EXMO.
SR.
DR.
JUIZ
FEDERAL
DA
VARA
ÚNICA
DA
SUBSEÇÃO
JUDICIÁRIA DE CAMPO FORMOSO/BA
URGENTE
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem, por meio do
procurador da República que ao final subscreve, à presença de V. Exa., com
base no art. 37, § 4º e 129 da Constituição Federal e na Lei nº 7.347/85, propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em desfavor de:
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL,
(dados de qualificação omitidos)
L
MARQUEZZO
CONSTRUÇÕES
E
EMPREENDIMENTOS
LTDA,
(dados de qualificação omitidos)
1. OBJETO DA PRESENTE DEMANDA
A presente ação judicial pretende condenar solidariamente a
Caixa
Econômica
Federal
-CEF
e
L
Marquezzo
Construções
e
Empreendimentos LTDA. na reparação de todos os vícios (em sentido amplo)
de construção das unidades habitacionais dos Loteamentos Habitacionais Vida
Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, assegurando aos
1de27
consumidores toda a proteção legal do sistema do Código de Defesa do
Consumidor. Também se busca a condenação solidária de ambas as rés à
indenização e ao ressarcimento integral de todos os prejuízos suportados pelos
consumidores pelos danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) e
pelos danos morais sofridos.
2. DA
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL
E DA
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
O
Ministério
Público,
elevado
à
categoria
de
instituição
permanente e indispensável à função jurisdicional do Estado, nos termos do art.
127 da Constituição de 1988, tem como funções precípuas a defesa da ordem
jurídica,
do
regime
democrático,
dos
interesses
sociais
e
individuais
indisponíveis.
Cumpre destacar que a defesa do consumidor é obrigação do
Estado, erigida em garantia fundamental, conforme se constata da redação do
inciso XXXII, do artigo 5° do Texto Constitucional, abaixo transcrito, in verbis:
Art. 5.º (...) XXXII – O Estado promoverá, na forma da lei,
a defesa do consumidor;
No caso versado nos autos, a defesa do consumidor está sendo
efetuada pelo Ministério Público Federal, tanto por dever constitucional,
como por dever legal, em face das disposições do artigo 129, inciso III, da
Constituição Federal, dos artigos 5º, 6º e 39 da Lei Complementar nº 75/93, do
artigo 1º da Lei nº 7.347/85 e,também dos artigos 6º, 51 e 82, inciso I, e 91 da
Lei nº 8.078/90.
A jurisprudência tem firmado entendimento no sentido da
legitimidade ativa do Ministério Público para a propositura de ações visando à
defesa de interesses individuais homogêneos em relações de consumo, bem
como da legitimidade de instituições financeiras para figurarem no polo passivo
como fornecedoras, conforme se extrai do seguinte julgado:
CONSTITUCIONAL
E
PROCESSUAL
CIVIL.
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA. REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS E MATERIAIS
CAUSADOS A MORADORES DE CONJUNTO HABITACIONAL
DECORRENTES DE VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. DIREITO À
2de27
MORADIA. RELEVÂNCIA SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO
MINISTÉRIO
PÚBLICO
FEDERAL.
PRECEDENTES.
1.
O
Ministério Público ostenta legitimidade ad causam para
propor ação civil pública com o objetivo de resguardar
direitos individuais homogêneos relacionados a contratos
habitacionais, em face da inegável repercussão para a
coletividade
e,
de
consequência,
manifesta
relevância
social. Precedentes. 2. No caso dos autos, as unidades
habitacionais foram construídas em desconformidade com o
projeto original, oferecendo riscos de ordens diversas,
inclusive de ruína, tendo sido deferida a realização de
perícia técnica - não realizada em face da extinção do feito
por ilegitimidade ativa. 3. Apelação do Ministério Público
Federal provida, para desconstituir a sentença e determinar
o retorno dos autos à origem, com vistas ao regular
prosseguimento
do
200132000034852;
feito.
Relator
(AC
-
APELAÇÃO
DESEMBARGADOR
CIVEL
–
FEDERAL
FAGUNDES DE DEUS; TRF1; QUINTA TURMA; Fonte e-DJF1
DATA:26/08/2011 PAGINA:147).
A presente ação civil pública visa a defender os interesses
individuais homogêneos dos consumidores, em razão de vícios que acometeram
os imóveis adquiridos pelo Programa Minha Casa Minha Vida que culminaram
com a destruição do telhado de diversos blocos de apartamentos
e, até a
presente data, em decorrência da mora na execução dos serviços de
recuperação das unidades habitacionais, sofrem as consequências desse fato.
Os interesses aqui tutelados apresentam-se como de interesse
público, revestindo-se de grande relevância social, eis que envolve o direito à
moradia e as políticas públicas encetadas para sua efetivação dos adquirentes
dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo
Formoso II. O direito à moradia é direito fundamental positivado no art. 6º da
Constituição Federal.
Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no
pertinente à legitimidade do Ministério Público na defesa desse direito individual
homogêneo:
3de27
Processual civil e SFH. Recurso especial. Ação civil pública.
Direitos
individuais
homogêneos.
Ministério
Público.
Legitimidade. - Os interesses individuais homogêneos são
considerados
relevantes
desnecessária
a
por
comprovação
si
desta
mesmos,
relevância.
sendo
-
O
Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil
pública na defesa de interesses individuais homogêneos
referentes aos contratos de mútuo vinculados ao Sistema
Financeiro de Habitação, porquanto é interesse que alcança
toda a coletividade a ostentar por si só relevância social. - O
Código de Defesa do Consumidor incide nos contratos
vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação. - Recurso
especial conhecido e provido.” (RESP nº 635807/CE; Rel.
Min. NANCY ANDRIGHI; DJ 20.06.2005).
Portanto, demonstrada a legitimidade ativa do MPF para a
propositura da presente ação civil pública, sendo competente a Subseção
Judiciária da Justiça Federal de Campo Formoso-BA para processar e julgar o
feito, pois os fatos objeto desta demanda aconteceram no município de Campo
Formoso-BA, e mais, a demanda envolve diretamente a Caixa Econômica
Federal, empresa pública federal, cujo foro decorre do art. 109, inciso I, da
Constituição Federal.
