VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 CONSIDERAÇÕES SOBRE O GRÊMIO ESTUDANTIL E O MOVIMENTO ESTUDANTIL: UM OLHAR HISTÓRICO Gislaine Cristina Pavão – UEM1 RESUMO: O presente artigo tem por objetivo investigar a atuação do grêmio estudantil na gestão escolar democrática, estabelecendo uma relação com o legado deixado pelo Movimento Estudantil na história brasileira. Para tanto, se recorreu a autores que discutem o grêmio, o Movimento Estudantil e a gestão escolar democrática, tais como Veiga, Sanfelice, Paro, dentre outros. Também se recorreu às Leis Brasileiras, como, a Constituição Federal de 1988 e a LDB 9394/96. Percebe-se que a atuação do grêmio estudantil na contemporaneidade sofreu as influências dos ideais neoliberais, como a competitividade e o individualismo, que compromete a organização de movimentos coletivos, como as entidades estudantis. Palavras-chave: Grêmio Estudantil. Movimento Estudantil. Gestão Escolar Democrática. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo tece algumas considerações sobre o grêmio estudantil, bem como o Movimento Estudantil, por uma perspectiva histórica, questionando uma das atuais realidades do mesmo movimento em suas bases, ou seja, o grêmio estudantil. Esse texto é um dos frutos posteriores às discussões realizadas no Programa de Iniciação Científica (PIC) “Grêmio Estudantil: um espaço de participação na Gestão Escolar Democrática” entre 2009 e 2010, durante o 3º e 4º ano da graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional de Cianorte, sob orientação da Professora Ms. Sandra Regina Cassol Carbello. Na presente discussão, primeiramente se define o grêmio estudantil, seu espaço de atuação dentro da escola e seu envolvimento com o Movimento Estudantil. Na escola, o grêmio é uma das instâncias colegiadas da gestão escolar democrática, modo de 1 Graduada no Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional de Cianorte. Email: [email protected] 2 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 organização escolar prevista na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2007), sendo o espaço reservado para a participação dos estudantes em vistas de uma educação de qualidade. No entanto, o grêmio estudantil não está isolado na escola. Ele deve se relacionar com as entidades do Movimento Estudantil, dentre elas, a UNE (União Nacional dos Estudantes), a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), a UEES (União Estadual dos Estudantes Secundaristas) e a UMES (União Municipal dos Estudantes Secundaristas). No segundo momento, se enfatiza a luta histórica do Movimento Estudantil travada em território brasileiro visando a democracia, durante seus primórdios, desde 1901, após da criação da UNE, a atuação dessa última e da UBES no período ditatorial e no processo de redemocratização do Brasil. Por fim, se questiona a atuação contemporânea dos grêmios estudantis, que em sua maioria não são tão atuantes como os grêmios do passado, e se aponta os possíveis motivos desse atual envolvimento estudantil em movimentos coletivos. 2 O GRÊMIO ESTUDANTIL O grêmio estudantil, instância colegiada representativa dos estudantes, garante a participação estudantil na gestão escolar democrática, colaborando na luta para se alcançar o objetivo primordial da escola, isto é, a oferta de um ensino de qualidade. Esse ensino que deve proporcionar condições aos estudantes para que estes sejam verdadeiros cidadãos, participando ativamente da vida pública e sendo criadores de novos direitos (PARO, 2007). Desse modo, a experiência de participação da gestão democrática é uma forma de aprendizado para a futura participação da vida pública da cidade, do estado e do país. Para que o grêmio possa se constituir num espaço importante para a formação dos estudantes, este possui atividades que devem ser desenvolvidas pelos alunos. O campo de atuação deste espaço de participação é amplo. Segundo Galinha e Carbello (2008, p. 34 – 3 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 35) o grêmio estudantil pode desenvolver atividades no campo cultural, social, esportivo, político e comunicação: Cultura: organizar semanas culturais, concursos literários, exposições de desenhos, pintura, escultura, eventos musicais, festas, montagens de peças teatrais e