Departamento de Microbiologia
Instituto de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Minas Gerais
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Microbiologia da Água
Introdução
O ambiente aquático, em termos de tamanho físico, é o maior do planeta. Esse recurso natural
ocupa 75% da superfície terrestre e o volume de água existente na Terra corresponde à
1,36x1018 m³, sendo que deste total 97% correspondem à água do mar, 2,2% a geleiras e apenas
0,8% à água doce, e 97% da água doce existente no planeta é subterrânea (Figuras 1 e 2). A água é
um recurso natural fundamental para a sobrevivência de todos os seres vivos (animais, vegetais e
seres humanos) e para o equilíbrio do planeta, como um todo.
Figura 1: Representação da distribuição do volume
total de água existente na Terra.
Figura 2: Representação da distribuição de água doce
na Terra.
Propriedades fundamentais da água
- Polaridade
É uma molécula polar, uma vez que sua estrutura forma um dipolo induzido. Além disso, é
considerada o solvente universal e meio ecológico, pois é na água que os seres vivos encontram os
nutrientes para a sua sobrevivência.
- Pontes de hidrogênio
Graças às pontes de hidrogênio entre as moléculas de água, ela se encontra no estado líquido
à temperatura ambiente, caso não houvesse este tipo de ligação a água evaporaria a -80°C,
inviabilizando a vida no planeta.
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Grande capacidade calorífica
As propriedades de alto calor específico e alto calor latente de fusão fazem deste recurso um grande
regulador do ambiente, evitando grandes variações de temperatura na Terra.
Densidade máxima à -4°C
Esta propriedade é de fundamental importância a comunidades aquáticas, principalmente nas
regiões mais frias do planeta. O gelo flutua sobre a água líquida, funcionando como um anteparo
protetor, e dessa forma somente a superfície aquática se congela.
3. Impurezas da água
A água nunca se encontra pura na natureza. Existem diversos componentes que alteram o seu grau
de pureza, e estes podem ser retratados de uma maneira ampla e simplificada, em termos das suas
características físicas, químicas e biológicas. Tais impurezas podem ter origem natural no ciclo hidrológico (precipitação, infiltração, escoamento) ou provir de fontes antrópicas (efluentes domésticos e industriais, chorume, atividades agropecuárias).
- Características físicas: associadas aos gases e sólidos presentes na água, estes podem ser
suspensos, coloidais ou dissolvidos.
- Características químicas: classificadas em substâncias de natureza orgânica e inorgânica.
- Características biológicas: referem-se à presença de seres vivos na água, destacando-se os
microrganismos.
4. A diversidade microbiana no meio aquático
Os principais fatores que controlam as comunidades microbianas no ambiente aquático são mistura e movimento de nutrientes, intensidade de luz, oxigênio dissolvido, produtos do metabolismo
(excreção), além do grau e tipo de poluição. A relação entre todos esses fatores cria nichos exclusivos para microrganismos especializados. Assim, um ambiente com muita matéria orgânica e
pouco oxigênio dissolvido cria condições favoráveis para a predominância de bactérias anaeróbias,
enquanto que ambientes rasos (alta intensidade de luz) e com abundância de nutrientes (ambiente
eutrófico) favorecem a proliferação de organismos fotossintéticos, como algas e cianobactérias.
Microbiologia de água doce
Em determinadas épocas do ano, as águas paradas (lagoas e lagos) apresentam uma clara
distinção entre as temperaturas das camadas superficiais e profundas, fenômeno conhecido
como estratificação térmica. Isso ocorre devido ao aquecimento da camada superior, denominada
epilímnio, pela radiação solar, tornando-a menos densa que a camada inferior, chamada de
hipolímnio. Essa diferença de densidade gera uma grande estabilidade e, dessa forma, não há
mistura entre as águas das camadas superiores e inferiores. O nome da camada intermediária
é metalímnio. As diferenças na penetração de luz e concentração de oxigênio geram profundas
transformações nas características físicas, químicas e biológicas, que podem ser, resumidamente,
descritas a seguir:
- Zona epilímnica: camada superior, mais quente, menos densa, com maior circulação de
nutrientes. Elevada atividade fotossintética, altas concentrações de oxigênio dissolvido e, normalmente, baixas concentrações de nutrientes. Exemplos de microrganismos presentes: algas, Pseudomonas, Caulobacter, Hyphomicrobium. Esta zona pode ser dividida em zona litorânea (próximas
às margens e com vegetação presente, maiores níveis de nutrientes e diversos microrganismos) e,
zona limnética (aberta e longe da costa).
