Anais do VII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216
FUTEBOL NA FORMAÇÃO DO PENSAMENTO MATEMÁTICO
Ana Carolina Coutinho Consani
(G – CLCA - UENP/CJ)
[email protected]
Penha Lucilda de Souza Silvestre
(Orientadora – CLCA - UENP/CJ)
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente artigo tem como objetivo questionar os métodos tradicionais usados no
ensino da Matemática e da Física. O questionamento baseia-se no confronto entre o indicador
da qualidade da educação no Brasil (Ideb) e o desempenho dos estudantes no Enem na área
das ciências exatas. Esses resultados se contradizem, pois um indica a melhora da educação
brasileira e ou outro diz que o desempenho dos estudantes em questões que exigem o uso de
uma ou mais disciplinas, especialmente Matemática, é baixo.
É apresentada também uma proposta de ensino que utiliza o futebol, um esporte
popular no país, para formar no educando o pensamento matemático, com a finalidade de
neles desenvolver a capacidade de analisar as questões problemáticas da sociedade e, com
criatividade, buscar soluções para tais problemas, dando início a uma geração de cidadãos
conscientes.
ANÁLISE E DISCUSSÃO
Antes de iniciar a discussão, é preciso definir o que é pensamento matemático.
Pensamento matemático é a capacidade de raciocinar com lógica, ou seja, coerência. Quando
se desenvolve a coerência do pensamento é gerada a visão crítica da sociedade, que tem como
consequência a discussão dos seus problemas e a busca pela solução dos mesmos. Porém, o
caráter tradicionalista do ensino no país não contribui para a formação e desenvolvimento da
capacidade de analisar criticamente os acontecimentos.
A qualidade da educação brasileira é medida, em uma escala que vai de zero a dez,
pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), ferramenta criada em 2007 para
facilitar a compreensão e estimular o desenvolvimento desse setor. O Ministério da Educação
estabelece metas bianuais que devem ser atingidas por todas as instituições de ensino. Em
2007 a nota nacional do Ideb foi 4,2, ultrapassando a expectativa de 3,9; o indicador atingiu a
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média de 4,6 em 2009, enquanto a meta para esse ano era 4,2. Isso significa que, se o ritmo
for mantido, o Brasil superará a média 6 estabelecida para 2022.
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também pode ser considerado um
indicador da qualidade da educação no Brasil. A prova realizada em 2007 obteve a nota média
51,2%, enquanto a prova feita em 2006 obteve a nota média 36,9%. Porém, a impressão geral
dos estudantes foi de que o nível de dificuldade da prova aplicada em 2007 caiu em relação a
prova de 2006. No Enem aplicado em 2009, que sofreu mudanças na estruturação das
questões, metade dos alunos não conseguiu atingir a meta de 500 pontos estabelecida pelo
Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, órgão responsável pelo exame). Na prova
de Matemática, 57,7% dos participantes ficaram abaixo da média e apenas 0,3% passaram dos
800 pontos.
Tomando como base os dados do Ideb, pode-se concluir que a qualidade educação
brasileira está melhorando; porém, o desempenho no Enem, particularmente em Matemática,
não acompanha esse crescimento. Qual a razão de tão baixo desempenho em uma ciência tão
presente no cotidiano?
Tal questionamento leva à reflexão sobre a metodologia de ensino, pois o educador,
preso às tradições, não faz uso da criatividade para estimular a curiosidade dos educandos,
valendo-se apenas dos livros didáticos e da lousa. Segundo D’Ambrósio (1986), o ensino da
Matemática é, tradicionalmente, baseado no acúmulo de conteúdo: é cobrada dos alunos
apenas a memorização de fórmulas utilizadas nos processos de avaliação, fórmulas logo
esquecidas por falta de compreensão.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) dizem que, no ensino da Matemática,
destacam-se dois aspectos: um se refere à capacidade de relacionar as observações do mundo
real com representações (figuras, tabelas) e o outro aspecto consiste em associar essas
representações com princípios e conceitos próprios da matemática.
Os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) também afirmam que a aprendizagem
em Matemática está ligada à apreensão do significado; dessa forma, apreender o significado
de um objeto ou acontecimento implica vê-lo em suas relações com outros objetos ou
acontecimentos.
