RCPV (2014) 109 (589-590) 26-32 Mortalidade peri-natal e juvenil em explorações leiteiras portuguesas Perinatal mortality in Portuguese dairy herds Tânia C. Nunes Rodrigues1, Maria Rebelo Braz1, Nuno Carolino1, 2, Maria C. Fiadeiro Carreira1, George T. Stilwell1* Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade de Lisboa, Alto da Ajuda, 1300-477 Lisboa, Portugal; 2 Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P. 1 Resumo: A mortalidade peri-natal (MP) pode ser definida como a morte do vitelo antes, durante ou até 48 horas após o parto, depois de decorrida uma gestação de pelo menos 260 dias. A MP em vitelos de raças leiteiras tem vindo a aumentar a nível internacional. O objectivo deste estudo foi determinar a taxa de MP e de mortalidade juvenil (entre as 48 horas e os 9 meses de idade), em seis explorações leiteiras em Portugal e identificar os factores de risco associados. Após análise de 4.537 registos de animais nascidos durante o ano de 2008 e de 2009 for calculada uma MP geral de 20% e uma taxa de mortalidade juvenil de 9,9%. Numa segunda fase deste estudo, determinaram-se os factores que influenciaram estes valores de mortalidade. Concluiu-se que o tipo de parto, a paridade e o mês de nascimento influenciaram significativamente a mortalidade até aos 9 meses em algumas explorações, e que o risco de MP é maior em partos que ocorrem em Dezembro, de machos, de gémeos ou de primíparas. Foram ainda identificadas características específicas das explorações que justificam as respectivas taxas de MP e que demonstraram que esta pode ser reduzida através de um melhoramento do maneio das explorações, nomeadamente, na supervisão adequada dos partos e nos cuidados imediatos ao nascimento. Palavras-chave: Mortalidade peri-natal, vitelos, factores de risco, explorações leiteiras. Summary: Perinatal mortality (PM) is described as the calves’ death before, during or until 48h hours after calving, following a gestation period of at least 260 days. PM of dairy calves has been increasing worldwide. The goal of this study was to assess the PM and calves’ mortality up to 9 months of age, in 6 Portuguese dairy farms and identify the associated risk factors. Records from 4.537 calves born during 2008 and 2009 were analyzed. PM global prevalence was 20% and the incidence of mortality after that period was 9.9%. The risk factors associated with a higher PM were: calving in December, male or twin calves and being born from first calving. Being a twin, born in January or born from a primiparous animal influenced significantly the calves’ mortality until nine months of age. Specific features of some farms explained different PM, showing that mortality can be reduced by better handling of animals, supervision during calving and immediate care of calves after birth. Key-words: Perinatal mortality, calves, risk factors, dairy farms. *Correspondência: [email protected] 26 Introdução A definição de mortalidade perinatal (MP) varia consoante o estudo, mas geralmente é definida como a morte do vitelo antes, durante ou até 48 horas após o parto, depois de decorrida uma gestação de pelo menos 260 dias. Nos últimos 20 anos, a MP tem vindo a aumentar em vários países principalmente em novilhas Holstein-Frísia (Murray, 2007; Szucs et al., 2009) e esse facto tem suscitado crescente preocupação entre os produtores. Em explorações leiteiras norte-americanas, a MP causa perdas económicas que rondam os 132 milhões de dólares por ano (Meyer et al., 2001). No nosso país, em 2008, existia 282.000 vitelos registados com menos de um ano (Instituto Nacional de Estatística, 2009), mas é completamente desconhecida a percentagem de vitelos mortos no período do periparto e, portanto, o peso económico que isso representa para as explorações leiteiras. A distócia tem sido apontada como responsável por grande parte