tanto por Rubino, no século XIX, como pela Eunice, no século XX, e que ambos o potencializaram (com sucesso) como estratégia de superação das dificuldades, sociais e raciais, suscitadas pelo tipo de trajetória executada por eles. A professora Eunice enquanto escriturária na Caixa Beneficente foi trabalhar no setor de assistência social e lá conhece uma assistente social que também era advogada formada pela Faculdade de Direito da USP. Deixemos que a própria professora relate como foi o contato com essa assistente social da Caixa Beneficente: Eu era escriturária. Aí pelo meu perfil eu fui trabalhar no setor de assistência social que para mim foi muito importante porque a assistente social era advogada também. Então, (ela) discutia muitos casos comigo, e 73 foi assim, uma experiência boa, muito interessante (...). Ela era formada aqui pela Faculdade de Direito da USP (...), era uma pessoa muito estudiosa, muito dedicada e auxiliá-la, enquanto secretária no serviço social da Caixa Beneficente da Guarda Civil, eu cresci muito. Neste trabalho em que se esta buscando perceber, entre outras coisas, os caminhos e descaminhos das trajetórias dos sujeitos em questão, todos os aparentes detalhes e situações vividas pelos sujeitos podem, apesar do seu aparente aspecto estanque, configurar como situações reveladoras e esclarecedoras para a compreensão das estratégias elaboradas por Rubino e pela Eunice. Nesse sentido, de acordo com o relato apresentado pode-se aventar que o contato com essa ex-aluna da Faculdade de Direito “muito estudiosa, muito dedicada” e com quem ela “discutia muitos casos” pode ter sido uma referência para a vida acadêmica da professora Eunice dentro da Faculdade de Direito, embora não se possa afirma nada e nem levar as reflexões além desse ponto, sem incorrer no risco de ser demasiadamente especulativo. A professora Eunice conta que a primeira vez que adentrou as arcadas da Faculdade de Direito, foi por ocasião da formatura de um amigo de sua tia chamado Fidélis Cabral 23 : (...) Foi a primeira vez (que entrei na Faculdade de Direito) eu não tinha o intuito de fazer direito, mas eu fiquei muito impressionada dele ser o único negro entre os formandos e não era brasileiro e isso já me impressionou muito na época, mas aquilo passou um pouco batido(...). Eu acho que eu tinha uns 17 anos (...). É importante chamar a atenção, nesse fato, para a questão de que essa percepção da professora de reconhecer no ambiente a ausência completa de negros nesta formatura, estando presente somente um negro africano de Guine Bissau, pode estar ligado ao seu habitus racial que ela construiu no seu meio familiar e que lhe permitiu fazer essa leitura da situação. Conforme Bonnewitz (2003, p. 78): “O habitus está na base daquilo que, no sentido corrente, define a personalidade de um indivíduo”. No entanto, foi numa segunda ida à Faculdade de Direito que a professora Eunice despertou seu interesse em cursar direito. Segundo ela, ao passar em frente do Largo de São 23 A professora conta ainda que sua tia acompanhava pelo jornal notícias desse seu amigo: “o Fidelis Cabral, depois que terminou o curso aqui, foi ser guerrilheiro na Guíne Bissau e foi primeiro ministro da Guíne Bissau. E ai minha tia sempre acompanhava os feitos dele pelos jornais e tava sempre me mostrando: “olha o Fidélis aqui, olha o Fidélis, onde foi parar o Fidélis”’. 74 Francisco, ela encontra uma senhora que a aconselha se abrigar uma vez que a polícia estava a caminho, pelo que parece, para silenciar alguns estudantes que protestavam contra a subida ao poder do governo militar. Foi justamente, segundo a professora Eunice, essa coragem dos estudantes em protestar enquanto os demais pareciam silenciados pelo medo, é que instigou nela uma admiração que se transformou em desejo de entrar como aluna na Faculdade de Direito. (...) os estudantes estavam todos no Largo gritando e eu fiquei ouvindo tudo aquilo...Fiquei só um pouco(...). Mas foi a primeira vez que senti a vontade de estudar aqui pelo entusiasmo deles, enquanto todo mundo lá fora parecia que estava com tanto medo, eles aqui estavam protestando. Assim, a professora Eunice faz vestibular e entra em 1969 para os cursos de história e de direito da USP. Passa um ano e meio trabalhando de manhã na Caixa Beneficente, à tarde fazendo o curso de história e à noite, o curso de direito. Um ano e meio depois, a professora Eunice presta outro concurso público para trabalhar no instituto Oceanográfico da USP. Ela comenta os motivos de ter optado por um novo concurso e as exigências do mesmo: Eu prestei o concurso para o Instituto Oceanográfico em busca de melhor salário, de melhores vencimentos e tal. Fui aprovada numa época em que os concursos da USP exigiam inglês, porque os relatórios dos cientistas, dos pesquisadores, eram em inglês (...). Mas fui aprovada, e aí sim, deixei esse meu primeiro emprego, que foi o da Caixa Beneficente da Guarda Civil do Estado de São Paulo, para ir par um outro serviço público, aí já da própria USP. Aprovada neste concurso, cujo cargo exigia que a professora trabalhasse o dia todo, ela abandona o curso de história e continua o curso de direito. A professora, depois de trabalhar um tempo no Instituto Oceanográfico, pede e consegue transferência para trabalhar na Faculdade de Direito segundo ela: (...) Na Faculdade de Direito, eu fiz toda a carreira administrativa no sentido de ser escriturária, chefe de secção, secretária de departamento, assistente acadêmico que é o cargo mais alto da administração nas unidades da USP(...) Uma vez dentro da Faculdade de Direito, como aluna e funcionária, a professora continuar a ampliar e a utilizar um eficiente capital social agora na pessoa de um professor da Academia que via e acreditava no seu potencial, como ela mesma relata: 75 Na carreira administrativa, o professor José Brito Antunes foi uma pessoa que sempre acreditou muito em mim, aqui nos cargos que ocupei. Porque eu comecei na USP por um concurso, mas o concurso era para escriturária, mas depois ocupei chefias, coordenadorias e tal... por indicação do professor José Brito Antunes. Num espaço, onde além de competência era imprescindível o apoio, a indicação por parte de outras pessoas, formar e poder lançar mão de um determinado capital social constituise uma estratégia importante não só para se atingir determinado objetivo como também para a própria manutenção, sobrevivência do sujeito no espaço já conquistado. O capital social funciona como um verdadeiro investimento do qual o sujeito tira partido de sua rentabilidade traduzida em relações duráveis e úteis para a vida social do individuo. Nesse sentido concorda-se com Bourdieu (2008, p. 68): A existência de uma rede de relações não é um dado natural, nem mesmo “dado social” (...), mas o produto de estratégias de investimento social consciente ou inconsciente orientadas para a instituição ou reprodução de relações sociais diretamente utilizáveis, a curto ou longo prazo, isto é, orientadas para a transformação de relações contingentes, como as relações de vizinhança, de trabalho ou mesmo de parentesco, em relações ao mesmo tempo, necessárias e eletivas, que implicam obrigações duráveis subjetivamente sentidas (sentimentos de reconhecimento, de respeito, de amizade, etc.) ou institucionalmente garantidas (direitos). A professora Eunice parece ter articulado, de modo muito eficaz, uma rede de relações sociais que conheciam e reconheciam sua competência e que estavam dispostos a ajudá-la a superar os eventuais obstáculos que poderiam ameaçar seus objetivos, como a discriminação pelo fato de ela ser negra. Na qualidade de aluna de Direito, a professora não se limitou a acompanhar a militância dos outros estudantes. Ela também atuou de forma militante, mas uma militância que estava mais preocupada com as questões raciais, com a situação do negro, tanto é que ela juntamente com mais dezenove alunos formavam um grupo chamado grupo dos 21, embora o número de integrantes somados dessem 20 estudantes negros. A professora Eunice comenta o fato dizendo que “ Não sei porque alguém achou que número(era) 21. Até hoje eu brinco com alguns que eu encontro, porque na verdade contando éramos 20 (...)”