3. DA LEGITIMIDADE PASSIVA
A legitimidade passiva da segunda ré, a Marquezzo Construções
e Empreendimentos LTDA, não gera qualquer dúvida, pois foi a responsável pela
construção defeituosa que resultou no fato objeto da presente demanda.
Também não deve haver dúvidas da legitimidade passiva da
Caixa Econômica Federal.
De acordo com o art. 9º a Lei nº. 11.977/2009, que dispõe
sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, a Caixa Econômica Federal é a
gestora operacional do referido programa. No exercício dessa atribuição,
incumbe a ela a fiscalização da obra, efetuando as medições e promovendo o
repasse dos valores à construtora na medida em que são cumpridas, pela
construtora, as obrigações contratualmente.
4de27
Evidentemente
que
esse
dever
fiscalizatório
abrange
a
verificação da eventual existência de vícios de construção.
No caso em apreço, a Caixa Econômica Federal omitiu-se na sua
função fiscalizatória, liberando os valores à construtora mesmo diante de vícios
de construção.
A legitimidade passiva da CEF em casos como o presente é
questão pacífica na jurisprudência, consoante denotam os seguintes julgados:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. IMÓVEL FINANCIADO ATRAVÉS
DO PROGRAMA "MINHA CASA, MINHA VIDA". VÍCIOS DE
CONSTRUÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LEGITIMIDADE DA
CEF. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. 1. A CAIXA é parte
legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se
discutem os danos decorrentes de vícios construtivos em
imóvel financiado no âmbito do Programa "Minha Casa,
Minha Vida", integrante de políticas federais voltadas à
promoção de moradia para pessoas de baixa renda, uma
vez que atua não apenas como agente financeiro, mas como
executor/gestor do referido programa (PNHU - Programa
Nacional de Habitação Urbana), a teor do art. 9º da Lei nº
11.977/2009.
Consumidor
2.
às
Aplica-se
demandas
o
Código
envolvendo
de
Defesa
do
contratos
de
financiamento imobiliário firmados no âmbito do aludido
programa habitacional, o que torna cabível a inversão do
ônus da prova estipulado na decisão agravada. 3. Agravo
desprovido.
(AG 00449904620134050000, Desembargador Federal Luiz
Alberto Gurgel de Faria, TRF5 - Terceira Turma, DJE Data::26/02/2014 – Página::105.)
4. INTRODUÇÃO
O Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, do Governo
Federal, gerido pelo Ministério das Cidades e operacionalizado pela Caixa
Econômica Federal - CEF, foi implantado inicialmente pela Medida Provisória nº
5de27
459, de 25 de março de 2009 – posteriormente convertida na Lei nº 11.977 de
07 de julho de 2009.
Uma de suas finalidades é criar mecanismos de incentivo à
produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de
imóveis urbanos (Programa Nacional de Habitação Urbana – PNHU), com o
escopo de garantir efetividade ao direito à moradia, precipuamente, para as
famílias brasileiras mais carentes.
As famílias beneficiadas com a produção e aquisição de novas
unidades habitacionais pelo PMCMV são divididas em dois grupos: o primeiro é
composto por famílias com renda mensal entre 0 (zero) e 3(três) saláriosmínimos;
o segundo por famílias cuja renda mensal seja de até 10 (dez)
salários-mínimos.
O primeiro grupo, do qual fazem parte os adquirentes dos
apartamentos localizados nos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo
Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, tem as maiores vantagens do
programa, como o financiamento pelo prazo de 10 (dez) anos com prestações
limitadas a 10% (dez por cento) da renda familiar, maior valor de subvenção
econômica (desconto) no ato de contratação do financiamento habitacional,
isenção total dos custos com o registro do imóvel, isenção de taxas de inscrição,
inexigência de prestação de entrada, primeira parcela somente quando o imóvel
estiver pronto etc.
O segundo grupo pode ser beneficiado com financiamentos de
até 100% (cem por cento) do valor do imóvel, pelo prazo de 30 (trinta) anos,
taxa de juros reduzida, possibilidade de utilização de recursos do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, acesso ao Fundo Garantidor da
Habitação (cobertura em caso de perda da capacidade de pagamento), redução
do custo cartorário etc.
No âmbito do PMCMV, para as famílias com renda mensal de até
03 (três) salários mínimos, os recursos para as operações contratadas podem
ser provenientes do Fundo de Desenvolvimento Social – FDS, do Fundo de
Arrendamento Residencial – FAR e da Oferta Pública de Recursos. Com efeito,
os requisitos que os adquirentes devem preencher variam de acordo com a
origem dos recursos.
6de27
No que tange às unidades habitacionais objeto desta ação, os
recursos foram oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR, gerido
pela Caixa Econômica Federal - CEF.
As famílias beneficiadas pelo Programa são indicadas pelo
município. Os imóveis, então, são adquiridos pelas famílias beneficiadas por
venda com parcelamento, através de contrato por instrumento particular de
venda e compra direta de imóvel residencial com parcelamento e alienação
Fiduciária em garantia – Programa Minha Casa Minha Vida – Recursos FAR.
A execução das obras do empreendimento é realizada por
Construtora contratada pela CEF, que se responsabiliza pela entrega dos imóveis
concluídos e legalizados. Os imóveis contratados são de propriedade exclusiva
do FAR e integram seu patrimônio até que sejam alienados pelos destinatários
finais.
Cumpre
explanar
que
os
projetos
de
empreendimentos
oferecidos no âmbito da PMCMV são analisados e submetidos à aprovação pela
CEF.
Após essa aprovação, firma-se o instrumento contratual e,
posteriormente, ocorre a entrega da construção, oportunidade na qual, a CEF,
em tese, analisa se a construção atingiu ao escopo de qualidade.
Registre-se que os empreendimentos somente podem ser
entregues aos adquirentes depois que a CEF vistoria o imóvel e ratifica que ele
está pronto para morar, expedindo-se o “habite-se”.
