EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA VARA ÚNICA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO FORMOSO/BA URGENTE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem, por meio do procurador da República que ao final subscreve, à presença de V. Exa., com base no art. 37, § 4º e 129 da Constituição Federal e na Lei nº 7.347/85, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em desfavor de: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, (dados de qualificação omitidos) L MARQUEZZO CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA, (dados de qualificação omitidos) 1. OBJETO DA PRESENTE DEMANDA A presente ação judicial pretende condenar solidariamente a Caixa Econômica Federal -CEF e L Marquezzo Construções e Empreendimentos LTDA. na reparação de todos os vícios (em sentido amplo) de construção das unidades habitacionais dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, assegurando aos 1de27 consumidores toda a proteção legal do sistema do Código de Defesa do Consumidor. Também se busca a condenação solidária de ambas as rés à indenização e ao ressarcimento integral de todos os prejuízos suportados pelos consumidores pelos danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) e pelos danos morais sofridos. 2. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL O Ministério Público, elevado à categoria de instituição permanente e indispensável à função jurisdicional do Estado, nos termos do art. 127 da Constituição de 1988, tem como funções precípuas a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Cumpre destacar que a defesa do consumidor é obrigação do Estado, erigida em garantia fundamental, conforme se constata da redação do inciso XXXII, do artigo 5° do Texto Constitucional, abaixo transcrito, in verbis: Art. 5.º (...) XXXII – O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; No caso versado nos autos, a defesa do consumidor está sendo efetuada pelo Ministério Público Federal, tanto por dever constitucional, como por dever legal, em face das disposições do artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, dos artigos 5º, 6º e 39 da Lei Complementar nº 75/93, do artigo 1º da Lei nº 7.347/85 e,também dos artigos 6º, 51 e 82, inciso I, e 91 da Lei nº 8.078/90. A jurisprudência tem firmado entendimento no sentido da legitimidade ativa do Ministério Público para a propositura de ações visando à defesa de interesses individuais homogêneos em relações de consumo, bem como da legitimidade de instituições financeiras para figurarem no polo passivo como fornecedoras, conforme se extrai do seguinte julgado: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS E MATERIAIS CAUSADOS A MORADORES DE CONJUNTO HABITACIONAL DECORRENTES DE VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. DIREITO À 2de27 MORADIA. RELEVÂNCIA SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. PRECEDENTES. 1. O Ministério Público ostenta legitimidade ad causam para propor ação civil pública com o objetivo de resguardar direitos individuais homogêneos relacionados a contratos habitacionais, em face da inegável repercussão para a coletividade e, de consequência, manifesta relevância social. Precedentes. 2. No caso dos autos, as unidades habitacionais foram construídas em desconformidade com o projeto original, oferecendo riscos de ordens diversas, inclusive de ruína, tendo sido deferida a realização de perícia técnica - não realizada em face da extinção do feito por ilegitimidade ativa. 3. Apelação do Ministério Público Federal provida, para desconstituir a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, com vistas ao regular prosseguimento do 200132000034852; feito. Relator (AC - APELAÇÃO DESEMBARGADOR CIVEL – FEDERAL FAGUNDES DE DEUS; TRF1; QUINTA TURMA; Fonte e-DJF1 DATA:26/08/2011 PAGINA:147). A presente ação civil pública visa a defender os interesses individuais homogêneos dos consumidores, em razão de vícios que acometeram os imóveis adquiridos pelo Programa Minha Casa Minha Vida que culminaram com a destruição do telhado de diversos blocos de apartamentos e, até a presente data, em decorrência da mora na execução dos serviços de recuperação das unidades habitacionais, sofrem as consequências desse fato. Os interesses aqui tutelados apresentam-se como de interesse público, revestindo-se de grande relevância social, eis que envolve o direito à moradia e as políticas públicas encetadas para sua efetivação dos adquirentes dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II. O direito à moradia é direito fundamental positivado no art. 6º da Constituição Federal. Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no pertinente à legitimidade do Ministério Público na defesa desse direito individual homogêneo: 3de27 Processual civil e SFH. Recurso especial. Ação civil pública. Direitos individuais homogêneos. Ministério Público. Legitimidade. - Os interesses individuais homogêneos são considerados relevantes desnecessária a por comprovação si desta mesmos, relevância. sendo - O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos referentes aos contratos de mútuo vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação, porquanto é interesse que alcança toda a coletividade a ostentar por si só relevância social. - O Código de Defesa do Consumidor incide nos contratos vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação. - Recurso especial conhecido e provido.” (RESP nº 635807/CE; Rel. Min. NANCY ANDRIGHI; DJ 20.06.2005). Portanto, demonstrada a legitimidade ativa do MPF para a propositura da presente ação civil pública, sendo competente a Subseção Judiciária da Justiça Federal de Campo Formoso-BA para processar e julgar o feito, pois os fatos objeto desta demanda aconteceram no município de Campo Formoso-BA, e mais, a demanda envolve diretamente a Caixa Econômica Federal, empresa pública federal, cujo foro decorre do art. 109, inciso I, da Constituição Federal. 