Entrevista: Marco Aurélio Nogueira
Perspectivas para a instituição no século XXI
Sistema produz ciência, mas é lento
para atender a demandas sociais
A
Daniel Patire
universidade pública goza de prestígio no
país, principalmente pela produção de ciência e tecnologia, na avaliação do professor
Marco Aurélio Nogueira. No entanto, essa instituição não consegue satisfazer à necessidade de aumento de vagas em seus cursos, nem tem respostas ágeis para inovações como o ensino a distância,
de acordo com o livre-docente pela Faculdade de
Ciências e Letras (FCL), câmpus de Araraquara. Bacharel em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de
Sociologia e Política de São Paulo, doutor em Ciência Política pela USP, pós-doutor pela Universidade
de Roma, Itália, Nogueira é professor do Programa
de Pós-Graduação em Sociologia da FCL e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (que reúne Unesp, PUC-SP e
Unicamp), além de colunista do jornal O Estado de
S. Paulo. (Entrevista a Oscar D’Ambrosio)
Jornal Unesp: Como o senhor vê a universidade pública hoje?
Marco Aurélio Nogueira: Ela está num momento
de transição, porque, de certo modo, extrai hoje os
resultados do processo de sua consolidação. A universidade pública é uma realidade insofismável na
vida nacional, está se mostrando mais produtiva e
vem conseguindo aparecer como um sistema produtor de ciência e tecnologia, absorvendo as expectativas da juventude em relação à formação para o
mundo. Ao mesmo tempo, ainda não é capaz de dar
um atendimento categórico à grande demanda de
vagas que existe na sociedade brasileira. Essa característica dificulta a obtenção por parte da universidade pública de índices mais expressivos de legitimidade e reconhecimento por parte da sociedade.
JU: Como se daria essa capacidade de absorção de
novos alunos?
Nogueira: A impressão que tenho é que a universidade pública é muito lenta na oferta de novos produtos para a sociedade. Ela demora, por exemplo,
para deliberar a respeito de uma reforma curricular
que possa tornar um curso mais rápido de ser frequentado e tem ainda dificuldade para assimilar o
ensino a distância. Ela tem que ser um pouco mais
ágil no aumento de vagas, na diversificação dos
cursos e, quem sabe, a partir de uma discussão cuidadosa, na reformulação do tempo de duração de
alguns cursos. Esses problemas não são da universidade pública brasileira, mas da universidade em
geral. Estão relacionados com a alta demanda por
ensino superior e com a sensação de que tudo deve
ser feito numa velocidade maior.
JU: Qual é a visão que a sociedade tem da universidade pública?
Nogueira: O problema é mais de divulgação do
que de produtividade. Ela faz ações relevantes, mas
não está conseguindo mostrar para a sociedade
plenamente a importância daquilo que faz. Ao mesmo tempo que realiza pesquisas, ela está envolvida numa espiral de divulgação de custos excessivamente altos e movimentos grevistas sucessivos.
Não questiono a legitimidade deles, mas na última
É preciso entrar
em sintonia com a
mudança, não só no
plano tecnológico,
mas também na
mentalidade
década não houve praticamente um ano sem greve,
paralisação ou invasão de Reitoria. Isso cria junto à
opinião pública uma mensagem um pouco imprecisa
do que é de fato a universidade.
JU: A sociedade mudou muito nas últimas décadas e
a universidade não acompanhou internamente essas
transformações?
Nogueira: Um ponto fundamental é fazer a universidade entrar em sintonia ativa com uma sociedade
que está mudando muito depressa. A questão, porém,
não é só de mudança no plano tecnológico. Ela se dá
também no plano da mentalidade. Aceitar ou não o ensino a distância, por exemplo, não é um problema de
incorporar ou não a tecnologia ou a cultura informatizada, mas de pensar a universidade do futuro a partir
de um novo pacto interno, que envolva professores,
alunos e funcionários dos diversos níveis das carreiras administrativas. Isso significa caminhar para uma
nova maneira de pensar os conselhos universitários
e os processos de decisão. Isso é mais importante do
que uma absorção de tecnologia ou a formação de
uma mentalidade mais tecnológica na universidade,
ainda que isso também seja necessário.
