A CRIANÇA COMO OBJETO DE ESTUDO NO CONTEXTO DO GRUPO ESCOLAR JOÃO PINHEIRO DE ITUIUTABA. MG (1966-1988) FERREIRA, Ana Emília Cordeiro Souto1 CARVALHO, Carlos Henrique de2 Universidade Federal de Uberlândia - MG I – INTRODUÇÃO A história da educação brasileira, nas últimas décadas, vem sofrendo um processo de adensamento significativo, produzido em torno dos debates sobre a problemática historiográfica. Neles ganham relevância a temática relativa às instituições escolares, que de certa forma, contemplam a maioria dos estudos desenvolvidos sobre a história da educação. Mesmo sabendo desse volume de pesquisa já existentes nessa área, busca-se trabalhar com essa temática, direcionada ao Grupo Escolar de “Villa Platina”, mesmo porque várias instituições escolares já foram objeto de pesquisas em Ituiutaba3, mas com certeza, não esgotaram esse manancial e, principalmente, ainda há lacunas nesse terreno de pesquisa no município. Apenas como exemplo, vale a pena citar, que essa mesma instituição não teve suas atividades iniciais devidamente analisadas, bem com sua Gênese (criação e implantação entre os anos de 1908 e 1910, respectivamente), em virtude de um incêndio. Por outro lado, em decorrência desse fato, grande parte do acervo documental da instituição foi destruída, porém essa limitação de fontes inviabiliza pesquisas voltadas para gênese, mas não impede que possa pesquisá-la em outros momentos de sua trajetória, e é com esta investigação em andamento que se busca desenvolver uma análise a respeito da educação infantil praticada pela escola, no período compreendido entre 1966 a 1988 e constituição do Grupo Escolar Villa Platina4. II – GRUPO ESCOLAR DE VILLA PLATINA 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFU-MG, Universidade Federal de Uberlândia de Minas Gerais. Superintendência Regional de Ensino de Ituiutaba. Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Ituiutaba. 2 Orientador. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFU-MG, Universidade Federal de Uberlândia de Minas Gerais. 3 Merecem destaque: OLIVEIRA, Lúcia Helena Moreira de Medeiros, 1964 - História e memória educacional: O papel do colégio Santa Teresa no processo escolar de Ituiutaba, Triângulo Mineiro, MG (1939-1942); RIBEIRO, Betânia de Oliveira Laterza Silva, FARIAS, Elizabeth – Primórdios da Escola Pública Republicana no Triângulo Mineiro. 4 Em períodos mais remotos encontramos um acervo documental significativo a partir de 1966, o que nos motivou a trabalhar com essa instituição. A educação escolar em Ituiutaba, do final do século XIX até as três primeiras décadas do século XX, consolidou-se em contexto eminentemente contraditório e desorganizado; pois a instalação das escolas dava-se de forma efêmera. Chama a atenção à caracterização das escolas isoladas que funcionavam em casa de professores ou em outros ambientes inadequados á educação de boa qualidade. Evidenciam-se algumas escolas e mestre-escolas, estes últimos caracterizados como professores itinerantes, que constituíram o cenário educacional tijucano. No tempo do Império, São José do Tijuco contava com serviços prestados pelo Professor José Luiz de Sá Gloria, itinerante típico, que circulava pelas fazendas e arredores alfabetizando pessoas; se dispondo a trabalhar contra o analfabetismo. A mais antiga escola pública estadual, criada pela Lei 3.038/1882, firmada pelo Presidente da Província, Teóphilo Ottoni, que autorizou, na Paróquia de São José do Tijuco, cadeira de instrução primária apenas para o sexo feminino, Escola onde Padre Ângelo Tardio Bruno lecionou (Paiva, 2001). A construção do Grupo Escolar Villa Platina, atual Escola Estadual João Pinheiro, materializava, em sua projeção, os ideais políticas e culturais republicanos, símbolo da modernidade. Os documentos indicam ter sido um dos primeiros grupos escolares criados no Triângulo Mineiro. A Escola Estadual João Pinheiro iniciou suas atividades educacionais em 1905, como Colégio Santo Antônio, internato de meninos e meninas em uma residência da Rua da Matriz, atual Rua 20. O Colégio Santo Antônio iniciou com 50 (cinqüenta) alunos e como professor Benedito Chagas Leite. Em 1908 o Grupo Escolar de Villa Platina é