Força central A força eletrostática e a força gravitacional são centrais. Isso quer dizer que quando duas partículas interagem eletrostatica ou gravitacionalmente, a força que uma exerce sobre a outra tem a direção da linha que as liga e só depende da distância entre elas. É um fato decorrente da terceira lei de Newton que a força que a primeira exerce sobre a segunda tem módulo igual e sentido contrário ao da força que a segunda exerce sobre a primeira. Tipicamente, ambas as partículas interagindo sob a ação de uma força central movem-se com acelerações inversamente proporcionais às suas respectivas massas. Aqui, para simplificar a conversa, vou supor que uma das partículas não sofra aceleração apreciável porque tem uma massa muito superior à massa da outra partícula, mesmo que a força que age sobre ela seja igual, em módulo, à força que age sobre a outra. Então, desprezando a aceleração da partícula de massa praticamente infinita, supondo que essa partícula permaneça em repouso na origem do sistema de coordenadas, vou escrever a força sobre a outra partícula, de massa m finita, da seguinte forma: F = F (r) r̂, onde r é o módulo do vetor posição dessa partícula e r̂ é o versor na direção radial. Em termos de coordenadas cartesianas, escrevemos r = xx̂ + yŷ + zẑ, r = p x2 + y 2 + z 2 e r x y z = x̂ + ŷ + ẑ. r r r r r̂ = A primeira observação para o movimento sob força central é que a trajetória da partícula móvel é uma curva plana. Para ver isso, basta calcular o torque com relação à origem: N = r × F = r × [F (r) r̂] = F (r) (r × r̂) = 0, pois r × r̂ = r (r̂ × r̂) = 0. Como dL dt = N = 0, segue que o momentum angular, L, é uma constante de movimento. Logo, L = r0 × p0 , 1 onde r0 e p0 são, respectivamente, o vetor posição e o momentum iniciais da partícula. Escrevendo p0 = mv0 , onde v0 é a velocidade inicial da partícula, também podemos escrever L = mr0 × v0 . Para deixar as coisas ainda mais concretas, vou tomar o eixo x do sistema de coordenadas ao longo do vetor r0 e escolher o eixo z perpendicular ao vetor v0 . Com isso, é óbvio agora que = m |r0 × v0 | ẑ = Lẑ, L onde L = m |r0 × v0 | é independente do tempo. Para um instante qualquer, diferente do instante inicial, podemos escrever L = mr × v = Lẑ e, como m 6= 0, podemos escrever r×v = L ẑ. m Caso L = 0, segue que r × v = 0 e, portanto, r é paralelo ou anti-paralelo a v a todo instante, resultando em um movimento linear. Consideremos agora o caso em que L 6= 0. Em termos de componentes cartesianas, podemos escrever dx dy dy r × v = (xx̂ + yŷ + zẑ) × x̂ + ŷ + ẑ , dt dt dt isto é, r×v = + + dx dt dy (xx̂ × ŷ + yŷ × ŷ + zẑ × ŷ) dt dz (xx̂ × ẑ + yŷ × ẑ + zẑ × ẑ) . dt (xx̂ × x̂ + yŷ × x̂ + zẑ × x̂) Sabemos que x̂ × x̂ = ŷ × ŷ = ẑ × ẑ = 0, 2 x̂ × ŷ = −ŷ × x̂ = ẑ, ŷ × ẑ = −ẑ × ŷ = x̂ e ẑ × x̂ = −x̂ × ẑ = ŷ. Com isso, podemos escrever r×v = r×v = −y (−yẑ + zŷ) dx dy dz + (xẑ − zx̂) + (−xŷ + yx̂) , dt dt dt isto é, dx dx dy dy dz dz ẑ + z ŷ + x ẑ − z x̂ − x ŷ + y x̂, dt dt dt dt dt dt ou seja, r×v = dz dy y −z dt dt dx dz x̂ + z −x dt dt dy dx L ŷ + x −y ẑ = ẑ. dt dt m Logo, y dz dy −z dt dt = 0, z dx dz −x dt dt = 0 e x dy dx −y dt dt L . m = Vamos multiplicar a equação dz dy −z dt dt = 0 dx dz −x dt dt = 0, y por x e a equação z por y. Obtemos: dz dy − xz dt dt = 0 dx dz − yx dt dt = 0. xy e yz 3 Somando membro a membro essas duas equações, dá xy dz dy dx dz − xz + yz − yx dt dt dt dt = 0, isto é, −xz dy dx + yz dt dt = 0, ou seja, colocando z