3. DA LEGITIMIDADE PASSIVA A legitimidade passiva da segunda ré, a Marquezzo Construções e Empreendimentos LTDA, não gera qualquer dúvida, pois foi a responsável pela construção defeituosa que resultou no fato objeto da presente demanda. Também não deve haver dúvidas da legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal. De acordo com o art. 9º a Lei nº. 11.977/2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, a Caixa Econômica Federal é a gestora operacional do referido programa. No exercício dessa atribuição, incumbe a ela a fiscalização da obra, efetuando as medições e promovendo o repasse dos valores à construtora na medida em que são cumpridas, pela construtora, as obrigações contratualmente. 4de27 Evidentemente que esse dever fiscalizatório abrange a verificação da eventual existência de vícios de construção. No caso em apreço, a Caixa Econômica Federal omitiu-se na sua função fiscalizatória, liberando os valores à construtora mesmo diante de vícios de construção. A legitimidade passiva da CEF em casos como o presente é questão pacífica na jurisprudência, consoante denotam os seguintes julgados: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. IMÓVEL FINANCIADO ATRAVÉS DO PROGRAMA "MINHA CASA, MINHA VIDA". VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LEGITIMIDADE DA CEF. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. 1. A CAIXA é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se discutem os danos decorrentes de vícios construtivos em imóvel financiado no âmbito do Programa "Minha Casa, Minha Vida", integrante de políticas federais voltadas à promoção de moradia para pessoas de baixa renda, uma vez que atua não apenas como agente financeiro, mas como executor/gestor do referido programa (PNHU - Programa Nacional de Habitação Urbana), a teor do art. 9º da Lei nº 11.977/2009. Consumidor 2. às Aplica-se demandas o Código envolvendo de Defesa do contratos de financiamento imobiliário firmados no âmbito do aludido programa habitacional, o que torna cabível a inversão do ônus da prova estipulado na decisão agravada. 3. Agravo desprovido. (AG 00449904620134050000, Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, TRF5 - Terceira Turma, DJE Data::26/02/2014 – Página::105.) 4. INTRODUÇÃO O Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, do Governo Federal, gerido pelo Ministério das Cidades e operacionalizado pela Caixa Econômica Federal - CEF, foi implantado inicialmente pela Medida Provisória nº 5de27 459, de 25 de março de 2009 – posteriormente convertida na Lei nº 11.977 de 07 de julho de 2009. Uma de suas finalidades é criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos (Programa Nacional de Habitação Urbana – PNHU), com o escopo de garantir efetividade ao direito à moradia, precipuamente, para as famílias brasileiras mais carentes. As famílias beneficiadas com a produção e aquisição de novas unidades habitacionais pelo PMCMV são divididas em dois grupos: o primeiro é composto por famílias com renda mensal entre 0 (zero) e 3(três) saláriosmínimos; o segundo por famílias cuja renda mensal seja de até 10 (dez) salários-mínimos. O primeiro grupo, do qual fazem parte os adquirentes dos apartamentos localizados nos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, tem as maiores vantagens do programa, como o financiamento pelo prazo de 10 (dez) anos com prestações limitadas a 10% (dez por cento) da renda familiar, maior valor de subvenção econômica (desconto) no ato de contratação do financiamento habitacional, isenção total dos custos com o registro do imóvel, isenção de taxas de inscrição, inexigência de prestação de entrada, primeira parcela somente quando o imóvel estiver pronto etc. O segundo grupo pode ser beneficiado com financiamentos de até 100% (cem por cento) do valor do imóvel, pelo prazo de 30 (trinta) anos, taxa de juros reduzida, possibilidade de utilização de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, acesso ao Fundo Garantidor da Habitação (cobertura em caso de perda da capacidade de pagamento), redução do custo cartorário etc. No âmbito do PMCMV, para as famílias com renda mensal de até 03 (três) salários mínimos, os recursos para as operações contratadas podem ser provenientes do Fundo de Desenvolvimento Social – FDS, do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR e da Oferta Pública de Recursos. Com efeito, os requisitos que os adquirentes devem preencher variam de acordo com a origem dos recursos. 6de27 No que tange às unidades habitacionais objeto desta ação, os recursos foram oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR, gerido pela Caixa Econômica Federal - CEF. As famílias beneficiadas pelo Programa são indicadas pelo município. Os imóveis, então, são adquiridos pelas famílias beneficiadas por venda com parcelamento, através de contrato por instrumento particular de venda e compra direta de imóvel residencial com parcelamento e alienação Fiduciária em garantia – Programa Minha Casa Minha Vida – Recursos FAR. A execução das obras do empreendimento é realizada por Construtora contratada pela CEF, que se responsabiliza pela entrega dos imóveis concluídos e legalizados. Os imóveis contratados são de propriedade exclusiva do FAR e integram seu patrimônio até que sejam alienados pelos destinatários finais. Cumpre explanar que os projetos de empreendimentos oferecidos no âmbito da PMCMV são analisados e submetidos à aprovação pela CEF. Após essa aprovação, firma-se o instrumento contratual e, posteriormente, ocorre a entrega da construção, oportunidade na qual, a CEF, em tese, analisa se a construção atingiu ao escopo de qualidade. Registre-se que os empreendimentos somente podem ser entregues aos adquirentes depois que a CEF vistoria o imóvel e ratifica que ele está pronto para morar, expedindo-se o “habite-se”. Nessa linha de intelecção, no âmbito dos presentes autos, no contexto do PMCMV, com recursos do FAR, no dia 31 de março de 2010, a CEF, primeira acionada e a L Marquezzo Construções e Empreendimentos Ltda, segunda acionada, firmaram contrato para a edificação de empreendimentos de blocos de apartamentos denominados Loteamento Habitacional Vida Nova Campo Formoso I e Loteamento Habitacional Vida Nova Campo Formoso II, totalizando 496 unidades habitacionais, na cidade de Campo Formoso-BA. (Contrato às fls. 68-79). 