danças, gincanas culturais, passeios, excursões e outros. Social: formar grupos para discutir temas como preconceito, desigualdade social, violência, ética, etc.; trabalhar a estética da escola (murais, painéis, jardinagem...). Esporte: promover campeonatos de futebol, vôlei, basquete, handebol, xadrez, gincanas entre alunos, pais e comunidade, participar e incentivar campeonatos entre escolas. Política: organizar palestras sobre temas diversos como paz, solidariedade, drogas, saúde, meio ambiente e outros; discutir e avaliar os projetos da escola e garantir que sejam respeitados os seus direitos. Comunicação: criação e manutenção da rádio escola, do jornal escolar, participar do conselho de classe, divulgar suas atividades nos meios de comunicação local. Segundo a Secretaria de Educação de Estado do Paraná (SEED) os objetivos desta Instância são vários, dentre eles, congregar e representar os estudantes da escola, defender seus direitos e interesses, cooperar para melhorar a escola e a qualidade do ensino, incentivar e promover atividades educacionais, culturais, cívicas, desportivas e sociais, como também realizar uma relação de intercâmbio e colaboração de caráter cultural e educacional com outras instituições de caráter educacional (PARANÁ, 2009a). Para Veiga (2007) o grêmio estudantil deve despertar o aluno para além da sala de aula, envolvendo os alunos na vida da escola, mantendo relações com outros segmentos do Movimento Estudantil. Dentro do Movimento Estudantil, no nível superior, se destaca a UNE (União Nacional dos Estudantes) que reúne todos os Diretórios Acadêmicos (DA) ou Centro Acadêmicos (CA) de cada curso das universidades, Diretório Central dos Estudantes (DCE) entidade representa o conjunto dos universitários e as UEEs, União Estadual dos Estudantes de cada estado brasileiro. 4 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 No nível secundário, se destaca a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). Essa é a entidade de: […] representação dos estudantes secundaristas no país. Seu objetivo é defender os interesses e as opiniões dos estudantes dos ensinos fundamental, médio e técnico. Funciona como mediadora de questões específicas à educação e também de outros problemas relacionados à juventude (UNE, 2011a). Na organização da UBES, se encontra as Uniões Estaduais Secundaristas, que desempenha o papel de representar os estudantes do ensino fundamental, médio e técnico de cada estado, como também a UMES – União Municipal dos Estudantes Secundaristas – desenvolvendo a mesma função das Uniões Estaduais em nível municipal. É na organização da UBES que se encontra o Grêmio Estudantil, que é definido como: Entidade que representa o conjunto dos estudantes de uma mesma escola do ensino fundamental, médio ou técnico. O Grêmio possibilita a discussão sobre os problemas gerais ou específicos das instituições de ensino, desenvolvendo as lutas dos estudantes, assim como promovendo sua integração por meio de atividades culturais e acadêmicas. Representa os estudantes de cada escola nos fóruns gerais do movimento estudantil secundarista e promove o diálogo com as entidades gerais (Uniões Estaduais e UBES). Realizam eleições anuais e também assembléias gerais (UNE, 2011a). Dessa forma, o grêmio estudantil tem profunda ligação com todo o Movimento Estudantil e sua história. 3 O GRÊMIO E O MOVIMENTO ESTUDANTIL: UM OLHAR HISTÓRICO Como já foi afirmado anteriormente o grêmio estudantil é um órgão colegiado que representa a vontade coletiva dos estudantes. Entretanto, as atividades desta Instância 5 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 podem extravasar a participação na vida da escola. O grêmio estudantil, estruturalmente, pertence ao Movimento Estudantil, que fez história no país, principalmente por meio das manifestações políticas da UNE. Todavia, o Movimento Estudantil atuava em campanhas sociais mesmo antes da criação da UNE. Em 1901 é criada a Federação dos Estudantes Brasileiros, que marcou os primórdios do Movimento Estudantil. Entretanto, essa entidade pioneira teve pouco tempo de atuação. Em pouco tempo esse movimento teve grande crescimento: Já em 1910 é realizado o I Congresso Nacional dos Estudantes, em São Paulo. O rápido aumento do número de escolas, nas primeiras décadas do