criado pela vontade política do agente executivo de Villa Platina Dr. Fernando Alexandre e presidente de Minas Gerais, Wenceslau Braz Pereira Gomes. É inaugurado oficialmente com a presença de autoridades estaduais e municipais: Cônego Ângelo Tardio Bruno, os médicos José Petraglia e Joviano Castro, o professor Francisco de Lorena, com muito realce, fizeram-se notar o Diretor Benedito Chagas Leite, as professoras Alzira Alves Vilela, filha do primeiro Executivo de Ituiutaba, Capitão Augusto Alves Vilela que veio ser substituto interino do segundo diretor do Grupo Escolar de Villa Platina, professor Francisco de Lorena, até a posse do professor José Inácio. A direção do Grupo Escolar foi ocupada pelo professor Francisco Antônio de Lorena. Em 1915 assume a direção do Grupo Escolar de Villa Platina, o professor José Inácio, que renovou o ensino em decorrência de métodos disciplinares e convincentes falas históricas. O prédio do grupo foi reformado e passou a ser chamado de apenas grupo escolar. O Grupo Escolar mudou os hábitos, costumes e a cultura dos tijucanos. Passou a ser palco das atenções e realizações esportivas, sociais e culturais da cidade. Em 1927, o grupo escolar passou a ser denominado Grupo Escolar João Pinheiro, se transformando rapidamente em celeiro educacional de Ituiutaba, do Estado de Minas Gerais e do Brasil. Deste grupo saíram cidadãos atuantes e conscientes, graças ao trabalho sério e comprometido dos educadores, profissionais de educação do mesmo. De acordo com Oliveira5 (2003), verificou-se também a existência, na mesma época, da Escola São José, popularmente chamada Escola do Professor Laurindo. Além do professor, Laurindo ocupou cargos importantes na primitiva cidade, em sua prática de mestre, exercia autoridade e poder sobre os alunos. Ainda nos anos vinte, evidenciou-se também o Colégio das Irmãs Belgas, que se manteve na cidade por dez anos. O Colégio atendia aos dois sexos e, portanto, o fluxo de alunos era significativo. A ação pedagógica das Irmãs já contava com avanços procedimentais, buscava-se maior interação entre os alunos. Considerou-se interessante fazer pequena incursão no ensino na zona rural, nos anos 20, representada pela Escola Aula Missa Municipal da Fazenda Patos, por localizar-se em ponto estratégico da região e ter atendido alunos dos municípios vizinhos, como Gurinhatã, Campina Verde, Iturama e Santa Vitória. A forma de organização do ensino em Ituiutaba, até os anos 30, vislumbra os antagonismos entre o particular e o público, com predominância do primeiro sobre o último, como pode ser visualizado no quadro, abaixo, apresentado na Dissertação de Oliveira6 (2003). Quadro das escolas urbanas de Ituiutaba (1900-1940) Período 1901 / 1910 Escolas Públicas - Grupo Escolar João Pinheiro 1911 / 19207 1921 / 1930 - 1931 / 1940 - Escolas Particulares - Escola do Professor José de Alencar - Escola do Professor Afonso José - Colégio Santa Cruz - Externato / Colégio São Luiz - Colégio Santo Antônio - Colégio das Irmãs Belgas - Instituto Propedêutico Ituiutabano - Escola São José (popularmente Escola do Laurindo) - Instituto Marden - Colégio Menino Jesus de Praga - Colégio Santa Teresa - Colégio São José FONTE: Depoimento de Hélio Benício de Paiva (2001) Percebe-se que, a população tijucana, as autoridades políticas e educacionais reconheceram o progresso educacional firmado até os anos 40, tanto no âmbito 5 OLIVEIRA, Lúcia Helena Moreira de Medeiros. História e memória educacional: o papel do colégio Santa Teresa no processo escolar de Ituiutaba, Triângulo Mineiro – MG (1939-1942), 2003. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Educação, Uberlândia, MG: [s/n.], 2003. 