Nessa linha de intelecção, no âmbito dos presentes autos, no
contexto do PMCMV, com recursos do FAR, no dia 31 de março de 2010, a CEF,
primeira acionada e a L Marquezzo Construções e Empreendimentos Ltda,
segunda acionada, firmaram contrato para a edificação de empreendimentos de
blocos de apartamentos denominados Loteamento Habitacional Vida Nova
Campo Formoso I e Loteamento Habitacional Vida Nova Campo Formoso II,
totalizando 496 unidades habitacionais, na cidade de Campo Formoso-BA.
(Contrato às fls. 68-79).
5. DOS FATOS
7de27
Em 18 de dezembro de 2013, foi instaurado nesta Procuradoria
da República o procedimento administrativo nº. 1.14.002.000012/2014-87, em
face
de
representação
formulada
por
adquirentes
de
apartamentos
do
Loteamento Habitacional Vida Nova Campo Formoso I e do Loteamento
Habitacional Vida Nova Campo Formoso II.
Narram os representantes que, no dia 24 de novembro de 2013,
em virtude de fortes ventos e chuvas que atingiram a cidade de Campo
Formoso-BA,
vários
apartamentos
perderam
os
telhados
por problemas
estruturais (fls. 02-07). De acordo com o documento de fls. 06-07, os Blocos
11, 12, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30 e 31 foram atingidos.
Ao procurar a L Marquezzo, segunda acionada, responsável pela
edificação do empreendimento, os representantes foram informados por esta
que nada poderia ser feito, pois, segundo ela, os fenômenos da natureza não
estariam cobertos pela garantia da construção.
A CEF, por sua vez, informou que acionaria o seguro da
construção para efetuar os reparos, no entanto, até a presente data, quase
cinco meses depois do evento, nada foi feito.
Os moradores dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo
Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II estão correndo sérios riscos, pois, por
não terem para onde ir, continuam a ocupar os apartamentos que estão sem
telhados, vulneráveis, a mercê de qualquer chuva ou vento que atinja a região.
Desta maneira, está claro que a conduta tanto da CEF, quanto da
construtora, vem sendo desidiosa, negligenciando a necessidade de reparos.
6. DO DEVER DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO DO IMÓVEL. DA
AUSÊNCIA DE CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR
Conforme se depreende da leitura do contrato de fls. 68-79 do
procedimento administrativo, a responsabilidade pela conservação do imóvel é
dividida em três momentos. Até a conclusão do imóvel, a responsabilidade
sobre este é da construtora que executou a obra. Da conclusão da obra até a
entrega do imóvel ao beneficiário final a responsabilidade é do Poder Público, na
8de27
figura da CEF. Por fim, após a entrega do imóvel, a responsabilidade por
eventuais problemas é do comprador.
Contudo, podem surgir vícios de construção após a entrega do
imóvel. Não há como atribuir, porém, a responsabilidade de repará-los ao
comprador, visto que este não deu causa a eles. A responsabilidade do
construtor vai além da conclusão da obra, respondendo por vícios ocultos ou
defeitos referentes à construção do imóvel. É o caso vislumbrado nos
presentes autos, cujos danos não decorreram da falha de manutenção
dos imóveis, mas sim de vícios na construção dos empreendimentos.
Nesse sentido, cumpre ressaltar a norma contida no art. 618 do
Código Civil Brasileiro:
Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras
construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e
execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco
anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão
dos materiais, como do solo.
A construtora L Marquezzo, segunda acionada, tenta se eximir
de sua responsabilidade, sustentando que os telhados caíram por conta de
fenômeno da natureza, ventos fortes e atípicos,
e, por isso, ela não teria
obrigação de consertá-los, invocando a excludente de responsabilidade civil do
caso fortuito, prevista no art. 393 do Código Civil.
De acordo como parágrafo único do referido diploma lega, “o
caso fortuito ou a força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não
era possível evitar ou impedir”.
Nos
presentes
autos,
todavia,
não
há
falar
de
situação
imprevisível, ou de situação cujos resultados não se podia evitar, vejamos.
Não há qualquer prova de que os ventos verificados no
dia 24 de novembro de 2013 foram tidos como anormais para a região.
Ao contrário, as construções de cada lugar devem estar preparadas para suas
condições climáticas, de onde resulta a culpa das partes.
Para admitir a tese sustentada pela segunda ré, seria
necessário que a maioria dos imóveis de Campo Formoso-BA tivesse
sido destelhada no mesmo evento, o que, notoriamente, não aconteceu.
9de27
As fotos juntadas pela segunda ré, além de folhas e galhos de
árvores na rua, mostram casos isolados de telhas caídas, ainda assim, em
proporção muito menor que a da sua obra. (fls. 29-38 do procedimento
administrativo que acompanha a presente)
Ao invés de provar a ocorrência de caso fortuito ou força maior,
as fotos juntadas pela segunda acionada fazem prova da má qualidade
de sua obra, pois apenas pouquíssimos imóveis de Campo Formoso-BA,
igualmente mal construídos, sofreram danos em decorrência dos
ventos, ainda assim, danos ínfimos em comparação aos estragos
vislumbrados
nos
Loteamentos
Habitacionais
Vida
Nova
Campo
Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II.
Outrossim, os imóveis objeto dessa demanda são novos,
acabaram de ser construídos, diferente de outros do município.
Ademais, a região de Campo Formoso-BA é marcada por
registros de fortes ventos corriqueiramente, ou seja, é um fenômeno comum na
cidade, extremamente previsível, esperado por todos os habitantes.
Por conseguinte, os ventos que derrubaram os telhados dos
Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo
Formoso II
eram previsíveis. Assim sendo, competia à empresa construtora
fazer as edificações levando em consideração as características climáticas do
local, realizando estudo dos fenômenos da natureza mais comuns vislumbrados
na localidade, para executar a obra adequando-a às necessidades locais.
Por exemplo, a fundação de uma obra sempre leva em conta às
peculiaridades do solo. Uma casa construída em um morro deverá conter uma
fundação mais proeminente e fortalecida do que uma residência edificada em
terreno plano.
Nesse diapasão, o telhado de uma edificação construída em local
cujos ventos são mais fortes deverá levar em consideração essa peculiaridade.
Logo, por ser fenômeno previsível a construtora tinha por obrigação edificar
com solidez suficiente para evitar danos dele decorrentes.
