O decibel e seus mistérios - Parte II Autor: Fernando Antônio Bersan Pinheiro Já aprendemos como podemos relacionar decibéis e potências, e já vimos como isso é legal para compararmos potências de sistemas de sonorização - os amplificadores e os "Watts". Tudo ia bem, até que alguém tentou saber como calcular quantos "Watts acústicos" tem um determinado som. Já sabemos que o limiar da dor equivale a 120 dB, e este equivale a 1 Watt acústico. Já sabemos que o limiar da audição equivale a 0 dB (ou 1dB, para as irmãs de 8 anos), o equivalente a 0,000 000 000 001 Watts acústico. Watts acústicos se referem a sons reais, aqueles que ouvimos. Mas os engenheiros notaram que não era possível relacionar diretamete os "Watts acústicos" com os Watts dos amplificadores. Isso porque não são os amplificadores que geram os sons, mas sim os alto-falantes. Já vimos, nos exemplos do artigo anterior, que a sensibilidade dos falantes influencia diretamente no quanto de som é produzido. É possível termos um sistema que, com apenas poucos Watts, consegue gerar os 120 decibéis do limiar da dor. As sirenes de alarmes são um exemplo disso. Com pouquíssima potência conseguem gerar níveis altíssimos, e tem que fazer isso mesmo, para afastar os ladrões do local pela dor que sentem no ouvido (além de chamar atenção dos vizinhos, etc). Por outro lado, vemos sistemas de sonorização que precisam de milhares de Watts RMS para conseguir chegar aos 120 dB, e muitos outros milhares para poder ultrapassá-los. Além disso, há sons na natureza que também conseguem atingir (e até ultrapassar) os 120 dB: um trovão forte, um vulcão e... um bebê gritando/chorando (quem tem um bebê sabe que, dos três sons, é o que mais assusta!). Assim, como "medir" os sons que chegam aos nossos ouvidos? A partir dessa pergunta, os engenheiros foram pensar. E eles são muito bons nisso. A primeira coisa que os engenheiros pensaram é em como os sons são gerados. Um material (uma corda de violão, por exemplo), quando é posto para vibrar (quando alguém "toca" violão), também coloca para vibrar o ar a sua volta. É como se o ar ficasse "contaminado" pela vibração original da corda. É a mesma coisa que acontece quando colocamos a mão em alguns aparelhos e sentimos nossa mão tremer, acompanhando a vibração do aparelho. Isso acontece com aparelhos de ar-condicionado, liquidificadores, máquinas de lavar, geladeiras (em geral, equipamentos que tem motor). Todo som tem sua origem em uma vibração, mas nem toda vibração é som. Apenas aquelas entre 20Hz e 20.000Hz são audíveis pelos nossos ouvidos. Mas não vão entrar nesse mérito, isso não nos importa. Os engenheiros repararam na vibração. Assim como uma corda de violão vibra (fica subindo e descendo, se chegarmos bem próximos vamos ver o movimento), as moléculas do ar também vibram, fica "subindo" e "descendo", e vão "contaminando" as moléculas próximas com esse mesmo movimento. Ora, para colocar a corda do violão para vibrar, foi necessário "fazer força". Uma parte dessa força foi gasta (transferida) da corda para as moléculas do ar em volta, que também passam a vibrar. As moléculas do ar mais próximas da corda, por sua vez, gastam parte da sua força para fazer vibrar as moléculas do ar mais distantes, e assim por diante até não haver mais força para colocar molécula de ar nenhuma para vibrar. Lembrando que também a corda, depois de "gastar" toda a força, pára de vibrar. Essa explicação corresponde a um fenômeno que conhecemos muito bem: quanto mais próximo da fonte sonora, mais "forte" (maior volume) o som é. E quanto mais distante da fonte sonora, mais "fraco" (menor volume) o som é, até se tornar inaudível! É o que ocorre com um bebê chorando: quanto mais próximo isso acontece da gente, mais nosso ouvido dói! Falamos de força, de "forte", "fraco"... Ora, os engenheiros perceberam que estavam lidando com um conceito já conhecido: Força*! E os engenheiros sabem calcular Força. Já existe até uma unidade de medida disso: "Newtons" (uma homenagem a Issac Newton). *Talvez você leia em algum lugar, em vez da expressão "Força", a expressão "Energia" ou "Pressão". No contexto, os três são sinônimos. Exemplo: Foi necessária fazer "força" para colocar a corda para vibrar. Foi necessária dispender "energia" para colocar a corda para vibrar. Foi necessário fazer "pressão" na corda para ela vibrar. Então, disseram os engenheiros, se conseguirmos medir a Força com que o som (as moléculas de ar vibrando) atingem um microfone, vamos conseguir saber quantos "Watts acústicos" - quanto volume de som - um determinado som possui. Ligaram um microfone a um dinamômetro (um aparelho que mede "Força") e pronto, nasceu o primeiro decibelímetro. Os engenheiros começaram a fazer medidas e descobriram que o limiar da audição - o menor som que podemos ouvir - corresponde a uma força de 0,000 02 Newtons/m2 (Newtons por metro quadrado). Repare que é uma força cheia de zeros depois da vírgula, representando uma força muito pequenininha, assim como foi necessário uma força pequeninha para colocar a corda do violão para vibrar. A partir daí, após várias contas que só sendo engenheiro para entender*, chegaram a seguinte conclusão: dB de som que ouvimos = 20 x log (Força / Força de referência, 0,000 02N/m2). *O uso do multiplicador 20 na formula para achar o nível em