século, acompanhou também a rápida organização coletiva dos jovens, que desde o início de sua atuação, estiveram envolvidos com as principais questões do país (UNE, 2011b) Os jovens estudantes organizados coletivamente estiveram envolvidos em entidades, como a Juventude Comunista e a Juventude Integralista, como também em organizações que promoviam a defesa da qualidade do ensino, do patrimônio nacional e da justiça social (UNE, 2011b). Esses fatores contribuíram para uma organização nacional dos estudantes, como afirmam os autores: Ao longo do tempo a história registrou diversos acontecimentos nos quais os estudantes tiveram papel central. Estando à frente em campanhas assistenciais e sociais, tomando partido em discussões políticas, o Movimento Estudantil foi atuante, antes mesmo da criação da UNE (União Nacional dos Estudantes) em 1937 e de sua legalização em 1942, pelo então presidente Getúlio Vargas (SEMPREBOM; RIBEIRO, 2008, p. 5). A União Nacional dos Estudantes é o órgão de representação estudantil de maior expressão em âmbito nacional, representando todos os estudantes brasileiros. Teve grande atuação na história brasileira, especialmente no início da ditadura militar entre 1964 e 1968. Segundo Sanfelice (1986), desde 1961 o movimento estudantil se manifestou contra a agressão à democracia e contra forças antinacionais. Com a tomada de poder dos militares, a UNE passou a ser alvo de atentados: 6 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 A primeira ação da ditadura militar brasileira ao tomar o poder em 1964 e depor o presidente João Goulart foi metralhar, invadir e incendiar a sede da UNE, na Praia do Flamengo 132, na fatídica noite de 30 de março para 1º de Abril. Ficava clara a dimensão do incômodo que os militares e conservadores sentiam em relação à entidade. A ditadura perseguiu, prendeu, torturou e executou centenas de brasileiros, muitos deles estudantes (UNE, 2011b). Além dessas violações contra o patrimônio do movimento estudantil, também houve tentativas de extinguir toda forma de organização dos estudantes. Com a Lei Suplicy de Lacerda (Lei 4.464, de 9 de novembro, de 1964), procurou-se controlar o movimento estudantil, visando sua extinção. Segundo Sanfelice (1986), essa lei procurou destituir a autonomia e a representatividade do movimento, deformando os organismos estudantis em todos os níveis, transformando-os em apêndices do Ministério da Educação. As medidas do governo ditatorial visando à contenção das manifestações do movimento estudantil foram acontecendo nos anos posteriores por meio de decretos. Segundo Veiga (2007, p. 121) uma das medidas repressivas foi o Decreto-Lei 252/67 que “vetou a ação dos órgãos estudantis em quaisquer manifestações e movimentos (art. II)”. Em 1968, os estudantes e representantes de outros segmentos da sociedade saíram às ruas para protestar, lutar por mudanças no sistema de organização estatal antidemocrática, pelo direito de serem ouvidos, pela liberdade de expressão, em suma, pela democracia. Carvalho (2008, p.161) discorrendo sobre o longo percurso para a construção da cidadania no Brasil, narra alguns fatos que marcaram o período: Nova retomada autoritária aconteceu em 1968. Nesse ano, voltaram a mobilizar-se contra o governo alguns setores da sociedade, sobretudo os operários e os estudantes. Duas greves marcaram a retomada das manifestações operárias. Os estudantes saíram às ruas em grandes marchas pela democratização, e um deles, Edson Luís, foi morto em uma das manifestações. Edson Luís de Lima Souto era estudante secundarista, foi assassinado por policiais militares em 28 de março de 1968, no restaurante Calabouço do Instituto Cooperativo de 7 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 Ensino, no Rio de Janeiro, durante uma reunião dos estudantes, na qual se organizava uma passeata para protestar contra o alto preço da refeição. A morte desse estudante foi o marco inicial para as intensas manifestações contra o regime ditatorial. Com o Ato Institucional número 5 - AI 5 - em 13 de dezembro de 1968, restringiuse ainda mais a liberdade dos cidadãos, dando início à chamada linha dura do regime militar. Esse período foi caracterizado pela supressão dos direitos constitucionais, perseguição política, repressão, censura, tortura e morte