10de27
Repise-se que a construção civil deve garantir a solidez, a
segurança e a utilização da obra, e estas características somente podem ser
analisadas caso a caso, projeto a projeto, pois as necessidades variam.
Da análise das fotografias constantes nos autos, observa-se que
os telhados eram compostos por telhas sobrepostas apenas, sem qualquer
medida de fixação destas, ademais, as estruturas em que os telhados estavam
apoiadas são bastante delgadas, o que deixa claro, até para um não especialista
em construção civil, que elas não suportariam a força dos ventos que acometem
corriqueiramente a região.
Ressalte-se, ser obrigação de resultado a que vincula a solidez, a
segurança e a utilização do imóvel em favor do comprador:
A responsabilidade do construtor em relação ao consumidor
é de resultado, de modo que a obra seja entregue com
solidez e segurança, na forma do art. 618 do CC. (TJRJ,
Apelação
CIVEL,
nº
Rel.
2007.001.39510,DECIMA
Des.
Luis
Felipe
OITAVA
Salomão,
CAMARA
julgado
em
06/11/2007).
A responsabilidade pela perfeição da obra é o primeiro dever
legal
de
todo
profissional
ou
firma
de
Engenharia,
Arquitetura ou Agronomia, sendo de se presumir em
qualquer contrato de construção, particular ou pública,
mesmo que não conste de nenhuma cláusula do ajuste. Isto
porque a construção civil é, modernamente, mais que um
empreendimento
leigo,
um
processo
técnico
de
alta
especialização, que exige, além da peritia artis do prático do
passado, a peritia technica do profissional da atualidade”.
(TJSP,
Apelação
Com
Revisão
1127952600,
rel.
Des.
Guilherme Santini Teodoro, julgado em 13/06/2006 –
invocando entendimento de Hely Lopes Meirelles).
Conclui-se, que não há falar no presente feito em caso fortuito
ou força maior. Portanto, é responsabilidade da construtora, assim como da CEF
como agente fiscalizador, a realização dos reparos necessários em suas obras,
de modo a garantir o correto cumprimento do quanto contratado.
11de27
7. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A relação complexa estabelecida entre os adquirentes das
unidades habitacionais, de um lado, e a L Marquezzo e a CEF, de outro,
caracteriza relação de consumo, de modo a atrair a incidência do Código de
Defesa do Consumidor (CDC, Lei nº 8.078/90).
De acordo com o art. 2º do CDC “consumidor é toda pessoa
física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final”. A jurisprudência pátria coaduna esse entendimento:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. IMÓVEL FINANCIADO ATRAVÉS
DO PROGRAMA "MINHA CASA, MINHA VIDA". VÍCIOS DE
CONSTRUÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LEGITIMIDADE DA
CEF. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. 1. A CAIXA é parte
legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se
discutem os danos decorrentes de vícios construtivos em
imóvel financiado no âmbito do Programa "Minha Casa,
Minha Vida", integrante de políticas federais voltadas à
promoção de moradia para pessoas de baixa renda, uma vez
que atua não apenas como agente financeiro, mas como
executor/gestor do referido programa (PNHU - Programa
Nacional de Habitação Urbana), a teor do art. 9º da Lei nº
11.977/2009. 2. Aplica-se o Código de Defesa do
Consumidor às demandas envolvendo contratos de
financiamento
imobiliário
firmados
no
âmbito
do
aludido programa habitacional, o que torna cabível a
inversão do ônus da prova estipulado na decisão
agravada.
3.
Agravo
desprovido.
(AG 00449904620134050000, Desembargador Federal Luiz
Alberto Gurgel de Faria, TRF5 - Terceira Turma, DJE Data::26/02/2014 - Página::105.) (grifamos)
Ademais, os diversos vícios de construção (em sentido amplo)
que afetaram as unidades habitacionais que tiveram os seus telhados atingidos
ensejam a aplicação dos sistema de responsabilidade pelo regulado pela
legislação consumerista em seus arts. 18 e 20, pois os imóveis padecem de
vícios de qualidade que os tornam impróprios para o uso a que se destinam. O
art. 20 do CDC assim dispõe:
12de27
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de
qualidade que os tornem impróprios ao consumidor ou lhes
diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da
disparidade com as indicações constantes da oferta ou
mensagem
publicitária,
podendo
o
consumidor
exigir,
alternativamente e à sua escolha:
I. a reexecução dos serviços, sem custo adicional e
quando cabível;
II. a restituição imediata da quantia paga, monetariamente
atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
o abatimento proporcional do preço. (grifos aditados)
Nesse diapasão, para o CDC, são direitos básicos do consumidor,
art. 6º, II e VI, respectivamente: "a proteção da vida, saúde e segurança contra
os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos ou nocivos” e “a efetiva prevenção e reparação de
danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Em matéria de relação de consumo a responsabilidade é
independente da existência de culpa, é objetiva. No presente caso, onde a culpa
das partes é evidente, a responsabilidade objetiva apenas tem o efeito de
reduzir o objeto de prova da ação.
Assim, as rés devem ser condenadas a indenizar os danos
materiais e morais sofridos pelos moradores, que poderão ser liquidados e
executados individualmente na fase própria, conforme preceitua o artigo 103, §
3º, do CDC:
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a
sentença fará coisa julgada:
(…)
§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16,
combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de
1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos
pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na
forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido,
beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão
13de27
proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96
a 99.
Em relação aos prejuízos sofridos individualmente por cada um
dos moradores, a sentença nesta ação irá reconhecer os respectivos direitos. A
quantificação do montante do valor dos danos individuais de cada um dos
consumidores, com perda de móveis e danos morais, será objeto de liquidação
e
execução
posterior
em
autos
apartados,
individualmente,
conforme
sistemática adotada pelo CDC.
Sem embargo, alguns danos sofridos pelos moradores já são
quantificáveis. Nessa linha, a jurisprudência reconhece em casos semelhantes, a
obrigação de o imóvel e garantir condições seguras da habitação, bem como o
pagamento de valor do aluguel médio durante o período que a
residência não pode ser habitada, inclusive durante o tempo necessário
para a reforma. É o que se vê nos excertos do seguinte acórdão:
CIVIL.
APELAÇÃO.