6 OLIVEIRA. Idem. 7 Por insuficiência de dados, não foi possível elencar as escolas desse período. público, como particular. Este reflexo permitiu rever o processo educativo em Ituiutaba desde os fins do século XIX e meados do século XX. III – IMPASSES E DESAFIOS NO CAMPO DAS ABORDAGENS SOBRE AS INSTITUIÇÕES Diante dessas constatações iniciais é que estamos realizando um estudo para discutir os problemas ligados à educação infantil nas séries iniciais no Grupo Escolar João Pinheiro de Villa Platina, na cidade de Ituiutaba - MG8, no período compreendido entre 1966 a 1988. Momento no qual se percebe um posicionamento muito mais ligado a uma preocupação quantitativa do que um realce mais substancial voltado à educação infantil. Não só havia uma efervescência teórica, mas também uma alteração substancial ligada ao campo legal das séries iniciais, tanto em termos quantitativo quanto em termos qualitativos. Nesse sentido, passou-se a esboçar alguns aspectos relacionados a estes problemas, onde nos ancorando numa fundamentação teórica que nos possibilitem repensar o problema da educação infantil brasileira e, em especial, da cidade de Ituiutaba, consubstanciada pelas ações desenvolvidas pelo Grupo Escolar de Villa Platina9. O interesse na realização dos estudos sobre instituições escolares (Grupo Escolar de Villa Platina), insere-se no contexto, na cidade de Ituiutaba - Minas Gerais, emergiu de questionamentos que buscam compreender o que este Grupo Escolar representou para a formação educacional da sociedade Ituiutabana e, conseqüentemente mineira. 8 Ituiutaba nasceu como muitas outras cidades triangulinas. Nos meados do século XIX, os vários exploradores que passavam pela região e anunciavam como fértil e inexplorada, motivo que atraiu várias pessoas de várias regiões do País. O Triângulo Mineiro, antigo serão da Farinha Podre, foi ao longo dos anos, formando-se, em conseqüência do grande afluxo de pessoas que, pela região, passavam em busca do Brasil Central e de suas riquezas. Pequenos arraiais foram constituindo-se. Antes do fracasso de colonização, vivia, na região, uma tribo dos índios Caiapós, considerados nômades porque se deslocavam ao longo das encostas dos rios Tijuco e Paranaíba, em pleno Planalto Central do Brasil. À medida que os alimentos ficavam escassos, procuravam outros lugares e ali cultivavam suas lavouras, principalmente, a mandioca e da qual fabricavam farinha. Pode-se dizer que os primeiros posseiros, determinados a “civilizar” a região deram origem a desorganizado lugarejo que, só em 1839, se instalou como distrito de São José do Tijuco, pertencente ao termo de Vila de Uberaba. Partes das terras doadas pertenciam as famílias Morais e Ramos e foram destinadas à construção de pequena Capela em louvor a São José, o padroeiro do povoado. Esse foi o primeiro vínculo com a igreja: a fé impulsionando o processo civilizatório da região. Com a instalação e consolidação de empresas e estabelecimentos comerciais e fábricas. Nota-se que, no âmbito educacional também houve relativo crescimento, apesar de que as condições da época eram muito precárias. 9 O Grupo Escolar de Villa Platina foi incendiado no dia dezessete de junho de 1952, em decorrência deste episódio alguns documentos foram destruídos, Folha de Ituiutaba, ano XI, Ituiutaba, 18 de junho de 1952, Nº 517. Segundo Saviani10 (2005), vê-se, pois, que já na origem da instituição educativa ela recebeu o nome de escola. Desde a Antiguidade a escola foi se depurando, se complexificando, alargando até atingir, na Contemporaneidade, a condição de forma principal e dominante de educação, convertendo-se em parâmetro e referência para se aferir todas as demais formas de educação. Mas esta constatação não implica, simplesmente, um desenvolvimento por continuidade em que a escola teria permanecido idêntica a si mesma, conservando a mesma qualidade e se desenvolvendo tão somente sob o aspecto quantitativo. As continuidades podem ser observadas, é claro, sem prejuízo, de um desenvolvimento por rupturas mais ou menos profundas. Portanto, fazer a história de uma determinada instituição é contribuir para o conhecimento da história e da memória de uma determinada cidade e/ou comunidade. Por outro lado, Nagle (2001), já no período Republicano, põe em relevo a necessidade de se pensar a criança a partir da sua própria dimensão de mundo, ou seja, ela não pode ser apenas concebida como um objeto que deva ser forjado a imagem e semelhança do mundo adulto, ou melhor, dever-se-ia respeitar as suas próprias características. A esse respeito o autor nos diz que: A escola é transformada em uma sociedade em miniatura, dáse o primeiro e decisivo passo no sentido do melhor relacionamento entre essa