para quem ousasse contrapor-se aos ideários da ditadura. Para o Movimento Estudantil, a consequência do AI 5 foi sua extinção legal, caindo na clandestinidade. Mesmo após essa medida, o regime ditatorial aplicou outro decreto suprimindo os direitos expressivos de professores, alunos e funcionários: Em fevereiro de 1969, foi promulgado o Decreto-Lei 477, decorrente do AI-5 nas suas Portarias 149-A e 3.524, e aplicado aos professores, alunos e funcionários, proibindo qualquer manifestação de caráter político ou de contestação no interior das instituições educativas. Foi nesse clima de controle, ameaça e insegurança individual que se formaram profissionais de nível superior e dentre eles, os professores. (VEIGA, 2007, p. 121122) Ao longo da década de 1970 as manifestações dos estudantes diminuíram, pois a repressão no período se intensificou, ressurgindo na década de 1980, como apontam os autores: Ao longo da década de 1970, as manifestações estudantis foram bem poucas devido à perseguição e a clandestinidade do Movimento Estudantil. Na década seguinte o movimento pelas Diretas Já em 1984, reviveu a força das grandes manifestações e contou com a participação dos estudantes universitários. (SEMPREBOM; RIBEIRO, 2008, p. 7) A partir da segunda metade da década de 1970 iniciou-se o lento processo de abertura política, que pretendia conduzir o país gradualmente à democracia. Foi nesse período que a UNE se reestruturou: 8 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 Ao final dos anos 70, com os primeiros sinais de enfraquecimento do regime militar, a UNE começou a se reestruturar. O Congresso de reconstrução da entidade aconteceu Salvador, em 1979, reivindicando mais recursos para a universidade, defesa do ensino público e gratuito, assim como pedindo a libertação de estudantes presos do Brasil. (UNE, 2011b) Nesse período revogou-se o AI 5, em 1978, acabando com a censura prévia e permitindo a volta dos exilados, como também abertura para a formação de partidos políticos. Nesse contexto, vários setores da sociedade se organizaram para lutar pela democracia, por participar da vida política do país. Segundo Minto (2006, p. 146): Os primeiros anos da década de 80 presenciariam ainda uma ampla mobilização da sociedade em favor das eleições diretas para os cargos executivos, sobretudo para a presidência da República. A campanha das “Diretas Já” uniu politicamente os mais diversos setores da sociedade brasileira sob uma mesma bandeira, contrapondo-se à força dos setores mais conservadores e retrógrados, amplamente representados no Congresso Nacional e que, por fim, sairiam vencedores. Essa mobilização popular, que marcou a década de 1980 foi caracterizada por intensas lutas por direitos sociais e exercício da cidadania por democracia, alcançando seu auge em 1984, no Movimento pelas “Diretas Já”. Segundo Carvalho (2008) essa foi a maior mobilização popular da história do país. Adrião e Camargo (2002, p. 69) sintetizam: A luta pelas liberdades democráticas; os primeiros grandes movimentos grevistas; o movimento das “Diretas Já” pelo retorno de eleições para governantes; a conquista da liberdade de organização partidária, entre tantas outras ações no campo trabalhista, político e social, configuraram um “clima” por maior participação e democratização das várias esferas da sociedade brasileira, incluindo-se a organização do próprio Estado. Nesse momento crucial para a história política do país, José Sarney, ex-membro da ARENA, Aliança Renovadora Nacional, partido político oficial da Ditadura, assume a presidência da República mantendo as mesmas premissas elitistas como base de governo, 9 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 protelando as necessárias mudanças na organização do Estado brasileiro, como afirma o autor: Enfim, a instauração da chamada Nova República se deu por meio de uma reorganização das forças políticas dominantes no país, num processo que manteve no poder as velhas classes políticas que apoiaram o regime ditatorial, sem incluir as reivindicações das classes populares, a não ser na medida mínima necessária. Foi uma “transição de continuidade”, meramente formal, pois não trazia mudanças efetivas na sociedade brasileira no que se refere à sua estrutura desigual, à pobreza, à miséria, à falta de acesso