dos casos de MP, mas outros factores poderão estar envolvidos como o ambiente, a genética e o maneio (Murray, 2007). O produtor poderá intervir no maneio e na genética, quer optando por cruzamentos que garantam facilidade de parto quer pela seleção de animais geneticamente superiores para esta característica. A implementação de estratégias de maneio da cria durante e imediatamente a seguir ao parto não só diminui a taxa de MP como ainda previne a mortalidade até aos 120 dias de idade (Lombard et al., 2007). Por exemplo, medidas de maneio, como a assistência nos partos, os cuidados ao recém-nascido, a separação precoce da mãe, a administração imediata de colostro e a desinfecção dos umbigos, podem ser implementadas ou melhoradas de modo a favorecer a sobrevivência do vitelo. Ao longo das últimas décadas têm sido realizados diversos estudos sobre os factores de risco para a ocorrência de MP, sendo de destacar a distócia, a idade ao primeiro parto, o número de partos (primípara Rodrigues T. et al. RCPV (2014) 109 (589-590) 26-32 ou multípara), o tipo de parto (simples ou duplo), o sexo do vitelo, o peso do vitelo ao nascimento, a duração da gestação, o ano e a estação do nascimento, o mérito genético do touro, a assistência ao parto entre outros (Menissier e Foulley, 1979; Berger, 1986; Peeler et al., 1994; Meyer et al., 2001; Johanson e Berger, 2003; Steinbock et al., 2003; Ettema e Santos, 2004; Kornmatitsuk et al., 2004; Berry et al., 2007; Silva del Río et al., 2007; Mee et al., 2008; Hoedemaker et al., 2010). O objectivo deste trabalho foi avaliar, através da análise retrospectiva de registos, a incidência de MP de vitelos de ambos os sexos em vacarias leiteiras de Portugal, e determinar quais os factores de risco a ela associados. No presente estudo optou-se por estudar a influência do mês de nascimento, sexo, raça, paridade da progenitora, nascimento em dia útil/ não útil, tipo de parto (simples, duplo ou triplo) e ainda uma série de características de cada exploração apreciadas através de um inquérito ao proprietário. Determinámos igualmente os factores que influen- ciaram a taxa de mortalidade das vitelas até aos 9 meses de idade. Materiais e métodos Selecção e descrição das explorações Este estudo incluiu seis explorações intensivas de bovinos de leite: duas explorações do distrito de Lisboa (E1 e E6), duas no distrito de Santarém (E2 e E3), uma exploração no distrito de Castelo Branco (E4) e outra no distrito de Coimbra (E5). O maneio das explorações foi caracterizado através de um inquérito realizado junto dos responsáveis de cada exploração e que se resume na Tabela 1. Todas as explorações tinham vacas exclusivamente de raça Holstein-Frísia (HF), sendo estas inseminadas apenas com touros HF com excepção da exploração E6 em que 95% dos animais eram inseminados com sémen de touros de raça Montbeliarde (MB) ou Vermelha Sueca (HFxVS). Tabela 1- Características das explorações incluídas no estudo. Dados resultantes do inquérito efectuado junto do proprietário e através da análise dos registos. Exploração N.º de vacas em ordenha Período de seca (dias) E1 E2 E3 E4 550 60P;45M E5 E6 400 230 50 56P;45M 500 250 180 45 30P;45-60M 40 Dias na maternidade 2 2 2 1 0 0 Tipo de maternidade Colec. Colec. Colec. Colec. Colec. Ind. Não Não Não Não Não Sim + + + + * + Diurna /nocturna Diurna /nocturna Diurna Diurna Diurna Diurna /nocturna Raça dos vitelos HF HF HF HF HF HF; HFˣMB; HFˣVS Mudança vitelo < 1h 3-6h 3-6h 3-6h < 1h < 1h Seringa Biberão Balde Biberão Balde com tetina Tubo esofágico Preparação da vaca antes do parto Uso de meios mecânicos no parto Vigilância de partos Modo de administração de colostro 1ª refeição de colostro (L) 4 4 4 2 2 4 Congelamento de colostro Presente Presente Presente Presente Ausente Presente Avaliação da qualidade do colostro Ausente Ausente Ausente Presente Ausente Ausente box Parque colectivo box iglos box Box/parque colectivo Alojamento do Vitelo P- Primípara; M - Multípara. Dias na maternidade: 0 - mudança aos primeiros sinais de parto; 1 - mudança até 3 dias antes data prevista; 2 - parto no parque de pré-parto. Colec.