ANDRÉA CRISTINA DE LIMA, ET AL.
Tratamento das
Pneumopatias em
HIV Positivos
Pneumopathological Treatment in HIV
Positives
RESUMO Pacientes HIV positivos são vítimas freqüentes de infecções oportunistas devido ao enfraquecimento do sistema imunológico. Entre essas infecções estão as pneumopatias causadas pelo Pneumocystis carinii e pelo
Mycobacterium tuberculosis, que provocam danos ao sistema respiratório.
Este trabalho tem como objetivo fazer uma revisão dos fármacos empregados no tratamento da pneumonia e tuberculose em pacientes HIV positivos,
por meio de dados obtidos em literatura específica. O resultado da pesquisa
mostrou que os tratamentos dessas doenças seguem esquemas terapêuticos
triviais empregados há vários anos. No caso da pneumonia, o uso de sulfametoxazol e trimetoprima é o tratamento de primeira escolha, sendo substituído por pentamidina ou outro fármaco, em caso de reação alérgica a
algum dos componentes ou quando nenhuma resposta é observada. Para a
tuberculose seguem-se esquemas padronizados pelo Ministério da Saúde,
em função do estágio da doença. Essas doenças são conseqüências da debilidade do sistema imunológico de pacientes HIV, sendo fundamental, portanto, a atenção médica e farmacêutica para a maior aderência ao tratamento,
visando ao restabelecimento da saúde e ao aumento de sobrevida.
Palavras-chave HIV – ADERÊNCIA AO TRATAMENTO – TUBERCULOSE –
PNEUMONIA – MYCOBACTERIUM TUBERCULOSIS – PNEUMOCYSTIS CARINII.
ANDRÉA CRISTINA DE LIMA
Farmacêutica graduada pela UNIMEP/SP
RENATA FERNANDA STURION
Farmacêutica graduada pela UNIMEP/SP
LUIZ MADALENO FRANCO*
Curso de Farmácia – Faculdade de
Ciências da Saúde (UNIMEP/SP)
*Correspondências: Rod. do Açúcar,
km 156, FACIS, 13400-911, Piracicaba/SP
[email protected]
Saúde em Revista
TRATAMENTO DAS PNEUMOPATIAS EM HIV POSITIVOS
ABSTRACT HIV positive patients are frequent victims of opportunist
infections due to the weakness of the immunological system. The
pneumopathies brought about by Pneumocystis carinii and Mycobacterium
tuberculosis, causing breathing system damages are among these infections.
This work aims a reviewing of the drugs used in the treatment of
pneumonia and tuberculosis on HIV positive patients, through data
obtained in specific literature. The result from this search has shown that
the treatment of these pathologies has followed trivial therapy used for
many years. In the case of pneumonia, sulfamethoxazole and trimethoprim
use is the first choice of treatment, being replaced by pentamidine or other
drugs, in case of allergic reaction to some components or when no answer
is observed. Tuberculosis treatment follows standardized procedure by the
Ministry of Health, according to the disease level. Those pathologies are
a consequence of the immunological system weakness of HIV patients,
being therefore, fundamental the medical and pharmaceutical care for a
larger adherence to the treatment, seeking the health re-establishment
and outlive increase.
Keywords HIV – TUBERCULOSIS – THERAPY ADHERENCE – PNEUMONIA –
MYCOBACTERIUM TUBERCULOSIS – PNEUMOCYSTIS CARINII.
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INTRODUÇÃO
A
AIDS, Síndrome da Imunodeficiência Huma-
na Adquirida, é a perda ou a diminuição
acentuada da capacidade do sistema imunológico de defender o próprio organismo, por
conta da ação do HIV (vírus da imunodeficiência
humana), que ataca o sistema imunológico. Esse é
um vírus com genoma RNA, que, para se multiplicar, necessita de uma enzima denominada transcriptase reversa, responsável pela transcrição do
RNA viral para uma cópia DNA, que pode, então,
interagir com o genoma do hospedeiro.17 Tal mecanismo está representado na figura 1.
Esse vírus ataca e destrói precisamente as células do sistema imunológico (linfócitos T ou
CD4), responsáveis por agir contra infeções presentes em nosso organismo,19, 29 considerandose normal a contagem de CD4 entre 400 e 1.200
células/mm3 de sangue.9 Quando o indivíduo
apresenta contagem de CD4 inferior a 200 células/mm3, torna-se susceptível às infecções oportunistas, em razão da supressão de seu sistema
imune.17 A representação desse processo é dada
pela figura 2.