à educação etc. A rigor, a transição para a democracia foi, sob muitos aspectos, uma ilusão. (MINTO, 2006, p. 147) Foi nesse contexto de avanços e retrocessos na luta pela democracia que o grêmio estudantil alcançou aparato legal por meio da Lei Federal 7398/85 que garantiu a organização autônoma dos estudantes do Ensino Fundamental e Ensino Médio, por meio do grêmio estudantil. É importante ressaltar que a referida lei foi um projeto de autoria do deputado e ex-presidente da UNE, Aldo Arantes. Segundo o texto da referida Lei: Art. 1º Aos estudantes dos Estabelecimentos de Ensino de 1º e 2º graus2 fica assegurada a organização de Estudantes como entidades autônomas representativas dos interesses dos estudantes secundaristas com finalidades educacionais, culturais, cívicas esportivas e sociais. (BRASIL, 1985) Além disso, a Lei 7398/85 de Aldo Arantes, estabeleceu que a organização do grêmio seja norteada por seu Estatuto, como também, o funcionamento e as atividades do grêmio com base nos princípios democráticos herdados das lutas sociais da década que vislumbravam a participação dos cidadãos nas instâncias de tomada de decisão. É nesse contexto também que se chega à elaboração da Constituição Federal de 1988, que proclama a Gestão Democrática da Escola Pública. Na década de 1990, o Movimento Estudantil também teve grande participação na campanha “Fora Collor”: 2 Após a LDB 9394/96 esta nomenclatura foi alterada para Ensino Fundamental e Médio. 10 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 Quando o presidente envolveu-se em escândalos sucessivos de corrupção, o movimento estudantil teve papel predominante na mobilização dos brasileiros com o movimento dos jovens de caras pintadas na campanha “Fora Collor”. Em 1992, após enormes manifestações estudantis com repercussão em todo o país, o presidente renunciou ao cargo para não sofrer processo de impeachment pelo Congresso Nacional. (UNE, 2011b) Papel fundamental nesse processo foi desempenhado pela UBES, quando os estudantes secundaristas tiveram papel fundamental no aprofundamento das denúncias que levaram ao impeachment de Collor. Segundo Cinti (2012) “Os secundaristas foram os primeiros a gritar 'Fora Collor' e criaram a marca dos caras pintadas”. Após o impeachment de Collor, se instaurou a reforma do Estado segundo os princípios neoliberais sob o comando do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Com a reforma de Estado e da educação na década seguinte as conquistas democráticas se escamoteiam. A reforma neoliberal estimula uma democracia liberal, na qual se incita as iniciativas individuais e a competitividade, o que dificultam as lutas coletivas. No processo de reforma neoliberal os estudantes secundaristas também se manifestaram: Da mesma forma, a geração vitoriosa do pós-impeachment enfrentou o neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso em defesa do patrimônio nacional e contra as políticas educacionais com bandeiras de luta como “Queremos muito mais que apertar parafusos” em defesa do ensino técnico. (CINTI, 2012) A UNE também se manifestou contra as políticas de Fernando Henrique Cardoso. A União Nacional dos Estudantes “posicionou-se firmemente contra a mercantilização da educação, promovida pela gestão FHC” (UNE, 2011b). Nesse cenário neoliberal foi elaborada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, orientada por princípios neoliberais. Nesta lógica, “[...] o Estado tem uma dimensão de maior neutralidade na organização da vida social, servindo como 11 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 elemento aglutinador dos diferentes interesses que circulam na sociedade” (VIEIRA; ALBUQUERQUE, 2002, p.21). Para Chilante e Koepsel (2009, p. 8) “Percebe-se que a reforma do Estado dos anos de 1990 objetivou liberar, desimpedir e desregulamentar a acumulação de capital, retirando a legitimação sistêmica e o controle social da lógica democrática, passando para a lógica da concorrência do mercado”. Nesta linha de raciocínio, a lógica da concorrência de mercado estimula a competição, nas ações cotidianas predomina o individualismo e não há interesses por organizações coletivas, pois as pessoas se orientam pelo espírito competitivo. O incentivo ao espírito competitivo e ao aumento do consumo está presente nas