Fundação Vunesp
Dagmar Hunger
H
istoricamente, a universidade brasileira se
caracterizou, até fins da década de 1960,
como uma instituição de ensino, pois estava
presente, prioritariamente, na prática das unidades
universitárias o ato de ensinar, identificado pela
transmissão e apropriação do conhecimento acumulado. [...] Entretanto, na segunda metade dos anos
1960, com a Reforma Universitária (Lei n.º 5.540/68),
evidencia-se a inversão dessa tendência tradicional,
convertendo a pesquisa em uma de suas atividades
principais. [...] De acordo com os artigos 1.º e 2.º da
Lei n.º 5.540/68, o ensino superior teria por objetivo
a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e
artes, a formação de profissionais de nível universitário, o ensino articulado à pesquisa, ministrado em
universidades e, excepcionalmente, em estabelecimentos isolados, organizados como instituições de
direito público ou privado. O trabalho em tempo integral e de dedicação exclusiva recebeu incentivos
eficazes para fixar os professores-pesquisadores
na universidade (Lei n.º 5.539/68).
Portanto, vislumbra-se, no século XXI, a consolidação da universidade pública como uma instituição
de pesquisa, na qual se prioriza o constante avanço
do conhecimento científico, com a formação de novas gerações de profissionais que dominam o método científico e que, diante dos desafios presentes, buscam soluções para os gargalos de todas as
ordens que atravancam o desenvolvimento humano
em direção a um mundo melhor.
[...] E, nesse sentido, as gestões universitárias que realizarem constantemente ações avaliativas da educação
superior certamente possibilitarão novos redirecionamentos no aprimoramento dos projetos político-institucional e pedagógico dos cursos da universidade pública,
especialmente se oportunizarem a participação de toda
a sua comunidade acadêmica.
É preciso eliminar definitivamente currículos de graduação e programas de pós-graduação ainda desconectados das realidades sociais e, majoritariamente, pautados na fragmentação científica, há tempos criticada.
É imprescindível inicialmente discutir-se a concepção
filosófica do curso, o perfil profissional desejável às
realidades sociais e concomitantemente os conteúdos
pertinentes à formação, considerando-se as especificidades de cada área do conhecimento científico. Urge o
entendimento do significado acadêmico de currículo, o
qual necessariamente diz respeito à concepção de um
determinado curso a ser construído pelos envolvidos
(docentes e alunos) e que deve preceder ao estabelecimento do conjunto de disciplinas.
Ressalta-se que as atividades prioritárias da universidade pública, o ensino, a pesquisa e a extensão universitária,
devem ter como eixo condutor o conhecimento científico
disciplinar e interdisciplinar. E, assim sendo, os projetos
político-institucional e pedagógico são a identidade da
instituição universitária e de cada curso, devendo originar-se de uma construção participativa e colaborativa das
pró-reitorias de ensino de graduação e pós-graduação,
pesquisa e extensão universitária, com a participação co-
Somente com
socialização do
conhecimento
científico podem-se
superar condições
sociais indesejadas
letiva dos docentes e
discentes. [...]
Em suma, entendese que, para a concretização de tais objetivos,
torna-se imprescindível por parte das lideranças universitárias
um planejamento bem
orientado e direcionado no sentido da efetiva consolidação da universidade pública em conformidade com os princípios que realmente
a norteiam como uma instituição de pesquisa. Para tanto,
além de oferecer a seus usuários estruturas e condições
para um desempenho de qualidade excelente de suas atividades, deve constantemente reafirmar em seus discursos a sua principal responsabilidade, ou seja, a ciência.
Enfim, acredita-se que somente com a socialização
do conhecimento científico pode-se construir um novo
saber e a possível superação de determinadas condições sociais indesejáveis. Este, sim, propiciará críticas
e a transformação de uma determinada concepção de
mundo hegemônica que não mais satisfaz.
Dagmar Hunger é professora do Departamento de Educação
Física e vice-diretora da Faculdade de Ciências da Unesp, câmpus de Bauru.
A íntegra deste artigo está no “Debate acadêmico” do Portal
Unesp, no endereço <http://www.unesp.br/aci/debate/160610dagmarhunger.php>.