5. DOS FATOS 7de27 Em 18 de dezembro de 2013, foi instaurado nesta Procuradoria da República o procedimento administrativo nº. 1.14.002.000012/2014-87, em face de representação formulada por adquirentes de apartamentos do Loteamento Habitacional Vida Nova Campo Formoso I e do Loteamento Habitacional Vida Nova Campo Formoso II. Narram os representantes que, no dia 24 de novembro de 2013, em virtude de fortes ventos e chuvas que atingiram a cidade de Campo Formoso-BA, vários apartamentos perderam os telhados por problemas estruturais (fls. 02-07). De acordo com o documento de fls. 06-07, os Blocos 11, 12, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30 e 31 foram atingidos. Ao procurar a L Marquezzo, segunda acionada, responsável pela edificação do empreendimento, os representantes foram informados por esta que nada poderia ser feito, pois, segundo ela, os fenômenos da natureza não estariam cobertos pela garantia da construção. A CEF, por sua vez, informou que acionaria o seguro da construção para efetuar os reparos, no entanto, até a presente data, quase cinco meses depois do evento, nada foi feito. Os moradores dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II estão correndo sérios riscos, pois, por não terem para onde ir, continuam a ocupar os apartamentos que estão sem telhados, vulneráveis, a mercê de qualquer chuva ou vento que atinja a região. Desta maneira, está claro que a conduta tanto da CEF, quanto da construtora, vem sendo desidiosa, negligenciando a necessidade de reparos. 6. DO DEVER DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO DO IMÓVEL. DA AUSÊNCIA DE CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR Conforme se depreende da leitura do contrato de fls. 68-79 do procedimento administrativo, a responsabilidade pela conservação do imóvel é dividida em três momentos. Até a conclusão do imóvel, a responsabilidade sobre este é da construtora que executou a obra. Da conclusão da obra até a entrega do imóvel ao beneficiário final a responsabilidade é do Poder Público, na 8de27 figura da CEF. Por fim, após a entrega do imóvel, a responsabilidade por eventuais problemas é do comprador. Contudo, podem surgir vícios de construção após a entrega do imóvel. Não há como atribuir, porém, a responsabilidade de repará-los ao comprador, visto que este não deu causa a eles. A responsabilidade do construtor vai além da conclusão da obra, respondendo por vícios ocultos ou defeitos referentes à construção do imóvel. É o caso vislumbrado nos presentes autos, cujos danos não decorreram da falha de manutenção dos imóveis, mas sim de vícios na construção dos empreendimentos. Nesse sentido, cumpre ressaltar a norma contida no art. 618 do Código Civil Brasileiro: Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. A construtora L Marquezzo, segunda acionada, tenta se eximir de sua responsabilidade, sustentando que os telhados caíram por conta de fenômeno da natureza, ventos fortes e atípicos, e, por isso, ela não teria obrigação de consertá-los, invocando a excludente de responsabilidade civil do caso fortuito, prevista no art. 393 do Código Civil. De acordo como parágrafo único do referido diploma lega, “o caso fortuito ou a força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Nos presentes autos, todavia, não há falar de situação imprevisível, ou de situação cujos resultados não se podia evitar, vejamos. Não há qualquer prova de que os ventos verificados no dia 24 de novembro de 2013 foram tidos como anormais para a região. Ao contrário, as construções de cada lugar devem estar preparadas para suas condições climáticas, de onde resulta a culpa das partes. Para admitir a tese sustentada pela segunda ré, seria necessário que a maioria dos imóveis de Campo Formoso-BA tivesse sido destelhada no mesmo evento, o que, notoriamente, não aconteceu. 9de27 As fotos juntadas pela segunda ré, além de folhas e galhos de árvores na rua, mostram casos isolados de telhas caídas, ainda assim, em proporção muito menor que a da sua obra. (fls. 29-38 do procedimento administrativo que acompanha a presente) Ao invés de provar a ocorrência de caso fortuito ou força maior, as fotos juntadas pela segunda acionada fazem prova da má qualidade de sua obra, pois apenas pouquíssimos imóveis de Campo Formoso-BA, igualmente mal construídos, sofreram danos em decorrência dos ventos, ainda assim, danos ínfimos em comparação aos estragos vislumbrados nos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II. Outrossim, os imóveis objeto dessa demanda são novos, acabaram de ser construídos, diferente de outros do município. Ademais, a região de Campo Formoso-BA é marcada por registros de fortes ventos corriqueiramente, ou seja, é um fenômeno comum na cidade, extremamente previsível, esperado por todos os habitantes. Por conseguinte, os ventos que derrubaram os telhados dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II eram previsíveis. Assim sendo, competia à empresa construtora fazer as edificações levando em consideração as características climáticas do local, realizando estudo dos fenômenos da natureza mais comuns vislumbrados na localidade, para executar a obra adequando-a às necessidades locais. Por exemplo, a fundação de uma obra sempre leva em conta às peculiaridades do solo. Uma casa construída em um morro deverá conter uma fundação mais proeminente e fortalecida do que uma residência edificada em terreno plano. Nesse diapasão, o telhado de uma edificação construída em local cujos ventos são mais fortes deverá levar em consideração essa peculiaridade. Logo, por ser fenômeno previsível a construtora tinha por obrigação edificar com solidez suficiente para evitar danos dele decorrentes. 