SISTEMA DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE: A EPIDEMIA DA AIDS EM ADOLESCENTES NO BRASIL, 2001-2010. KOGLIN, Ilivelton Martins1; TASSINARI, Tais Tasqueto2; ZUGE, Samuel Spiegelberg3; BRUM, Crhis Netto de3; BUBADUÉ, Renata de Moura2; ALDRIGHI, Juliane Dias2; PADOIN, Stela Maris de Mello3; PAULA, Cristiane Cardoso de3. 1 Curso de Enfermagem da Faculdade Integrada de Santa Maria (FISMA), Santa Maria, Brasil 2 Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Brasil 3 Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Brasil E-mail para contato: [email protected] RESUMO Este estudo teve como objetivo avaliar as características sociodemográficas e comportamentais dos adolescentes de 13 a 19 anos com HIV/AIDS, notificados no Sistema de Informação de Saúde do DATASUS. Estudo quantitativo, do tipo descritivo, realizado a partir do banco de dados do Sistema de Informação em Saúde - DATASUS. Foram avaliados os casos de AIDS no Brasil, diagnosticados na faixa etária de 13 a 19 anos, de 2001 até dezembro de 2010. Foi realizada análise descritiva dos dados com predominância de adolescentes do sexo feminino, com idade de 19 anos, de raça branca, com grau de escolaridade de 4 a 7 anos de estudo, e categoria de exposição foi a sexual. Isso indica a necessidade da implementação de políticas públicas direcionadas ao adolescente, a inserção da educação sexual na rede pública e privada de ensino e a capacitação dos profissionais de saúde frente à problemática da AIDS na adolescência. Palavras-chave: Saúde do adolescente; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; HIV. 1. INTRODUÇÃO A adolescência caracteriza-se como uma etapa de vida de transição da infância para a idade adulta, permeada por diversas transformações anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais. Resultam em rápidas mudanças, tanto no que se refere as questões biológicas quanto a vivência de novas necessidades, sentimentos, desejos, maneiras de refletir, compreender e agir, de viver no mundo em meio à relação que está sendo (re) construída consigo e com os outros, o que influencia diretamente nos aspectos psicossociais da formação da identidade do adolescente (BRÊTAS, OHARA, JARDIM, et al 2009). É nessa fase que acontece o vivenciar da sexualidade (TAQUETTE, MATOS, RODRIGUES, et al 2011), momento que ocorre a (re) descoberta do corpo, e suscita ansiedade nesse processo de transformação, influenciando diretamente nas relações sociais do indivíduo, o qual vivencia a liberdade e a responsabilidade, diante das novas descobertas no processo de adolescer (LIMA, PEDRO, 2008; PAULA, CABRAL, SOUZA, 2009). 1 Assim, a adolescência culminada a um conjunto de fatores, entre eles a descoberta da sexualidade, tornando os adolescentes vulneráveis às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), principalmente a infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Os adolescentes que adquiriram o HIV perpassam por dois grupos, a transmissão vertical e horizontal (BRASIL, 2012). A transmissão vertical é quando o adolescente nasceu infectado pelo vírus devido à condição sorológica da mãe (MARQUES, TYRRELL, OLIVEIRA, 2007), e a horizontal é quando o adolescente se infectou por via sexual ou uso de drogas. Atualmente, os adolescentes que foram notificados com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) representam 2,1% das notificações brasileiras, o que demonstra um fator preocupante, uma vez que os adolescentes representam cerca de, 12,5% da população do Brasil (BRASIL, 2012). Assim, torna-se importante traçar um perfil sociodemográfico dos adolescentes com HIV/AIDS no Brasil, a fim de identificar as principais características dessa população. Dessa forma, este estudo teve como objetivo avaliar as características sociodemográficas e comportamentais dos adolescentes de 13 a 19 anos com HIV/AIDS, notificados no Sistema de Informação de Saúde do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). 