- Colectiva; Ind. – Individual.+ - quando necessário; * - não. A exploração E6 sofreu uma remodelação no alojamento dos vitelos durante o período em estudo – até ao dia 15 de Março de 2009, os vitelos estavam em boxes e, após esse dia, passaram a estar em parques colectivos. Na exploração E4 houve a compra e entrada de novilhas gestantes durante o ano de 2008 e de 2009. Em todas as explorações o colostro fornecido à cria provinha da mãe, excepto na exploração E3 que não fornece colostro de novilhas a vitelos recém-nascidos, optando por colostro de vaca multípara congelado. Em todas as explorações estudadas, é rotina a administração da primeira toma de colostro até às primeiras 6 horas de vida, porém como não se obteve dados fiáveis para cada recém-nascido, pelo que este dado não foi incorporado no nosso estudo. A avaliação da qualidade do colostro é realizada através de um colostrómetro apenas na exploração E4. Em todas as explorações os umbigos são desinfectados e na exploração E6 é associada a atadura do cordão umbilical. 27 Rodrigues T. et al. Recolha e descrição dos dados O estudo incidiu em dois anos (2008 e 2009), tendo sido analisados 4.537 nascimentos de crias do sexo masculino e feminino, com excepção da exploração E2, em que apenas estava disponível informação sobre as fêmeas. Recolheram-se e analisaram-se os seguintes dados relativos a cada cria nascida: número de registo, sexo, data de nascimento (incluindo se foi num dia útil ou dia não útil) e raça (pura HF; cruzada HFxMB; cruzada HFxVS), número de partos da mãe (primípara ou multípara) e “tipo de parto” (simples, duplo ou triplo). Análise estatística Os registos de cada vitelo foram informatizados em folha de Microsoft Office Excel 2007®, onde foram validados e editados para posteriormente serem exportados para o programa SAS 9.1.2® (2004) e assim analisados. Numa primeira fase, a sobrevivência dos vitelos foi analisada com um modelo de regressão logística (Proc Logistic do Programa SAS) de forma a determinar quais os factores estudados (exploração, mês de nascimento, sexo, raça, paridade da mãe, nascimento em dia não útil/dia útil1 e tipo de parto) que influenciaram significativamente a probabilidade do animal sobreviver (ou de não sobreviver) em 2 momentos diferentes: até às primeiras 24h e das 24h até às 48h pós-parto (período peri-natal). No modelo de regressão logística foi adicionado o factor exploração, que engloba vários elementos: ambientais (maneio, alimentação, equipamentos, etc) e genéticos (mérito genético dos animais). Em função dos factores que influenciam significativamente (p<0,05) o rácio, estimaram-se os odds rácios entre os vários níveis de cada factor (p.e. entre meses no factor mês de nascimento, entre sexos no factor sexo, etc.). Na segunda fase, decidimos relacionar a mortalidade das fêmeas no período peri-natal e entre as 48horas e os 9 meses de idade com os seguintes factores: mês de nascimento, paridade, tipo de parto e o dia da semana de nascimento. Para isso, realizou-se o teste de independência do qui-quadrado (Proc Freq do Programa SAS). Resultados Análise exploratória dos dados e estatística descritiva As explorações E1 e E4 apresentaram um maior número de nascimentos, enquanto que na exploração E2 foi onde ocorreram menos nascimentos. Os nascimentos foram exclusivamente de indivíduos da raça HF, com excepção dos ocorridos na exploração E6 onde a frequência de nascimentos de vitelos HFxMB foi superior (51,3%) à das outras raças (HF 38,8%; HF-VS 9,9%). Daqui resultou que, no total, 92,4% das crias dia não útil – sábado, domingo e feriado; dia útil – segunda a sexta-feira; 1 28 RCPV (2014) 109 (589-590) 26-32 fossem HF puros, 6,4% de raça HFxMB e 1,2% de raça HFxVS. A prevalência de MP no total das explorações foi de 20% e a incidência de mortalidade após esse período e até aos 9 meses foi de 9,9%. Em todas as explorações houve um maior número de partos de multíparas (61,8%) do que de novilhas (38,2%), com excepção da exploração E4, onde houve mais partos de novilhas devido à renovação do efectivo reprodutor. Em todas as explorações verificou-se maior MP entre as crias de primíparas do que das de multíparas, com excepção da exploração E1 em que não houve diferença significativa. Na exploração E6 as crias cruzadas de HF-VS (23,2%) apresentaram uma taxa de MP superior às cruzadas de MB (13,5%) e às puras HF (20,4%). No total de dados analisados, o nascimento de vitelas foi mais frequente (57,7%) do que o nascimento de machos (42,3%), tanto de multíparas como de primíparas. Contudo, nas explorações E3, E5 e E6 houve maior número de nascimentos do sexo masculino do que do sexo feminino. Em relação à MP, esta foi mais elevada para as crias do sexo masculino em todas as explorações, com excepção da exploração E2 porque nessa apenas foram analisados os dados referentes a fêmeas. Os partos simples foram muito mais frequentes do que os gemelares (93,5% e 6,5%, respectivamente). Na exploração E1 e E6 verificaram-se mais nascimentos de gémeos do que nas outras explorações (26,9 e 20,4%, respectivamente) e a exploração E2 foi a que apresentou menor número de partos duplos (8,8%). Houve mais gémeos nos partos de multíparas (8,1%) do que no das novilhas (3,9%). Em 4.537 nascimentos ocorreram 2 partos de trigémeos (0,1%) sendo que apenas num caso as três crias ultrapassaram o período peri-natal. Os meses de nascimento mais frequentes foram Janeiro, Março, Outubro e Dezembro. O mês de Abril foi o mês onde se verificou um menor número de nascimentos. Em geral, a taxa de MP foi mais elevada no mês de Dezembro e mais baixa no mês de Abril. Em relação ao dia da semana, 69,1% dos nascimentos ocorreram em dias úteis e 30,9% ocorreram em dias não úteis. Ocorreram maior número de nascimentos à segunda-feira e ao domingo. Verificou-se que a taxa de MP foi mais elevada para os nascidos à quarta-feira e para os vitelos nascidos ao sábado. Factores de risco Os factores, mês de nascimento, exploração, sexo da cria, paridade e tipo de parto influenciaram significativamente (p<0.05) a mortalidade até às 24 horas após o parto. Entre as 24 e as 48 horas, apenas o factor exploração foi significativo. Rodrigues T. et al. Através da análise do odds ratio verificou-se que o risco de MP foi maior no mês de Dezembro, quando as crias são do sexo masculino, quando resultam de partos de novilhas e de partos gemelares. Em contraste, a mortalidade até às 24 horas de idade é menor em crias nascidas em Abril, do sexo feminino e provenientes de partos de multíparas e não gemelares. Analisando a incidência de MP por exploração verificou-se que a probabilidade de morrer foi maior na E4 e menor na E5 (até às 24 horas de vida) e E2 (entre 24 e 48 horas de vida). Na exploração E2 a taxa de mortalidade das vitelas no período peri-natal foi influenciada significativamente (p<0,01) pelo tipo de parto e pelo número de partos da progenitora, sendo maior nos partos gemelares e nos partos de novilhas. Na exploração E3 e E6, foi apenas o tipo de parto que influenciou significativamente (p<0,01) o índice de mortalidade. A taxa de mortalidade até aos 9 meses das crias fêmeas nascidas nas explorações E1 (p<0,05), E2 (p<0,01), E3 (p<0,01) e E5 (p<0,05) foi influenciada pelo tipo de parto, sendo que crias nascidas de partos gemelares apresentam menor probabilidade de sobrevivência. As vitelas nascidas de novilhas apresentaram maior probabilidade