dB de tensões (voltagens), correntes (amperagens) e pressão sonora (sons) está ligado ao fato da potência elétrica ou a intensidade acústica (potência/área) serem proporcionais ao quadrado das tensões, correntes ou pressão sonora, e a propriedade dos logaritmos que diz: log (x elevado a 2) = 2log (x). Eu avisei que só sendo engenheiro para entender! Se você acha que o artigo está ficando "matemático demais", saiba que não há a menor necessidade de quem trabalha com áudio saber fórmulas decoradas para calcular o volume de som que ouvimos. Isso porque o decibelímetro - faz todos os cálculos para a gente, e já nos fornece diretamente os valores em decibéis. Assim, quando o som está muito alto na igreja e os vizinhos ligam para o "Disque-Silêncio" da Prefeitura, os fiscais chegam com esse aparelho, medem a quantidade de som e, dependendo da situação, temos um grande problema e multa enorme para pagar. No primeiro artigo já vimos uma uma fórmula para cálculo de dB relacionadas com potências: dB "de potência" = 10 x log (Potência 1 / Potência 2) Agora, temos uma outra fórmula, dB "de som" = 20 x log (Força / 0,000 02N/m2). Obviamente, usar esses nomes ("de potência" e "de som") para decibéis é, no mínimo, "feio". Por causa disso, usaram outros nomes. Como o segundo tipo de deciBel se referia a "Força", "Energia" ou "Pressão", batizaram ele de dB SPL, do inglês Sound Pressure Level - Nível de Pressão Sonora. Pensaram em chamar de dB SFL (Sound Force Level) ou ainda de dB SEL (Sound Energy Level), mas SPL ficou mais sonoro (em inglês) e foi o nome que ficou. Já o outro (o deciBel "de potência"), como foi "inventado" primeiro, ficou como deciBel (dB) mesmo. Então, toda vez que falarmos em "dB SPL", estamos falando do volume de som que estamos ouvindo. E se falarmos "dB" estamos nos referindo a relações de potência. Entendido? Mas esses dB ("de potência" e "de som") são proporcionais entre si. Um aumento (ou diminuição) nos dB "de potência" vai trazer a mesma mudança (proporcional) no aumento do volume alcançado (dB SPL). Se dobrarmos (+3dB) a potência disponível em um sistema de sonorização, o som (dB SPL) também vai aumentar 3dB, e assim por diante. GRANDEZAS LINEARES E GRANDEZAS LOGARÍTMICAS Quanto é o dobro de 2 metros? Quatro metros. E o dobro de quatro quilos? Oito quilos. E o dobro de 444kM/h? É 888Km/h! Qual a metade de uma hora (60 minutos)? São 30 minutos. E o dobro de 20dB, quanto é? Os leigos acham que são 40dB, mas nós, que já entendemos bem isso, sabemos que são 23dB. 40dB correspondem na verdade a 100 vezes o valor de 20dB. "Grandezas" são as unidades de medidas. Metros, quilos, velocidade, tempo, dinheiro, temperatura, etc. São medidas que variam linearmente, ou proporcionalmente. Se, ao dirigir um carro, eu acelerar muito, o carro vai "andar" muito. Mas se eu acelerar pouco, o carro vai "andar" pouco também. A variação é sempre linear. Mas existem outras grandezas cuja variação é bastante irregular. Já vimos isso para potências, para intensidade sonora (nível de pressão sonora), mas isso se aplica também a outras coisas, como Voltagens (ou tensões), aceleração, força, energia, etc. Algumas dessas grandezas são tão complicadas que, em alguns cálculos, elas se comportam linearmente, e em outros cálculos, elas se comportam de modo não-linear. Mas muitas variam de modo exponencial (baseado em potências, expoentes), ou seja, variam em escalas logarítmicas. Logo, podemos aplicar os decibéis a elas também. E sabem o que é mais legal? Os médicos e fonoaudiólogos que estudaram o ouvido humano descobriram que nós ouvimos de maneira... logarítmica! Os decibéis se encaixam perfeitamente aos nossos ouvidos. Mas isso fica para um próximo artigo. "SABORES" DE DECIBÉIS Voltando ao exemplo dos refrigerantes citado no primeiro artigo, assim como há "sabores" de potências, há diversos sabores de decibéis. Cada "sabor" vem acompanhado de um nome especial ("dB Uva", "dB Laranja", "dB Limão", "dB Guaraná" e por aí vai). Cada sabor é feito a partir de um tipo de fruta, assim como cada "sabor" de deciBel tem uma referência, algo a partir do qual é calculado. Alguns "sabores" comuns de decibéis, a saber: 1) dB - usado para comparação entre potências. Equivale a 10 x log (Potência 1/ Potência 2). 2) dBW (W de Watt) - referência de potência de sinal. A referência (0 dBW) é 1Watt. Equivale a 10 x log (Potência/ 1W) 3) dBm - referência de potência de sinal. A referência (0 dBm) é 1mW em 600 ohms. Equivale a 10 x log (Potência/ 1mW) 4) dBV (V de Volts) - referência de tensão de sinal. A referência (0 dBV) é 1V em qualquer impedância. Equivale a 20 x log (Voltagem / 1V) 5) dBu - referência de tensão de sinal. A referência (0 dBu) é 0,775V, em qualquer impedância. Equivale a 20 x log (Voltagem / 0,775V) 6) dB SPL - referência de nível de pressão sonora. A referência (0dB SPL) = 0,000 02N/m2. Equivale a 20 x log (Pressão / 0,000 02 N/m2) Repare que alguns tipos (2 com 3, 4 com 5) são semelhantes, só muda a escala de trabalho (e o nome, para não confundir). O dBW e o dBm são semelhantes na função, mas o dBW é mais utilizado para grandes equipamentos elétricos (que consomem ou produtos dezenas ou milhares de Watts), enquanto o dBm é mais comum em equipamentos pequenos (que trabalham com casas decimais de Watts0. O mesmo com dBV e dBu.