2. METODOLOGIA Estudo quantitativo, do tipo descritivo, realizado a partir do banco de dados do Sistema de Informação em Saúde - DATASUS. Foram avaliados os casos de AIDS no Brasil, diagnosticados na faixa etária de 13 a 19 anos, de 2001 até dezembro de 2010. O parâmetro que demarca o início da adolescência está pautado no Programa Nacional de DST/AIDS, que considera cronologicamente a adolescência de 13 a 19 anos (BRASIL, 2006a; 2006b). A coleta dos dados foi realizada de janeiro a março de 2012, sendo os dados inseridos no gerenciador de planilhas Microsoft® Office Excel® 2007. Foi realizada análise descritiva dos dados e a incidência de notificações, sendo analisadas as variáveis: sexo; idade; raça; escolaridade; categoria de exposição; e incidência por estado. Segundo a avaliação dos casos de AIDS no Brasil, na população adolescente de 13 a 19 anos, foi definido quatro classificações de incidência: de 0 a 1,5; de 1,6 a 3,0; 3,1 a 4,5; e de 4,6 a 6,0 de incidência. Para calcular a incidência no período de 2001 a 2010, foi realizada a incidência / 100.000 habitantes ao ano, e posteriormente calculado a média de cada estado no período. 2 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Segundo a análise do Sistema de Informação e Saúde - DATASUS foram notificados 6.435 adolescentes de 13 a 19 anos com AIDS, no período de 2001 a 2010, demonstrando um aumento de 50,9% de notificações em adolescentes, desde o primeiro caso notificado nessa faixa-etária até o ano de 2000. Tabela 1. Caracterização sociodemográfica da população adolescente de 13 a 19 anos com AIDS, no período de 2001 a 2010, Brasil, 2012. N = 6435. Variáveis N % Masculino Feminino 2640 3795 41,0 59,0 13 anos 14 anos 15 anos 16 anos 17 anos 18 anos 19 anos 284 263 407 661 971 1589 2260 4,4 4,1 6,3 10,3 15,1 24,6 35,1 Branca Preta Amarela Parda Indígena Ignorado 2406 542 59 1724 23 1681 37,4 8,4 0,9 26,8 0,3 26,1 82 573 1932 1589 186 2073 1,3 8,9 30,0 24,7 2,9 32,2 Sexo Idade Raça Escolaridade Nenhuma 1 a 3 anos 4 a 7 anos 8 a 11 anos 12 e mais Ignorado Na caracterização sociodemográfica da população de adolescente de 13 a 19 anos com AIDS, destaca-se o predomínio: adolescentes do sexo feminino (59,0%), com idade de 19 anos (35,1%), de raça branca (37,4%), com grau de escolaridade de 4 a 7 anos de estudo (30,0%), porém, a escolaridade notificada como ignorada apresentou-se em 32,2% dos casos, mostrado na Tabela 1. De acordo com a variável de sexo, ressalta-se que, adolescentes do sexo feminino estão suscetíveis a infecções por DSTs, inclusive o HIV, uma vez que no ato sexual, a mulher 3 age como receptora e possui seus órgãos sexuais com maior área de absorção (mucosa), sendo essa uma característica que aumenta a probabilidade de infectar-se (TAQUETTE, 2009). A adolescente acaba por estar mais vulnerável as DSTs, seja pela falta de conhecimento sobre o próprio corpo e a falta de orientações sobre sua sexualidade, ou ainda pela dificuldade de negociação do uso do preservativo com o seu parceiro (TAQUETTE, 2009). O aumento da incidência de HIV/AIDS no sexo feminino na faixa etária de 13 a 19 anos foi constante a partir de 1996, ultrapassando o número de casos no sexo masculino, o que destaca o processo de feminização da AIDS. Nos últimos vinte e cinco anos, a relação entre homens e mulheres passou de 26 por um para 1,7 homens para cada caso em mulheres em todas as faixas etárias. Porém, essa relação se inverte na população adolescente de modo que existem 1,4 mulheres infectadas para cada homem (BRASIL, 2012). Existem inúmeros fatores que tornam o adolescente vulnerável ao HIV/AIDS, dentre eles destaca-se: a precocidade das relações sexuais; a multiplicidade de parceiros; o uso de bebidas alcoólicas na adolescência; a dificuldade de conversar sobre sexualidade com os pais; a dificuldade de negociação com os parceiros sobre o uso do preservativo; dentre outras (BARRETO, SANTOS, 2009; BRASIL, 2012). A idade de maior prevalência nas notificações foi a de 19 anos totalizando 35,1% dos casos. Assim, destaca-se que segundo os dados epidemiológicos da doença no País, a maior frequência de notificações ocorre em jovens de 15 a 24 anos, o que poderá ser pelo fato do descobrimento da sexualidade e pela característica que vem se acentuando nessa população de ter parceiros casuais e relações sexuais com pessoas desconhecidas de seu contexto de vida (BRASIL, 2012). Outro fator expressivo é o início precoce das relações sexuais e na maioria das vezes sem método preventivo para as DSTs. Outra característica é de que o preservativo passa a ser substituído