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- Zona profunda ou hipolímnica: camada inferior, mais fria, mais densa, com maior estagnação. Baixas concentrações de oxigênio dissolvido (ambiente redutor). A alta atividade respiratória
eleva os níveis de dióxido de carbono, o que contribui para o abaixamento do pH. Exemplos de
microrganismos presentes: bactérias sulfurosas, púrpuras e verdes.
- Zona bêntica ou hipolímnica: é a zona de sedimentação, fundo de lagos. A concentração de
matéria orgânica é alta e as taxas de decomposição também. Como praticamente não há oxigênio
dissolvido, predominam seres anaeróbios. Exemplos de microrganismos presentes: Desulfuvibrio,
Clostridium, bactérias metanogênicas.
Nas estações mais frias, as águas superficiais resfriam-se e a sua densidade tende a aumentar. Com
isso, pode haver o completo revolvimento do lago, misturando as águas do hipolímnio e epilímnio.
A reintrodução de gases e compostos orgânicos e inorgânicos reduzidos do hipolímnio na coluna
d’água pode causar a degradação do lago.
Fig. 1: Zonas que compõem uma lagoa e alguns microrganismos.
Os nutrientes nos ambientes aquáticos
Usualmente os ambientes aquáticos podem ser classificados quanto ao seu grau de trofismo, que se refere ao estado nutricional e à atividade biológica que ocorre como resultado dos níveis nutricionais. Os
principais estados tróficos de um manancial são:
- Oligotrófico: lagos claros e com baixa produtividade. Elevado teor de oxigênio dissolvido.
- Mesotrófico: lagos com produtividade intermediária.
- Eutrófico: lagos com elevada produtividade, em comparação com o nível natural básico. Baixos
níveis de oxigênio dissolvido no fundo.
Em lagos oligotróficos, a variação sazonal do perfil de oxigênio dissolvido depende apenas da temperatura, enquanto que nos lagos eutróficos, está relacionada com a carga de matéria orgânica.
Eutrofização e o loop microbiano
A composição da água em nutrientes afeta a razão C:N:P (carbono: nitrogênio: fósforo) das células (Razão
de Redfield). A razão ótima para o crescimento de organismos fotoautotróficos –
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em ambientes aquáticos são representados principalmente pelo fitoplâncton – é 106C:16N:1P. A
atividade fotossintética realizada principalmente pelo fitoplâncton é a principal fonte de matéria
orgânica nas superfícies iluminadas e as cianobactérias podem representar até 80% da biomassa
do fitoplâncton.
O nitrogênio e o fósforo são os principais nutrientes de interesse para o estabelecimento do grau
de eutrofização de um corpo d’água, por normalmente limitarem o crescimento de algas e bactérias fotossintetizantes. Com a elevação do nutriente limitante, o crescimento populacional também
aumenta. A maioria dos lagos tropicais da América Latina é limitada pelo fósforo. Além disso, há
organismos com capacidade de fixar o nitrogênio atmosférico (cianobactérias) e, portanto, o controle do aporte de nitrogênio não reduz o crescimento destes organismos. A eutrofização (excesso
de nutrientes, principalmente o fósforo, seguido do nitrogênio) de um corpo d’água causa diversos
impactos sobre o ecossistema, a qualidade da água e também sobre a utilização dos recursos hídricos. O processo de eutrofização pode ser compreendido como representado no fluxograma abaixo:
•A elevação na concentração de nutrientes causa o fenômeno de floração das algas e aumento de
biomassa da vegetação aquática.
•Conseqüentemente, haverá menor penetração de luz e morte de algas das camadas intermediárias.
•Embora a atividade fotossintética eleve a concentração de oxigênio dissolvido (OD) na camada
superior, uma grande parte da matéria orgânica sintetizada é liberada na forma de matéria orgânica
dissolvida.
•A proliferação, seguida da morte, dos decompositores, protozoários e metazoários (zooplâncton) e
organismos fotoautotróficos eleva ainda mais os teores de matéria orgânica a ser decomposta nas
camadas intermediárias e mais profundas.