. Segundo a professora eles se reuniam “sempre para discutir a questão racial e inclusive apresentar seminários (...)”. Esse grupo dos 21 estudantes de direitos negros (que na verdade era composto por 20 pessoas), além de promover debates sobre temas ligados à educação, promovia também, segundo a professora, feiras culturais, palestras que contavam com a presença de 76 personalidades negras e de destacados estudiosos das questões raciais no Brasil como Florestan Fernandes. Um aspecto interessante é que na época da existência do grupo dos 21 24 havia um forte movimento estudantil no interior da Faculdade de Direito da USP. Segundo Martins e Barbuy (1999, p. 219) “A Sala dos Estudantes ‘ferviam” durante os debates” e, ainda, que na cantina do centro Acadêmico XI de Agosto, os alunos reuniam não só para fazerem suas refeições como também para discutirem tanto que a cantina era “o maior reduto de atividades políticas da São Francisco” ( Martins & Barbuy, 1999, p. 219). No entanto, não obstante toda essa efervescência política no interior da Faculdade de Direito, o movimento estudantil, assim como o movimento operário como já foi citado acima, não parece dispensar maiores atenções à temática racial sendo necessária a criação, pelos alunos negros, de um grupo à parte para discutirem assuntos relacionados às questões raciais. Embora, segundo a professora Eunice, todos os membros do grupo dos 21 fizessem parte do centro Acadêmico XI de Agosto, eles parecem travar uma luta solitária em relação às questões raciais no interior dessa organização estudantil. Parece que eram esses estudantes negros que colocavam na pauta acadêmica da faculdade de Direito debates em torno da questão do negro uma vez que segundo a Eunice “O movimento estudantil ainda não tinha apreendido a questão racial”. A Professora Eunice cursa o mestrado e o doutorado, como já foi dito no inicio do capítulo, também na Faculdade Direito de São Paulo. A passagem dela pelo mestrado e pelo doutorado marca um outro momento decisivo na trajetória da educacional e também socioprofissional da professora. Esse momento é decisivo porque é de posse desse capital cultural, no seu estado objetivado (as titulações, diplomas, adquiridos com a pós – graduação em direito), formador de um determinado habitus profissonal, que a professora consolida a sua trajetória de ascensão social e viabiliza sua entrada no quadro docente da Faculdade de Direito. A professora cursa o mestrado e o doutorado tendo como orientador o professor Dalmo de Abreu Dallari. Analisando a trajetória educacional da professora percebe-se a importância da presença desse professor em sua vida acadêmica e profissional. O professor Dallari, pertencente à rede de relações sociais da professora Eunice, contribuiu não somente para sua vida acadêmica como também foi vital no sentido de 24 O grupo, pelo que parece, existiu no período de 1968 a 1972, ou seja, durante a graduação da professora na Faculdade de Direito. 77 viabilizar a sua entrada na qualidade de professora na Faculdade de Direito, em 1985, como primeira professora negra da história da instituição, e sobretudo a ajudou permanecer na Faculdade de Direito. De fato, uma trajetória como a dela, na condição de mulher negra e pobre, envolve vários desafios e obstáculos. Assim, quando a professora Eunice é indicada pelo professor Dalmo Dallari e contratada pode-se dizer que ela havia superado as barreiras de entrada no quadro docente da Faculdade de Direito. Porém, os obstáculos ligados a sua permanência na condição de professora negra nessa instituição, não tardariam a entrar em cena. Pois, segundo Oliveira (2004, p. 97): Não há dúvidas de que obstáculos sempre existem quando se busca superar os limites já alcançados, principalmente, quando não fazemos parte dos grupos mais favorecidos. Quando os desfavorecidos enfrentam questões como o preconceito e a discriminação racial, de classe social e de gênero, percebe-se que as dificuldades exigem maior desafio e empenho para serem superadas. De fato, não foram poucas as dificuldades enfrentadas pela professora Eunice, sobretudo na sua entrada e permanência, na qualidade de professora da Faculdade de Direito da USP, mas seu capital cultural aliado a seu capital social, materializado na pessoa do professor Dalmo Dallari, possibilitou-lhe a superação dos obstáculos relacionados ao fato de ela ser negra. Acompanhemos o seu relato: É eu me lembro te ter tido sim, questões raciais não só com alunos, mas com professores também. Embora eu diria que acabei conquistando, principalmente dos professores do departamento (...) a minha confiabilidade(...) Ao perguntar à professora o que ela julgou ter sido decisivo para a conquista dos demais professores do seu departamento ela é enfática em sua resposta: “A retaguarda do professor Dalmo de Abreu Dallari”. A presença desse professor na trajetória da professora Eunice é talvez o maior exemplo da funcionalidade e eficácia do capital social construído e acionado por ela enquanto estratégia (consciente ou não) para levar à frente sua trajetória educacional entendida aqui como uma verdadeira empreitada. Não obstante as dificuldades, a professora faz carreira docente na Faculdade de Direito e em 1994 consolida a sua presença nesta Faculdade tornando-se professora titular de Universidade de São Paulo. Tornar-se professor titular da Faculdade de Direito da USP confere ao indivíduo status, reconhecimento, autoridade para construir e espaço para veicular determinado discurso. E é justamente por conferir esse capital simbólico é que a entrada e a 78 permanência no quadro de professores das Arcadas, do Largo de São Francisco, é tão disputada e difícil, mesmo para aqueles que não trazem marcas raciais e de origem social desvalorizadas pela sociedade como era o caso da professora. Vejamos a fala de uma das professoras da Faculdade de Direito, Ada Pellegrini Grinover, sobre os concursos da Faculdade de Direito e da representação que se tem quando se é professor dessa instituição: (...) mas de fato, mesmo quando não havia competição, achava-se que os concursos deviam ser humilhantes para os candidatos. Humilhava-se o candidato para depois aprová-lo. Mas a verdade é que a competição é muito acirrada porque ser professor titular da Faculdade de Direito de São Paulo representa algo muito valioso. Até em termos profissionais. É uma coisa cobiçada. Talvez em outras unidades da USP não se tenha essa idéia. No Direito, ser titular reapresenta muito. Com a titulação, passam a ser muitas as solicitações de pareceres, os convites para conferências, palestras, há uma projeção política, social, os jornais abrem suas páginas, escreve-se em qualquer revista, nacional, internacional. (Depoimento da professora Alda P. Grínover. Presente no livro “As Arcadas” de Marins & Barby, 1999, p. 298-299). Assim, para a professora Eunice, tornar-se professora da Faculdade de Direito, na condição de mulher negra, representou também um dos principais momentos de tensões raciais vividos por ela na sua trajetória. Essas tensões eram expressas na sua relação com alguns colegas de departamento e com alguns alunos. Em relação aos professores ela comenta: (...) Mas é verdade que [em] alguns [professores] eu percebia aquilo que é uma situação muito comum na cultura brasileira: que o negro tem o seu lugar, e eu já estava fora do meu lugar. Eliana Oliveira (2004, p. 123), no seu trabalho sobre mulheres negras universitárias, já citado, constata algo parecido com o que foi mencionado pela professora Eunice: Há certo estranhamento por parte dos colegas brancos, apesar de trabalharem juntos. O que prova que apesar da competência, elas [mulheres negras] estão fora do lugar a ela reservada no imaginário coletivo brasileiro. Com relação aos alunos, a professora comenta que também ocorreram situações de discriminação. Muitas