Antropologia Geral e Jurídica Professor Flávio de Oliveira FAI - 2012 INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA A cultura jurídica do Estado Brasileiro, desde sua formação, sempre foi monolítica e excludente, pouco comprometida com a diversidade cultural do país. Entretanto, a realidade do DIREITO transborda para além do jurídico estatal, a despeito de sua pretensa primasia O esforço da Antropologia Jurídica é identificar e fortalecer o pluralismo jurídico INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA O que é ANTROPOLOGIA? Etmologia: Anthropos (Homem) + Logia (Estudo) “Ciência cuja finalidade é descrever o ser humano e analisá-lo com base nas características biológicas e socioculturais dos diversos grupos (povos, etnias etc), dando ênfase às diferenças e variações entre eles”. “A resposta para conhecermos o que somos a partir do espelho fornecido pelo outro” Thaís Colaço INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA Surgimento: • Grandes Navegações (globalização) • Século XIX – problemática do “progresso” e “evolução social” Matriz epistemológica: • Positivismo • Evolucionismo INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA Positivismo (fr. positivisme) Sistema filosófico formulado por Augusto Comte tendo como núcleo sua teoria dos três estados, segundo a qual o espírito humano, ou seja. a sociedade, a cultura, passa por três etapas: a teológica, a metafísica e a positiva. As chamadas ciências positivas surgem apenas quando a humanidade atinge a terceira etapa, sua maioridade, rompendo com as anteriores (romantização da ciência). INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA EVOLUCIONISMO - Para Charles Darwin (1809-1882). célebre por ter criado a teoria segundo a qual "a luta pela vida e a seleção natural são consideradas como os mecanismos essenciais da evolução dos seres vivos", é a idéia de seleção natural que se encontra no cerne da questão da evolução: os organismos vivos formam populações denominadas espécies e apresentam "variações": graças a essas variações, certos indivíduos são melhor "adaptados" a seu meio e engendram uma descendência mais numerosa. A seleção natural designa o conjunto dos mecanismos que fazem a triagem dos melhores indivíduos: assim, graças à "luta pela vida", as populações evoluem lentamente, isto é. se transformam e se diversificam produzindo formas cada vez mais complexas. INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA Até o século XIX, o objetivo do contato com outras civilizações, ou seja, as raízes do pensamento antropológico era melhor conhecer para melhor controlar. Quem viajava: missionários, militares, administradores coloniais. Poucas vezes o cientista deixava o conforto de seu país. INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA Antropologia como ciência moderna, disciplina universitária e profissão surgiu no começo do século XX, sendo precursores o judeu-alemão Franz Boas com formação em Física e o polonês Bronislaw Malinowski, com formação em Matemática. INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA Franz Boas contestou o evolucionismo e fundou a escola difusionista (as transformações da humanidade decorrem do contato entre os grupos e difusão de seus elementos culturais). Malinowski combateu o evolucionismo com o relativismo cultural (uma cultura não pode ser pensada em termos hierárquicos e evolucionista), e foi o primeiro a realizar o trabalho de campo através da observação participante (contato direto com o objeto de estudo). Propõe que a antropologia seja a ciência da alteridade, que estuda a lógica própria de cada cultura. INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA TEMAS: ANTROPOLOGIA CONTEMPORÂNEA: Alargou o seu objeto de estudo para além do estudo do exótico, distante, intocável ou primitivo. Hoje seu objeto de estudo está dentro das nossas sociedades. Mundo urbano Conflitos sociais Cultura do cosumo Alienação SuburbioPeriferia Favelas, etc ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA O homem não pode ser visto perspectivamente de um ou outro ângulo, exatamente porque nenhum ângulo ou parte exprime a totalidade do homem. O homem apresenta dimensão: Somática Psíquica Racional Individual Social Técnica Política Sapiencial Econômica Erótica Estética Ética ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA “só pode ser considerada como antropológica uma abordagem