Figura 1. Ação do vírus HIV com genoma RNA.12
Existem várias razões para a vulnerabilidade do
indivíduo, que pode estar relacionada a deficientes
defesas do hospedeiro, grande conjunto de patógenos em potencial, exposições epidemiológicas incomuns e diminuição da resposta clínica ao uso do
anti-retroviral.5 Isso indica que pacientes que aderem
à terapia anti-retroviral possuem menores riscos de
manifestação das infecções oportunistas.16, 20, 24
A AIDS manifesta-se mais por infecções por ela
favorecidas do que por extensão da própria doença, sendo as infecções oportunistas a principal causa de morte.14 Como as imunidades antituberculose e antipneumológica são fundamentalmente de
natureza celular, é fácil entender por que a AIDS facilita extraordinariamente a progressão dessas doenças no paciente imunodeprimido.3, 26
Com o desenvolvimento de novas terapêuticas
anti-retrovirais e a perspectiva de maior sobrevida
dos pacientes portadores de HIV, o conjunto de doenças que acometem o aparelho respiratório, especialmente os pulmões, tende a se expandir, exigindo não só o tratamento clínico no diagnóstico diferencial dessas condições, bem como a realização de
ensaios clínicos para aprimorar a prevenção e o
tratamento dessas complicações.5 Atualmente, cerca de 36,1 milhões de pessoas estão infectadas pelo
HIV em todo o mundo, segundo levantamento da
Unaids,10 e, no Brasil, esse vírus acomete aproximadamente 0,5% da população.9 Nos portadores
de HIV, a pneumonia e a tuberculose assumem a liderança das pneumopatias e são a principal causa
de óbito desses pacientes. Os dados revelam que
25% a 80% dos infectados por HIV adquirem
infecções com os agentes oportunistas citados.6, 26
DEBILIDADES MAIS FREQÜENTES
NO IMUNODEPRIMIDO
Figura 2. Evolução da infecção pelo HIV, diminuição da contagem das células CD4 e aparecimento de doenças oportunistas.13
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A pneumonia por Pneumocystis carinii (P. carinii) e a tuberculose por Mycobacterium tuberculosis (M. tuberculosis) são as infecções mais comuns que ameaçam a vida do indivíduo imunodeficiente.1, 2, 4, 5 O P. carinii é um agente com
características principais de fungo com clara afinidade pelos pulmões, transmitido pela via respiratória, notadamente de pessoa a pessoa.16, 22 Essa
infecção pode ser prolongada, com períodos de
latência, e caracterizada por infiltração linfocitária e necrose da parede alveolar.3, 28
O M. tuberculosis pertence ao gênero Mycobacterium, transmitido por inalação de gotículas infecciosas tossidas ou espirradas no ar por um paciente
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com tuberculose (perdigotos) e é caracterizado por
infiltrados apicais ou subapicais uni ou bilaterais.17
Considera-se que cerca de um terço da população
mundial está infectada pelo M. tuberculosis.18
Essas duas doenças podem atingir extensas
porções do pulmão e levar o indivíduo a falência
respiratória. Portanto, detectado o microrganismo oportunista no paciente HIV positivo, tomarse-ão as medidas apropriadas, incluindo o tratamento medicamentoso.
O tratamento medicamentoso da pneumonia
e da tuberculose segue os esquemas terapêuticos
triviais adotados há algum tempo. Os esquemas
usados na terapêutica da tuberculose foram padronizados pelo Ministério da Saúde e são utilizados de acordo com o estágio da doença em que o
paciente se encontra.11
TRATAMENTO DA PNEUMONIA
O medicamento de primeira escolha para o
tratamento de P. carinii continua sendo a associação de trimetoprima e sulfametoxazol, pelo seu
perfil farmacológico e menor custo, além da ação
rápida e da resposta clínica observada entre o terceiro e quarto dias após o início do tratamento. A
atividade antibacteriana da associação SMX-TMP
deve-se ao bloqueio de duas enzimas, na mesma
cadeia de reações, no metabolismo bacteriano,
conforme a figura 3.