vezes essas práticas discriminatórias se dão de modo sutil. Ao ser perguntada sobre como é ser professora da Faculdade de Direito da USP, a professora responde que: Olha, não é tarefa muito fácil não... eu noto que sou questionada, bastante questionada pelos alunos, como se dissessem assim: o que 79 será que ela sabe? Como é que ela é professora da Universidade de São Paulo? Sou bastante questionada (...). Parece ser bastante comum esse tipo de atitude em relação aos negros que ocupam cargos de prestígio e de destaque. Ou seja, as pessoas parecem assumir uma postura de descrença em relação à competência do indivíduo negro e um certo estranhamento de ver uma pessoa negra ocupando um espaço que geralmente não é ocupado por pessoas com esse perfil racial. No entanto, em meio a situações de racismo e de discriminações pode ocorrer manifestação de repúdio a tais práticas. É possível acontecer algumas situações em que uma pessoa ou outra sai em defesa da vítima da discriminação. Nesse sentido, a professora narra um fato ocorrido com ela, em sala de aula, quando um aluno coreano saiu em sua defesa numa situação em que, aparentemente,estava havendo discriminação racial. Vamos à narração do fato feito pela professora, em que ela aponta também que com a presença de alunos de origem asiática, o ambiente na sala de aula ficou mais confortável para ela enquanto professora negra: Eu, como comecei em 1985, diria que por volta de 1995 [começaram] a aparecer na Faculdade de Direito (...) muitos alunos de origem asiática. Para mim, enquanto professora negra, o ambiente ficou bem mais confortável com a presença deles, acho que a hegemonia branca foi quebrada pela presença dos asiáticos... eu enquanto negra professora aqui [senti] que muito melhor ficou a situação para mim. A ponto de um aluno, presidente da Associação nacional dos Universitários Coreanos, ter feito uma defesa racial. Eu aparentemente nem vi...ou percebi discriminação racial...vi foi uma bagunça na classe, cheguei chamei a atenção, comecei aula. Aí o aluno levantou e disse que nas aulas dos outros professores ele não via aquela bagunça, porque estaria ocorrendo na minha classe... isso era discriminação racial. Foi a primeira e única manifestação que tive por parte de aluno e foi por parte de um aluno coreano. Esse relato da professora evidencia duas questões interessantes: primeiro, com a chegada de alunos de origem asiática, ela sentiu-se mais aliviada em sua atuação como professora. Isto é, pelo que tudo indica, as possíveis tensões raciais que ela vivia em razão de ser negra e de seus alunos, em sua maioria, serem brancos, diminuíram com a chegada dos 80 alunos como os japoneses, os chineses, os coreanos, etc. A professora confirma essa evidência ao dizer que: (...) quando entro na sala de aula e vejo muitos rostos, semblantes asiáticos, é um alívio para mim, isto é uma realidade hoje na Faculdade de Direito da USP, e não o era quando eu comecei a lecionar aqui em 1985. Um segundo ponto interessante nesse relato é que não se pode dizer que o fato dos alunos fazerem bagunça significa necessariamente que eles estivessem praticando algum tipo de discriminação racial contra a professora. No entanto, a atitude do aluno, que saiu em defesa da professora, nos motiva a levantar uma questão que perpassa o episódio da bagunça em si. Será que foi unicamente por perceber que os demais alunos faziam bagunça somente na aula da professora Eunice que esse estudante coreano resolveu defendê-la? Será que esse aluno por ter maior proximidade com os demais já não tinha presenciado alguma manifestação, entre eles, em relação à cor da professora Eunice? Ou essa bagunça, como foi interpretado pelo estudante coreano, foi a forma escolhida pelos alunos para manifestarem preconceito racial? Barbosa (1997, p. 219), comenta que Cesarino Júnior quando era professor da Faculdade de Direito também encontrou resistência pelo fato de ser negro. “A Faculdade de Direito foi [para Cesarino Júnior] o espaço onde as manifestações de preconceito chegaram a ser expressas abertamente, ‘ditas’, e que acabaram concretizadas em discriminação explícita, não disfarçada”. A autora comenta que não foram poucas as situações de discriminação racial sofrida por Cesarino Júnior na Faculdade de Direito. Esses constrangimentos raciais sofridos por ele vinham particularmente dos alunos, mas não deixavam de contar com a conivência do diretor da Faculdade. Barbosa (1997, p. 126, grifo nosso) cita um relato da assistente do professor Cesarino Junior Marli Cardone em que essa questão fica evidente. Havia, na Faculdade, grupos que organizavam desordens durante as aulas. Eu me lembro que num 13 de Maio, quando era diretor Pinto Antunes, os alunos, ficaram batucando no Largo São Francisco, falando da escravatura e diziam coisas ofensivas, como “por causa da abolição da escravatura a gente é obrigado a aturar professor como Cesarino!” Ai o professor me mandou pedir providências para o diretor, porque ele não podia dar aula. O diretor respondeu que não desgastaria a autoridade dele enfrentando alunos. E nada foi feito. Esse clima de tensão entre Cesarino e seus alunos ganharam grandes proporções ao ponto de o diretor Pinto Antunes pedir que tanto Cesarino Júnior como a sua assistente Marli Cardone deixassem as aulas uma vez que os alunos se negavam a assistir suas aulas. Segundo Barbosa (1997. p. 129, grifo nosso): Muitos depoimentos colhidos de pessoas ligadas de alguma forma à Faculdade de Direito dão conta de que havia uma perseguição muito bem articulada contra o 81 Professor Cesarino, e a questão racial freqüentemente era referida como causa do problema. No caso da professora Eunice, ela narra que até mesmo o professor Dalmo Dallari foi questionado sobre o motivo que o levou a tê-la escolhido para sua assistente “já me contou o professor Dalmo, que ele também já foi questionado por que a Eunice é sua assistente? Isso em tempos passados, ele também foi questionado. Isso já ocorreu... é, então as situações de discriminação são enfrentadas sim. Aparentemente não há nada demais no fato de o professor Dalmo Dallari ter sido questionado sobre o motivo que o levou a escolher a professora Eunice para sua assistente. No entanto, pela forma com que a professora narra o fato, percebe-se que esse questionamento feito ao professor Dalmo Dallari poderia ser entendido da seguinte forma: por que você escolheu uma negra para sua assistente? Provavelmente, embora a professora não deixe claro nessa fala, foi essa a questão que o professor Dallari confessou a ela. Embora a professora tenha enfrentado essas situações de discriminação, ela conseguiu consolidar sua carreira no magistério superior numa instituição de prestígio e tradição, como é o caso da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mas, o sucesso profissional da professora Eunice não se resumiu somente ao âmbito da USP. A ascensão social e profissional dela também pôde ser reconhecida nos importantes cargos que a professora ocupou no Procon, na OAB, onde desempenhou a atividade de diretora desse órgão, e talvez, o mais importante deles, que foi a sua passagem pelo cargo de secretária da Secretaria de Segurança e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo. Conforme o que já foi exposto, tanto no Procon como também na Secretária da Justiça, a professora Eunice foi a primeira mulher negra a ocupar cargos de destaques nesses espaços. Esse é um fato interessante porque se de um lado mostra a autodeterminação e o coroamento de sucesso de uma trajetória, que levou a professora a obter sucesso e reconhecimento profissional por meio da formação e articulação de capital social e cultural, por outro, o fato de a professora ter sido a primeira mulher negra a adentrar esses espaços simboliza o quanto é difícil passar pelo gargalo da ascensão social, no Brasil, quando se trata de pessoas negras, pobres e do sexo feminino. Aliás, é a própria professora que constata essa realidade ao narrar a sua passagem na qualidade de mulher negra na