por outros métodos contraceptivos, prevenindo apenas a gravidez na adolescência, e deixando de lado a prevenção das DSTs (BORGES, SCHOR, 2005). A raça branca predominou entre os adolescentes (37,4%), porém houve um aumento no número de afrodescendentes (negros e pardos) (35,2%). Os achados divergem com os dados da população geral com HIV/AIDS, onde houve um predomínio da raça branca no número de notificações. As diferenças entre raças são relevantes para um controle epidemiológico dos casos, mas não significativas a ponto de influenciar negativamente ou positivamente na adoção de práticas sexuais seguras, como o uso do preservativo durante o ato sexual (BRASIL, 2011). Quanto ao grau de escolaridade, destaca-se que quanto maior o nível de escolaridade, maior a adesão ao uso de preservativo, o que demonstra maior conhecimento sobre as DSTs. 4 Assim, a falta de acesso a informação e insumos de prevenção apresentam resultados negativos nas condições de saúde e de prevenção das DSTs, tornando os adolescentes mais vulneráveis ao HIV (LOBO, SILVA, SANTOS, 2012). Figura 1. Mapa da incidência de AIDS na população adolescente de 13 a 19 anos, no período de 2001 a 2010. Brasil. 2012. N = 6435. Assim, foi possível identificar que o estado do Rio Grande do Sul foi o que apresentou maior incidência de casos diagnosticados, totalizando (5,7) conforme descrito na Figura 1, sendo que este estado vem apresentando-se com maior incidência desde o ano de 2000. Destaca-se que segundo a média geral da população no ano de 2010, oito Unidades Federativas apresentam taxas de incidência de AIDS superior à média nacional que é de (17,9). Dentre as unidades federativas, o Rio Grande do Sul foi o que apresentou maior incidência 37,6, seguido por Roraima (35,7); Amazonas (30,9); Santa Catarina (30,2); Rio de Janeiro (28,2); Espírito Santo (20,4), Pará (19,5) e Paraná (19,0), em relação à população total (BRASIL, 2012) Porém, na população de adolescente, houve uma variação entre as Unidades Federativas. Os estados do Espírito Santo, Pará e Mato Grosso apresentaram incidência média entre 3,1 e 4,5, conforme descrito na Figura 1. 5 Segundo o Boletim Epidemiológico (2012), a incidência de casos de AIDS em jovens, vem aumentando nas regiões Norte e Nordeste, e nas regiões Sudeste e Sul vem apresentando um decréscimo, e mantendo-se estabilizada na Região Centro-Oeste, no entanto os dados referentes à região Sul permanecem com os maiores índices de incidência no País. Destaca-se que, os indivíduos residentes nas Regiões Sul e Centro-Oeste declararam maior atividade sexual do que aqueles residentes em outras regiões, totalizando 93%. (BRASIL, 2012). Ainda, nas discussões das notificações apontadas no boletim epidemiológico brasileiro, tem-se a associação entre a incidência de notificações de AIDS e o uso de preservativo na primeira relação sexual. Destaca que, entre os indivíduos de 15 a 24 anos a incidência de adolescentes na Região Sul está em declínio devido a maior frequência do uso de preservativo. Foi identificado que o uso do preservativo foi de 52,1% na Região Nordeste, 56,1% na região Norte e 69% na Região Sul (BRASIL, 2012). Segundo a caracterização por categoria de exposição, a proporção de adolescentes que contraíram AIDS por via de transmissão sexual foi predominante (64,4%), porém essa categoria de exposição vem apresentando um acentuado declínio ao longo do período. O aumento anual da categoria “ignorado”, conforme descrito no Gráfico 1, pode indicar um problema de os adolescentes não conhecerem o modo exposição ou uma falha na notificação desses casos. O declínio do índice de infecção ao HIV por transmissão sexual aponta melhoria na implementação de políticas preventivas nessa faixa etária. Gráfico 1. Caracterização por categoria de exposição dos adolescentes de 13 a 19 anos com AIDS. Brasil. 2012. N = 6435. 6 A transmissão por via sexual é a predominante nessa população, sendo dividas em três grupos segundo a categoria de exposição sexual: Heterossexual, Homossexual e Bissexual. A transmissão sexual por relações heterossexuais foram responsáveis por em media 78,9%, as homossexuais por 14,3% e as bissexuais por 6,8%. No entanto, observou-se um declínio contínuo na transmissão heterossexual ao longo do período, e um aumento nos casos homossexuais nos últimos anos, conforme descrito no Gráfico 2. Gráfico 2. Categorização da transmissão sexual em adolescentes de 13 a 19 anos com AIDS. Brasil. 