POTENCIALIDADES DAS ARGILAS COM PILARES COMO ADSORVENTES MICROPOROSOS João Pires, Ana Paula Carvalho, M. Brotas de Carvalho Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências de Lisboa R. Ernesto Vasconcelos, ed. C1, 5º piso, Campo Grande, 1700 Lisboa - Portugal e-mail: [email protected] Argilas com Pilares - PILCs Introdução As argilas com pilares - PILCs do acrónimo inglês para “pillared clays” - são materiais microporosos obtidos por intercalação de espécies inorgânicas em argilas expansíveis naturais ou sintéticas. Estes materiais foram considerados pela primeira vez na década de setenta com o intuito de se obterem catalisadores de cracking com poros de abertura da mesma ordem de grandeza da das moléculas mas com aberturas superiores às dos materiais zeolíticos. Actualmente as PILCs são consideradas materiais promissores em vários processos de adsorção ou de catálise e, nomeadamente, em processos que se relacionam com a protecção ambiental. Minerais de Argila para Preparação de PILCs As PILCs preparam-se a partir de minerais de argila de estrutura laminar do tipo 2:1 Fig.1, constituídos pela repetição de camadas estruturais formadas por uma folha octaédrica, fundamentalmente constituída por alumina, e duas folhas tetraédricas adjacentes, fundamentalmente constituídas por sílica (1). O O O O Si O OH Al Al O O O O Si Si Si O O O OH O Si Al O O O O Si O O Si O O OH Al Al O O HO Si Si O Si O Al O O O O Si OH Al HO Si O Si Al HO O O O O Si O O O Si O HO Si O O C a tiõ e s in te rla m in a re s O Si O OH Al Al O O O O Si OH Si Si O O O O Si O O Si Al O O O O O O Si O O Al Al O O HO Si Si OH Si O Al O O O Si OH Al HO Si O O O O O Al HO Si O O O O Si O O Si O HO Si O O Fig. 1: Estrutura das argilas do tipo 2:1 Diferentes espécies, de esmectites, que pelas suas propriedades de troca iónica e expansibilidade podem dar origem a PILCs, resultam da substituição isomórfica dos átomos de alumínio e sílicio por átomos de menor valência, com a criação de cargas negativas nas camadas as quais são contabalançadas por catiões interlaminares. Das esmectites, pela sua abundância, a mais usada é a montmorilonite. Esta, tal como a hectorite - a qual não tem alumínio - apresenta fundamentalmente substituições isomórficas na camada octaédrica e, 169 consequentemente, tem a carga eléctrica mais localizada no interior das camadas. Pelo contrário na beidelite e na saponite as cargas negativas localizam-se fundamentalmente nas folhas tetraédricas, ou seja, no exterior das camadas. Catiões Inorgânicos Intercalantes Das espécies inorgânicas intercalantes, as quais por calcinação originam os pilares, as mais estudadas são os catiões oligoméricos de alumínio. Estes catiões designados por iões de Keggin têm a fórmula geral [Al13O4(OH)(24+x)(H2O)(12-x)](7-x)+, e dimensões da ordem dos 10 Å (2,3,4,5). O facto desta espécie ser uma das mais estudadas está seguramente relacionado não só com o elevado conhecimento da química do alumínio em solução como também pela analogia das Al-PILCs com outros materiais, nomeadamente os zeólitos, em que as propriedades ácidas estão associadas à presença de alumínio. Não tendo sido completamente atingidos os objectivos como catalisadores de cracking, em especial no tocante à estabilidade térmica, outras aplicações para as PILCs, em catálise ou em adsorção, tem sido encaradas. Assim, e para além das espécies de Al tem sido também ensaiadas espécies oligoméricas à base de Zr (3,6) de Fe (7) Cr (5) e Ti (8,9) ou misturas destes elementos (10). Características Texturais e de Química de Superfície das PILCs Após a intercalação, o espaçamento interlaminar aumenta consideravelmente diminuindo um pouco após a calcinação, na qual as espécies intercalantes são tranformadas em óxidos. Obtêm-se assim materiais - Fig. 2 - que apresentam uma porosidade permanente, constituida maioritariamente por microporos, ou seja poros com largura inferior a 20 Å, embora também se possam obter materiais com mesoporosidade (largura ente 20 e 50 Å) (11). folha tetraédrica folha octaédrica folha tetraédrica pilares de óxido h pilares de óxido folha tetraédrica folha octaédrica folha tetraédrica Fig. 2: Esquema das PILCs. Os valores de h variam normalmente entre 0.5 e 1nm embora valores superiores tenham também já sido encontrados. Dependendo da temperatura de calcinação, usualmente entre 350 e 500 ºC, as áreas específicas BET destes materiais apresentam valores da ordem de 250 e 400 m2/g e os volumes microporosos oscilam entre 0.10 - 0.12 cm3/g. Relativamente à acidez constata-se que as argilas iniciais não apresentam propriedades ácidas relevantes. No entanto na sequência do processo de intercalação formamse centros ácidos dos tipos Brönsted e Lewis que, em alguns casos, se assemelham aos dos zeólitos mais usuais, por exemplo com calores de adsorção de piridina da ordem dos 70 kJ/mol e quantidades adsorvidas superiores a 2 µmol/m2 (12). 