diretoria do Procon e na Secretária da Justiça: No Procon, eu fui a primeira mulher negra. Na Secretária, fui a primeira mulher. É 82 na verdade, uma demonstração da discriminação de gênero, da discriminação de etnia, discriminação racial. No caso da entrada da professora Eunice na Secretaria da Justiça, pode- se perceber que mais uma vez, ela contou com um capital que se revelou fundamental durante toda a sua trajetória: o capital social. Observemos o relato da professora: A minha entrada na Secretária não se deu pelos partidos políticos e sim porque trabalhei como o professor Cláudio Lembo na prefeitura de São Paulo há décadas atrás e ele lembrou de meu nome. (...) era governador o doutor Geraldo Alckimin e vice-goverandor o Cláudio Lembo e era Secretário de da Justiça o professor doutor Hédio Silva Junior. O professor Hédio candidatou-se a deputado estadual, e o doutor Cláudio Lembo, que era governador, porque o doutor Alckimin também já tinha [se] afastado do governo para ser candidato a presidente da República, me nomeou Secretária da Justiça e permaneci nove meses na Secretária da Justiça. Como se pode notar, a professora já havia trabalhando há algum tempo com o professor, que no momento era o governador do Estado de São Paulo, Cláudio Lembo. Podese aventar a hipótese de que uma vez que ele já havia trabalhado com a professora Eunice e sabendo de sua competência, resolve convidá-la para ocupar esse cargo de secretária. De fato, ao longo de sua trajetória, a professora Eunice parece ter formado um amplo capital cultural convertido em competência na sua área de atuação profissional, que parece ter- lhe permitido a possibilidade de adentrar em espaços, em cargos de destaques na sociedade. Foi a articulação entre esse capital cultural e um forte e preciso capital social que possibilitou a trajetória de sucesso da professora. Note-se que o sujeito pode possuir um amplo capital cultural, mas se esse não tiver a seu serviço um eficiente capital social, é possível que o capital cultural, não redunde em ascensão social. Para entender melhor é preciso introduzir aqui a noção de campo desenvolvida por Bourdieu. A especificidade do campo repousa no fato de que ele se estrutura com base na distribuição desigual do capital social e é o capital social que permite ao indivíduo portador de um determinado capital cultural e/ou econômico circular num determinado campo. Além disso, é o capital social que determina a posição que um determinado sujeito vai ocupar no campo. Os agentes que ocupam o primeiro pólo são justamente aqueles que possuem um máximo de capital social; em contrapartida, aqueles que se situam no pólo dominado se definem pela ausência ou pela raridade do capital social específico que determina o espaço em questão (Ortiz, 1983, p. 21). 83 Nesse sentido, pensando a trajetória educacional da professora Eunice (e também a de José Rubino) percebe-se a importância fundamental que o capital social utilizado por ela teve no sentido de determinar o rendimento de seu capital cultural (sobretudo aquele ligado ao certificado escolar, ou seja, o capital cultural no seu estado institucionalizado). Um ponto interessante é que à medida que a professora foi adquirindo seu certificado escolar como bacharel em direito, seu título de mestre e seu título de doutorado, seu capital social se mostrou bastante versátil para atender as necessidades que a aquisição desse capital cultural institucionalizado demandava. Assim, a professora pôde se movimentar(no sentindo de obter ascensão social) e ocupar posição de destaque no seu meio, isto é, no campo jurídico. Segundo Bourdieu ( 2006, p. 212, grifos do autor.): O campo Jurídico é o lugar de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito, quer dizer, a boa distribuição (nomos) ou a boa ordem, na qual se defrontam agentes investidos de competência ao mesmo tempo social e técnica que consiste essencialmente na capacidade reconhecida de interpretar (de maneira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que consagram a visão legítima, justa, do mondo social. É importante ressaltar também que mesmo de posse de um relevante capital cultural, de ter ascendido socialmente, e ocupado um pólo dominante no campo em que atua, a professora Eunice se queixa de que ainda assim é vitima de discriminação racial: Quem conseguiu como eu, na minha família alguma mobilidade social através de universidades públicas...mesmo assim ainda, vai suportar a discriminação racial. O fato de você ter diploma, de você...no caso...mesmo enquanto Secretária da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, mesmo assim você nota aquela admiração e muitas vezes questionamento pra ver o que você conhece, o que você sabe. Isso já é discriminação racial. Então você não é recebido com naturalidade, mesmo ocupando certos cargos. Esse é um dado contundente porque contraria a tese do embranquecimento 25 que diz que o negro quando ascende se embranquece, isto é, ele mesmo se percebe como um nãonegro e também é visto assim pelo outros indivíduos. O branqueamento social corresponde à noção popular de que “o dinheiro branqueia”. Essencialmente, ele ativa o mecanismo de compensação parcial de status através do qual as pessoas de cor bem sucedidas em termos educacionais e econômicos são percebidas e tratadas como mais claras do que pessoas de aparência semelhante mas 25 Para maiores detalhes sobre a teoria do embranquecimento consultar, entre outros, Hofbauer (2006) e Figueiredo (2002) particularmente o capítulo IV. 84 de status inferior. Uma conseqüência importante do branqueamento social é que a adoção pelos não brancos socialmente ascendentes das normas e valores do estrato branco dentro do qual a aceitação social é procurada, implica normalmente a transformação do grupo negro de origem em um grupo de referência negativa. Assim, branqueamento social não só promove divisão interna entre os não-brancos, como também encontra-se à base das manifestações de preconceito de mulatos ascendentes contra negros (Hasenbalg, 1979, p. 240) Para Bastide (1974, p. 184): A ascensão do homem de cor, nas duas Américas, faz-se pela incorporação ou pela interiorização, nele, dos modelos brancos [...]. Enfim, podemos dizer que este processo de embranquecimento do negro se faz, no domínio do familiar, pela passagem da família maternal à família paternal [...]. Na América Latina, o processo de integração do negro na sociedade nacional faz-se também pela aceitação do modelo dos brancos; o negro deve torna-se, para ser aceito, “um homem de alma branca”. Fernandes (1972, p. 16), também defende uma idéia bastante parecida ao afirmar que para que o negro seja aceito no “mundo dos brancos” é necessário que ele efetue um “processo de abrasileiramento que é, inapelavelmente, um processo sistemático de embranquecimento”. Entretanto, a trajetória da professora Eunice marcada pela sua aceitação racial e por uma forte identidade racial, construída no seu núcleo familiar, contradiz a teoria do embranquecimento e alerta que é preciso se ter cuidado ao utilizá-la. Pois, nem todos os negros que ascendem socialmente assimilam posturas e práticas ligadas ao embranquecimento. Por outro lado, os negros que ascendem, como se viu no caso da professora Eunice, não necessariamente estão livres de serem vítimas de práticas racistas. Pelo contrário, estudos mostram que quanto mais o negro se ascende socialmente mais ele está sujeito a ser vítima da discriminação racial como nos informa Figueiredo (2002, p. 102), que em sua pesquisa com profissionais liberais negros constatou: Os entrevistados citaram exemplos de discriminação racial, principalmente com relação ao tratamento a eles dispensado quando freqüentavam lugares (lojas e restaurantes) associados a pessoas de poder aquisitivo elevado [...]