orientações emanadas nas Conferências Internacionais de Educação, realizadas na década de 1990 (OLIVEIRA, 2006). Foram os acordos realizados nessas conferências que balizaram a organização da atual LDB 9394/96 (BRASIL, 1996). Desta maneira, aparentemente, tem-se assegurado o espaço de participação dos discentes na gestão democrática da escola, pois o Inciso II, do Artigo 14, garante a participação da comunidade em conselhos escolares. Todavia, no cotidiano escolar temos ínfima participação nas instâncias colegiadas. Os gestores se esforçam para cumprir as determinações da LDB 9394/96. Contudo, evidenciam-se as dificuldades para organizar a escola segundo os preceitos democráticos. 4 A ATUAÇÃO CONTEMPORÂNEA DOS GRÊMIOS ESTUDANTIS Reconhecendo o espaço de atuação do Grêmio Estudantil e a herança deixada pelo Movimento Estudantil por meio da UNE e UBES especialmente, torna-se necessário refletir sobre a real atuação dos grêmios estudantis. Infelizmente, a reforma neoliberal, o incentivo à competitividade e à individualidade, atingiu sobremaneira as organizações coletivas, o que dificulta a organização das instâncias colegiadas de forma ideal na vida da escola, assim como no grêmio estudantil. 12 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 Como afirma Veiga (2007) existe um círculo cristalizado que é consolidado pelo autoritarismo e o controle das direções escolares exercido sobre a atuação dos estudantes. Isso pode ser entendido como o legado do período ditatorial que ainda não foi reconstruído plenamente. A mesma autora também destaca nesse círculo cristalizado o ensino acrítico e desvinculado da realidade global transmitido pelos professores a seus alunos, e por fim, a ausência de participação efetiva dos pais, alunos, professores e funcionários na vida da escola. Dessa forma, sob esse legado “[...] os alunos caracterizam-se pela passividade e pelo individualismo ligados às relações de estrutura político-social em que vivem” (VEIGA, 2007, p. 121). Como afirma a autora, a disposição dos estudantes é resultado desse círculo cristalizado, pois, “[...] reproduz nos jovens estudantes uma consciência passiva e alienada do contexto socioeconômico e político que o país vive” (VEIGA, 2007, p. 121). Deve-se destacar que a relação entre direção e grêmio da escola não se trata de contradição, mas de parceria: O grêmio estudantil não é instrumento de luta contra a direção da escola, mas uma organização onde se cultiva o interesse dos estudantes, onde eles têm possibilidade de democratizar decisões e formar o sentimento de responsabilidade. Eles aprendem a resolver seus problemas entre si, o que evita intromissões em suas vidas (VEIGA, 2007, p. 123). De fato, o grêmio estudantil é uma oportunidade privilegiada para que os próprios estudantes resolvam seus conflitos e se unem em busca de seus interesses em comum. Assim, deve-se evitar qualquer forma de tutela sobre o grêmio, seja por parte da direção ou de qualquer outro segmento da escola. No Estado do Paraná, a SEED disponibiliza orientações para implantação e organização dos grêmios estudantis. Dentre as orientações há o cargo de professor conselheiro do grêmio estudantil. Apesar de não ser mencionado no modelo de Estatuto disponibilizado pela SEED, ou seja, não está previsto pelo documento que rege as ações do Grêmio Estudantil, o 13 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 professor conselheiro é um cargo orientado pela mesma secretaria. As atribuições deste profissional são: I. acompanhar as atividades do Grêmio comparecendo à sua sede no mínimo uma vez por semana; II. informar à Direção do Estabelecimento sobre as atividades do Grêmio; III. apresentar sugestões para o melhor funcionamento do Grêmio e seu relacionamento com a Direção do Colégio; IV. comunicar com antecedência à Direção seu afastamento, justificando-o; V. responder junto às instituições bancárias pela abertura e movimentação de conta-corrente do Grêmio Estudantil. (PARANÁ, 2009b). Não obstante, segundo as informações do SEED, essas orientações para o exercício da função do professor conselheiro, visam a objetividade das ações do Grêmio. Contudo, ressalta-se que a presença do adulto pode destituir a autonomia desta Instância, dificultando a liberdade de expressão dos estudantes, de seus