de vir a morrer (p<0,01) na exploração E3. Por fim, o factor o mês de Janeiro influenciou significativamente (p<0,01) a mortalidade das crias fêmeas até aos 9 meses na exploração E4. Discussão A mortalidade peri-natal tem sido responsável pela diminuição do número de animais disponíveis para substituição do efectivo reprodutor nas explorações leiteiras. Este facto tem um enorme impacto sobre a economia da exploração, já que pode obrigar à compra de animais, para além de poder afetar a diminuição da intensidade de selecção, com impacto negativo no progresso genético. Isto acontece um pouco por todo o mundo e Portugal não é excepção, como se conclui pelos resultados do nosso estudo, que mostra que 20% das crias nascidas morrem antes das 48 horas de vida. Este é um valor ligeiramente mais elevado do que as médias nos EUA – entre os 8% (Silva del Rio et al, 2007) e os 13,2% (Meyer et al., 2001), se bem que nalgumas explorações são atingindos os 25% (Silva del Rio et al., 2007). A média de MP em estudos na Suécia, Holanda e Canadá são de 10%, 11,4% e 12%, respectivamente (Harbers et al., 2000; Steinbock et al., 2003; Szucs et al., 2009). Esta diferença nos valores da incidência de MP entre estudos, pode ser reflexo de diferenças ao nível do valor genético, da nutrição, do ambiente e do maneio, mas também ao nível da definição de MP (Hoedemaker et al., 2010). Assim, as comparações da incidência de MP deverão ser sempre feitas tendo em conta a definição de MP de cada autor e, se possível, as raças RCPV (2014) 109 (589-590) 26-32 comparadas deverão ser as mesmas. No nosso estudo, a taxa de MP de vitelos da raça HF também foi muito próxima dos 20%, o que é decerto um valor bastante elevado. Apesar destes resultados se referirem apenas a seis explorações, sugerem que a realidade global portuguesa poderá ser preocupante e merecedora de uma estratégia de controlo, nomeadamente, através de um melhor maneio das parturientes, do parto e dos recémnascidos. De referir que todas as explorações que integraram este estudo são altamente profissionalizadas e apresentam níveis de produção muito acima da média nacional. Ou seja, são tidas como modelos a nível da nutrição, instalações e maneio. Nas seis explorações a incidência de mortalidade após o período perinatal e até aos 9 meses foi de 9,9%. A diferença entre os dois períodos avaliados acentua a importância do período peri-natal e reforça a ideia da necessidade de um papel mais interventivo dos tratadores e médicos-veterinários no periparto. As explorações E1 e E4 tiveram um número maior de nascimentos durante os dois anos analisados, o que é concordante com o facto de ambas as explorações terem mais vacas em ordenha do que as outras explorações. Na exploração E6, a única onde se efectuavam cruzamentos entre raças, o número de vitelos cruzados de HF com MB foi mais frequente, seguida de vitelos HF puros e por fim, os cruzados de HF com VS. É importante referir que este estudo coincidiu com o nascimento dos primeiros cruzados o que justifica esses resultados. Nesta exploração a mortalidade foi mais elevada em HFxVS muito provavelmente porque este cruzamento era praticado em exclusivo nas novilhas (mais predispostas a distócias) enquanto as multíparas eram cruzadas com MB. Apesar destes resultados aparentemente mostrarem o contrário, outros estudos têm mostrado que a taxa de mortalidade das crias é menor, quer em vacas quer em novilhas HF, quando são cruzadas com outra raça leiteira (Heins, Hansen e Seykora, 2006). Como seria de esperar, em explorações a funcionar há vários anos, as multíparas deram mais crias do que as novilhas. Isto verificou-se em todas as explorações, com excepção da exploração E4 devido à importação recente de um número significativo de novilhas. Constatou-se que, em média, tanto as vacas como as novilhas tiveram mais crias