integrativa que objetive levar em consideração as múltiplas dimensões do ser humano em sociedade. [..] uma das maiores vocações de nossa abordagem (antropológica) consiste em não parcelar o homem...” Laplantine (2007) ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA 1. O homem como ser material e natural O homem é simultaneamente cósmico e terrestre (Edgard Moran). O homem é ser corpóreo, matéria viva, complexamente organizada que pelo seu corpo presentifica-se no mundo. (Lima Vaz) A organização corporal é que condiciona a produção de meios para sua subsistência, e assim o homem distancia-se dos animais. (Marx) ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA 2. O homem como ser racional A história universal é apenas a manifestação da Razão e, assim, tudo que é racional é real e tudo o que é real é racional. A razão subjetiva é a razão objetiva que atingiu a consciência de si. (Hegel) A razão jamais dirigiu verdadeiramente a realidade social, mas hoje está tão completamente expurgada de quaisquer tendências ou preferências específicas que renunciou, por fim, até mesmo à tarefa de julgar as ações e o modo de vida do homem. (Horkheimer) ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA 2. O homem como ser racional Habermas propõe a razão comunicativa (racionalidade discursiva) onde cada pessoa torna-se protagonista da construção histórica de uma sociedade emancipada: justa, fraterna, livre e democrática. ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA 3. O homem como ser sociopolítico O homem é essencialmente sociável. Sozinho não pode vir a este mundo, não pode crescer, não pode educar-se; sozinho não pode nem mesmo satisfazer suas necessidades mais elementares nem realizar as suas aspirações mais elevadas; ele pode obter tudo isso apenas em companhia dos outros (MONDIM, 1980) ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA 3. O homem como ser sociopolítico O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nascem a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinais. (Bertolt Brecht) ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA 4. O homem como ser ético-moral A característica específica do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais. (Aristóteles) ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA 5. O homem como ser estético Toda arte é condicionada pelo seu tempo e representa a humanidade [...] e as esperanças de uma situação histórica particular. [...] Mas ao mesmo tempo, a arte [...] cria também um momento de humanidade que promete constância no desenvolvimento. (Ernst Fischer) ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA 6. O homem como ser religioso e transcendente Não se tem notícia de cultura alguma que não tenha produzido religião de uma forma ou de outra. (Rubem Alves) A partir do início da modernidade, [...] ele, o homem, excluiu sistematicamente Deus da política, da ciência, da arte, moral, direito e um pouco também das manifestações da vida social, limitando a religião quando muito à esfera particular. Lançou-se ao mesmo tempo a descoberta e a conquista do mundo através da ciência e da técnica (Mondim, 1986). ANTROPOLOGIA JURÍDICA Objetivo da Antropologia Jurídica: Demonstrar o dogmatismo existente na chamada Ciência Jurídica Promover a descontrução do saber jurídico tão especializado que impede que se veja o homem em si mesmo Desmistificar e desalienar o mundo jurídico, possibilitando a compreensão mais teleológica e relacional, capaz de refletir sobre formas petrificadas do saber humano e construir em seu lugar um olhar que aponta mais para a plasticidade da condição do homem. ANTROPOLOGIA JURÍDICA Questionar a base da racionalidade do normativa do homem industrial moderno, de forma tal que a relação entre homem, sociedade e lei seja repensada e precursora de um pensamento mais genuinamente humano, menos tecnológica e mecanicamente elaborado, menos especializado, menos científico e mais valorativo. ANTROPOLOGIA JURÍDICA Propõe a volta a um saber humano na busca de justiça social efetiva, e que tal só pode ser possivel no resgate de dimensões outras, no estudo do homem como ser total e diverso. Espera resgatar a verdadeira função jurídica – a paz e a felicidade dos homens – só possível, no entanto, pelo respeito e tolerância a toda a diversidade cultural, étnica, racial, religiosa, política, econômica e demais possibilidades de diferença entre os homens. ANTROPOLOGIA JURÍDICA Questões fundamentais ao saber jurídico que a Antropologia empresta contribuição: 1. É fundamental à sobrevivência humana, coletivamente tomada, a existência de leis elaboradas a partir de uma lógica formal jurídica? ANTROPOLOGIA JURÍDICA 2. É imprescindível, para a vida social do homem, a existência de um poder terceiro, maior, como o Estado? 