. Negros de classe média ainda não desfrutam com tranqüilidade do reconhecimento de sua posição econômica/social. Conforme os dados Datafolha (1996), são os negros de nível escolar mais alto que mais falam de preconceito e da discriminação racial no Brasil, o que demonstrar uma maior sensibilidade frente à cidadania Nesse sentido, concorda-se com Oliveria (2004, p. 123): A aquisição dos capitais simbólico, social e cultural abre as portas sim, mas não transforma automaticamente as representações negativas [dirigidas aos negros] ainda presas no imaginário coletivo do brasileiro coletivamente herdado pela cultura e reproduzido pelo próprio sistema educativo. 85 E ainda Santos (2006, p.169 grifos nosso) no seu estudo “Professores universitários negros: uma conquista e um desafio a permanecer na posição conquistada”, publicado no livro “Cor e Magistério”, chegou a uma constatação semelhante ao que foi dito acima. Após a superação dos obstáculos enfrentados no processo de formação, superada também a necessidade de apoio para conseguir colocar-se nas instituições em que trabalham, os sujeitos desta pesquisa [...] mesmo após terem galgado a ascensão social, ainda a cor da pele permanece, e esta tem causado muitas dificuldades para os professores, em especial para as professoras, quando as regras da aparência são muito mais rígidas e exigentes que para os professores. Assim, para o negro ser professor universitário significa, sem dúvida, ascender socialmente. Entretanto, não significa ficar livre de discriminações raciais, uma vez que esta se dá no Brasil pela presença da pigmentação da pele, pelo tipo de cabelo e pelos traços corporais. Estas características, entretanto, não vão desaparecer do indivíduo só porque ele galgou uma posição de destaque na sociedade. Um último elemento a ser pensando na trajetória da professora está relacionado ao fato de que ela constatou que o número de alunos negros diminuiu na Faculdade de Direito. Se por um lado, a professora Eunice afirma que com a chegada dos alunos de origem asiática a situação ficou melhor para ela, na qualidade de professora negra da Faculdade de Direito, por outro, ela reclama da ausência de alunos negros no quadro discente da instituição. Para a professora, essa ausência, de um alunado negro, é devido à postura assumida pela USP em relação às ações afirmativas. Eu aguardo o rosto, os semblantes negros... desde que a USP promova as políticas de ações afirmativas ou cotas, ou alguma foram para que os negros venham estudar na USP. Eu acredito que essa relutância já virou uma teimosia da Universidade de São Paulo de não aceitar as políticas de ações afirmativas de cunho racial, é porque ela tem medo, muito medo do povo, muito medo de nós. (....). [o que vai] ocorrer com a Universidade de São Paulo... ela nunca mais vai ser a mesma quando os negros forem alunos aqui... quando um professor como eu entrar na sala de aula e ver entre os diversos semblantes dos jovens, semblantes negros também. Não vejo! Não há! menos até que na minha época... é impressionante isso! Ao ser perguntada se o número de estudantes negros atualmente era menor do que na época em que ela fez graduação, ela responde de modo enfático: Não! diminuiu com certeza! porque na minha época nós tínhamos vinte colegas negros aqui, agora temos quantos? quatro... cinco... nem isso talvez! nós temos sim, uns cinco ou seis africanos. Ai sim... mas, não temos negros brasileiros. 86 Então eu acho que esse receio, esse pavor é que ela [USP] nunca mais vai ser a mesma... ela vai se democratizar quando nós chegarmos aqui porque nós democratizamos qualquer ambiente que nós entramos ou adentramos. Esses relatos, que constituem um verdadeiro desabafo da professora Eunice, evidenciam algumas questões interessantes: primeiro que a professora Eunice se mostra a favor da implantação das políticas de ações afirmativas na Universidade de São Paulo por entender que essa é uma forma de garantir a presença de negros no seu interior. O segundo ponto é o potencial democratizador que a professora atribui aos negros ao dizer que a presença deles na USP faria com que a instituição se democratizasse. O terceiro ponto é que de acordo com a professora Eunice, o número de alunos negros na Faculdade de Direito diminuiu ao longo dos anos. Esse é um ponto relevante porque suscita uma questão interessante: por que havia um maior número de estudantes negros à época em que a professora fez graduação e hoje eles diminuíram? Uma resposta mais abrangente a essa pergunta só seria possível com um estudo mais pormenorizado, o que não foi possível ser feito. Embora não tenha sido possível confirmar de fato se essa diminuição dos alunos negros ocorreu, é essa a impressão, a representação que a professora tem. Considerando que de fato houve mesmo essa queda no número de alunos negros nos assentos da Faculdade de Direito da USP, algumas suposições podem ser tecidas sobre a questão. Pode-se supor que essa diminuição é devida ao crescente afunilamento do vestibular, motivado pela concorrência que há para o ingresso no curso de direito da USP, considerado um dos melhores e mais tradicionais do país. Um outro fato que pode ser considerado é a precarização que vem sofrendo a escola pública ao longo dos anos, o que teria afetado a sua qualidade 26 . Possivelmente os alunos que passaram pela escola pública, no Brasil, na década de 1950 e de 1960 (como é o caso da professora Eunice), puderam contar com uma escola de melhor qualidade, o que lhes garantiam maiores possibilidades de ingresso no ensino superior. Embora o processo de democratização da escola pública brasileira só tenha ocorrido a partir do final da década 1950 em diante, os alunos pobres que conseguiam adentrar a escola pública, contavam com uma escola de boa qualidade como afirma a professora Eunice. 26 Entre os vários significados que assume o termo “qualidade” ele pode ser entendido também como “algo que não é objetivo e unívoco, mas uma construção histórica sobre o que é o bom ensino. Em grande parte, a percepção da ‘qualidade’ está associada ao sucesso dos alunos no vestibular, no caso do ensino de nível médio, e no mercado de trabalho, no caso do ensino superior” (Guimarães, 2003, p. 198). 87 (...) nós fomos matriculados na escola São Teodoro. A escola São Teodoro era mantida pelo Colégio Sion, que era uma escola gratuita, onde tínhamos lá uma boa qualidade de ensino, mas a escola pública da minha época era melhor que a escola privada (...). A professora continua seu relato corroborando a idéia da boa qualidade do ensino público no período em que ela estudou: Dos colégios privados ninguém queria saber, todos queriam a escola pública que era melhor. As maiorias dos professores eram formados pela Faculdade de Filosofia da USP (...), eram pessoas com cabeça feita, tive excelentes professores (...). Tanto que entrei na USP. Mas não foi só eu. Eu me lembro que lá na minha região, lá na Vila Maria, era algo natural você fazer escola pública e ir para a USP. (...) A gente nem imagina o que foi que aconteceu [para que] a educação pública chegasse no nível que chegou. Esses podem ser alguns dos motivos embora só um estudo mais pormenorizado poderia aprofundar a questão de maneira mais adequada. Nessa reconstrução da história de vida da professora Eunice, observou-se como que um certo habitus foi sendo formado, principalmente um habitus racial. Observou-se também que a professora de porte do capital cultural, sobretudo no seu estado incorporado, institucionalizado e articulado com um versátil capital social foi construindo uma trajetória marcada por sucesso escolar e profissional. 