Figura 3. Ação farmacológica inibitória (-) de sulfametoxazol e
trimetoprima sobre as enzimas diidropteroato sintetase (1) e
diidrofolato redutase (2).
METODOLOGIA
O objetivo deste trabalho foi fazer uma revisão na literatura específica sobre o tratamento
medicamentoso em pacientes portadores de HIV
acometidos por pneumonia e tuberculose.
RESULTADOS
De acordo com o levantamento bibliográfico,
nota-se que o tratamento da pneumonia e da tuberculose dá-se como o descrito na tabela 1.8
Figura 4. Ação farmacológica da pentamidina sobre P. carinii.
Tabela 1. Tratamento para pneumonia (P. carinii) e tuberculose
(M. tuberculosis).
PNEUMONIA
TUBERCULOSE
1ª escolha SMX-TMP*
PZM+RPN+IZD •
π
2ª escolha Pentamidina
PZM+RPN+IZD+etb ◊
3ª escolha Dapsona, Atovaquona, ETM+PZM+ETB+ETN
Trimetrexate
* smx-tmp: Associação sulfametoxazol+trimetoprima;
smx:800 mg e tmp:160 mg vo ou 15-20 mg/kg/dia de tmp e
100 mg/kg/dia de smx dividido em três vezes ao dia iv.
π Pentamidina: 4 mg/kg/dia iv e/ou 5 mg/kg via aerossol.
• Pirazinamida-pzm (15-30 mg/kg), rifampicina-rpn (600 mg/
dia) e isoniazida-izd (5 mg/kg), ambos em jejum.
◊ Rifampicina-rpn (600 mg/dia), isoniazida-izd (5 mg/kg),
ambos pela manhã; pirazinamida-pzm (15-30 mg/kg) e
etambutol etb (15 mg/kg/dia), ambos no jantar.
Estreptomicina-etm (15 mg/kg/dia), pirazinamida-pzm (1530 mg/kg), etambutol-etb (15 mg/kg/dia) e etionamida-etn
(15-20 mg/kg/dia).
Em todos os esquemas, a pirazinamida é retirada após dois
meses do início do tratamento.
O tratamento é feito normalmente via oral,
podendo ser substituído por administração endovenosa quando o paciente apresentar intolerância
gastrintestinal. Os efeitos adversos ocorrem freqüentemente no fim da primeira semana e durante a segunda semana de tratamento.
Algumas reações, como leucopenia, neutropenia, plaquetopenia, lesão hepática ou renal grave e comprovada alergia às sulfas, obrigam a
substituição pela pentamidina,18 fármaco com
ação tripanocida direta in vitro e in vivo, e rapidamente captada pelo fungo por um transportador
de alta afinidade, dependente de energia que se
acredita interagir com o DNA (fig. 4).23
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TRATAMENTO DAS PNEUMOPATIAS EM HIV POSITIVOS
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A pentamidina é preferencialmente administrada por via endovenosa, pois a via intramuscular provoca abcesso e a via oral, diminuição da
absorção intestinal. Durante a infusão de pentamidina, a pressão arterial deve ser cuidadosamente monitorada, pois é comum a ocorrência de hipotensão e taquicardia. Outra forma farmacêutica já liberada para uso é a pentamidina em nebulização, pois a utilização de micropartículas em
aerossol poderia propiciar alta concentração pulmonar com baixos níveis sanguíneos e diminuição acentuada de efeitos colaterais. Essa terapêutica tem sido empregada com sucesso em
75% dos casos de pneumonia por P. carinii (leves
e moderados), apesar de apresentar menor eficácia e tendência à rápida reincidiva, o que mostra
que a pentamidina aerossol não pode ser administrada em todos os pacientes.8, 26, 15
Por causa da significativa toxicidade e do índice
de falha medicamentosa, além da intolerância de
alguns pacientes a SMX + TMP, estão sendo investigados três fármacos adicionais contra P. carinii, entre eles, dapsona, atovaquona, clindamicina-primaquina e trimetrexate, que necessitam uma melhor investigação clínica na busca de menores efeitos colaterais e maior atividade farmacológica.8
Durante os primeiros cinco dias de tratamento
com os antimicrobianos de escolha, os pacientes
infectados pelo HIV e com pneumonia por P. carinii podem apresentar um agravamento do quadro,
provavelmente em razão da resposta inflamatória
aos microorganismos mortos. O tratamento com
glicocorticóides pode melhorar essa resposta grave, já que a adição deles ao esquema de antimicrobianos aumenta a oxigenação e reduz a incidência
de insuficiência e mortalidade respiratórias.8, 27
TRATAMENTO DA TUBERCULOSE
A cura da tuberculose é possível, se o diagnóstico for rápido e adequado e com adesão do
tratamento pelo paciente. Adotam-se esquemas de
tratamento de acordo com os estágios da doença.