do sexo feminino, mesmo retirando os registos da exploração E2, onde apenas estavam disponíveis os dados dos nascimentos de vitelas. Berger et al. (1992) afirmam que as novilhas têm igual número de crias machos como fêmeas, mas as vacas têm ligeiramente mais machos do que fêmeas. De referir que nenhuma das explorações em estudo usava sémen sexado. Tanto as novilhas como as vacas apresentaram uma taxa mais elevada de MP quando a cria era macho. Esta tendência manteve-se independentemente da exploração avaliada. Como já foi referido, há uma predisposição maior para a distócia e MP nos partos com crias 29 Rodrigues T. et al. macho (Lombard et al., 2007; Mee et al., 2008; Szucs et al., 2009), muito provavelmente porque são animais maiores e mais pesados. Adicionalmente, as fêmeas poderão ser alvo de um tratamento mais cuidado e rigoroso desde o nascimento, devido ao investimento subjacente em genética e porque os machos HF apresentam um valor muito baixo no mercado. Os partos simples foram mais frequentes do que os partos duplos e triplos. Na exploração E1 verificou-se mais nascimentos de gémeos do que nas outras explorações, sendo a exploração E2 a exploração com menor número de partos duplos. Não foi encontrada explicação para esta diferença já que no inquérito não foi possível evidenciar diferenças no uso de tratamentos hormonais. O facto da E2 ter um grande número de primíparas poderá em parte explicar esta discrepância, já que as gestações gemelares são mais raras em novilhas, como se verificou no nosso estudo e por outros autores (Lombard et al., 2007; Hossein-Zadeh, NejatiJavaremi, Miraei-Ashtiani e Kohram, 2008). Os partos triplos ocorreram duas vezes, sendo que num caso as três crias fêmeas ultrapassaram o período peri-natal. Segundo Szucs et al. (2009), as crias provenientes de partos triplos têm uma probabilidade de sobrevivência muito menor do que as crias de partos simples ou duplos. O facto do nascimento ter sido de três fêmeas, isto é, crias mais pequenas, poderá justificar a sua sobrevivência. Por outro lado, é provável que tenha ocorrido uma melhor assistência no parto e um cuidado mais próximo e rigoroso às crias. Durante os anos em estudo nasceram mais crias em Janeiro, Março, Outubro e Dezembro, ou seja, durante as estações do ano mais frias. Constatámos também que ocorreu uma maior proporção de MP no mês de Dezembro do que nos outros meses. Quigley (2004) refere que os vitelos nascidos no Outono/Inverno (Outubro a Março) tinham 36% maior probabilidade de fazer MP do que os nascidos na Primavera/Verão (Abril a Setembro). Neste estudo, não se encontrou uma superioridade evidente da mortalidade do mês de Outubro a Março, possivelmente, devido ao Inverno em Portugal ser menos frio. A MP poderá estar associada a meses mais frios devido à qualidade inferior do colostro (Gay et al., 1983 citado por Heinrichs e Radostits, 2001; Gulliksen et al., 2008), ao efeito directo das condições climatéricas adversas sobre a cria (Radostits et al., 2007) e, ainda pelo facto desta estação estar associada a partos mais difíceis (Cady, n.d.; McGuirk et al., 1999 citado por Mee et al., 2008). Para além disso, existe uma correlação comprovada entre a estação mais fria e o aumento da duração da gestação com correspondente aumento do peso do feto e de casos de distócia (Mee et al., 2008). Em contraste, os vitelos nascidos durante o mês de Abril apresentaram uma taxa de sobrevivência mais elevada muito provavelmente devido às melhores condições climatéricas, mas também pelo facto de haver menos partos nesse mês e por isso menor densidade nos viteleiros e maior disponibilidade temporal dos tratadores. 