88 Considerações Finais Apesar de este trabalho ter, por uma série de razões, desviado-se do seu propósito inicial : estudar um conjunto de estudantes negros que passaram pela Academia Jurídica de São Paulo no século XIX e XX – o que gerou algumas frustrações - o trabalho cumpriu algumas de suas metas principais. Sobretudo, levando-se em consideração que ele não é um trabalho conclusivo e que um dos seus objetivos é justamente levantar a questão da necessidade de se considerar e de se estudar a presença de negros no ensino superior, no Brasil, tanto no passado como no presente. Assim, algumas das expectativas geradas pela realização deste trabalho foram correspondidas, afinal a identificação da presença de alunos negros na Academia Jurídica de São Paulo - alguns deles passaram pela Academia antes mesmo da Lei do Ventre Livre em 1871 – reforça a idéia de que os negros frequentaram sim escolas no século XIX, em pleno período escravocrata, e não somente escolas primárias, mas também escolas de nível superior. Por meio das análises feitas, pode-se constatar que no caso do professor José Rubino e principalmente da professora Eunice, o fato de terem ascendido socialmente, não significou negação de sua origem racial e nem que por ocuparem uma posição de destaque na sociedade eles deixaram de ser vítimas de discriminação racial. Essa constatação sugere que se devam relativizar alguns dos princípios da teoria do embranquecimento que asseguram que a ascensão social dos negros faz com que eles se identifiquem e sejam percebidos pelos outros, como brancos. A realização deste trabalho permitiu também a identificação e a apresentação das estratégias utilizadas pelo professor José Rubino e pela professora Eunice em suas trajetórias, abrigadas em séculos diferentes, de ascensão educacional e social. De fato, ter identificado as estratégias utilizadas pelo professor José Rubino, no século XIX, e pela professora Eunice, no século XX, é uma questão interessante porque “Os dados do passado e do presente permitem que falemos de um efeito de durabilidade e permanência no tempo[...]” (Portes, 2001, p.251). Nesse ínterim, é importante evitar o risco de justificar o fracasso de muitos pelo sucesso de poucos. A trajetória do professor José Rubino e da professora Eunice, por exemplo, é esclarecedora uma vez que pode revelar em nossos dias o efeito de durabilidade e permanência que alguns fenômenos sociais adquirem no tempo e no espaço. Denomino efeito de durabilidade e permanência ao poder que determinados fenômenos sociais têm de se prolongar no tempo, mesmo em espaços diferentes, modificados, produzindo efeitos, no presente, que guardam similaridades possíveis de ser identificadas em um passado mais distante, efeitos que tendem a fazer crer que 89 esses fenômenos são “normais” e inerentes aos sujeitos, independentemente de sua condição ou origem social [e racial] (Portes, 2006, p. 227-228). Assim, o mapeamento das trajetórias de Rubino e de Eunice permitiu evidenciar que eles utilizaram um conjunto semelhante de estratégias tais como: 1) o trabalho remunerado a fim de suprir suas necessidades materiais; 2) aquisição, manutenção e ampliação de capital social (e cultural) visualizado na ajuda do outro; 3) tornar-se estudante e profissional competente a fim de fazer frente à desconfiança que pesa sobre suas capacidades e competências em razão de serem negros; 4) o uso do concurso público. As semelhanças entre essas estratégias empreendidas pelo professor José Rubino e pela professora Eunice, não obstante o tempo que separa uma trajetória da outra, revelam que algumas dificuldades enfrentadas pelos negros pobres, apesar de todas as mudanças que vêm ocorrendo ao longo do tempo, são mais antigas do que parecem. Como apontou Portes (2006), o efeito de durabilidade e permanência é a manifestação durável e insistente de determinados fenômenos sociais que atravessam o tempo e continuam a existir mesmo em espaços diferentes e modificados. Dessa forma, pode-se tomar as estratégias utilizadas tanto pelo professor José Rubino como pela professora Eunice, como uma manifestação do efeito de durabilidade e permanência. Todas as estratégias identificadas na trajetória de José Rubino foram também identificadas na trajetória de Eunice, com exceção da estratégia utilizada por José Rubino, de ingresso na carreira eclesiástica como forma de contornar as dificuldades causadas pela quase completa ausência de um sistema de ensino materializado em escolas no século XIX. Diferentemente do que ocorreu com a professora Eunice que pôde contar, no período de sua escolarização, na década de 1950 e, sobretudo na década de 1960 (com a democratização do ensino público) com uma ampla expansão da oferta de vagas nas escolas públicas. Inicialmente, pode-se dizer que o efeito de durabilidade e permanência é percebido na trajetória do professor José Rubino e da professora Eunice, na necessidade de que ambos tiveram que lançar mão da estratégia do trabalho remunerado para manter-se. Particularmente, essa estratégia utilizada por ambos não está necessariamente ligada ao fato de eles serem negros, mas sim em razão das condições econômicas. Porém, como será analisado mais adiante, há no Brasil uma significativa diferença (sobretudo em relação ao acesso à educação) entre negros e brancos, mesmo quando ambos possuem a mesma condição social. Outra ligação entre a trajetória do professor José Rubino e a professora Eunice que revela também o efeito de durabilidade e permanência é a aquisição e utilização de um 90 eficiente capital social. Se foi necessária a José Rubino a ajuda de outras pessoas para que ele pudesse viabilizar sua trajetória, para a professora Eunice a presença do outro foi fundamental na continuidade de sua trajetória social e educacional. Analisando a trajetória de ambos percebeu-se que seja no século XIX, quando se realiza a trajetória educacional de José Rubino, seja no século XX, quando se realiza a trajetória da professora Eunice, foi imprescindível que esses sujeitos negros que se aventuraram na construção de uma trajetória de ascensão social, via educação, tivessem um forte e articulado capital social. Pois é esse capital social, somado a outras estratégias que possibilitaram a eles superar as dificuldades, muitas delas erguidas pelo preconceito racial. No caso da professora Eunice, esse fato ficou bem evidente quando ela adentra a Faculdade de Direito, na qualidade de professora, e sente que estava incomodando por estar “fora do seu lugar” e pôde contar, com ela mesma informou, com a “retaguarda do professor Dalmo Abreu Dallari”. O porte e o uso do capital social por José Rubino e pela professora Eunice talvez seja o principal elemento que evidencia que, tanto no passado como no presente, para a realização de uma trajetória de êxito são necessários ao negro não só competência, mas também capital social, que muitas vezes só é creditado ao indivíduo quando esse demonstra competência e comprove que fará valer o investimento daqueles que disponibilizam o capital social. Outra relação que pode ser estabelecida entre as duas trajetórias analisadas e entendidas como mais um efeito de durabilidade e permanência, é a estratégia de se fazer competente, de mostrar que ser negro não significa ser menos inteligente ou incapaz. As teorias raciais do século XIX, sempre fizeram crer que o negro possuía certas limitações de inteligência. Esse conceito pode ser observado na fala do pensador alemão Fritz Müller que ao travar relação com o poeta negro Cruz e Souza fez o seguinte comentário: Este preto representa para mim um reforço da minha velha opinião, contrária ao ponto de vista dominante, que vê no negro um ramo da raça humana em tudo, por tudo inferior e incapaz de desenvolvimento racional (...) (grifos nosso, Fritz Müller, apud, Magalhães Júnior, 1975, p. 11). Embora essas ideias já tenham sido refutadas pela ciência, muitas delas ainda fazem eco no nosso meio, fazendo parte do nosso imaginário, como nos informa Santos (2006, p. 170, grifos nosso), [tem-se] o preconceito de que o negro tem uma capacidade mental muito baixa e, portanto, é natural ficar sob suspeita a legitimação de sua posição de ascensão, tendo este que provar e comprovar que merece esta neste “lugar”, que não é concebido como seu. 91 Assim, tanto José Rubino como a professora Eunice parecem ter desenvolvido a estratégia da competência como forma de se proteger, por meio do capital cultural que possuíam, das desconfianças que pairavam sobre eles, em razão de eles serem negros, e para legitimar a posição ocupada por eles enquanto professores das Arcadas. Por fim, pode-se identificar o efeito