Graduação: entre a inércia e a pressão por mudança
Edson do Carmo Inforsato
É
de causar espanto a pouca influência que a
escola, de maneira geral, exerce nos modos
de pensar e se exprimir da maioria do alunado brasileiro que dela é egresso, em qualquer nível
em que ela se situe. A minoria que maneja as operações simbólicas com destreza e desenvoltura o
faz a despeito dela e não por causa dela.
Em qualquer verificação sistemática ou espontânea, nota-se que uma gama considerável de jovens
com ensino médio completo se expressa, na escrita e na fala, sem a mínima relação com a cultura
erudita, isso para não mencionar o analfabetismo
quase absoluto nas operações matemáticas e a
ausência de referências às explicações de caráter
científico a respeito de qualquer fenômeno. [...]
Se há essa pouca influência da escolaridade nas
pessoas que portam somente o ensino básico, os
recém-graduados também exibem em seus domínios cognitivos parcas habilidades em operações
simbólicas mais sofisticadas e complexas. De maneira geral, nossas graduações deixam muito a
desejar no que diz respeito à apropriação que os
egressos deveriam portar em relação aos conhecimentos básicos da profissão e mesmo no que diz
respeito aos procedimentos que são exigidos para
as condutas de qualquer profissional iniciante.
[...] Sem dúvida, há uma relação intima entre
formação escolar e nível de desenvolvimento de
um país. E essa formação para ser eficaz tem de o
ser em todos os níveis, da básica à pós-graduação.
Na pós-graduação estamos bem, como todos sabem,
mesmo porque os selecionados são poucos e a sua estrutura formativa é mais centrada na pesquisa, além
de os processos de avaliação externa serem extremamente rigorosos e afeitos aos critérios da produtividade científica.
Já no ensino básico nossos indicadores não são animadores, muito embora não possamos deixar de dar
merecimento à cobertura que ele tem atingido. Quanto
à graduação, sua eficácia ainda está longe de nos deixar
animados. Em primeiro lugar, pela má preparação do
ensino básico e, em segundo, pela estrutura didáticopedagógica que o tem formatado.
Sempre se apontaram o bacharelismo e o ensino
livresco como os traços dominantes do nosso sistema educacional, fruto de uma cultura que não dá o
devido valor para os elementos de formação prática.
Reforçados pelo academicismo que vê a teoria como
uma elaboração perfeita, livre das idas e vindas da
experiência, estabelecendo verdades convertidas
em dogmas, esses traços dominantes sustentaram
currículos e métodos de ensino que não convidam o
aluno a ter iniciativas de estabelecer com os conhecimentos uma relação dinâmica, crítica e realizadora de
projetos autorais.
O aluno de graduação, na maioria dos casos, mantém-se
como mero espectador dos conhecimentos que lhe são
exibidos numa sequência cristalizada em livros textos
ou, pior, em excertos de textos que não primam nem
pelo rigor nem pela tônica motivadora do aprendizado.
Profissional reproduz
conhecimentos e
deixa de criar
soluções para
problemas que a
prática apresenta
Também na maioria
dos cursos o contato
com o campo profissional é precário e,
quando há, sua estruturação é tênue,
faltando acompanhamento dos dois
lados da formação,
da instituição formadora e da agência que oferece a prática profissional.
Uma das consequências geradas por esse sistema
formativo da graduação é que o profissional daí egresso se presta mais a reproduzir o conhecimento do que
a criar soluções para os problemas que a prática apresenta. Portanto, é urgente pensar em graduações com
perfis curriculares e metodologias mais afeitos à necessária preparação cultural, científica e profissional.
Os recursos para isso hoje são infinitos e a legislação
para a montagem dos cursos de graduação é amplamente favorável a uma formação mais condizente
com as necessidades atuais. O obstáculo é a inércia
monumental do meio acadêmico para mudar.
Edson do Carmo Inforsato é professor do Departamento de
Didática da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, câmpus
de Araraquara.
A íntegra deste artigo está no “Debate acadêmico” do
Portal Unesp, no endereço <http://www.unesp.br/aci/debate/150610-edsoncarmoinforsato.php>.
Autorretrato com cabelo cortado, Frida Kahlo
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Sistema produz ciência, mas é lento para atender a demandas