ENTREVISTA “VIVEMOS UM MOMENTO DIFÍCIL, MAS NÃO PODEMOS DESANIMAR” E le atua no meio cultural desde os anos 60, quando agitava a cena do teatro amador no Rio de Janeiro. Entrou para o então Ministério da Educação e Cultura em 1968 – o ano do Tropicalismo e do AI-5. Desde então, participou da consolidação de programas que impulsionaram a vida cultural do País e enfrentou frustrações, como o desmanche cultural vivido na era Collor. Mas entende que o fundamental, quando se vive um desafio, é enfrentá-lo. Nesta entrevista exclusiva para a revista Marketing Cultural Online, o Secretário de Música e Artes Cênicas do Ministério da Cultura, Humberto Braga, confessa que o momento atual é difícil. Os decretos presidenciais que engessaram o orçamento de todos os Ministérios – por conta da demora da aprovação da CPMF pelo Congresso – atingiram vários programas da Secretaria e “frustraram a expectativa de produtores e autores teatrais e musicais”. Mas ele insiste em ter esperança de que isso seja superado a curto prazo e aponta para outra perspectiva: um plano nacional de cultura que possa garantir um mínimo de obrigações a serem cumpridas pelo Estado. “Se isto avança, é um ganho”, garante Braga. “E não podemos desanimar.” 4 Humberto Braga, Secretário de Música e Artes Cênicas do Ministério da Cultura MARKETING CULTURAL - JUNHO 2002 Marketing Cultural Online – O senhor propõe que sejam traçadas políticas culturais de Estado que não fiquem sujeitas à descontinuidade de governos. Foi possível caminhar nesse sentido desde sua posse na Secretaria, no início do ano? Quais iniciativas são viáveis num ano de sucessão presidencial? Humberto Braga – Políticas culturais e definição de estruturas organizacionais de Estado devem ser a preocupação central de equipes de governo e devem ser reivindicadas pelos segmentos artísticos. Não tenho a menor dúvida disso. Sobretudo em países sujeitos a crises e instabilidade econômica e política. Estamos vivendo, agora mesmo, um momento difícil. MCO – A dificuldade maior é econômica? HB – Estávamos começando o ano razoavelmente bem, com muita vontade de realizar vários programas importantes e, de repente, dois decretos impuseram limitações sérias aos orçamentos dos Ministérios. Isto atingiu drasticamente vários programas da Secretaria e a expectativa dos produtores e artistas. Mas não podemos desanimar. Minha vida profissional na área da cultura está pontilhada de momentos difíceis. Muitas conquistas e algumas frustrações. Não podemos perder a esperança. MCO – É possível fugir das incertezas do momento? A cultura pode ter um apoio constante, mais consistente, por parte do Estado? HB – Existe uma discussão importante no Congresso Nacional sobre a inclusão, na Constituição, de um Plano Nacional de Cultura que garanta um mínimo de obrigações a serem deMARKETING CULTURAL - JUNHO 2002 senvolvidas. Se isto avança, é um ganho. Entendo que esta discussão deve se ampliar, inclusive com a participação de artistas. A transformação da visão de cultura, nas áreas políticas, de planejamento, da Fazenda, pode ajudar a preservação do Ministério, em momentos de turbulência. MCO – A preocupação com o desenvolvimento cultural deve ser pontual ou permanente? É uma questão educacional? HB – Estamos dando início, a partir de uma proposta apresentada pela Associação Brasileira da Música, a uma reflexão sobre a educação musical nas escolas. Esta entidade realizou excelente estudo e pesquisa sobre a situação da música junto aos jovens e sobre a venda de instrumentos musicais, que revela dados muito interessantes e inquietantes. A partir daí, acreditamos, poderá abrirse uma porta junto à área da educação. Isto tem a ver com a formação humanística do jovem, com o desenvolvimento de seu sentido crítico e com a formação de platéias. Outro estudo que está sendo desenvolvido refere-se a um mecanismo que garan- ta a atividade de grupos e entidades culturais. MCO – A Secretaria de Música e Artes Cênicas do MinC tem vários programas específicos. Como está o andamento do projeto EnCena Brasil? HB – Este é um programa da artes cênicas que deu certo. Está voltado para grupos de teatro e dança, especialmente aqueles que não dispõem de apoio do mecenato. Em duas vertentes – a de montagem de espetáculo e de circulação –, atende a grupos de