instituição e o meio social. Contudo, “a escola se destina, igualmente, a instruir” - é nesse ponto que se estabelece o novo modo de se conceber a relação entre a escola e a criança. A infância – afirma-se na Exposição de Motivos do Decreto 7.970-A não é um pis-aller, um tropeço que retarda a marcha do desenvolvimento e que se possa remover por processos mecânicos; é um estado necessário à formação e o amadurecimento humano (...) O primeiro cuidado para concorrer no sentido do desenvolvimento da criança e não apressar ou desconhecê-la, tratando a criança como se ela tivesse não os seus próprios interesses, mas os interesses do adulto. É a partir dessa proposição geral que decorrem alguns princípios que, em conjunto vão definir o novo modelo que se constrói para organizar a escola primária. O primeiro princípio, portanto, a ser considerado pelo professor nos seus processos de ensino é que a criança não deve ser considerada do ponto de vista do adulto, mas do ponto de vista dos motivos e interesses próprios dela (2001, p. 254). Essa concepção de criança implica percorrer caminhos que tenham como fonte os inúmeros fatores que tem desqualificado o ser criança. Assim, no sentido de contribuirmos para a análise das diferentes concepções sobre a criança, principalmente o seu caráter ideológico, isto é, a imagem de como ela foi construída, ao longo da história brasileira, recorreremos aos estudos de Philippe Ariès, pois 10 SAVIANI, Demerval. Cadernos de História da Educação - nº-4- Janeiro/dez, 2005. segundo suas análises: A socialização da criança não era, nem asseguradas, nem controladas pelas famílias, onde tinha sua passagem muito breve e insignificante para que tivesse tempo de laços de sensibilidade (ARIÈS, 1981, p. 10). No entanto, Rousseau compreendia as crianças nos princípios: As crianças sejam crianças antes de serem homens. Por conseqüência, a criança tem seu papel, seu lugar e como que sua autonomia relativa. Em certo sentido há uma ”maturidade“ da infância e, entretanto, cumpre levar em conta a continuidade entre a infância, a adolescência e a idade adulta. A humanidade tem seu lugar na ordem das coisas; a criança tem seu lugar na ordem da vida humana; cumpre considerar o homem no homem, e a criança na criança. (1979, p. 184) Ainda, segundo Rousseau Ensinar a criança a moral adulta, mas, ela não pode ainda ser verdadeiramente julgada, nem até compreendida, a criança não tira, das lições, senão hábitos de mentira, de hipocrisia, de vaidade; participa precocemente dos vícios adultos, em lugar de participar das virtudes. Parecendo pregar-lhes a virtude. Fazemo-las amar todos os vícios. (1979, p. 187): É, neste aspecto que procuraremos discorrer como essas questões vem sendo construídas e como as mesmas passaram por várias mutações, no momento em que se pensou na criança como um ser singular, com características diferentes dos adultos, onde nascemos sensíveis e desde nosso nascimento somos molestados de diversas maneiras pelos objetos que nos cercam e, assim, a educação será adaptada à infância com o estabelecimento de faixas etárias, levando em conta o desenvolvimento das funções, e a obra da natureza nele se conclui pela educação. Prossegue Rousseau (1979, p.187): A educação tenta socializar a criança cedo demais, formar o espírito antes da idade. E dar a criança o conhecimento dos deveres do homem. Mas isso é, com efeito, abrir a porta aos vícios. Neste período, a criança vista como um “pequeno adulto” deverá adaptar-se ao meio social na convivência e atitudes do “mundo dos adultos”. Esta era a garantia na qual a sociedade se ancorava para que as crianças aprendessem os costumes e a tradição, por meio de imitação da vida adulta. Assim, Ariès observa que: Compreender como essa concepção de adulto vai moldar a concepção de criança, os estágios, duração da infância. De criancinha pequena ela se transformava imediatamente em homem jovem sem passar pelas etapas da juventude, ela não se resume em ser alguém que não é, mas que se tornará no dia em que deixar de ser criança, talvez fossem praticadas antes da Idade Média e que se tornaram aspectos essenciais da sociedade evolutivas de hoje. (1981, p.10) Contudo, Souza (1998) ressalta, em seu livro Templos de Civilização, de maneira clara, a idéia da arquitetura temporal, como ainda a organização didáticopedagógica da escola nos seus primeiros anos de existência em que o ensino, intuitivo, no primeiro ano, tem por objetivo principal inspirar às crianças os hábitos da ordem e de trabalho, cultivando-as a adotar-se o ensino intuitivo, através do qual poder-se ia desenvolver nelas a atenção necessária, a formação de um novo indivíduo de que elas são susceptíveis. Nesta perspectiva, como a natural atividade infantil faz com que seu espírito não possa aplicar-se demoradamente sobre um mesmo objeto, o tempo escolar é subdividido em períodos de quinze minutos no máximo (SOUZA (a), 1998, p.58). Daí a grande importância atribuída à escola que passou a ter no Brasil, no século XX um espaço destinado a iniciar o processo de socialização necessário aos objetivos definidos pela nova realidade social brasileira, onde se percebe um direcionamento que buscou redefinir o próprio papel social das famílias. Bem diferentes daqueles analisados por Ariès, ao caracterizar a situação histórica da criança na Europa. Assim, segundo o autor, a criança era inserida no meio dos adultos com o objetivo de conhecer a tradição, depois dos sete anos, era enviada para uma outra família, para aprender os ofícios e serem educados. Desse modo, a educação dela também surge da necessidade dos pais de estarem próximos dos filhos, os quais, cada vez mais, são confiados à escola: O clima sentimental era agora diferente, mais próximo do nosso, como se a família moderna tivesse nascido ao mesmo tempo em que a escola, ou menos que o hábito geral de educar as crianças na escola (ARIÈS, 1981, p. 232). Para compreendermos esse significado atribuído à escola, recorremos às palavras de Ariès, ao discorrer sobre a história da instituição educativa. A escola medieval era indiferente quanto à divisão, que conhecemos hoje, de idades. Ela, em uma classe única, reunia jovens, idosos, crianças. Não existia uma graduação dos currículos, nem o professor mantinha autoridade ou um planejamento do tempo escolar. A escola não dispunha então de acomodações amplas [...] Em geral, o mestre alugava uma sala, uma schola, por um preço que era regulamentado nas cidades universitárias [...] Forravase o chão com palha, e os alunos aí se sentavam (ARIÈS, 1981, p.166-7). Prossegue, Áries : Ainda afastada de seus pais, sua educação era garantida pela aprendizagem com os adultos, aprendiam a fazer ajudando-os, com as comunicações sociais realizadas, portanto fora da família por elementos da comunidade, passando mais tarde ser a família instituída. A partir do fim do século XVII, a escola substituía aprendizagem como meio de educação. (1981, p. 11). Percebemos que, mesmo dentro da escola, as crianças participavam do mundo dos adultos, ou seja, a instrução não distinguia a criança do adulto. Contudo, a escola surge com função de moralização da criança. Esta, influenciada pela vida dos adultos, vivia sem nenhuma distinção dos procedimentos tidos como imorais. Deste modo, sob a influência de uma nascente pedagogia moralista, a criança foi se incorporando às escolas, com o objetivo de ser educada, instruída e afastada da vida transgressora do adulto. Neste contexto, as crianças entravam para a escola com sete anos, característica do século XVII, e, mais tarde, somente ingressavam nas escolas crianças a partir de dez anos. Assim, a primeira infância sofria, neste momento, a exclusão escolar. Com influência da burguesia, no final do século XIX, as mudanças foram atingindo todo o espaço escolar, principalmente em relação à divisão de idades, currículos, métodos, dentre outros. Como também, acentua-se uma prática disciplinadora, isto acontece devido à visão da fraqueza da infância que precisava ser educada por um mestre. Estas disciplinas eram rígidas e humilhantes, realizadas com chicote, ou castigo corporal. Souza corrobora com essas idéias ao afirmar que: Por meio das idades dos alunos podemos analisar o comportamento da população em relação á escola. A presença da criança na família era prolongada, pois o início da escolarização ocorria mais tarde, o jardim de infância