Considerando o pensamento de D’Ambrósio e as orientações dos PCN, o educador
pode usar o futebol como ferramenta para o desenvolvimento do pensamento matemático.
Através da análise gráfica da trajetória da bola, por exemplo, é possível despertar a
curiosidade dos alunos, desenvolver o raciocínio lógico e dinamizar a Matemática, levando-os
a relacionar o conteúdo das aulas com situações do dia-a-dia.
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É preciso que, ao usar o futebol como ferramenta para formar o pensamento
matemático, o educador saiba fazer uso do desafio. Quando os conceitos aprendidos são
desafiados, os educandos reconstroem o conhecimento, tornando-os mais sólidos e, dessa
forma, aumentando a capacidade de aprender novos conceitos.
Como usar o futebol?
Antes de iniciar seu trabalho com o futebol, o educador deve estabelecer os conceitos
que deverão ser identificados no tema abordado. Sabemos que em uma partida de futebol,
quando o jogador chuta uma bola, esta adquire determinada velocidade. O educador pode
mostrar que a bola inicia uma trajetória determinada pelo ângulo
em relação ao solo; se o
chute for oblíquo – ou seja, formar com o chão um ângulo diferente de 0° – a bola descreverá
um movimento parabólico devido à atração da Terra.
Esse movimento pode ser descrito matematicamente em um plano cartesiano, onde V0x
é a velocidade que a bola adquire inicialmente na direção horizontal (x), V0y é a velocidade
adquirida pela bola inicialmente na direção vertical (y) e Vo é a velocidade inicial da bola, que
é o resultado das velocidades iniciais em x e em y[1].
Lançamento oblíquo é o nome dado pela Física esse movimento. O lançamento
oblíquo pode ser estudado se for imaginado como resultante de dois movimentos: um na
direção horizontal (x) e outro na direção vertical (y):
Gráfico 1 : lançamento oblíquo
FONTE: colegioweb.com.br
Na direção horizontal (x), a bola realiza um movimento retilíneo e uniforme, onde
corpo se desloca em linha reta e com a velocidade constante, porque não há aceleração[2]. Na
direção vertical (y), a bola realiza um movimento retilíneo uniformemente variado, isto é, a
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velocidade da bola sofre a mesma variação de velocidade em intervalos de tempo iguais;
nesse movimento, a aceleração deve ser constante, diferente de zero e igual à aceleração
escalar instantânea[3].
As seguintes observações devem ser feitas acerca do lançamento oblíquo:
• A velocidade vertical diminui durante a subida e aumenta durante a descida, devido à
força gravitacional terrestre.
•
No ponto de altura máxima, a velocidade no movimento vertical é zero.
• A distância horizontal entre o ponto de lançamento e o ponto de queda do corpo é
denominada alcance máximo. Nesse ponto, a altura é igual a zero.
Onde:
Vo = velocidade inicial resultante das componentes horizontal e vertical
g = aceleração da gravidade
• A velocidade inicial na direção horizontal (v0x), por ser um movimento retilíneo
uniforme, pode ser determinada por:
Onde:
d = distância (ou alcance)
t = tempo
• A velocidade inicial na direção vertical (v0y) pode ser calculada por:
• O ângulo
pode ser calculado através da definição de tangente:
Como pode ser observado no Gráfico 1, o seno é a velocidade inicial vertical e
cosseno é a velocidade inicial horizontal. Logo, a equação acima pode ser escrita como:
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O cálculo do ângulo
pode, então, ser efetuado pelo arco da tangente:
= ArcTg
Depois de estabelecidos os conceitos, o educador deve apresentar os dados sobre jogos
de futebol e desenvolver questões em torno, por exemplo, do ângulo do chute em relação ao
solo, da trajetória da bola e a relação entre o ângulo, a altura e o alcance.
Exercício-exemplo:
No dia 29 de novembro de 2009, durante o Campeonato Brasileiro de Futebol, o
Palmeiras venceu o Atlético Paranaense por 3 a 1. O jogo, até então empatado, teve um lance
histórico com o gol de Diego Souza aos 16 minutos do primeiro tempo. No referido lance, o
atleta palmeirense aproveitou o erro adversário e, do meio de campo, chutou a bola “de
primeira”, acertando a meta.
Podem ser acrescentadas as seguintes informações a esse lance: a distância entre o
local do chute e a trave que delimita o gol é 54 metros; bola levou 3 segundos para atingir a
rede; a aceleração da gravidade é 9,8m/s² e a altura máxima atingida pela bola foi 11 metros.