Nos casos primários da manifestação da tuberculose, emprega-se o esquema I, administrando-se ao
paciente 1,5 g a 2 g ou 25 mg/kg de pirazinamida,
600 mg ou 10 mg/kg de rifampicina e 500 mg ou
5 mg/kg de isoniazida, durante seis meses.21 Esses
fármacos atuam em micobactérias localizadas intracelularmente. Há evidências de que a pirazinamida possa ativar a resposta imunocelular (fig. 5).
64
Figura 5. Ação da pirazinamida sobre a resposta celular.
Figura 6. Ação farmacológica inibitória (-) da rifampicina.
Figura 7. Ação farmacológica inibitória (-) de isoniazida sobre a
parede celular de micobactérias.
Figura 8. Mecanismo de ação de etambutol.
A rifampicina atua por meio da ligação e da
inibição da RNA-polimerase DNA-dependente nas
células procarióticas (fig. 6).
Por outro lado, a isoniazida inibe a síntese de
ácidos glicólicos, importantes componentes da parede celular peculiares às micobactérias (fig. 7). Foi
relatado também que o fármaco combina-se com
uma enzima exclusivamente encontrada em cepas
de micobactérias sensíveis à isoniazida, resultando
em desorganização do metabolismo da célula. Esse
esquema de tratamento dura seis meses, sendo a
pirazinamida retirada depois de dois meses. Se a
adesão ao tratamento for mantida, há 100% de
chance de cura. Quando há a reincidiva da doença
decorrente do abandono da terapêutica, administra-se o esquema II: 600 mg ou 10 mg kg de
rifampicina, 300 mg de isoniazida, 1,5 g a 2 g
ou 25 mg/kg de pirazinamida e 15 mg/kg ou cerca de 1,2 g de etambutol, que potencializa o
efeito da isoniazida (fig. 8).
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Nos casos de resistência do microrganismo,
que ocorrem geralmente por interrupção do tratamento, deve-se adotar o esquema III com o paciente hospitalizado. Nesse esquema, adotam-se
quatro fármacos: 1 g de estreptomicina injetável,
que age de modo semelhante à etionamida, suprimindo a multiplicação do M. tuberculosis, 2 g de
pirazinamida, 1,2 g de etambutol e 750 mg de
etionamida.
Em todos os tratamentos, retira-se a pirazinamida após dois meses do seu início. Como o tratamento é prolongado e sempre há necessidade
da administração de mais de um fármaco, os níveis terapêuticos dos fármacos utilizados no tratamento da tuberculose devem ser monitorados.
Tais cuidados visam a diminuir os fatores que
acarretam o fracasso da quimioterapia na cura da
tuberculose, como a suspensão prematura dos fármacos e a irregularidade na administração dos
medicamentos,25 os efeitos colaterais apresenta-
dos, além de outros, que levam à não-adesão ao
tratamento.7
CONCLUSÃO
Desse levantamento depreende-se que, apesar
de novos antimicrobianos terem sido testados
para o tratamento da pneumonia e da tuberculose em pacientes HIV positivos, os esquemas com
os medicamentos classicamente utilizados ainda
se mostram eficazes. Contudo, para o sucesso
terapêutico, é necessário um acompanhamento
médico e farmacêutico efetivo (farmacovigilância) para garantir que o paciente de fato tome os
medicamentos, apesar das freqüentes reações adversas e dos efeitos colaterais. Esses cuidados promovem maior adesão ao tratamento e, dessa forma, amenizam as infecções oportunistas, aumentando a sobrevida do paciente portador de HIV e
proporcionando-lhe melhor qualidade de vida.
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Submetido: 30/jan./2004
Aprovado: 27/ago./2004
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