não era uma instituição de uso comum. (1998 p. 115) Dessa forma, a educação das crianças não podia ser vista como um fato menor na produção e transformação das cidades na transição do século XIX para o século XX. Ao contrário, as escolas primárias desempenharam na vida urbana um importante papel social e cultural. Segundo a mesma autora, a natureza do desenvolvimento infantil como princípio básico para a educação e seus desdobramentos de orientação psicológica enraizou uma forma de conceber a aquisição do conhecimento e, conseqüentemente, de organizar o ensino. Por isso, é preciso ver nas “lições de coisas”; mais que um simples método pedagógico e vê-lo como a condensação de algumas mudanças culturais que se consolidam no século XIX: Uma nova concepção de infância, a generalização da ciência como uma fonte de “mentalidade” e o processo de racionalização do ensino, pois a particularidade da infância implicou considerar o desenvolvimento das faculdades da criança e os aspectos condizentes à natureza infantil (SOUZA (a), 1998, p. 162). No entanto, a escola primária sofreu discriminações ao longo de sua constituição e surgimento. Nem todas as famílias, mesmo as mais abastadas, colocavam seus filhos sem nenhuma hesitação. A escola, como fenômeno novo na realidade brasileira, suscitava questões quanto a sua validade, para alguns, ela era mais um agrupamento, já outros (moralistas), a consideravam como necessária, desde que fosse capaz de estabelecer uma moral rigorosa, ancorada nos bons costumes e nos valores religiosos. Segundo Vidal: A racionalidade e a uniformidade perpassavam todos os aspectos da ordenação escolar, desde o agrupamento homogêneo das crianças (alunos) em turmas mediante a classificação pelo grau de conhecimento de programas de ensino (distribuição ordenada das atividades e dos saberes escolares), a atribuição de cada classe a um professor, a adoção de uma estrutura burocrática hierarquizada – uma rede de poderes, de vigilância e de controle envolvendo professores, diretores, porteiros, serventes, inspetores, delegados e diretores do ensino. Perpassavam também a ordem disciplinar impingida aos alunos – asseio, ordem, obediência, prêmios e castigos (2006, p. 28). Por um bom tempo, a escola precisou conquistar a confiança da sociedade, para ser responsável pela educação de seus filhos. Segundo Áries: A escola assumiu o papel importante na escolarização da infância, principalmente pelo fato dela mesmo prolongar a infância da criança, não permitindo a esta, sua inclusão precoce no mundo dos adultos. Contudo, a criança era ocultada neste mundo de “gente grande”, ao misturar-se aos adultos” (1981, p.11): Ao retratar esta realidade, aborda que durante um longo período não havia uma distinção entre o que era reservado às crianças e o que era reservado aos adultos. Assim, não diferenciava o adulto da criança em vários aspectos do cotidiano desta sociedade. Na realidade, o Estado assume para si a responsabilidade de conduzir as questões relativas a uma prática pedagógica em relação à Educação Infantil e, ao mesmo tempo, não consegue provê-la de fundamentos metodológicos que venham a viabilizar uma ação pedagógica por parte dos professores. Acaba por legitimar um espaço escolar, desprovido de uma sustentabilidade metodológica para a Educação Infantil, que nem sempre é proveitoso ao modelo educacional como um todo. É na tentativa de entender estas distorções e contradições que nos propomos compreender como foram desenvolvidas essas práticas educativas e/ou pedagógicas durante o período militar no Grupo Escolar de Villa Platina. Como bem lembra Vidal, uma instituição educativa compreende: (...) uma complexidade espaço temporal, pedagógica, organizacional, onde se relacionam elementos materiais e humanos, mediante papeis e representações diferenciados, entretecendo e projectando futuro(s) (pessoais) através de expectativas institucionais educacionais. É um lugar de permanentes tensões. As instituições educativas são projectos arquitectados e desenvolvidos a partir de quadros sócioculturais (2006, p. 49). Nesse sentido, buscamos entender a forma pela qual foram desenvolvidos e aplicados os novos marcos reguladores da Educação