SISTEMA
FINANCEIRO
DA
HABITAÇÃO.
PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. LEI Nº 11.977/2009.
CONTRATO POR INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E
VENDA DE UNIDADE ISOLADA E MÚTUO COM OBRIGAÇÕES E
ALIENAÇÃO
FIDUCIÁRIA.
PROBLEMAS
NA
EDIFICAÇÃO
CONSTATADOS POR ÓRGÃO DA DEFESA CIVIL. SITUAÇÃO DE
ALTO
RISCO.
LEGITIMIDADE
PASSIVA
AD
CAUSAM
DA
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESNECESSIDADE DE CHAMAMENTO
DO
VENDEDOR
E
DO
CONSTRUTOR.
APLICABILIDADE
DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE DA
CREDORA FIDUCIÁRIA. CONDENAÇÃO A REPARAR O IMÓVEL
E A PAGAR ALUGUEL TEMPORÁRIO ATÉ QUANDO DO
RETORNO
DO
MUTUÁRIO,
COM
GARANTIA
DE
HABITABILIDADE, SEM PREJUÍZO DO CUMPRIMENTO PELO
AUTOR
DOS
ENCARGOS
CONTRATUAIS.
MANUTENÇÃO.
DESPROVIMENTO DO RECURSO.
1. Apelação interposta contra sentença condenatória da ré a
reparar imóvel, garantindo-lhe condições de habitabilidade
e segurança, e a pagar aluguel temporário (de R$350,00),
durante o período de efetivação das obras de reparação,
em favor de mutuário de contrato de compra e venda,
14de27
mútuo e alienação fiduciária do bem, firmado no âmbito do
Sistema
Financeiro
da
Habitação
(SFH),
segundo
as
condições do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV).
[…]
6.
Pelo
desprovimento
da
apelação.
(AC
00167331120114058300, Desembargador Federal Frederico Pinto
de Azevedo, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::31/01/2013 Página::253.)
Registre-se que a ideia de dano, segundo entendimento da
doutrina, abrange não apenas os chamados danos emergentes, mas também os
chamados lucros cessantes e, ainda, os já conhecidos danos morais. Essa a
interpretação sistemática que se extrai da leitura da Constituição Federal
(CF/88, art. 5º, incisos V e X).
8. DOS DANOS MORAIS
A desatenção no atendimento prestado pelas rés, a frustração da
legítima expectativa decorrente de promessa realizada por programa social de
moradia digna e a falta de dignidade no tratamento dos consumidores ensejam
dano ao patrimônio moral que deve ser reparado.
A relevância do direito à moradia é incontestável, pois foi erigido
a direito fundamental social pelo art. 6º da Constituição Federal.
A moradia própria é o sonho que move quase que a totalidade
das famílias, pois geralmente nela a família vislumbra a segurança necessária
para a busca de todas as demais realizações pessoais e profissionais.
A casa é o asilo inviolável do indivíduo e da sua família, local
onde encontra proteção contra as intempéries da natureza e espaço para
descanso e repouso.
No presente caso, o sonho da casa própria tornou-se um
pesadelo para os moradores dos Loteamentos Habitacionais Campo Formoso I e
Campo Formoso II.
Os vícios e problemas enfrentados pelos moradores, que
culminaram com a destruição dos telhados, não se caracteriza em mero
aborrecimento. Tem-se aqui verdadeira hipótese de dano moral indenizável.
15de27
Com efeito, os moradores dos referidos empreendimentos, se
viram obrigados a continuar a residir em um imóvel cuja solidez e segurança foi
rechaçada, com risco às suas integridades físicas, tendo se submetido a esta
situação por absoluta falta de opção, vivendo com medo de que nova chuva ou
vento na região destrua o que lhes restou.
Não obstante os inúmeros problemas no empreendimento, a ré L
Marquezzo,
simplesmente,
se
desincumbiu
de
sua
responsabilidade,
sustentando que os ventos eram caso fortuito.
A acionada CEF, que deveria zelar para que os objetivos do
PMCMV fossem efetivamente atingidos, até a presente data, não tomou
qualquer providência para sanar os danos gerados pelos vícios construtivos.
Saliente-se que a conduta das acionadas, principalmente da
segunda acionada, é agravada por afetar população carente, que é tratada com
especial descaso ante a certeza que ela não é capaz de, individualmente,
acionar o Poder Judiciário em defesa de seus direitos.
Cabe lembrar que, de acordo com o art. 3º, inciso III, da Lei nº.
11.977/2009, que rege o PMCMV, dentre as prioridades para a escolha dos
beneficiários do referido programa, está a das pessoas que vivem em situação
de risco, como encostas, sujeitas a fenômenos da natureza, ou em áreas
insalubres, próximas a aterros sanitários ou a esgotos “a céu aberto”, por
exemplo.
Disso resulta a especial gravidade dos fatos ora narrados, pois as
rés, ao edificarem empreendimentos sem a segurança e solidez necessárias - o
que culminou com os destelhamentos - submeteram a população destinatária
do PMCMV a riscos iguais, ou até maiores, que os de suas moradias anteriores,
por mais simples que fossem.
Além disso, as telhas caindo poderiam ter vitimado moradores
ou terceiros, causando, inclusive, a morte.
Dessa forma, o vilipêndio, não apenas às normas de direito civil
e de defesa do consumidor, mas sobretudo ao direito constitucional fundamental
à moradia não pode ser destituída de consequências jurídicas, devendo as rés
ser condenadas a indenizar pelos males causados.
16de27
Ante a gravidade da violação do direito fundamental à moradia,
por meio de má execução de programas públicos de habitação, a jurisprudência
tem reconhecido a ocorrência presumida de danos morais, como se lê a seguir:
APELAÇÃO.
RESPONSABILIDADE
CIVIL
CONTRATUAL.
DANO
MORAL. ARRENDAMENTO RESIDENCIAL COM OPÇÃO DE COMPRA.
PROGRAMA "MINHA CASA, MINHA VIDA". POLÍTICA PÚBLICA DE
HABITAÇÃO PARA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA. PROGRAMA DE
ARRENDAMENTO RESIDENCIAL ? PAR (LEI Nº 10.188/2001).
LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA ARRENDANTE CAIXA
ECONÔMICA
FEDERAL.
RESPONSABILIDADE
PELO
FATO
DO
SERVIÇO (ART. 14 DO CDC). EMPREGO DE MATERIAIS NO
IMÓVEL
EM
CONTRARIEDADE
ÀS
NORMAS
TÉCNICAS
BRASILEIRAS. VÍCIO OCULTO DA COISA. APELO IMPROVIDO.
1. Trata-se de pretensões deduzidas em face de Caixa Econômica
Federal, buscando os autores da demanda a condenação dessa
empresa pública: no ressarcimento de despesa que fizeram em
imóvel objeto do "Programa de Arrendamento Residencial" de que
trata a Lei nº 10.188/2001; em indenização a título de dano
moral; a efetuar obras de reparo no imóvel arrendado; e,
subsidiariamente, a desconstituir o negócio jurídico celebrado por
vício oculto da coisa.
2. Assemelha-se o contrato de arrendamento residencial ?
negócio jurídico em que se implementa políticas públicas de
habitação para população de baixa renda, anunciado pelo
governo federal como programa •Minha Casa, Minha Vida– ? ao
arrendamento mercantil, denominação dada pela legislação pátria
ao contrato de leasing, que se distingue do contrato de locação
exatamente por possibilitar ao arrendatário a opção de compra do
bem ao término de vigência do pacto. Assim, no leasing
habitacional em apreço, verifica-se a pertinência subjetiva da
arrendante CEF para compor o polo passivo da ação em razão de
exercer a posse indireta do bem arrendado como consequência de
seu domínio.
3. O contrato de arrendamento residencial firmado entre as
partes,
exatamente
por
financiamento/locação/compra
configurar
e
venda,
um
amálgama
evidencia
ser
de
de
consumo a relação estabelecida entre os contratantes, mormente
17de27
porque a intenção política é de aquisição de casa própria, razão
por que aplicável na espécie a lei consumerista, que prevê
responsabilidade civil objetiva por defeito do serviço.
4. A constatação de vícios ocultos no imóvel arrendado foi
constatada por laudo pericial, cuja conclusão é no sentido
de que "muitos materiais não estavam condizentes com o
padrão mínimo previsto e contrários às Normas Técnicas
Brasileiras".
Sólido
conjunto
probatório,
portanto,
a
acarretar inequívoca responsabilidade da CEF pelo fato do
serviço (art. 14 do CDC).
5. A configuração do dano moral, em várias situações e,
particularmente, como a observada neste caso concreto, decorre
apenas da prática do ato com repercussão na vítima, tratando-se
de hipótese que independe de comprovação de abalo a bem
jurídico extrapatrimonial. Com efeito, conforme atesta a doutrina
de direito civil, os danos morais, ao contrário dos materiais,
decorrem da lesão a algum dos aspectos atinentes à dignidade
humana. A repercussão de tais lesões na personalidade da vítima
nem sempre é de fácil liquidação. Contudo, tal é a gravidade
da lesão à dignidade, segundo à ordem constitucional, que
se admite presumível o dano moral pelo simples fato da
lesão, independentemente da sua efetiva comprovação.
6. Afigura-se razoável o arbitramento do dano moral em R$
10.000,00 (dez mil reais) em vista da constatação do
defeito de construção recair em imóvel objeto de política
social, cuja finalidade, em última análise, vem a ser a
consagração do constitucional direito à moradia (art. 6º da
CF/88).
7. Precedentes da 7ª Turma Especializada do Egrégio Tribunal
Regional
(AC
da
2ª
Região.
200451010134946,
CALMON
NOGUEIRA
ESPECIALIZADA,
8.
Recurso
Desembargador
DA
GAMA,
E-DJF2R
-
TRF2
Federal
-
improvido.
GUILHERME
SEXTA
TURMA
Data::29/06/2011
-
Página::117/118.) (grifamos)
9. DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
18de27
Cuidando-se de demanda sobre relação de consumo e preenchidos
os requisitos legais, impõe-se a inversão do ônus da prova em favor dos
consumidores, a teor do CDC:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
III - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil,
quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou
quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias
de experiências;
Logo, os requisitos para que o magistrado inverta o ônus da prova
são os seguintes: a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência do
consumidor, segundo as regras ordinárias de experiência.
No presente caso, de forma cumulativa, com clareza solar,
constata-se que os dois requisitos estão presentes.
A verossimilhança das alegações encontra lastro na documentação
existente no procedimento administrativo que embasa esta ação, sobretudo os
vícios de construção mencionados, instruídos com fotografias.
A hipossuficiência dos consumidores está igualmente comprovada,
seja no aspecto técnico e de informações como no econômico. A acentuada
superioridade econômica das rés é manifesta, pois são elas uma empresa
pública federal que aufere bilhões em receita anual e uma construtora, ao passo
que os consumidores são beneficiários de um programa habitacional para
famílias de baixa renda (PMCMV).
A hipossuficiência técnica e de informações também é evidente, já
que são as rés que conhecem – ou deveriam conhecer – os procedimentos e
normas técnicas a serem observados na construção da obra, os materiais e
tecnologias a serem empregados, de forma que gozam de inquestionável
superioridade técnica e melhores condições de produzir qualquer prova técnica
sobre os fatos versados nesta ação.
Desta feita, presentes os requisitos legais, necessária a inversão do
ônus da prova, conforme pacificamente tem entendido o STJ:
19de27
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Prova. Inversão do
ônus da prova. Perícia. Honorários. Construção civil. SFH. O CDC assegura ao consumidor hipossuficiente o direito de
exercer sua defesa em juízo. As regras legais que procuram
efetivar esse princípio não criam privilégio a seu favor,
apenas procuram estabelecer alguma igualdade entre as
partes. - Perícia considerada indispensável para a ação em
que se alega defeitos na construção do prédio adquirido por
pessoas de baixa renda, pelo SFH, e que não foi feita
porque os autores não reuniram o numerário suficiente para
pagar os honorários do perito. - Renovação do julgamento
da apelação a fim de que a Câmara aprecie a existência dos
pressupostos de fato para a inversão do ônus da prova (Art.