de durabilidade e permanência na estratégia do concurso utilizada tanto por José Rubino como pela professora Eunice. No caso de José Rubino, a estratégia de fazer concurso para a Academia parece ter sido mais motivada pela relevância e representatividade que propiciava ser professor das Arcadas. Além disso, ser professor da Escola de Direito parece ter sido uma ótima opção que se acenou para José Rubino e talvez a única alternativa que ele tinha para fazer valer o seu diploma de doutor em Direito. De fato, é de se supor que não deveria ser tarefa fácil para um negro, no século XIX, abrir um escritório de advocacia e advogar para uma clientela que certamente, em sua maioria, era formada por indivíduos brancos, portadores de boas condições econômicas. A não ser que José Rubino fizesse como Luis Gama, que era conhecido como o advogado dos negros, por defender, escravos, geralmente de graça ou por quantias ínfimas. Mas, essa não parecia ser a intenção de José Rubino. Já a professora Eunice utiliza-se do concurso público por esse apresentar um seleção mais objetiva, baseada, a princípio, na competência dos candidatos e não tendo como critérios seletivo e eliminatório a cor da pele do candidato. Essa foi a estratégia, a saída encontrada por ela para driblar os preconceitos do mercado de trabalho. É importante ressaltar que essas estratégias apontadas e que foram empreendidas tanto pelo professor José Rubino, no século XIX, como pela professora Eunice, no século XX, não devem ser pensadas enquanto um fim em si mesmas, pois elas podem ser tomadas como verdadeiras estratégias de reconversão entendida como um “conjunto de ações e reações a partir das quais a família e o personagem se esforçam para mudar sua posição na estrutura social” (Barbosa, 1997, p. 35). Pode-se afirmar que a idéia do efeito de durabilidade e permanência ajuda a pensar que as estratégias executadas por José Rubino e pela professora Eunice revelam que a trajetória educacional e de ascensão social de um negro no século XIX guardam semelhanças com a trajetória educacional e de ascensão social de um negro no século XX. Todas as mudanças ocorridas no século XX (sobretudo aquelas ligadas à educação como a expansão do ensino), em relação ao século XIX, certamente contribuíram para que a professora Eunice tivesse acesso a alguns bens educacionais e sociais aos quais José Rubino não teve. No entanto, algumas dificuldades parecem sobreviver ao tempo e às mudanças sociais e 92 continuam a constituir barreiras, quase que intransponíveis, para que um negro construa uma trajetória marcada por longevidade escolar e mobilidade social na sociedade brasileira. O efeito de durabilidade e permanência ajudar a entender que as estratégias revelam as realidades, as dificuldades que se apresentam ao negro quando esse se aventura a sair do lugar que ocupa e romper com a lógica dos, segundo Lahire (2004), “estatisticamente improváveis”. São as dificuldades, que suscitam as estratégias dos negros para superá-las, que guardam, no presente, semelhanças (como as que foram aqui identificadas) com um passado mais distante. São as realidades de dificuldades, os vários constrangimentos enfrentados pelos negros que buscam ascensão social, via educação, que são duráveis no tempo e permanentes no espaço mesmo quando esse se modifica. Ao analisar as trajetórias do professor José Rubino e da professora Eunice, uma outra questão que não se configura como uma estratégia, mas que talvez possa ser entendida e apontada, em estudos futuros, como um efeito de durabilidade e permanência é a idade de entrada e de saída do negro no ensino superior. Portes (2001), no primeiro capítulo da sua tese de doutorado, discute a presença de alunos pobres nas Faculdades de Direito de São Paulo e de Recife no período de 1827 a 1830. Ele constata que os alunos, identificados por ele, como pobres, formavam-se em média com 26.9 anos enquanto os demais estudantes analisados por ele e denominados estudantes padrão (não-pobres), que dominavam a cena acadêmica da Academia no período, formavam-se com cerca de 21 anos de idade, isto é, formavam cerca de 5.9 anos mais novos do que aqueles identificados como pobres 27 . Embora esse autor estivesse preocupado com as diferenças entre os alunos pobres e os mais favorecidos, essa análise operada por ele poderia ser muito útil se realizada para pensar as diferenças educacionais (em termos de entrada e de saída) dos negros e dos brancos pobres que conseguem chegar ao ensino superior. Dadas as constatações que alguns estudos indicam (como será apresentado abaixo) de que o negro pobre tem maiores dificuldades de acesso à educação e menos anos de estudos do que um branco pobre, pode-se supor que há diferença na idade de entrada e de saída (da universidade) entre um negro pobre e um branco pobre . 27 Portes (2001), define como pobres aqueles sujeitos descritos pelos memorialistas da Academia Jurídica de São Paulo (Nogueria, 1908; Vampré, 1977) e de Recife (Bevilaqua, 1927) como “despossuídos de riquezas”. Para Portes (2001, p. 35) os estudantes pobres eram aqueles “que exerciam atividade profissional, que possuíam idade mais avançada em relação ao grupo de colegas ou sustentavam família, coisa pouco comum entre os estudantes típicos da época [século XIX]”. Já os estudantes favorecidos (que também foram identificados nas obras dos memorialistas citados acima) são aqueles filhos de famílias que ocupavam os cargos “chaves” de direção do país como Ministros, deputados, conselheiros, etc. Por esses estudantes dominarem a cena acadêmica das Academias eles são nomeados por Portes (2001) de “estudante padrão”. 93 No entanto, fazer esse balanço comparativo sobre a idade de formatura de negros e de brancos não é tarefa fácil. Isso devido à grande ausência de dados sobre o perfil do estudante universitário brasileiro, sobretudo no que diz respeito à cor desses sujeitos. Essa ausência de dados sobre o perfil racial do estudante universitário parece ser um dos motivos pelo qual as poucas pesquisas que tratam do negro no ensino superior não utilizam a idade de entrada e de saída dos negros das universidades. Levantar dados sobre os estudantes negros universitários realmente não é tarefa fácil como constatou Moema de Poli Teixeira (2003) ao estudar no seu doutorado as identidades e estratégias efetuadas por negros universitários em seus projetos de ascensão social. Segundo Teixeira (2003, p. 15): Uma boa demonstração que pode justificar a escassez de pesquisa nessa área foi a dificuldade que tive para abordar a questão dentro da universidade: não existia nenhum dado objetivo disponível em cadastro que contivesse a informação de cor, raça ou etnia de alunos ou docentes. Todos os dados tiveram que ser, assim, construídos da maneira como foi possível. Ainda sobre o problema da escassez de dados que ajudem a mapear e, por conseguinte, refletir a presença de negros no ensino superior, Guimarães (2003, p. 256) comenta que: O problema de acesso do negro brasileiro às universidades é também um problema de sua ausência nas estatísticas universitárias. Até dois anos atrás (2000), não havia em nenhuma universidade pública brasileira registro sobre a identidade racial ou de cor de seus alunos. Só quando a demanda por ações afirmativas para a educação superior fez se sentir é que surgiram as primeiras iniciativas, na forma de censos e de pesquisas por amostra, para sanar tal deficiência. No entanto, algumas universidades 28 já começaram a adotar mecanismos que permitiram, dentro de algum tempo, a realização de um verdadeiro censo racial universitário. Essa é uma iniciativa importante porque ajudará a ampliar as possibilidades de análises comparativas entre negros e brancos. E principalmente coma a adoção das analises em torno da idade de entrada e de saída do ensino superior entre brancos e negros poderá se pensar uma questão que parece ser central para os estudos das relações raciais no Brasil, que é a relação entre classe e raça. Provavelmente poder-se-ão perceber melhor as possíveis diferenças, principalmente na educação, que há entre ser pobre negro e ser um pobre branco, no Brasil. Sobre o negro pesa tanto a variável pobreza como a variável cor. Isso certamente interfere e cria diferenças nos processos de escolarização, de longevidade escolar de negros e de brancos, mesmo quando esses são igualmente pobres. 