em evidência e multiplicando tudo por −1, temos dy dx x −y z = 0. dt dt Como x dx dy −y dt dt = L , m segue que L z m = 0 e, uma vez que L/m 6= 0, segue que z = 0 em todo instante. Assim, a trajetória de uma partícula sob a ação de uma força central se dá no plano, como já adiantado acima. Como o movimento é plano, podemos adotar um sistema de coordenadas polares no plano xy. Sendo assim, podemos escrever r = x̂r cos θ + ŷrsenθ e dr dt d d (x̂r cos θ + ŷrsenθ) = [r (x̂ cos θ + ŷsenθ)] , dt dt = isto é, dr dt = (x̂ cos θ + ŷsenθ) dr d + r (x̂ cos θ + ŷsenθ) , dt dt ou seja, dr dt = (x̂ cos θ + ŷsenθ) dr dθ + (−x̂senθ + ŷ cos θ) r . dt dt Vamos utilizar a notação seguinte: r̂ = x̂ cos θ + ŷsenθ, 4 θ̂ = −x̂senθ + ŷ cos θ, ṙ = dr dt θ̇ = dθ . dt e Note que dr̂ dt = θ̇θ̂ e dθ̂ dt = −θ̇r̂. Com isso, r = rr̂ e v = dr = ṙr̂ + rθ̇θ̂. dt Logo, a equação r×v = L ẑ m fornece (rr̂) × ṙr̂ + rθ̇θ̂ = L ẑ, m isto é, rṙ (r̂ × r̂) + r2 θ̇ r̂ × θ̂ = L ẑ. m Mas, r̂ × r̂ = 0 e r̂ × θ̂ = (x̂ cos θ + ŷsenθ) × (−x̂senθ + ŷ cos θ) , isto é, r̂ × θ̂ = (x̂ × ŷ) cos2 θ − (ŷ × x̂) sen2 θ = ẑ cos2 θ + sen2 θ = ẑ. 5 Logo, a equação que obtivemos acima, ou seja, rṙ (r̂ × r̂) + r2 θ̇ r̂ × θ̂ = L ẑ, m torna-se L ẑ, m r2 θ̇ẑ = isto é, θ̇ L . mr2 = Você vê como o fato de o momentum angular ser constante ajuda? Agora, além de sabermos que o movimento é no plano, temos também como encontrar uma das variáveis, θ, se soubermos r = r (t) . Basta, depois de termos encontrado r = r (t) , fazermos uma integração: ˆ θ (t) t = θ (0) + ds 0 L 2. m [r (s)] Como encontramos r = r (t)? É simples: basta notarmos que há mais uma constante de movimento, que é a energia total, E : E = T +U = 1 2 m |v| + U. 2 Como, em coordenadas polares, v = dr = ṙr̂ + rθ̇θ̂, dt segue que 2 |v| = v · v = ṙr̂ + rθ̇θ̂ · ṙr̂ + rθ̇θ̂ = ṙ2 + r2 θ̇2 . Além disso, como ˆ rB F · dr = U (rA ) − U (rB ) rA e como F é uma força central, segue que ˆ rB ˆ F · dr = rA rB F (r) r̂ · dr. rA Mas, dr = d (rr̂) = r̂dr + rdr̂ 6 e dr̂ = dr̂ dθ dt = θ̂ θ̇dt = θ̂ dt = θ̂dθ. dt dt Assim, dr e ˆ ˆ rB F · dr rA = r̂dr + θ̂rdθ ˆ rB rB ˆ rB F (r) dr. rA rA rA F (r) r̂ · r̂dr + θ̂rdθ = F (r) r̂ · dr = = Veja que o integrando só depende do módulo de r e, portanto, podemos escrever essa integral assim: ˆ ˆ rB F · dr |rB | = F (r) dr. |rA | rA Logo, ˆ U (rA ) − U (rB ) |rB | = F (r) dr, |rA | para quaisquer pontos A e B. Podemos tomar o ponto A como uma referência para a energia potencial e escolher U (rA ) = 0. Como B é um ponto qualquer, seja r = rB e, portanto, |rB | = |r| = r. Com essas providências, podemos escrever a equação para U (rA ) − U (rB ) de uma forma mais compacta: ˆ r 0 − U (r) = F (s) ds, rA isto é, ˆ U (r) = r − F (s) ds, rA onde defini rA = |rA | para simplificar ainda mais a notação. Com tudo isso em mãos, agora podemos escrever ˆ r 1 1 1 2 E = m |v| + U (r) = mṙ2 + mr2 θ̇2 − F (s) ds. 2 2 2 rA Note que U (r) só depende do módulo de r. Então, para abreviar a expressão da energia total, vou definir a função V (r) como sendo U (r) : ˆ r V (r) = U (r) = − F (s) ds. rA 7 Portanto, E = 1 2 1 2 2 mṙ + mr θ̇ + V (r) . 2 2 Como já determinamos que θ̇ L , mr2 = segue que E = 1 2 1 2 mṙ + mr 2 2 E = L mr2 2 + V (r) , isto é, 1 2 L2 mṙ + + V (r) . 2 2mr2 Para valores fixos da energia total, E, e da magnitude do momentum angular, L, podemos isolar ṙ : s L2 2 ṙ = E− − V (r) . m 2mr2 Como ṙ = dr , dt é possível encontrar r como uma função do tempo resolvendo uma integral: s dr 2 L2 = E− − V (r) , dt m 2mr2 isto é, r dr q E− = L2 2mr 2 − V (r) 2 dt, m ou seja, ˆ r r0 r ds q E− L2 2ms2 = t − V (s) 2 , m onde r0 é o módulo do vetor posição da partícula calculado no instante inicial t = 0. 