10de27 Repise-se que a construção civil deve garantir a solidez, a segurança e a utilização da obra, e estas características somente podem ser analisadas caso a caso, projeto a projeto, pois as necessidades variam. Da análise das fotografias constantes nos autos, observa-se que os telhados eram compostos por telhas sobrepostas apenas, sem qualquer medida de fixação destas, ademais, as estruturas em que os telhados estavam apoiadas são bastante delgadas, o que deixa claro, até para um não especialista em construção civil, que elas não suportariam a força dos ventos que acometem corriqueiramente a região. Ressalte-se, ser obrigação de resultado a que vincula a solidez, a segurança e a utilização do imóvel em favor do comprador: A responsabilidade do construtor em relação ao consumidor é de resultado, de modo que a obra seja entregue com solidez e segurança, na forma do art. 618 do CC. (TJRJ, Apelação CIVEL, nº Rel. 2007.001.39510,DECIMA Des. Luis Felipe OITAVA Salomão, CAMARA julgado em 06/11/2007). A responsabilidade pela perfeição da obra é o primeiro dever legal de todo profissional ou firma de Engenharia, Arquitetura ou Agronomia, sendo de se presumir em qualquer contrato de construção, particular ou pública, mesmo que não conste de nenhuma cláusula do ajuste. Isto porque a construção civil é, modernamente, mais que um empreendimento leigo, um processo técnico de alta especialização, que exige, além da peritia artis do prático do passado, a peritia technica do profissional da atualidade”. (TJSP, Apelação Com Revisão 1127952600, rel. Des. Guilherme Santini Teodoro, julgado em 13/06/2006 – invocando entendimento de Hely Lopes Meirelles). Conclui-se, que não há falar no presente feito em caso fortuito ou força maior. Portanto, é responsabilidade da construtora, assim como da CEF como agente fiscalizador, a realização dos reparos necessários em suas obras, de modo a garantir o correto cumprimento do quanto contratado. 11de27 7. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR A relação complexa estabelecida entre os adquirentes das unidades habitacionais, de um lado, e a L Marquezzo e a CEF, de outro, caracteriza relação de consumo, de modo a atrair a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC, Lei nº 8.078/90). De acordo com o art. 2º do CDC “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. A jurisprudência pátria coaduna esse entendimento: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. IMÓVEL FINANCIADO ATRAVÉS DO PROGRAMA "MINHA CASA, MINHA VIDA". VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LEGITIMIDADE DA CEF. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. 1. A CAIXA é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se discutem os danos decorrentes de vícios construtivos em imóvel financiado no âmbito do Programa "Minha Casa, Minha Vida", integrante de políticas federais voltadas à promoção de moradia para pessoas de baixa renda, uma vez que atua não apenas como agente financeiro, mas como executor/gestor do referido programa (PNHU - Programa Nacional de Habitação Urbana), a teor do art. 9º da Lei nº 11.977/2009. 2. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às demandas envolvendo contratos de financiamento imobiliário firmados no âmbito do aludido programa habitacional, o que torna cabível a inversão do ônus da prova estipulado na decisão agravada. 3. Agravo desprovido. (AG 00449904620134050000, Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, TRF5 - Terceira Turma, DJE Data::26/02/2014 - Página::105.) (grifamos) Ademais, os diversos vícios de construção (em sentido amplo) que afetaram as unidades habitacionais que tiveram os seus telhados atingidos ensejam a aplicação dos sistema de responsabilidade pelo regulado pela legislação consumerista em seus arts. 18 e 20, pois os imóveis padecem de vícios de qualidade que os tornam impróprios para o uso a que se destinam. O art. 20 do CDC assim dispõe: 12de27 Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumidor ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I. a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II. a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; o abatimento proporcional do preço. (grifos aditados) Nesse diapasão, para o CDC, são direitos básicos do consumidor, art. 6º, II e VI, respectivamente: "a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos” e “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. Em matéria de relação de consumo a responsabilidade é independente da existência de culpa, é objetiva. No presente caso, onde a culpa das partes é evidente, a responsabilidade objetiva apenas tem o efeito de reduzir o objeto de prova da ação. Assim, as rés devem ser condenadas a indenizar os danos materiais e morais sofridos pelos moradores, que poderão ser liquidados e executados individualmente na fase própria, conforme preceitua o artigo 103, § 3º, do CDC: Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: (…) § 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão 13de27 proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. Em relação aos prejuízos sofridos individualmente por cada um dos moradores, a sentença nesta ação irá reconhecer os respectivos direitos. A quantificação do montante do valor dos danos individuais de cada um dos consumidores, com perda de móveis e danos morais, será objeto de liquidação e execução posterior em autos apartados, individualmente, conforme sistemática adotada pelo CDC. Sem embargo, alguns danos sofridos pelos moradores já são quantificáveis. Nessa linha, a jurisprudência reconhece em casos semelhantes, a obrigação de o imóvel e garantir condições seguras da habitação, bem como o pagamento de valor do aluguel médio durante o período que a residência não pode ser habitada, inclusive durante o tempo necessário para a reforma. É o que se vê nos excertos do seguinte acórdão: CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. LEI Nº 11.977/2009. CONTRATO POR INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE ISOLADA E MÚTUO COM OBRIGAÇÕES E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PROBLEMAS NA EDIFICAÇÃO CONSTATADOS POR ÓRGÃO DA DEFESA CIVIL. SITUAÇÃO DE ALTO RISCO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESNECESSIDADE DE CHAMAMENTO DO VENDEDOR E DO CONSTRUTOR. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE DA CREDORA FIDUCIÁRIA. CONDENAÇÃO A REPARAR O IMÓVEL E A PAGAR ALUGUEL TEMPORÁRIO ATÉ QUANDO DO RETORNO DO MUTUÁRIO, COM GARANTIA DE HABITABILIDADE, SEM PREJUÍZO DO CUMPRIMENTO PELO AUTOR DOS ENCARGOS CONTRATUAIS. MANUTENÇÃO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Apelação interposta contra sentença condenatória da ré a reparar imóvel, garantindo-lhe condições de habitabilidade e segurança, e a pagar aluguel temporário (de R$350,00), durante o período de efetivação das obras de reparação, em favor de mutuário de contrato de compra e venda, 14de27 mútuo e alienação fiduciária do bem, firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), segundo as condições do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). […] 6. Pelo desprovimento da apelação. (AC 00167331120114058300, Desembargador Federal Frederico Pinto de Azevedo, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::31/01/2013 Página::253.) Registre-se que a ideia de dano, segundo entendimento da doutrina, abrange não apenas os chamados danos emergentes, mas também os chamados lucros cessantes e, ainda, os já conhecidos danos morais. Essa a interpretação sistemática que se extrai da leitura da Constituição Federal (CF/88, art. 5º, incisos V e X). 8. DOS DANOS MORAIS A desatenção no atendimento prestado pelas rés, a frustração da legítima expectativa decorrente de promessa realizada por programa social de moradia digna e a falta de dignidade no tratamento dos consumidores ensejam dano ao patrimônio moral que deve ser reparado. A relevância do direito à moradia é incontestável, pois foi erigido a direito fundamental social pelo art. 6º da Constituição Federal. A moradia própria é o sonho que move quase que a totalidade das famílias, pois geralmente nela a família vislumbra a segurança necessária para a busca de todas as demais realizações pessoais e profissionais. A casa é o asilo inviolável do indivíduo e da sua família, local onde encontra proteção contra as intempéries da natureza e espaço para descanso e repouso. No presente caso, o sonho da casa própria tornou-se um pesadelo para os moradores dos Loteamentos Habitacionais Campo Formoso I e Campo Formoso II. Os vícios e problemas enfrentados pelos moradores, que culminaram com a destruição dos telhados, não se caracteriza em mero aborrecimento. Tem-se aqui verdadeira hipótese de dano moral indenizável. 15de27 Com efeito, os moradores dos referidos empreendimentos, se viram obrigados a continuar a residir em um imóvel cuja solidez e segurança foi rechaçada, com risco às suas integridades físicas, tendo se submetido a esta situação por absoluta falta de opção, vivendo com medo de que nova chuva ou vento na região destrua o que lhes restou. Não obstante os inúmeros problemas no empreendimento, a ré L Marquezzo, simplesmente, se desincumbiu de sua responsabilidade, sustentando que os ventos eram caso fortuito. A acionada CEF, que deveria zelar para que os objetivos do PMCMV fossem efetivamente atingidos, até a presente data, não tomou qualquer providência para sanar os danos gerados pelos vícios construtivos. Saliente-se que a conduta das acionadas, principalmente da segunda acionada, é agravada por afetar população carente, que é tratada com especial descaso ante a certeza que ela não é capaz de, individualmente, acionar o Poder Judiciário em defesa de seus direitos. Cabe lembrar que, de acordo com o art. 3º, inciso III, da Lei nº. 11.977/2009, que rege o PMCMV, dentre as prioridades para a escolha dos beneficiários do referido programa, está a das pessoas que vivem em situação de risco, como encostas, sujeitas a fenômenos da natureza, ou em áreas insalubres, próximas a aterros sanitários ou a esgotos “a céu aberto”, por exemplo. Disso resulta a especial gravidade dos fatos ora narrados, pois as rés, ao edificarem empreendimentos sem a segurança e solidez necessárias - o que culminou com os destelhamentos - submeteram a população destinatária do PMCMV a riscos iguais, ou até maiores, que os de suas moradias anteriores, por mais simples que fossem. Além disso, as telhas caindo poderiam ter vitimado moradores ou terceiros, causando, inclusive, a morte. Dessa forma, o vilipêndio, não apenas às normas de direito civil e de defesa do consumidor, mas sobretudo ao direito constitucional fundamental à moradia não pode ser destituída de consequências jurídicas, devendo as rés ser condenadas a indenizar pelos males causados. 16de27 Ante a gravidade da violação do direito fundamental à moradia, por meio de má execução de programas públicos de habitação, a jurisprudência tem reconhecido a ocorrência presumida de danos morais, como se lê a seguir: APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. DANO MORAL. ARRENDAMENTO RESIDENCIAL COM OPÇÃO DE COMPRA. PROGRAMA "MINHA CASA, MINHA VIDA". POLÍTICA PÚBLICA DE HABITAÇÃO PARA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL ? PAR (LEI Nº 10.188/2001). LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA ARRENDANTE CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO (ART. 14 DO CDC). EMPREGO DE MATERIAIS NO IMÓVEL EM CONTRARIEDADE ÀS NORMAS TÉCNICAS BRASILEIRAS. VÍCIO OCULTO DA COISA. APELO IMPROVIDO. 