2012. N = 4144. Isso indica a inversão no perfil epidemiológico da AIDS, uma vez que na década de 80, a população com maior incidência de HIV consistia em homens homo/bissexuais. Atualmente, os dados expressam a inexistência de grupos de risco e a vulnerabilidade da população adolescente como um todo. Assim, é necessário estabelecer estratégias contínuas de educação em saúde na prevenção do surgimento de novos casos da infecção e de redução dos agravos impostos pela epidemia. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi possível identificar nos casos notificados que a transmissão do HIV/AIDS foi predominante por via sexual. Isso indica a necessidade da implementação de políticas públicas direcionadas ao adolescente, que, promovam discussões e visibilidade a essa problemática. A inserção da educação sexual na rede pública e privada de ensino pode ser uma estratégia para socializar esses conhecimentos. 7 A feminização da epidemia na adolescência pode ser decorrente da construção social do papel da mulher e sua relação histórica com a sexualidade. Que implica na dificuldade de negociação do uso do preservativo, atitudes passivas na relação afetuosa e a reprodução do papel social da mulher na sociedade. A especificidade da adolescência torna essa população vulnerável à infecção e aos agravos do HIV. Nesse sentido, é necessário desenvolver a capacitação dos profissionais de saúde diante da problemática da AIDS na adolescência, enfatizando a necessidade de investimentos em diagnóstico precoce da infecção pelo HIV na população em tela, com vistas a atender suas demandas especiais de saúde. REFERÊNCIAS BARRETO, A. C. M; SANTOS, R. S. A vulnerabilidade da adolescente às doenças sexualmente transmissíveis: contribuições para a prática da enfermagem. Esc. Anna Nery Rev. Enferm. v. 13, n. 4, p. 809-16, 2009. BORGES, A. L. V; SCHOR, N. Início da vida sexual na adolescência e relações de gênero: um estudo transversal em São Paulo, Brasil, 2002. Cad. Saúde Pública. v. 21, n. 2, p. 499-507, 2005. BRASIL, Ministério da Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. PCAP: Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira, 2008. Brasília, 2011. _______, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Boletim epidemiológico – Aids e DST. 2012. _______, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Guia de tratamento clínico da infecção pelo HIV em crianças. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2006a. 168 p. (Série Manuais, 18). _______, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Recomendações para terapia anti-retroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV. versão preliminar. Brasília: Ministério da Saúde, 2006b. 85 p BRÊTAS, J. R. S.; OHARA, C. V. S.; JARDIM, D. P.; et al. Conhecimento sobre DST/AIDS por estudantes adolescentes. Rev. Esc. Enferm. USP. v. 43, n. 3, p. 551-7, 2009. LIMA, A.A.A.; PEDRO, E. N. R. Growing up with HIV/AIDS: a study on adolescents with HIV/AIDS and their family caregivers. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 16, n. 3, June 2008 . LÔBO, M.B; SILVA, S.R.F.F.; SANTOS, D. S. Segredos de liquidificador: conhecimento e práticas de sexo seguro por Pessoas Vivendo com HIV/AIDS. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. v.14, n. 2, p. 395-403, 2012. MARQUES, S. C.; TYRRELL, M. A. R.; OLIVEIRA, D. C. Política de saúde da mulher frente à feminização da Aids. In: PAULA, C. C.; PADOIN, S. M. M.; SCHAURICH, D. (Orgs) Aids: o que ainda há para ser dito? Santa Maria, Ed. UFSM, 2007, p. 97 -110. PAULA, C.C; CABRAL, I. E. ; SOUZA, I.E.O . O cotidiano do ser-adolescendo que tem aids: movimento ou momento existencial?. Escola Anna Nery. Revista de Enfermagem, v. 13, p. 632-639, 2009. 8 TAQUETTE, S. Feminização da AIDS e adolescência. Adolescência & Saúde. v. 6, n.1, p. 33 - 40, 2009. TAQUETTE, S. R.; MATOS, H. J.; RODRIGUES, A. O.; et al. A epidemia de AIDS em adolescentes de 13 a 19 anos, no município do Rio de Janeiro: descrição espaço-temporal. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. v. 44, n. 4, p. 467-470, 2011. 9