6º, VIII, CDC). Recurso conhecido e provido em parte.
(REsp 347632 / SP; RECURSO ESPECIAL 2001/0100048-0;
Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR; QUARTA TURMA;
Data do Julgamento 24/06/2003; Data da Publicação/Fonte
DJ 01/09/2003 p. 291).
Destaque-se que o MPF atua nesta ação, no tocante aos vícios de
construção, por legitimação extraordinária, na condição de substituto processual
dos consumidores. Desse modo, a condição de hipossuficiência a ensejar a
inversão do ônus probatório diz respeito aos titulares do direito material (os
consumidores, adquirentes das unidades habitacionais) e não do MPF, conforme
acertadamente tem decidido o STJ:
CONSUMIDOR
MONOCRÁTICO.
POSSIBILIDADE
E
PROCESSUAL
LEGALIDADE.
DE
AGRAVO
CIVIL.
ART.
557
INTERNO.
JULGAMENTO
DO
CPC.
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA
PROVA. POSSIBILIDADE. 1. Não há óbice a que seja
invertido o ônus da prova em ação coletiva - providência
que, em realidade, beneficia a coletividade consumidora -,
ainda que se cuide de ação civil pública ajuizada pelo
Ministério Público. 2. Deveras, "a defesa dos interesses e
direitos dos consumidores e das vítimas" - a qual deverá
sempre ser facilitada, por exemplo, com a inversão do ônus
da prova - "poderá ser exercida em juízo individualmente,
20de27
ou a título coletivo" (art. 81 do CDC). 3. Recurso especial
improvido. (RESP 200601549280; RECURSO ESPECIAL –
951785; Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO; QUARTA
TURMA; Fonte DJE DATA:18/02/2011).
Pelas razões expendidas, requer que este juízo determine a
inversão do ônus da prova, para que compita às acionadas o ônus de provar a
existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo dos direitos dos
consumidores.
10. DA TUTELA ANTECIPADA
Diante da manifesta resistência das rés em honrarem com as
suas obrigações contratuais e legais, revela-se imprescindível, no presente caso,
a concessão de provimento jurisdicional liminar. Prevê o artigo 273 do Código de
Processo Civil:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,
total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no
pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se
convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu.
Tratando-se de obrigação de fazer ou não fazer em demanda
relativa à relação de consumo, mister ainda invocar os dispositivos do CDC
abaixo, à semelhança do que estabelece o art. 461 do CPC:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou determinará providências que
assegurem
o
resultado
prático
equivalente
ao
do
adimplemento.
(…)
§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo
justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito
21de27
ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação
prévia, citado o réu.
§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença,
impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do
autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação,
fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do
resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as
medidas
necessárias,
tais
como
busca
e
apreensão,
remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra,
impedimento de atividade nociva, além de requisição de
força policial.
No caso em tela, os requisitos legais para o deferimento da
tutela antecipada encontram-se devidamente preenchidos.
A
verossimilhança
das
alegações
está
comprovada
pelas
inúmeras provas existentes no procedimento administrativo que instrui esta
ação. Os danos causados pelos vícios de construção foram constatados e
mencionados no relatório de vistoria pela ré, nos relatos dos moradores e nas
fotografias acostadas aos autos.
Já o risco de dano irreparável ou de difícil reparação está
consubstanciado no fato de que os moradores dos Loteamentos Habitacionais
Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II estão com as suas
integridades físicas ameaçadas, pois os prédios estão descobertos, a mercê de
novos ventos ou chuvas, que aumentariam os danos por eles até agora
suportados e poderiam ocasionar acidentes fatais.
Ressalte-se que os meses mais chuvosos no município de Campo
Formoso-BA são maio (final do mês), junho e julho, ou seja, a estação chuvosa
se aproxima.
22de27
Desse modo, presentes os requisitos legais, o MINISTÉRIO
PÚBLICO
FEDERAL
requer
seja
concedida,
inaudita
altera
pars,
a
ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, para que seja determinado:
a) a ambas as rés, solidariamente e às suas expensas:
a.1) obrigação de fazer consistente na execução, por conta
própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os
serviços necessários para o conserto dos telhados levados pelos ventos
nos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo
Formoso II, observando-se na execução do serviço as características climáticas
do Município de Campo Formoso-BA, para que os telhados a serem
edificados, suportem a velocidade dos ventos e a intensidade das
chuvas que acometem a região, garantindo a solidez e a segurança,
fixando-lhes prazo de 5 dias úteis para início da execução do serviço e 30 dias
úteis para sua conclusão;
a.2) obrigação de fazer consistente na execução, por conta
própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os
serviços necessários para o conserto de todos os danos construtivos
causados aos apartamentos dos
Loteamentos Habitacionais Vida Nova
Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, pelo evento que culminou
com a retirada dos telhados pelos ventos, como substituição de esquadrias,
reparos
nos
forros,
nas
paredes,
nos
revestimentos
cerâmicos,
instalações elétricas, hidráulicas, enfim todos os danos que a construção
sofreu com a queda do telhado, garantindo a solidez e a segurança,
fixando-lhes prazo de 5 (cinco) dias úteis para início da execução do serviço e
45 (quarenta e cinco) dias úteis para sua conclusão, registre-se que esse prazo
conta cumulativamente com o prazo da obrigação contida em “a.1” e não
sucessivamente;
a.3) obrigação de fazer consistente na execução, por conta
própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os
serviços necessários para a revisão das obras realizadas nos telhados
de todos os blocos constantes nos Loteamentos Habitacionais Vida
Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, adequando os
23de27
telhados de todos os blocos às condições climáticas do Município de
Campo Formoso-BA, para que os telhados suportem a velocidade dos ventos
e a intensidade das chuvas que acometem a região, garantindo a solidez e a
segurança, fixando-lhes prazo de 5 (cinco) dias úteis para início da execução
do serviço e 60 (sessenta) dias úteis para sua conclusão, registre-se que esse
prazo conta cumulativamente com os prazos das obrigações contidas em “a.1” e
“a.2” e não sucessivamente;
a.4) obrigação de fazer de apresentação de laudo técnico,
vinculado à ART de responsabilidade garantindo que os telhados de todos
os blocos dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e
Vida Nova Campo Formoso II foram edificados e fixados de acordo com
as condições climáticas na região, garantindo a solidez e a segurança,
notadamente de ventos e chuvas vigorosos, fixando-lhes prazo de
5 (cinco)
dias úteis para início da execução do serviço e 60 (sessenta) dias úteis para sua
conclusão, registre-se que esse prazo conta cumulativamente com os prazos
das obrigações contidas em “a.1” ,“a.2” e “a.3” e não sucessivamente;
a.5) obrigação de fazer, consistente na execução, por conta
própria ou através de contratação de terceiros especializados, de todas as
medidas necessárias a garantir a segurança dos moradores enquanto
as obras ainda estiverem em andamento.
a.6) obrigação de pagar aluguel temporário, em valor médio
da região, durante o período de efetivação das obras de reparação, em
favor dos moradores que forem obrigados a se retirarem de suas residências
naquele período.