1. Trata-se de pretensões deduzidas em face de Caixa Econômica Federal, buscando os autores da demanda a condenação dessa empresa pública: no ressarcimento de despesa que fizeram em imóvel objeto do "Programa de Arrendamento Residencial" de que trata a Lei nº 10.188/2001; em indenização a título de dano moral; a efetuar obras de reparo no imóvel arrendado; e, subsidiariamente, a desconstituir o negócio jurídico celebrado por vício oculto da coisa. 2. Assemelha-se o contrato de arrendamento residencial ? negócio jurídico em que se implementa políticas públicas de habitação para população de baixa renda, anunciado pelo governo federal como programa •Minha Casa, Minha Vida– ? ao arrendamento mercantil, denominação dada pela legislação pátria ao contrato de leasing, que se distingue do contrato de locação exatamente por possibilitar ao arrendatário a opção de compra do bem ao término de vigência do pacto. Assim, no leasing habitacional em apreço, verifica-se a pertinência subjetiva da arrendante CEF para compor o polo passivo da ação em razão de exercer a posse indireta do bem arrendado como consequência de seu domínio. 3. O contrato de arrendamento residencial firmado entre as partes, exatamente por financiamento/locação/compra configurar e venda, um amálgama evidencia ser de de consumo a relação estabelecida entre os contratantes, mormente 17de27 porque a intenção política é de aquisição de casa própria, razão por que aplicável na espécie a lei consumerista, que prevê responsabilidade civil objetiva por defeito do serviço. 4. A constatação de vícios ocultos no imóvel arrendado foi constatada por laudo pericial, cuja conclusão é no sentido de que "muitos materiais não estavam condizentes com o padrão mínimo previsto e contrários às Normas Técnicas Brasileiras". Sólido conjunto probatório, portanto, a acarretar inequívoca responsabilidade da CEF pelo fato do serviço (art. 14 do CDC). 5. A configuração do dano moral, em várias situações e, particularmente, como a observada neste caso concreto, decorre apenas da prática do ato com repercussão na vítima, tratando-se de hipótese que independe de comprovação de abalo a bem jurídico extrapatrimonial. Com efeito, conforme atesta a doutrina de direito civil, os danos morais, ao contrário dos materiais, decorrem da lesão a algum dos aspectos atinentes à dignidade humana. A repercussão de tais lesões na personalidade da vítima nem sempre é de fácil liquidação. Contudo, tal é a gravidade da lesão à dignidade, segundo à ordem constitucional, que se admite presumível o dano moral pelo simples fato da lesão, independentemente da sua efetiva comprovação. 6. Afigura-se razoável o arbitramento do dano moral em R$ 10.000,00 (dez mil reais) em vista da constatação do defeito de construção recair em imóvel objeto de política social, cuja finalidade, em última análise, vem a ser a consagração do constitucional direito à moradia (art. 6º da CF/88). 7. Precedentes da 7ª Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional (AC da 2ª Região. 200451010134946, CALMON NOGUEIRA ESPECIALIZADA, 8. Recurso Desembargador DA GAMA, E-DJF2R - TRF2 Federal - improvido. GUILHERME SEXTA TURMA Data::29/06/2011 - Página::117/118.) (grifamos) 9. DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA 18de27 Cuidando-se de demanda sobre relação de consumo e preenchidos os requisitos legais, impõe-se a inversão do ônus da prova em favor dos consumidores, a teor do CDC: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) III - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; Logo, os requisitos para que o magistrado inverta o ônus da prova são os seguintes: a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência do consumidor, segundo as regras ordinárias de experiência. No presente caso, de forma cumulativa, com clareza solar, constata-se que os dois requisitos estão presentes. A verossimilhança das alegações encontra lastro na documentação existente no procedimento administrativo que embasa esta ação, sobretudo os vícios de construção mencionados, instruídos com fotografias. A hipossuficiência dos consumidores está igualmente comprovada, seja no aspecto técnico e de informações como no econômico. A acentuada superioridade econômica das rés é manifesta, pois são elas uma empresa pública federal que aufere bilhões em receita anual e uma construtora, ao passo que os consumidores são beneficiários de um programa habitacional para famílias de baixa renda (PMCMV). A hipossuficiência técnica e de informações também é evidente, já que são as rés que conhecem – ou deveriam conhecer – os procedimentos e normas técnicas a serem observados na construção da obra, os materiais e tecnologias a serem empregados, de forma que gozam de inquestionável superioridade técnica e melhores condições de produzir qualquer prova técnica sobre os fatos versados nesta ação. Desta feita, presentes os requisitos legais, necessária a inversão do ônus da prova, conforme pacificamente tem entendido o STJ: 19de27 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Prova. Inversão do ônus da prova. Perícia. Honorários. Construção civil. SFH. O CDC assegura ao consumidor hipossuficiente o direito de exercer sua defesa em juízo. As regras legais que procuram efetivar esse princípio não criam privilégio a seu favor, apenas procuram estabelecer alguma igualdade entre as partes. - Perícia considerada indispensável para a ação em que se alega defeitos na construção do prédio adquirido por pessoas de baixa renda, pelo SFH, e que não foi feita porque os autores não reuniram o numerário suficiente para pagar os honorários do perito. - Renovação do julgamento da apelação a fim de que a Câmara aprecie a existência dos pressupostos de fato para a inversão do ônus da prova (Art. 6º, VIII, CDC). Recurso conhecido e provido em parte. (REsp 347632 / SP; RECURSO ESPECIAL 2001/0100048-0; Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR; QUARTA TURMA; Data do Julgamento 24/06/2003; Data da Publicação/Fonte DJ 01/09/2003 p. 291). Destaque-se que o MPF atua nesta ação, no tocante aos vícios de construção, por legitimação extraordinária, na condição de substituto processual dos consumidores. Desse modo, a condição de hipossuficiência a ensejar a inversão do ônus probatório diz respeito aos titulares do direito material (os consumidores, adquirentes das unidades habitacionais) e não do MPF, conforme acertadamente tem decidido o STJ: CONSUMIDOR MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE E PROCESSUAL LEGALIDADE. DE AGRAVO CIVIL. ART. 557 INTERNO. JULGAMENTO DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. 