30 RCPV (2014) 109 (589-590) 26-32 Cerca de 69% dos nascimentos ocorreram em dias úteis e 31% ocorreram em dias não úteis, sendo a segunda e o domingo os dias da semana com maior número de nascimentos. No nosso estudo verificámos que a taxa de MP foi mais elevada para os vitelos nascidos à quarta-feira e para os vitelos nascidos ao sábado. A avaliação deste factor é muito importante, pois quando os partos ocorrem aos sábados, domingos ou feriados, poderá haver menos funcionários disponíveis e, portanto, uma menor vigilância e intervenção atempada durante o parto (Szenci e Kiss, 1982; citado por Mee et al., 2008). Bruning-Fann e Kaneene (1992) concluíram que havia um risco maior de mortalidade associado à quarta-feira devido à troca de operador. No nosso estudo não foi possível encontrar uma razão semelhante, o que não impede que se volte a sublinhar a importância acompanhar os partos, especialmente em dias não úteis. Na avaliação da MP até às primeiras 24 horas os factores de risco estatisticamente significativos foram: o mês de nascimento, o sexo do vitelo, o tipo de parto e a idade da mãe. O factor raça e o dia não útil não foram estatisticamente significativos. Provavelmente devido a condições mais adversas e aos outros factores descritas mais acima, o mês de Dezembro foi aquele que apresentou uma maior taxa de mortalidade. A taxa de MP foi maior na E4 e menor na E5. Esta última concentra algumas lacunas no maneio, tais como, a ausência de colostro congelado, a administração de uma quantidade insuficiente de colostro e o uso de balde com tetina, mas em contraste está associada a uma boa limpeza dos espaços e das camas, bem como a uma melhor assistência aos recém-nascidos. Pelo contrário a maior MP na E4 poderá ser explicado por falhas no maneio e por ter havido um maior número de nascimentos de crias de primíparas, estas mais predispostas a fazer distócias. Em relação ao factor sexo, constatou-se uma maior sobrevivência das fêmeas no primeiro dia de vida. Johanson e Berger (2003) justificam essa vantagem das fêmeas face aos machos, pelo menor peso e dimensão ao parto. Para além disso, como os machos são subprodutos das explorações leiteiras o seu maneio pode ser negligenciado pelos tratadores. As crias de multíparas mostraram uma maior probabilidade de sobrevivência no período peri-natal do que as crias de fêmeas primíparas, já que nestas ocorrem mais complicações nos partos, como desproporções fetopélvicas, má disposição fetal e estenose da vulva (Mee, 2008; Sorge et al., 2008). Está bem estabelecido que partos complicados ou demorados reduzem a viabilidade das crias e reduzem a capacidade de absorção de IgG do colostro. Verificou-se ainda que a mortalidade peri-natal estava mais associada a partos duplos do que simples, isto provavelmente porque ocorrem menos complicações nos partos simples do que nos duplos (Mee et al., 2008) e estes têm a tendência para serem prematuros. Os vitelos prematuros ou resultantes de partos difíceis geralmente ingerem mal o colostro, absorvem menos Rodrigues T. et al. IgG, por isso são mais susceptíveis a doenças (Vaala, Lester e House, 2009). Durante o segundo dia de vida, a sobrevivência foi maior na exploração E2. Nesta exploração estão bem estabelecidas boas práticas de maneio como: os partos decorrem no parque de pré-parto (maior tranquilidade nas horas que antecedem o parto porque não há mudança de espaço), boas condições de limpeza do local do parto, partos vigiados durante todo o dia (menor número de distócias), uso de meios mecânicos (vantajoso nos partos complicados) (Mortimer, 2009) e cada cria recebe a quantidade necessária de colostro (4 L) para uma absorção mínima de 100 g de IgG. Existe ainda colostro congelado, o que é muito importante para satisfazer as necessidades das crias cujas mães não produzam colostro em quantidade ou qualidade suficiente. A exploração E4 apresentou uma maior taxa de mortalidade até ao segundo dia de vida. É importante analisar com atenção este resultado de forma a identificar e corrigir os