diversas regiões do país. No ano passado foram inscritos 666 projetos e 131 foram beneficiados. Neste ano, são 709 projetos inscritos. A Comissão de Seleção estará reunida nos próximos dias. Houve um atraso na execução devido aos decretos que impuseram restrições orçamentárias e financeiras, mas acreditamos que o EnCena Brasil será regularizado em pouco tempo. MCO – E o Projeto Virtuose? HB – Este programa oferece bolsas de estudo para artistas que desejam aprimorar seus conhecimentos. Existe há alguns anos, tem dado excelente resultado. É um programa integrado, porque reúne as diversas áreas do Ministério. No corrente ano, a reunião da Comissão de Seleção dos projetos inscritos também foi adiada por força dos decretos que restringem o orçamento, mas acreditamos que será normalizado. O EnCena Brasil, o Programa de Apoio às Bandas, o Programa de Apoio às Orquestras e o Programa de Bolsas Virtuose foram transformados em programas para que constem do Orçamento e tenham continuidade. MCO – Como o Ministério apóia a atuação das bandas musicais? Em termos culturais, essa atividade é relevante para o País? HB – O Programa Nacional de Bandas de Música, no corrente ano, está entregando kits de instrumentos musi- 5 cais a cerca de 370 bandas de música, em todos os Estados. De 1996 a 2001, cerca de 1.700 bandas foram atendidas. Este é um programa importantíssimo porque, na grande maioria dos municípios pequenos, as bandas de música têm um papel fundamental na vida das cidades. Representam, em muitos lugares, o canal através do qual os jovens iniciam sua formação de instrumentistas. As comunidades têm orgulho de suas bandas e apreciam muito suas apresentações em festas, nos coretos, nas praças. Ouço depoimentos muito significativos de prefeitos: “Na minha cidade, não consegui ainda constituir uma banda e a população gosta muito. Aos domingos, as pessoas saem da igreja e vão para a praça para assistirem a banda de música. Sou obrigado a trazer uma banda emprestada de uma cidade vizinha. Se não consigo trazer a banda, sou 6 vaiado na praça”. O programa, além de oferecer o kit de instrumentos musicais, oferece também partituras e oficinas de reciclagem para músicos e regentes. MCO – O Programa Nacional de Artes Cênicas tem tido receptividade? É viável a volta do sistema de incentivo através de empréstimo? HB – A concessão de empréstimo reembolsável, através da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, suspensa há alguns anos, foi um mecanismo muito importante. A partir dos anos 90, a economia da produção das artes cênicas passou por transformações que evidenciam que o retorno da bilheteria dei- xou de ser um componente considerável nos custos de produção. O valor do ingresso, para a grande maioria das produções de artes cênicas, ficou muito defasado em relação aos custos de produção. Então, o empréstimo reembolsável passou a ser inviável porque necessita de um percentual da bilheteria para amortização da dívida. Foi substituído, primeiro pelo Cena Aberta e, em 2001, pelo EnCena Brasil. MCO – A captação de recursos incentivados para a produção teatral concentra os recursos nos grandes centros. Num país com diversidade cultural como o Brasil, o que o governo pode fazer para promover a produção regional e o intercâmbio? HB – No que diz respeito ao mecanismo do mecenato, da Lei de Incentivo Federal, houve um crescimento muito grande da captação nos últimos anos. Diversos fatores contribuíram para que isto acontecesse. No entanto, no paralelo da eficiência alcançada pela lei, algumas distorções sérias começam a aparecer. A concentração da captação na região Sudeste é uma delas. Outro aspecto é um benefício direto para o público. É preciso um esforço urgente de aperfeiçoamento da lei para que seu alcance seja maior. Estamos trabalhando nesta perspectiva. MCO – Um tema dessa relevância deve ficar restrito à atuação do governo? Quem faz cultura não deveria participar deste processo? HB – Este é um tema prioritário que está na ordem do dia. Foram criadas comissões temáticas na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, outras reuniões com produtores e artistas serão marcadas e, em breve, uma proposta de aperfeiçoamento da lei será apresentada. ◆ Serviço: Ministério da Cultura www.minc.gov.br MARKETING CULTURAL - JUNHO 2002