1. Não há óbice a que seja invertido o ônus da prova em ação coletiva - providência que, em realidade, beneficia a coletividade consumidora -, ainda que se cuide de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público. 2. Deveras, "a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas" - a qual deverá sempre ser facilitada, por exemplo, com a inversão do ônus da prova - "poderá ser exercida em juízo individualmente, 20de27 ou a título coletivo" (art. 81 do CDC). 3. Recurso especial improvido. (RESP 200601549280; RECURSO ESPECIAL – 951785; Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO; QUARTA TURMA; Fonte DJE DATA:18/02/2011). Pelas razões expendidas, requer que este juízo determine a inversão do ônus da prova, para que compita às acionadas o ônus de provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo dos direitos dos consumidores. 10. DA TUTELA ANTECIPADA Diante da manifesta resistência das rés em honrarem com as suas obrigações contratuais e legais, revela-se imprescindível, no presente caso, a concessão de provimento jurisdicional liminar. Prevê o artigo 273 do Código de Processo Civil: Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Tratando-se de obrigação de fazer ou não fazer em demanda relativa à relação de consumo, mister ainda invocar os dispositivos do CDC abaixo, à semelhança do que estabelece o art. 461 do CPC: Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (…) § 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito 21de27 ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu. § 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. No caso em tela, os requisitos legais para o deferimento da tutela antecipada encontram-se devidamente preenchidos. A verossimilhança das alegações está comprovada pelas inúmeras provas existentes no procedimento administrativo que instrui esta ação. Os danos causados pelos vícios de construção foram constatados e mencionados no relatório de vistoria pela ré, nos relatos dos moradores e nas fotografias acostadas aos autos. Já o risco de dano irreparável ou de difícil reparação está consubstanciado no fato de que os moradores dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II estão com as suas integridades físicas ameaçadas, pois os prédios estão descobertos, a mercê de novos ventos ou chuvas, que aumentariam os danos por eles até agora suportados e poderiam ocasionar acidentes fatais. Ressalte-se que os meses mais chuvosos no município de Campo Formoso-BA são maio (final do mês), junho e julho, ou seja, a estação chuvosa se aproxima. 22de27 Desse modo, presentes os requisitos legais, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer seja concedida, inaudita altera pars, a ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, para que seja determinado: a) a ambas as rés, solidariamente e às suas expensas: a.1) obrigação de fazer consistente na execução, por conta própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os serviços necessários para o conserto dos telhados levados pelos ventos nos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, observando-se na execução do serviço as características climáticas do Município de Campo Formoso-BA, para que os telhados a serem edificados, suportem a velocidade dos ventos e a intensidade das chuvas que acometem a região, garantindo a solidez e a segurança, fixando-lhes prazo de 5 dias úteis para início da execução do serviço e 30 dias úteis para sua conclusão; a.2) obrigação de fazer consistente na execução, por conta própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os serviços necessários para o conserto de todos os danos construtivos causados aos apartamentos dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, pelo evento que culminou com a retirada dos telhados pelos ventos, como substituição de esquadrias, reparos nos forros, nas paredes, nos revestimentos cerâmicos, instalações elétricas, hidráulicas, enfim todos os danos que a construção sofreu com a queda do telhado, garantindo a solidez e a segurança, fixando-lhes prazo de 5 (cinco) dias úteis para início da execução do serviço e 45 (quarenta e cinco) dias úteis para sua conclusão, registre-se que esse prazo conta cumulativamente com o prazo da obrigação contida em “a.1” e não sucessivamente; a.3) obrigação de fazer consistente na execução, por conta própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os serviços necessários para a revisão das obras realizadas nos telhados de todos os blocos constantes nos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, adequando os 23de27 telhados de todos os blocos às condições climáticas do Município de Campo Formoso-BA, para que os telhados suportem a velocidade dos ventos e a intensidade das chuvas que acometem a região, garantindo a solidez e a segurança, fixando-lhes prazo de 5 (cinco) dias úteis para início da execução do serviço e 60 (sessenta) dias úteis para sua conclusão, registre-se que esse prazo conta cumulativamente com os prazos das obrigações contidas em “a.1” e “a.2” e não sucessivamente; a.4) obrigação de fazer de apresentação de laudo técnico, vinculado à ART de responsabilidade garantindo que os telhados de todos os blocos dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II foram edificados e fixados de acordo com as condições climáticas na região, garantindo a solidez e a segurança, notadamente de ventos e chuvas vigorosos, fixando-lhes prazo de 5 (cinco) dias úteis para