factores responsáveis por esta menor taxa de sobrevivência. Várias razões poderão explicar estes maus resultados nesta vacaria situada numa zona do interior do país: condições climatéricas extremas, higiene reduzidas no local onde os vitelos são colocados após o nascimento (iglos), má qualidade do colostro proveniente de vacas altas produtoras, etc. Na avaliação dos factores de risco de MP consoante a exploração, verificou-se que até às primeiras 48 horas, na exploração E2, a sobrevivência está associada a partos simples e de progenitoras multíparas. Nesta exploração é assegurada a vigilância dos partos durante todo o dia com particular atenção às novilhas, e uma assistência adequada às crias. Na exploração E3 e E6, o tipo de parto e o sexo do vitelo influenciaram significativamente (p<0,01) a sobrevivência das crias. A MP estava associada a partos gemelares, mostrando que é importante identificar as progenitoras com gémeos antes do parto e aumentar a vigilância a estas vacas. Resumindo, deve-se ter um cuidado especial com as crias resultantes de partos de gémeos e de progenitoras primíparas. Nas explorações E1, E2, E3 e E5 a mortalidade das fêmeas até aos 9 meses está associada ao tipo de parto de que resultaram. Assim, as fêmeas de partos gemelares mostram maior probabilidade de vir a morrer do que as fêmeas de partos singulares, provavelmente por serem animais mais débeis e terem tido dificuldade em absorver imunoglobulinas nas primeiras refeições de colostro. Nestas explorações, dever-se-ia reforçar a assistência às crias de partos gemelares, como, por exemplo, através de maior higiene das instalações, administração mais cuidada do colostro e um programa de vacinação mais rigoroso. Na exploração E3, as fêmeas com idades inferiores a 9 meses que resultaram de partos de multíparas apresentaram uma taxa de sobrevivência mais elevada do que as fêmeas de primíparas. Este resultado pode ser indicativo de partos difíceis de que resultam crias mais debilitadas, com RCPV (2014) 109 (589-590) 26-32 menor capacidade para ingerir colostro. Como se tem referido, deve-se reforçar a vigilância pois os partos de novilhas estão associados a mais complicações como, por exemplo, por incompatibilidades fetopélvicas. Será ainda de introduzir a prática de administração de colostro por tubo esofágico pelo menos nas fêmeas resultantes de partos de novilhas. Na exploração E4 o mês de parto influenciou a taxa de mortalidade das crias fêmeas até aos 9 meses, com priores resultados no mês de Janeiro. Isto pode deverse ao facto desta exploração estar localizada no interior do país, onde o Inverno é mais rigoroso. É importante sublinhar este resultado pois demonstra como situações ocorridas no período do periparto acabam por afectar a saúde das vitelas até uma idade bastante avançada. Assim na exploração E4, para além de todas as recomendações já referidas, devem-se tomar medidas para a protecção das crias nos meses mais frios do ano, nomeadamente no mês de Janeiro. Deve-se ainda ter um cuidado especial com as crias fêmeas resultantes de partos de gémeos e de progenitoras primíparas. Em conclusão, estes resultados demonstram como se pode reduzir significativamente a MP através de um plano de melhoramento do maneio das explorações. Deverá ser dado especial realce à supervisão dos partos, aos cuidados imediatos ao nascimento e uma atenção reforçada aquando de partos em épocas do ano mais rigorosas. Bibliografia Berger PJ, Cubas AC, Koehler KJ e Healey MH (1992). Factors affecting dystocia and early calf mortality in Angus cows and heifers. Journal of Animal Science, 70: 17751786. Berry DP, Lee JM, Macdonald KA e Roche JR (2007). Body Condition Score and Body Weight Effects on Dystocia and Stillbirths and Consequent Effects on Postcalving Performance. 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