3. O que é exatamente o poder na sociedade humana, qual a sua origem e qual a sua utilidade, e pode-se falar de um sentido único e universal para tal relação? ANTROPOLOGIA JURÍDICA 4. A regulação e a emancipação são elementos de normatividade e desobediência existentes em todas as sociedades humanas e se verificam, como fenômenos, de forma idêntica? 5. Quais os tipos de instituições de controle social e que formas estas assumem nas sociedades humanas em seu papel normativo e punitivo? ANTROPOLOGIA JURÍDICA 6. Qual a relação entre formas de julgar e punir e a efetiva e eficiente administração pública das condutas indesejáveis? 7.Como a condição humana sente e estabelece suas variadas estratégias de sobrevência a partir da dicotomia entre público e privado, inclusive no caso brasileiro? ANTROPOLOGIA JURÍDICA 8. Qual o papel da magia e da religião nas possibilidades de dominação e exploração da natureza – quando esta parece sufocar e revoltar-se contra nós -, e dos homens – quando as formas de banalização da vida humana parecem ter chegado a formas extremas de brutalidade e criatividade? ANTROPOLOGIA JURÍDICA 9. Para que servem as formas de especialização do saber, incluido o saber profissional do julgar e punir? ANTROPOLOGIA JURÍDICA A ideia de evolução ainda está presente no ensino e reflexão jurídicos. Por isto está incorporado no Direito o ETNOCENTRISMO e a HIERARQUIZAÇÃO DAS CULTURAS, proposta pela teoria evolucionista no século XVX. Isto tem levado o Direito a ter dificuldades em lidar com a diversidade cultural existente num pais como o Brasil. ANTROPOLOGIA JURÍDICA A aproximação entre o Direito e a Antropologia é salutar pois as contribuições da ciência antropológica à reflexão jurídica se farão sentir na capacidade do Direito enfrentar problemas derivados das características particulares da sociedade contemporânea. ANTROPOLOGIA JURÍDICA Principais escolas antropológicas 1. Escola Evolucionista • Principal teórico – Lewis Henry Morgan (1818-1881) • Homo-sapiens se espalhe por todos os continentes a partir da África. • No século XIX o movimento imperialista diminui seu ímpeto ANTROPOLOGIA JURÍDICA • A Antropologia (já como ciência) se volta para o estudo das comunidades exóticas das colônias (entender o diferente, para melhor entender a si próprio) • Tende a ver o homem moderno como continuidade desses povos considerados mais atrasados. ANTROPOLOGIA JURÍDICA • A Escola Evolucionista é influenciada pelas descobertas de outras ciências como a Biologia. • As teses de Charles Darwin (1809-1882) influenciaram as ciências sociais do seu tempo: adaptação / sobrevivência do mais forte / sucessivas transformações biológicas das espécies / transmissão da herança genética. ANTROPOLOGIA JURÍDICA As teses evolucionistas agradaram ao homem europeu, que se via como topo da escala da evolução. As comunidades diferentes eram passiveis de serem dominadas e exploradas. Estas comunidades poderiam também evoluir se quisessem, para chegar ao nosso estágio. ANTROPOLOGIA JURÍDICA • A escola evolucionista defende a ideia de que, em certas condições de convívio com a natureza, os grupos humanos se desenvolvem mais ou menos rapidamente em uma mesma direção, do mais simples para o mais complexo, do inferior para o superior, do atrasado para o desenvolvido. • Esta direção será sempre determinada pelas tecnologias que conseguem desenvolver. ANTROPOLOGIA JURÍDICA 2. ESCOLA FUNCIONALISTA Principal teórico – Bronislaw Malinowsky (1884-1942) • Diferença não é sinônimo de inferioridade, nem de atraso tecnológico; • Nem todas as sociedades possuem organização social simples. ANTROPOLOGIA JURÍDICA Esta escola defende a predominância da cultura sobre a economia e a política A funcionalidade das instituições sociais estão acima das opções de produção material e sobrevivência Malinowsky se preocupou com a relação biológica de parentesco. ANTROPOLOGIA JURÍDICA Radcliffe Brown, defendeu uma visão mais sociológica (relações sociais formam sistemas interdependentes). O cientista