O gol marcado por Diego Souza pode ser descrito graficamente do seguinte modo:
V
V
y
0
h = 11 metros
A = 54m
metros
Gráfico 2: descrição matemática do gol de Diego Souza
FONTE: colegioweb.com.br (dados acrescentados ao gráfico pela autora)
O exercício exige do educando a aplicação dos conceitos apreendidos e o desafio
consiste em descobrir através de cálculos o ângulo do qual a bola foi chutada pelo jogador.
Para isso, podemos usar:
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O primeiro passo é descobrir qual a velocidade inicial na direção horizontal. Por ser
um movimento retilíneo uniforme, a velocidade inicial adquirida pela bola nessa direção pode
ser calculado por:
Posteriormente, calcula-se a velocidade inicial na direção vertical, dada por:
Feito isso, a tangente do ângulo
e seu arco podem ser calculados:
Consultando uma tabela trigonométrica, tem-se que o ângulo cuja tangente é
aproximadamente 0,816 é 39,3°. Portanto, o ângulo do qual a bola foi chutada é 39,3°.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, espera-se que, ao estabelecer conexões entre os conteúdos estudados na
escola e acontecimentos triviais na vida dos estudantes, o processo de ensino-aprendizagem
seja facilitado e haja a real compreensão da Matemática e da Física, disciplinas
correlacionadas.
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A compreensão está ligada ao desenvolvimento do raciocínio lógico. Quando há lógica
no pensamento, a consequência é uma percepção de mundo mais crítica e analítica, que
provoca melhorias na sociedade.
Logo, pode-se concluir que o educador que busca novas maneiras de estimular a
apreensão da Matemática e desenvolver o raciocínio lógico contribui para a formação de uma
geração de cidadãos críticos, politizados e acima de tudo politizantes, que tem o poder
melhorar a qualidade da educação e a condição de vida da população brasileira.
NOTAS
[1] Nesse caso, a resultante pode ser calculada pelo Teorema de Pitágoras ("a soma dos
quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa"), pois forma-se um triângulo
retângulo (triângulo que possui ângulo de 90°):
hipotenusa2 = cateto2 + cateto2
vo2 = vox2 +voy2
[2] Aceleração: grandeza que relaciona a variação da velocidade (rapidez com a qual um
corpo se desloca) com o tempo gasto nessa variação.
[3] Aceleração escalar instantânea: é a aceleração de um corpo em um dado instante.
REFERÊNCIAS
BONJORNO, R. A. et alli. Física completa. 2ª ed. São Paulo: FDT, 2001.
BRASIL. Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais - 5ª - 8ª série
ciclos do ensino fundamental. Matemática. MEC/SEF, versão preliminar, outubro de 1997.
D'AMBROSIO, U. Da Realidade à ação: reflexões sobre a educação (e) matemática. 5ª ed.
São Paulo: Summus, 1986.
DOLCE, O.; POMPEU, J. N. Fundamentos da matemática elementar: geometria plana. 7ª
edição, São Paulo: Atual, 1998.
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MATEMÁTICA essencial: fundamental: geometria: elementos. Disponível em:
<http://pessoal.sercomtel.com.br/matematica/fundam/geometria/geo-basico.htm>. Acesso em:
24 ago. 2010.
ENEM. Disponível em: <http://www.enem.inep.gov.br/>. Acesso em: 26 ago. 2010.
LANÇAMENTO oblíquo. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/fisica/lancamentoobliquo.htm>. Acesso em: 27 ago. 2010.
LANÇAMENTO oblíquo: lançamento de projéteis. Disponível em:
<http://www.colegioweb.com.br/fisica/lancamento-obliquo.html>. Acesso em: 28 set. 2010.
IDEB: apresentação. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=180&Itemid=33
7>. Acesso em: 28 ago. 2010.
IDEB. Disponível em: <http://sistemasideb.inep.gov.br/resultado/>. Acesso em: 28 ago. 2010.
Para citar este artigo:
CONSANI, Ana Carolina Coutinho. Futebol na formação do pensamento matemático. In:
VII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e
Literários. 2010. Anais... UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná – Centro de
Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2010. ISSN – 18089216. p. 839 – 846.
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