início da execução do serviço e 60 (sessenta) dias úteis para sua conclusão, registre-se que esse prazo conta cumulativamente com os prazos das obrigações contidas em “a.1” ,“a.2” e “a.3” e não sucessivamente; a.5) obrigação de fazer, consistente na execução, por conta própria ou através de contratação de terceiros especializados, de todas as medidas necessárias a garantir a segurança dos moradores enquanto as obras ainda estiverem em andamento. a.6) obrigação de pagar aluguel temporário, em valor médio da região, durante o período de efetivação das obras de reparação, em favor dos moradores que forem obrigados a se retirarem de suas residências naquele período. Requer-se, com espeque no art. 84, § 4º do CDC e art. 12, § 2º, da Lei nº 7.347/85, com o intuito de evitar o descumprimento da ordem judicial, a cominação de multa diária em valor a ser estipulado por Vossa Excelência, mas não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada obrigação descumprida, para cada uma das acionadas. 11. DOS PEDIDOS FINAIS 24de27 Ante todo o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: a) seja deferida a antecipação de tutela requerida no tópico antecedente e julgados procedentes, em provimento final os seguintes pleitos, condenando ambas as rés, solidariamente e às suas expensas: a.1) obrigação de fazer consistente na execução, por conta própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os serviços necessários para o conserto dos telhados levados pelos ventos nos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, observando-se na execução do serviço as características climáticas do Município de Campo Formoso-BA, para que os telhados a serem edificados, suportem a velocidade dos ventos e a intensidade das chuvas que acometem a região, garantindo a solidez e a segurança, fixando-lhes prazo de 5 dias úteis para início da execução do serviço e 30 dias úteis para sua conclusão; a.2) obrigação de fazer consistente na execução, por conta própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os serviços necessários para o conserto de todos os danos construtivos causados aos apartamentos dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, pelo evento que culminou com a retirada dos telhados pelos ventos, como substituição de esquadrias, reparos nos forros, nas paredes, nos revestimentos cerâmicos, instalações elétricas, hidráulicas, enfim todos os danos que a construção sofreu com a queda do telhado, garantindo a solidez e a segurança, fixando-lhes prazo de 5 (cinco) dias úteis para início da execução do serviço e 45 (quarenta e cinco) dias úteis para sua conclusão, registre-se que esse prazo conta cumulativamente com o prazo da obrigação contida em “a.1” e não sucessivamente; a.3) obrigação de fazer consistente na execução, por conta própria ou através da contratação de terceiros especializados, de todos os serviços necessários para a revisão das obras realizadas nos telhados de todos os blocos constantes nos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II, adequando os 25de27 telhados de todos os blocos às condições climáticas do Município de Campo Formoso-BA, para que os telhados suportem a velocidade dos ventos e a intensidade das chuvas que acometem a região, garantindo a solidez e a segurança, fixando-lhes prazo de 5 (cinco) dias úteis para início da execução do serviço e 60 (sessenta) dias úteis para sua conclusão, registre-se que esse prazo conta cumulativamente com os prazos das obrigações contidas em “a.1” e “a.2” e não sucessivamente; a.4) obrigação de fazer de apresentação de laudo técnico, vinculado à ART de responsabilidade garantindo que os telhados de todos os blocos dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo Formoso II foram edificados e fixados de acordo com as condições climáticas na região, garantindo a solidez e a segurança, notadamente de ventos e chuvas vigorosos, fixando-lhes prazo de 5 (cinco) dias úteis para início da execução do serviço e 60 (sessenta) dias úteis para sua conclusão, registre-se que esse prazo conta cumulativamente com os prazos das obrigações contidas em “a.1” ,“a.2” e “a.3” e não sucessivamente; a.5) obrigação de fazer, consistente na execução, por conta própria ou através de contratação de terceiros especializados, de todas as medidas necessárias a garantir a segurança dos moradores enquanto as obras ainda estiverem em andamento; a.6) obrigação de pagar aluguel temporário, em valor médio da região, durante o período de efetivação das obras de reparação, em favor dos moradores que forem obrigados a se retirarem de suas residências naquele período. b) a condenação das rés ao pagamento dos danos morais e materiais, incluindo-se danos emergentes e lucros cessantes aos consumidores substituídos processualmente neste feito, a serem liquidados em execuções individuais por eles movidas, com espeque nos arts. 96 e 97 do CDC; c) a citação das demandadas, na forma da lei, para, querendo, contestarem a presente ação civil pública; d) A publicação de edital para que os moradores dos Loteamentos Habitacionais Vida Nova Campo Formoso I e Vida Nova Campo 26de27 Formoso II possam, se assim desejarem, intervir no processo como litisconsortes ou requeiram nos respectivos juízos a suspensão de eventuais ações individuais propostas, com espeque no art. 94 do CDC c/c o art. 21 da Lei nº. 7.347/85; e) A decretação da inversão do ônus da prova em favor dos consumidores; f) A condenação das rés nos consectários da sucumbência; g) Enfim, sejam todos os pedidos julgados totalmente procedentes. Protesta o Parquet por todos os meios de prova admitidos em direito, notadamente pericial, documental e testemunhal. Atribui-se à causa o valor de R$10.495.961,96 (dez milhões, quatrocentos e noventa e cinco mil novecentos e sessenta e um reais e noventa e seis centavos). Nestes termos, Pede deferimento. Campo Formoso/BA, 09 de abril de 2014. Gabriel Pimenta Alves Procurador da República 27de27