precisa entender as funções das instituições culturais de cada povo. São elas que revelam os valores que constituem aquela cultura e que vão refletir em suas estratégias de vida e sobrevivência material. (alguns grupos não tiveram interesse no desenvolvimento econômico e tecnológico). ANTROPOLOGIA JURÍDICA Ponto positivo: reformulou a tese evolucionista do desenvolvimento linear sociobiológico, desobrigando a sociedade de avançar. Cada grupo humano estabelece funções diferentes para suas instituições culturais Crítica: Não se pode partir do imaginário valorativo de uma comunidade sem que se entenda as relações desse imaginário com as contradições internas dessa comunidade (que possui litígios e delitos) ANTROPOLOGIA JURÍDICA 3. ESCOLA ESTRUTURALISTA Principal teórico – Claude Lévi-Strauss (1908-2009) Para ele, as funções de certas instituições culturais não revelam, por si mesmas, as combinações e os sistemas decorrentes da organização específica dos grupos. Deve ser considerado o conjunto de relações sociais específicas de uma organização (ESTRUTURA) ANTROPOLOGIA JURÍDICA O que o observador vê de imediato é apenas a superficialidade. Mas existe uma estrutura de relações e afinidades que compõem um sistema de organização social. ANTROPOLOGIA JURÍDICA Relação de parentesco religiosidade produção material Estrutura de uma ordenação mental coletiva ANTROPOLOGIA JURÍDICA Princípios metodológicos da Escola Estruturalista 1. Toda estrutura é um conjunto determinado de relações, ligadas umas às outras segunda leis internas que apresentam transformações constantes. ANTROPOLOGIA JURÍDICA Princípios metodológicos da Escola Estruturalista 2. Toda estrutura combina elementos específicos que a compõem e por este motivo, é impossível “reduzir” uma estrutura a outra ou “deduzir” uma estrutura de outra. ANTROPOLOGIA JURÍDICA Princípios metodológicos da Escola Estruturalista 3. Estruturas se unem formando sistemas sociais complexos (parentesco + magia e liderança + produção), através de leis de compatibilidade, mas que não têm uma origem única e definida. ANTROPOLOGIA JURÍDICA Princípios metodológicos da Escola Estruturalista Estes princípios estruturais explicam o dinamismo e múltipla determinação no desenvolvimento dos grupos humanos. ANTROPOLOGIA JURÍDICA 4. ESCOLA ESTRUTURALISTA MARXISTA Principal teórico – Maurice Godelier (1934 -) Desenvolveu o materialismo histórico de Marx: A ciência deve procurar entender as estruturas subjacentes aos fenômenos observáveis (funções das instituições sociais e manifestações culturais) ANTROPOLOGIA JURÍDICA Estrutura social não é único principio basilar da existência da sociedade, mas também as relações reais e concretas de produção A estrutura é o fundamento das superestruturas sociais que organizam a sobrevivência do grupo (religião, cultura e política). Conflitos estruturais entre forças produtivas e relações de produção podem desencadear rupturas profundas na superestrutura (revolução) ANTROPOLOGIA JURÍDICA Sugestões à reflexão atual da Antropologia Jurídica 1. Hoje o Direito está aprisionado em um conjunto de normas estatais (impostas pelo Estado). Muitas dessas leis paralisam o progresso pelo cinismo, hipocrisia e disfarces em geral. São leis que surgiram dos anseios da classe dominante, representam a dominação ilegítima e moram no necrotério da dogmática. ANTROPOLOGIA JURÍDICA 2. A visão dialética precisa alargar a face do Direito abrangendo as pressões coletivas que emergem da sociedade. Nossas leis precisam indicar princípios e normas libertadoras que venham a nos transportar à melhores conquistas. Leis que contemplem os avanços das lutas sociais e sejam transformadas em opção jurídica indeclinável. ANTROPOLOGIA JURÍDICA 3. Que os legisladores facilitem a promoção do equilíbrio, distribuição de renda, participação popular, direitos das maiorias excluidas, ou então se tornarão os administradores das desigualdades pela lógica do favor. ANTROPOLOGIA JURÍDICA 4. Que os operadores do Direito sejam eticamente capazes de postular o novo. Que se alimentem de uma esperança crítica e façam uma profissão de fé nesta utopia. Que lutem pela ética do bem comum sem prejuízo da coletividade. Que tenham como meta a humanização crescente e progressiva do Direito. Que propugnem pela defesa da moral em suas relações, mas, não a moral ascética que renuncia a vida pública ou a auto reclusão, que foge do confronto.