Nacional, notadamente a Lei 5692/71, de 11 de agosto de 1971. Num segundo momento tentar-se-á identificar como a Lei 5692/71, reconfigurou, dentro do espaço escolar, a concepção de infância, tendo como ponto de análise as propostas educacionais normatizadas pela referida lei, no que tange a educação infantil. Pretendemos, pois apreender como se desenvolveu o processo ensinoaprendizagem, dentro do espaço da educação infantil, que constitui hoje um segmento importante do processo educativo. Por outro lado, a reestruturação econômica, com a conseqüente inserção da mulher no mercado de trabalho, provocou a antecipação da escolaridade, entendida como um espaço onde as mães abrigavam os seus filhos durante o período de trabalho. O caráter ideológico do conceito de criança vem se desenvolvendo ao longo da história, legitimado pela sua penetração na sociedade, onde o processo de reinvenção do ser criança foi e é uma construção. A escola, em particular, a pública11, contribui para as diversas idealizações a respeito do, sobre o ser criança, cujos conteúdos realçam a especificidade da infância e, ao mesmo tempo, negam esta mesma especificidade através da lógica das diferenças de classes. Nesse sentido, à medida que o currículo da educação infantil não leva em consideração a concepção do ser criança, detectar-se lacunas sobre o universo infantil, seus processos de socialização e construção do saber e a internalização de modos, costumes e valores culturais. Contribui para a compreensão do ser criança. Por isso, é fundamental reconhecer que além da pretendida automatização de ambas as esferas, a escola sempre tem a ver com os movimentos sociais. Uma escola inanimada, perante a mudança social, é uma escola comprometida com a conservação da ordem, com o mascaramento das condições de miséria e exploração existentes em nossa 11 SAVIANI, Demerval. (2004, pp. 17-18). As reformas pombalinas contrapõem-se ao predomínio das idéias religiosas e, com base nas idéias laicas inspiradas no Iluminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria de instrução, surgindo, assim, a nossa versão da “educação pública estatal”, tendo com objetivo a difusão do ensino a toda a população. sociedade. Se a escola não contribui para o fortalecimento dos movimentos populares, ela acaba contribuindo para seu enfraquecimento. Dentro do contexto, da educação segundo a Lei n.5.692, de 11 de agosto de 1971, fixou as diretrizes e bases da escola de 1º e 2º graus. De acordo com a lei, o ensino de 1º grau compreendendo a duração de oito anos letivos (art. 18) destinava-se à formação da criança e do pré-adolescente (art. 17), correspondendo ao ensino primário obrigatório e gratuito dos 7 aos 14 anos estabelecido pela Constituição Federal de 1967 (art. 176, § 3º, II). Compactuamos com as observações de Saviani et alii: A criação do ensino de 1° grau, em 1971, pela integ ração do primário e ginásio, consagrou a extensão da escolaridade obrigatória no País. A implantação do 1° grau, dest inado à formação da criança e do pré-adolescente, deu-se a partir da eliminação dos exames de admissão e da ampliação (indiscriminada) das séries nos grupos escolares, aproveitando a rede física instalada e ajustando a estrutura administrativa e pedagógica. Uma nova nomenclatura se impôs com a eliminação de denominações usuais na época, como escola isolada, grupo escolar, ginásio e equivalentes (2004, p. 152). Já em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, condizente com os novos tempos que se anunciavam décadas finais do século XX. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Art. 205, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, p.49). Em fim, pensar essas categorias e estabelecer um quadro investigativo sobre a história das instituições educacionais, e, ao mesmo tempo, compreender o processo educativo que nelas foram gerados, produzindo, dessa forma, um conhecimento capaz de identificar as dinâmicas culturais presentes neste cenário. IV – CONSIDERAÇÕES INICIAIS A necessidade de discussão sobre a própria função da educação infantil, evidenciados pelas práticas pedagógicas nas instituições de educação infantil, práticas que se assemelham a estrutura de