•Essa matéria orgânica provoca um grande aumento na demanda bioquímica de oxigênio (DBO)
devido à intensa atividade de decomposição
•Com o agravamento do processo, a concentração de OD pode atingir níveis tão baixos e inviabilizar a
vida aeróbia, havendo oxigênio disponível apenas em uma estreita camada superficial, totalmente
tomada pelas algas.
•Predominam bactérias anaeróbias e facultativas no fundo do lago e, portanto, a matéria orgânica é
decomposta anaerobicamente.
•A decomposição em ambos os estágios libera os nutrientes mineralizados de volta ao fitoplâncton
causando o loop microbiano.
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As águas eutrofizadas, além de requererem maiores custos para o tratamento, muitas vezes são
rejeitadas para o abastecimento humano e animal em razão da presença de secreções tóxicas de
cianobactérias – as cianotoxinas.
Fig. 2: Esquema simplificado do loop microbiano. Uma grande parte da matéria orgânica (OM) sintetizada durante a fotossíntese pelo fitoplâncton é liberada como matéria orgânica dissolvida (DOM) e esta é usada pelas bactérias tornando-se
POM. Parte das bactérias é consumida pelo zooplâncton; após digestão os nutrientes das bactérias e protozoários são
mineralizados e voltam ao fitoplâncton (loop).
Rios e ribeiros
A existência de corrente afeta de maneira dramática a composição microbiana nos rios. A maior parte dos microrganismos encontra-se aderido às superfícies expostas. Apenas nos rios grandes (coluna
de água profunda e corrente lenta) existem microrganismos em suspensão.
Fontes de nutrientes
- Produção interna (autóctone): microrganismos fotossintéticos aquáticos sintetizam matéria orgânica utilizando como fonte de carbono matéria inorgânica e a luz como fonte de energia.
- Fonte externa (alóctone): nutrientes minerais e matéria orgânica provenientes das encostas dos rios e zona ripícola ou de atividades humanas (poluição difusa: fertilizantes agrícolas e poluição pontual: lançamento de esgotos não tratados).
Os rios possuem uma enorme capacidade de processar a matéria orgânica e, normalmente, a quantidade de matéria orgânica que entra no sistema não excede a sua capacidade de oxidá-la a ponto
de causar deterioração dos cursos d’água. No entanto, sob condições de extrema poluição, os rios
também podem tornar-se anaeróbios. Para evitar tal tipo de deterioração, a legislação brasileira
prevê que o lançamento de esgotos domésticos e industriais em corpos d’água deve atender aos padrões de lançamento de efluentes e aos padrões do corpo receptor, de modo que as concentrações
mínimas de oxigênio não sejam desobedecidas. Modelos matemáticos são utilizados para prever as
alterações na comunidade microbiana e na concentração de oxigênio (curva Sag de OD), em razão
da carga de matéria orgânica lançada em determinado corpo d’água.
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Fig. 3: Representação da Curva Sag do Oxigênio Dissolvido.
Microbiologia de Água Marinha
Em ambientes marinhos há enorme abundância de ultramicrobactérias/nanobactérias (<0,2μm).
Podem atingir 10¹²-10¹³células/mL, como por exemplo, Sphingomonas sp. Há bactérias quitinolíticas,
que são fundamentais para os ecossistemas marinhos, pois produzem uma enzima conhecida como
quitinase, por meio da qual exercem um papel importante no processo de degradação da quitina,
principal constituinte do exoesqueleto dos artrópodes e moluscos.
Nesses ambientes a pressão aumenta em 1atm a cada 10m de profundidade, atingindo 1100atm
nas zonas mais profundas (11000m) e, assim sendo, os microrganismos que se encontram em várias
profundidades tem especializações diferentes para diferentes pressões e são classificados como:
- Barotolerantes: podem crescer entre 0-400atm.
- Barofílicos moderados: ótimo crescimento a 400-600atm, mas podem crescer a 1atm.
- Barofílicos extremos: apenas crescem a pressões >400-600atm.
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Fig. 4: Representação das zonas de crescimento de microorganismos de acordo com a pressão exercida pela coluna d’água.