8 Segunda lei de Newton em coordenadas polares Como já sabemos que v = dr = ṙr̂ + rθ̇θ̂, dt basta derivar mais uma vez essa equação para termos a aceleração em coordenadas polares: a = d d2 r = ṙr̂ + rθ̇θ̂ , 2 dt dt isto é, dr̂ dθ̂ + ṙθ̇θ̂ + rθ̈θ̂ + rθ̇ , dt dt a = r̈r̂ + ṙ a = r̈r̂ + ṙθ̇θ̂ + ṙθ̇θ̂ + rθ̈θ̂ − rθ̇2 r̂, ou seja, ou ainda, a = r̈ − rθ̇2 r̂ + 2ṙθ̇ + rθ̈ θ̂. Mas, pela segunda lei de Newton, F = ma = m r̈ − rθ̇2 r̂ + m 2ṙθ̇ + rθ̈ θ̂ e, como a força é central, m r̈ − rθ̇2 r̂ + m 2ṙθ̇ + rθ̈ θ̂ = F (r) r̂. Logo, 2ṙθ̇ + rθ̈ = 0 e m r̈ − rθ̇2 = F (r) . O fato de que 2ṙθ̇ + rθ̈ = 0 não surpreende, já que o momentum angular é conservado, pois, como vimos, r×v = 9 L ẑ m e, portanto, L ẑ, m rr̂ × ṙr̂ + rθ̇θ̂ = isto é, r2 θ̇ r̂ × θ̂ = L ẑ, m ou seja, r2 θ̇ẑ = L ẑ. m Então, r2 θ̇ = L , m cuja derivada temporal de ambos os membros resulta em d 2 r θ̇ dt = 0, isto é, 2rṙθ̇ + r2 θ̈ = 0, ou seja, r 2ṙθ̇ + rθ̈ = 0, ou ainda, para r 6= 0, 2ṙθ̇ + rθ̈ = 0, de acordo com a segunda lei de Newton acima. Agora consideremos a equação m r̈ − rθ̇2 = F (r) . Usando θ̇ L , mr2 = temos mr̈ − mr L2 m2 r4 10 = F (r) , isto é, mr̈ = F (r) + L2 . mr3 Logo, obtivemos um problema unidimensional. Tudo se passa como se uma partícula de massa m se movesse ao longo de uma linha sob a ação de uma força efetiva L2 . F (r) + mr3 Uma energia potencial efetiva para essa força pode ser escrita como V (r) = V (r) + L2 , 2mr2 pois, como ˆ r = − V (r) F (s) ds, rA segue que a força efetiva acima decorre do gradiente do potencial efetivo V (r) : − dV (r) dr = F (r) + L2 . mr3 O segundo termo do membro direito dessa equação, L2 , mr3 é a força centrífuga associada ao movimento no referencial da partícula. É por isso que o termo L2 2mr2 é chamado de potencial centrífugo. Mas essas coisas você vai estudar em uma postagem futura. Resolução da equação de movimento radial Para resolver a equação de movimento radial, mr̈ = F (r) + L2 , mr3 o truque é usar a substituição de variável: r 1 . u = Então, ṙ = − 11 1 u̇ u2 e r̈ 1 2 2 u̇ − 2 ü. u3 u = Assim, mr̈ 2m 2 m u̇ − 2 ü u3 u = e L2 F (r) + mr3 = 1 L2 u3 F + . u m 2m 2 m u̇ − 2 ü = u3 u 1 L2 u3 F + u m Portanto, Além disso, ao invés de parametrizar o problema em termos do tempo t, vamos parametrizar em termos do ângulo polar θ. Então, du du dθ du L du Lu2 du = = θ̇ = = . 2 dt dθ dt dθ mr dθ m dθ u̇ = Também, du̇ d = θ̇ dt dθ ü = Lu2 du m dθ = Lu2 d m dθ Lu2 du m dθ , isto é, Lu2 m ü = " 2Lu m du dθ 2 # 2 Lu2 d2 u 2L2 u3 du L2 u4 d2 u + = + . m dθ2 m2 dθ m2 dθ2 Substituindo essas expressões para u̇ e ü na equação de movimento, 2m 2 m 1 L2 u3 u̇ − ü = F + , 3 2 u u u m dá 2m L2 u4 u3 m2 du dθ 2 m 2L2 u3 − 2 u m2 du dθ 2 m L2 u4 d2 u − 2 u m2 dθ2 = 1 L2 u3 F + , u m isto é, 2L2 u m du dθ 2 − 2L2 u m du dθ 2 − L2 u2 d2 u m dθ2 12 = F 1 L2 u3 + , u m ou seja, − L2 u2 d2 u m dθ2 = F 1 L2 u3 + , u m ou ainda, d2 u dθ2 = m −u − 2 2 F L u 1 . u Veja que quando a força for inversamente proporcional ao quadrado da distância, como a força gravitacional ou eletrostática, teremos F (r) = K , r2 isto é, F 1 = u Ku2 e, portanto, a equação de movimento fica d2 u dθ2 = −u − mK , L2 que é praticamente uma equação do oscilador harmônico e, portanto, muito fácil de resolver. Mas esse é assunto para outra postagem. 13