atuação educacional voltada para o ensino fundamental que, como já referido, desconsideram as especificidades da educação de crianças menores de sete anos. O que se coloca como questão a ser considerada neste caso é a forma desta educação e não seu conteúdo. As diretrizes e propostas pedagógicas para a educação infantil devem (ou deveriam) unir o conhecimento da especificidade do modo como as crianças aprendem e se desenvolvem a uma prática que possibilite a ação do sujeitocriança múltiplo e real. A reflexão sobre a possibilidade de obter uma participação no processo educacional, especialmente na educação infantil, não é tarefa fácil, contudo, as condições relacionais igualitárias, nesse processo, podem se constituir através de uma educação democrática, construída de acordo com as concepções de homem, de mundo e de sociedade que queremos fomentar. A infância com suas diferentes nuances apresenta diferentes caminhos, expressos por seus diferentes representantes, ou seja, pelas crianças, numa construção da pedagogia da educação infantil estabelecendo relações educacionais que as incluam como integrantes sociais. Para tanto, a reflexão sobre a função e a especificidade da educação infantil parece emergir como questão fundamental para essa empreitada, assim como um conhecimento mais abrangente das diferentes infâncias escondidas por todo região brasileira. Foi nesse cenário que percebemos a historicidade do problema perante esse mundo da educação infantil, de Ituiutaba, no período compreendido entre 1966 a 1988, focalizando as abordagens das discussões da criança brasileira, em específico no município de Ituiutaba-MG, pois naquele período a educação dos pequenos ainda surgia com uma leve significância para a sociedade tijucana. Os trabalhos que constituem as análises dos dados realizados durante a pesquisa deste estudo, trouxeram contribuições consubstanciais para a reflexão sobre a educação infantil, momento em que, o sistema educacional não permitia a instalação de salas de educação infantil em escolas públicas, constatamos frente a documentação do objeto deste estudo, Grupo Escolar de “Villa Platina”, a existência da implantação deste segmento, não passando despercebido pelas autoridades superiores, fato discutido e argumentado pela direção da época, não sendo aprovada tal ação pelo sistema. Esse segmento não se desfez, sendo sustentado pela comunidade de pais envolvidos no processo, possuidores de posse que mantinham com recursos materiais próprios, as crianças menos favorecidas, em relação a materiais didáticos e alguns gêneros alimentícios, complementando a Caixa Escolar fornecida pelo governo Estadual; e da sociedade, que conceituava a instituição escolar num padrão de uma qualidade de ensino diferenciada e que vinha de encontro com as necessidades exigidas pela mesma, tornando suporte para sua permanência. V - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. ________. LDB: Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei n.º 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional; e legislação correlata. 2. ed., Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001. Folha de Ituiutaba, ano XI, Ituiutaba, 18 de junho de 1952, nº 517. NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. 2. ed., Rio de Janeiro: DP&A, 2001. OLIVEIRA, Lúcia Helena Moreira de Medeiros, 1964. História e memória educacional: O papel do colégio Santa Teresa no processo escolar de Ituiutaba, Triângulo Mineiro, MG (1939-1942). RIBEIRO, Betânia de Oliveira Laterza; SILVA, Elizabeth Farias de. Primórdios da Escola Pública Republicana no Triângulo Mineiro. Ituiutaba: Egil, 2003. ROUSSEAU, Jean Jaques. Emílio ou da Educação. 3ª ed., São Paulo: 1979. SAVIANI, Demerval. et alii. O Legado Educacional do Século XX no Brasil. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2004. (Coleção Educação Contemporânea). ______. Cadernos de História da Educação - nº-4- Janeiro/dez, 2005. SOUZA, ROSA FÁTIMA de. Templos de Civilização: a implantação da escola Primária graduada no Estado de São Paulo. (1890-1910): Editora Unesp. 1998. VIDAL, Diana Gonçalves; FARIAS FILHO, Luciano Mendes de. 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