Ciclo dos nutrientes nos oceanos
Os microrganismos são a base da cadeia alimentar marinha e têm impactos em todo o planeta ao
absorverem CO2 e produzirem O2. A maior parte da reciclagem de nutrientes ocorre até aos 300m
de profundidade. Assim como em ambientes de água doce, o fitoplâncton cresce nas camadas superiores, iluminadas, e estes organismos ou são consumidos por macro e microconsumidores ou,
quando morrem, são decompostos nas camadas adjacentes mais profundas. Abaixo dos 300m de
profundidade, praticamente não há matéria orgânica para decompor e o ambiente é oligotrófico,
em que apenas alguns microrganismos conseguem sobreviver nessas condições. Metano hidratado
acumula-se no fundo dos oceanos devido às baixas temperaturas e à enorme pressão. A liberação
deste metano do sedimento é sugerido como possível causa de aquecimento global em eras antigas na Terra, como à 55 milhões de anos, no período Paleoceno-Eoceno. É possível que as maiores
extinções de vida ocorridas na história da terra seja devido ao incremento de metano na atmosfera
devido a processos geológicos ou impactos de meteoritos que poderiam desestabilizar hidratos de
gás dos oceanos.
O fenômeno da eutrofização também pode ocorrer nos oceanos. A elevação dos níveis de nutrientes
pode ser de origem natural ou pode ser causada pelo aporte de nutrientes e poluição difusa proveniente de populações que vivem nas zonas costeiras. As chamadas marés vermelhas ocorrem devido
ao crescimento exagerado de algas pirrófitas, como a Pseudonitzschia, e podem levar à contaminação de animais aquáticos e morte dos consumidores por causa de neurotoxinas.
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Vírus em ambientes aquáticos
Tanto em ambientes marinhos quanto de água doce, os vírus são o componente numericamente
mais abundantes. Estão presentes em concentrações 10 vezes maior que bactérias (104-108VLP/
mL) e a maioria são bacteriófagos, ou seja, infectam procariontes. São responsáveis por grande
parte da mortandade bacteriana (10-50%) e fitoplanctônica (2-10%), pelo término das florações
e pelo aumento da disponibilidade de carbono e nutrientes. Ao contrário da limitação no crescimento causada pela disponibilidade de nutrientes e pela predação do zooplâncton, normalmente
os vírus afetam a composição e diversidade de espécies e não necessariamente a biomassa total
de bactérias, devido à alta especificidade de hospedeiro. Nesse sentido, podem atuar controlando
a população dominante, permitindo o crescimento de outras espécies e assim, bactérias com diferentes taxas de crescimento co-existem. A alta especificidade viral vem sendo descrita como um
importante mecanismo para a manutenção da alta diversidade de bactérias e algas.
O ciclo lisogênico é capaz de conferir propriedades metabólicas específicas ao hospedeiro e sobrevivência em ambientes extremos. Perturbações ambientais na célula hospedeira, como luz e
nutrientes, induzem o ciclo lítico. A lise celular causada pelos vírus faz com que todo o conteúdo
(carbono, nitrogênio e fósforo) que estava na célula hospedeira retorne para o meio extracelular.
Esses nutrientes são fontes de nutrientes para o crescimento de outras bactérias. A lise viral pode
ser um mecanismo chave para suprir o carbono para bactérias heterotróficas, especialmente em
ambientes oligotróficos, onde a produção primária é pequena. O número de vírus parece estar relacionado à disponibilidade de fósforo, à profundidade do lago, à entrada de luz (são vulneráveis aos
danos causados pela radiação solar) e, principalmente à densidade bacteriana.
Fungos aquáticos
Os fungos atuam na decomposição da matéria orgânica. Estão presentes fungos dos Filos:
- Chytridiomycota: podem ser de água doce ou marinhos, parasitas de plantas e insetos
dípteros, ou saprófitos. A espécie Batrachochytrium dendrobatidisna parasita a pele dos anfíbios,
causando até a sua morte. Alguns parasitam algas.
- Oomycota: produzem esporos assexuados biflagelados e incluem os chamados bolores
aquáticos.
- Deuteromycota: são chamados de fungos imperfeitos por não reproduzirem sexuadamente.
Esporulam dentro da água; os esporos ou conídeos são transportados na água e, ao entrar em contato com uma folha, é desenvolvido o micélio, este penetra na folha e promove a sua decomposição.
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Literatura sugerida
BARROS, N. O. Implicações limno-ecológicas derivadas da infecção viral no plâncton. Universidade Federal de Juiz de
Fora, 2008.
TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L.; Microbiologia. 8ª ed., Porto Alegre. Ed. Artmed, 2005.
VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento dos esgotos. Vol. 1. Princípios do tratamento
biológico de águas residuárias. DESA/UFMG, 3ª edição, 2005.
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