170 Potencialidades das PILCs na Protecção Ambiental Produção de Gasolina sem Chumbo Como já foi referido, as PILCs foram inicialmente pensadas como catalisadores de cracking para o aproveitamento das fracções mais pesadas do petróleo na produção de combustíveis, objectivo que ainda se encontra comprometido pela deficiente estabilidade térmica. No entanto, e ainda no campo dos combustíveis, as PILCs foram recentemente consideradas como catalisadores na obtenção de MTBE (metil-terbutiléter) a partir do metanol e do isobuteno. Pelas suas propriedades anti-detonantes o MTBE é um dos aditivos mais usados nas gasolinas sem chumbo. Com efeito, num estudo comparativo (3) da eficiência de vários catalisadores verificou-se que montmorilonites e saponites intercaladas, respectivamente, com Zr e Al revelam propriedades comparáveis às do zeólito HY, embora o desempenho esteja ainda aquém da resina sulfónica Amberlyst-15, catalisador que continua a ser usado industrialmente apesar dos problemas de corrosão inerentes à sua utilização. Eliminação de NOx Como é sobejamente conhecido os óxidos de azoto, NOx, são um dos poluentes atmosféricos mais nocivos. No campo das fontes de emissão estacionárias a sua eliminação é feita por redução catalítica selectiva com amónia, sendo os catalisadores comerciais feitos à base de óxidos de vanádio e titânio. PILCs intercaladas com óxido de titânio, as quais apresentam áreas específicas entre os 170 e 400 m2/g, foram impregnadas com cerca de 10 % de óxidos de ferro e de crómio, e testadas na reacção de redução catalítica selectiva com amónia (9). Os resultados obtidos demonstraram que a argila com pilares de óxido de titânio, mas não impregnada, não apresenta uma actividade significativa. Porém, as mesmas PILCs impregnadas com uma relação Fe/Cr =3 são entre 30 a 50 % mais activas que os catalisadores comerciais baseados em óxido de vanádio, mesmo na presença de contaminantes como SO2 e água. É sugerido por aqueles autores que as argilas intercaladas com TiO2, providenciando uma estrutura de elevada área específica com grupos SiO2-TiO2 promovem uma elevada dispersão dos óxidos de Fe e Cr impregnados conferindo, desta forma, um efeito de suporte muito positivo nos catalisadores. Adsorção de Compostos Orgânicos Tóxicos Um dos aspectos fundamentais da poluição é o que se refere aos contaminantes das águas residuais e subterrâneas. Estes poluentes orgânicos podem ser divididos por vários grupos: (i) moléculas não polares; (ii) ácidos orgânicos e (iii) bases orgânicas (4). Os compostos fenólicos - grupo (ii) - são considerados como poluentes prioritários dos solos. Com efeito são tóxicos mesmo em concentrações da ordem dos ppb. Na remoção destes compostos em soluções aquosas têm sido utilizados fundamentalmente carvões activados, com o inconveniente de que durante o processo de desadsorção, que implica uma oxidação, é perdida uma percentagem significativa do adsorvente. Neste contexto foi estudada a retenção de pentaclorofenol por PILCs com pilares de alumínio ou crómio (5). Verificou-se que apesar da PILC com crómio (Cr-PILC) ter uma área específica BET superior à PILC com alumínio (Al-PILC) as quantidades adsorvidas de pentaclorofenol na Al-PILC são ca. do dobro das verificadas para a Cr-PILC, atingindo valores da ordem dos 10 µmol/g para concentrações de 25 µmol/l, o que põe em evidência o papel determinante da polaridade e composição das superfícies na retenção de compostos polares, nomeadamente dos pentaclorofenois. No campo dos compostos apolares - grupo (i) - para além da extensão da superfície, é fundamental promover o carácter organofílico do adsorvente. Como agente modelo tem sido 171 usado o clorobenzeno, porque frequentemente se encontra nas águas residuais industriais e apresenta uma difícil degradação biológica. Foram realizados estudos sobre a adsorção de clorobenzeno em Al-PILCs e em argilas intercaladas com tetrabutilamónio (4,12). Verifica-se que estes estudos tem sido desenvolvidos no sentido de por um lado aumentar o espaçamento basal e, por outro lado, de utilizar intercalantes orgânicos para aumentar a organofilicidade e, consequentemente, a capacidade de retenção dos clorofenois. Conclusão Do exposto, constata-se que as PILCs tem sido ensaiadas, com algum êxito, em diferentes processos ligados à protecção ambiental, quer como catalisadores quer como adsorventes. Provavelmente por serem materiais relativamente recentes não são ainda utilizados industrialmente na despoluição da atmosfera nem dos solos. Porém, do interesse crescente que as PILCs merecem na literatura pode concluir-se que, num futuro próximo e a par dos adsorventes e catalisadores clássicos, as PILCs serão igualmente também empregues como ferramentas para a protecção ambiental. Bibliografia 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 175 8. 9. 10. 11. 12. 13. R. E. Grim, “Clay Mineralogy”, 2nd ed., McGraw-Hill, N. Y., (1968) M. Brotas de Carvalho, J. Pires, A.P. Carvalho, Mic. Mat., 6, 65 (1996) F. Collignon, M. Mariani, S. Moreno, M. Remy, G. Poncelet, J. Catal., 166, 53, (1997) J.T. Kloprogge, L. Korbijn, T.P.M. Koster, App. Clay Sci., 12, 85 (1997) R. C. Zielke, T.J. Pinnavaia, Clays and Clay Minerals, 36, 403 (1988) P.R. Pereira, J. Pires, M. Brotas de Carvalho, Langmuir em impressão M. J. P. Zurita, G. Vitale, M.R. Goldwasser, D. Rojas, J.J. García, J. Mol. Catal., 107, (1996) S.-J. Tsai, S.-J. 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