28 Tem surgindo recentemente iniciativas como na UFBA, USP, UFF, UFMT, UFMG, entre outras, em que o item cor/raça passa a consta nas fichas de inscrição para os vestibulares e nas matrículas dos alunos. 94 Essa diferença de trânsito no sistema educacional entre brancos e negros, mesmo quando esses possuem condições econômicas semelhantes, foi apontada por Hasembalg e Silva (1991, p.261): As informações da PNAD de 1982 indicaram que, no que diz respeito ao acesso ao sistema escolar, uma proporção mais elevada de crianças não-brancas ingressa tardiamente na escola. Além disso, a proporção de pretos e pardos que não têm acesso de todo à escola é três vezes maior que a dos brancos. Estas desigualdades não podem ser explicadas nem por fatores regionais, nem pelas circunstâncias sócio-econômicas das famílias. Os autores sugerem ainda que as desigualdades escolares entre brancos e negros perpassam a questão socioeconômica desses sujeitos seja ela qual for: Embora uma melhor situação sócio-econômica reduza a proporção de crianças que não têm acesso à escola independentemente de sua cor, ainda persiste uma diferença clara nos níveis gerais de acesso entre crianças brancas e não-brancas mesmo nos níveis mais elevados de renda familiar per capita. (Hasenbalg & Silva,1991, p. 261). Esse é um ponto interessante porque alerta para a necessidade de se tomar cuidado quanto se tenta explicar as desigualdades educacionais existentes entre negros e brancos sob o prisma único da pobreza. Não raro e principalmente, tratando-se do negro no ensino superior, cometem o equívoco de não reconhecer a autonomia entre raça e classe, a despeito do seu cruzamento, o que está a exigir a retomada da questão para atualizá-la no momento e disseminar os conhecimentos científicos que desnaturalizam os equívocos cometidos pelas políticas de ação afirmativa no ensino superior, ao atrelarem raça a condições socioeconômicas (Muller, 2008, p. 15). Nesse sentido, Guimarães (2005, p. 203) também corrobora essa idéia da necessidade de se tomar cuidado de não reduzir os graves problemas sociais enfrentados pelos negros no Brasil a uma questão meramente de classe, considerando unicamente a variável econômica e negligenciando a variável cor: Ora, os estudos disponíveis sobre as desigualdades raciais, no Brasil, são unânimes em apontar que existe um resíduo nas explicações sobre as desigualdades de renda, educação, habitação, saúde, etc. que deve ser atribuído a diferença raciais. Se isso é verdade, ainda que políticas de universalização de direitos sejam mais eficazes em reduzir o grosso das desigualdades no Brasil (inclusive as raciais, por meio do aumento da renda e da melhoria do padrão de vida), elas não irão desfazer, sozinhas, o nicho de privilégios meritocráticos, dominados por um grupo de cor. Assim, reflexões em torno da idade de entrada e de saída do curso universitário é um fato importante porque pode ajudar a revelar possíveis dificuldades enfrentadas pelos negros em suas trajetórias sociais e educacionais que podem impedi-los de entrar numa determinada faixa etária no ensino superior. 95 Por fim, é importante chamar a atenção para uma outra questão que é o efeito de irradiação que trajetórias como a do professor Rubino e da professora Eunice podem ter para a sua família. Pode-se dizer que o fato de eles terem construído uma trajetória marcada por longevidade escolar que lhes rendeu ascensão social e a aquisição de um forte capital cultural influiu decisivamente na escolaridade de seus filhos. No caso do professor José Rubino de Oliveira, o seu filho José Rubino de Oliveira Júnior 29 matriculou-se no Curso de Direito com 17 anos de idade em 1891, portanto dez anos mais novo do que o pai. No caso da professora Eunice, sua filha entra na universidade significativamente mais nova que ela. Essa informação indica, que não obstante toda a discriminação que houve e há contra o negro na sociedade brasileira, se esse consegue obter êxito em sua trajetória escolar, ele poderá ajudar de modo decisivo que sua prole consiga construir também uma trajetória escolar de êxito, o que poderá se traduzir numa ampliação da ascensão social (conquistada pelos pais) ou no mínimo na manutenção da ascensão já conquistada. Nos dizeres de Bourdieu (2008), o destino social dos indivíduos está cada vez mais estritamente atrelado ao seu destino escolar. O sucesso escolar, que passa pela posse e o uso de determinados capitais (econômico, social, cultural, etc), funciona como verdadeiros veredictos que definem êxitos ou fracassos no destino social dos indivíduos negros e brancos pobres. Porém, para o negro, independentemente do veredicto escolar lhe possibilitar (ou não) sucesso escolar e profissional, os negros vivem um dilema crucial como explica Silva (1999, p. 141): O desconforto do negro que ascende está em todas as esferas da sua vida social. A discriminação racial é constante, no trabalho, na escola, no lazer e em outros ambientes. Em todos os momentos o negro que teve ascensão social é “lembrado” que não pertence à elite brasileira. Se viver na pobreza e na marginalidade vive a exclusão das possibilidades de vida plena, como cidadão, carregando o desconforto de um passado de escravidão que a sociedade dominante faz questão de lhe recordar sempre. Como se pode ver, esse é um dilema fundamental e que causa muita frustração para os negros, principalmente, talvez, para aqueles que apesar de possuírem os requisitos culturais e 29 Não foi possível saber ao certo que destino teve esse filho de José Rubino. O que se pode apurar no arquivo é que ele efetuou matrícula na Academia Jurídica de São Paulo no primeiro semestre de 1891, mas pelo que parece não chegou a concluir o curso de direito. O nome de José Rubino de Oliveira Júnior não consta entre os nomes dos formandos. Pensando que talvez ele tivesse se atrasado ou trancado o curso de direito e depois voltado analisaram-se os nomes dos formandos de 1895 (data prevista de sua formatura) até 1920, mas nada foi encontrado. 96 econômicos que os autorizam a circularem em determinados meios, encontram problemas devido ao tratamento discriminatório que recebem. Enfim, este trabalho teve como pretensão levantar a questão da necessidade de reconhecimento e estudo das possíveis relações que os negros estabeleceram com a educação, particularmente, no ensino superior brasileiro, ao longo do tempo. Mesmo que quantitativamente não seja possível mapear um amplo conjunto de estudantes negros no ensino superior, principalmente no século XIX, o estudo, ainda que sobre um número reduzido de estudantes negros, pode ser vital para a compreensão da presença dos negros na História da Educação Brasileira. Segundo Hoggart (1975. p. 30), “os problemas de certas pessoas são particularmente elucidativos para a análise da evolução cultural”. Assim, este trabalho tentou, mesmo que de modo modesto, contribuir de alguma forma para a constituição de uma história da educação em que o negro, e todos os segmentos da sociedade, esteja visível nos vários momentos da Educação Brasileira. 97 Fontes Primárias: Impressas – Arquivo da Faculdade de Direito de São Paulo. Prontuários século XIX: Avelino Rodrigues Milagres – Código: 01-22. Otávio Pereira da Cunha – Código: 02-46. João Thomas de Araújo – Código: 02-46 José Fernandes Coelho – Código: 03-49 Prontuários século XX: Antonio Cesarino Júnior – Código 05-20 José Sebastião Lima dos Santos – Código: 08-30 Eunice Aparecida de Jesus Prudente – Código: 07-14 Oscarino Marçal – Código: 16-23 Livros de matrícula, de colação de grau e de registros de diploma, Arquivos da Faculdade de Direito da USP. 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