ideais democráticos, ou impossibilitando a aprendizagem do jogo democrático que se faz na participação política em instâncias decisórias, como o Grêmio Estudantil. Isso, porque o cargo de professor conselheiro do Grêmio Estudantil pode ser interpretado como uma forma de tutelar as ações do Movimento Estudantil. Portanto, esta tutela destitui a autonomia do Grêmio. Segundo Libâneo (2004), este órgão colegiado é uma instituição auxiliar à Gestão Democrática da Escola, deve ser regulamentado no Regimento Escolar, e se faz necessário que tenha autonomia: “[...] é recomendável que tenham autonomia de organização e funcionamento, evitando-se qualquer tutelamento por parte da Secretaria de Educação ou da direção da Escola” (LIBÂNEO, 2004, p. 131). Dessa forma, é inevitável colocar em xeque a autonomia e atuação dos grêmios estudantis, atingidos pelos valores neoliberais e pelo tutelamento. É imprescindível que o grêmio estudantil seja uma oportunidade única dos estudantes experienciarem uma vivência democrática, para que, quando adultos possam agir democraticamente em seus bairros, cidades, estados e nação, pois, “o papel da 14 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 comunidade não é substituir o Estado, libertá-lo de suas atribuições constitucionais, postarse sob sua tutela, mas se organizar de maneira competente para fazê-lo funcionar” (MARTINS, 2007, p. 53). Dessa forma, a melhor maneira de se organizar coletivamente, é começando pelas bases, ou seja, na escola, no bairro, no município e na região. O que é possível de se observar na atualidade é a atuação significativa das entidades estudantis em nível na nacional, como a UNE e a UBES, que promovem bienais e outras atividades. No entanto, em caráter municipal, percebe-se ínfima participaçã, interferência e manifestação dos grêmios estudantis na vida da cidade e até mesmo da escola. Os estudantes, como afirma Veiga (2007) em sua maioria são alienados e não se envolvem em questões políticas. Nessa atual conjuntura, a escola tem um grande desafio: O grande desafio da educação escolar na conjuntura neoliberal torna-se o de andar na contramão desse processo, a fim de dar aos indivíduos que nela buscam o conhecimento alguma chance de resistência e de formação de uma consciência crítica. Desse ponto de vista, a gestão democrática da educação torna-se um importante mecanismo de questionamento das relações econômicas e sociais e dos objetivos do neoliberalismo, de modo a poder criar as condições para o surgimento de novas identidades individuais e coletivas (SCHLESENER, 2006, p. 182). Assim, constata-se que a escola, sendo democrática, deve nadar contra a correnteza dos ideais neoliberais. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista o exposto, pode-se concluir que o grêmio estudantil é um espaço privilegiado de vivência democrática. Prova disso é o legado histórico do Movimento Estudantil, suas lutas e suas conquistas que marcaram profundamente a história do Brasil, principalmente no período da ditadura militar. No entanto, atualmente as conquistas em favor da democracia, isto é, da participação do povo na vida pública, se escamotearam, devido à propagação de novos 15 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 ideais orientados pelo neoliberalismo. O grêmio estudantil e as outras entidades democráticas encontram muitas dificuldades para sua organização, pois é constante a presença de valores individualistas e incentivo à competitividade, que dificultam organizações coletivas. Dessa forma, é função da escola oportunizar uma organização democrática no grêmio estudantil, que não represente um confronto para a direção e não tenha nenhuma forma de tutelamento, que ensine os estudantes a resolverem seus problemas e lutar por seus ideais, especialmente, por uma educação de qualidade. Assim, é possível questionar os valores neoliberais que permeiam as relações sociais e as organizações coletivas. REFERÊNCIAS: ADRIÃO, Theresa; CAMARGO, Rubens Barbosa de. A gestão democrática na Constituição Federal de 1988. In: OLIVEIRA, Romualdo Portela de; ADRIÃO, Theresa. Gestão, financiamento e direito à educação: análise da LDB e da Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Xamã, 2002. p.69 – 78. BRASIL. 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