Requer-se, com espeque no art. 84, § 4º do CDC e art. 12, § 2º,
da Lei nº 7.347/85, com o intuito de evitar o descumprimento da ordem
judicial, a cominação de multa diária em valor a ser estipulado por
Vossa Excelência, mas não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) para
cada obrigação descumprida, para cada uma das acionadas.
11. DOS PEDIDOS FINAIS
24de27
Ante
todo
o
exposto,
requer
o
MINISTÉRIO
PÚBLICO
FEDERAL:
a) seja deferida a antecipação de tutela requerida no tópico
antecedente e julgados procedentes, em provimento final os seguintes pleitos,
condenando ambas as rés, solidariamente e às suas expensas:
a.1) obrigação de fazer consistente na execução, por conta
própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os
serviços necessários para o conserto dos telhados levados pelos ventos
nos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo
Formoso II, observando-se na execução do serviço as características climáticas
do Município de Campo Formoso-BA, para que os telhados a serem
edificados, suportem a velocidade dos ventos e a intensidade das
chuvas que acometem a região, garantindo a solidez e a segurança,
fixando-lhes prazo de 5 dias úteis para início da execução do serviço e 30 dias
úteis para sua conclusão;
a.2) obrigação de fazer consistente na execução, por conta
própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os
serviços necessários para o conserto de todos os danos construtivos
causados aos apartamentos dos
Loteamentos Habitacionais Vida Nova
Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, pelo evento que culminou
com a retirada dos telhados pelos ventos, como substituição de esquadrias,
reparos
nos
forros,
nas
paredes,
nos
revestimentos
cerâmicos,
instalações elétricas, hidráulicas, enfim todos os danos que a construção
sofreu com a queda do telhado, garantindo a solidez e a segurança,
fixando-lhes prazo de 5 (cinco) dias úteis para início da execução do serviço e
45 (quarenta e cinco) dias úteis para sua conclusão, registre-se que esse prazo
conta cumulativamente com o prazo da obrigação contida em “a.1” e não
sucessivamente;
a.3) obrigação de fazer consistente na execução, por conta
própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os
serviços necessários para a revisão das obras realizadas nos telhados
de todos os blocos constantes nos Loteamentos Habitacionais Vida
Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, adequando os
25de27
telhados de todos os blocos às condições climáticas do Município de
Campo Formoso-BA, para que os telhados suportem a velocidade dos ventos
e a intensidade das chuvas que acometem a região, garantindo a solidez e a
segurança, fixando-lhes prazo de 5 (cinco) dias úteis para início da execução
do serviço e 60 (sessenta) dias úteis para sua conclusão, registre-se que esse
prazo conta cumulativamente com os prazos das obrigações contidas em “a.1” e
“a.2” e não sucessivamente;
a.4) obrigação de fazer de apresentação de laudo técnico,
vinculado à ART de responsabilidade garantindo que os telhados de todos
os blocos dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e
Vida Nova Campo Formoso II foram edificados e fixados de acordo com
as condições climáticas na região, garantindo a solidez e a segurança,
notadamente de ventos e chuvas vigorosos, fixando-lhes prazo de
5 (cinco)
dias úteis para início da execução do serviço e 60 (sessenta) dias úteis para sua
conclusão, registre-se que esse prazo conta cumulativamente com os prazos
das obrigações contidas em “a.1” ,“a.2” e “a.3” e não sucessivamente;
a.5) obrigação de fazer, consistente na execução, por conta
própria ou através de contratação de terceiros especializados, de todas as
medidas necessárias a garantir a segurança dos moradores enquanto
as obras ainda estiverem em andamento;
a.6) obrigação de pagar aluguel temporário, em valor médio
da região, durante o período de efetivação das obras de reparação, em
favor dos moradores que forem obrigados a se retirarem de suas residências
naquele período.
b) a condenação das rés ao pagamento dos danos morais
e
materiais,
incluindo-se
danos
emergentes
e
lucros
cessantes
aos
consumidores substituídos processualmente neste feito, a serem liquidados em
execuções individuais por eles movidas, com espeque nos arts. 96 e 97 do CDC;
c) a citação das demandadas, na forma da lei, para, querendo,
contestarem a presente ação civil pública;
d)
A
publicação
de
edital
para
que
os
moradores
dos
Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo
26de27
Formoso
II
possam,
se
assim
desejarem,
intervir
no
processo
como
litisconsortes ou requeiram nos respectivos juízos a suspensão de eventuais
ações individuais propostas, com espeque no art. 94 do CDC c/c o art. 21 da Lei
nº. 7.347/85;
e) A decretação da inversão do ônus da prova em favor dos
consumidores;
f) A condenação das rés nos consectários da sucumbência;
g)
Enfim,
sejam
todos
os
pedidos
julgados
totalmente
procedentes.
Protesta o Parquet por todos os meios de prova admitidos em
direito, notadamente pericial, documental e testemunhal.
Atribui-se à causa o valor de R$10.495.961,96 (dez milhões,
quatrocentos e noventa e cinco mil novecentos e sessenta e um reais e noventa
e seis centavos).
Nestes termos,
Pede deferimento.
Campo Formoso/BA, 09 de abril de 2014.
Gabriel Pimenta Alves
Procurador da República
27de27
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Confira a íntegra da ação - MPF-BA