ALDEMIR LEONARDO TEIXEIRA
O MOVIMENTO PUNK NO ABC PAULISTA
ANJOS: UMA VERTENTE RADICAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
PUC/ SÃO PAULO
2007
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ALDEMIR LEONARDO TEIXEIRA
O MOVIMENTO PUNK NO ABC PAULISTA
ANJOS: UMA VERTENTE RADICAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE/ em Ciências Sociais, (ANTROPOLOGIA)
sob orientação do Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
PUC-SP
SÃO PAULO
2007
BANCA EXAMINADORA
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RESUMO
TEIXEIRA, Aldemir Leonardo. O Movimento Punk no ABC Paulista: Anjos - uma
vertente radical.
SÃO PAULO: PUC, 2007. (Monografia - Pós-graduação - Mestrado Strictu Sensu)
O Movimento Punk surge em meados dos anos 70 como um dos últimos movimentos
contraculturais. Se deu primeiramente como um fenômeno musical, o punk rock, música de
protesto anti-conformista adotado por uma parcela de jovens intelectuais norte-americanos
e depois ingleses. A princípio foi contra a comercialização à qual o rock havia se
submetido, posteriormente se expandiu como um movimento social, cultural e artístico, de
contestação juvenil anti-establishment. Cresceu e se radicalizou junto à classe operária,
principalmente a inglesa, depois se proliferou para o mundo todo, visto pelas autoridades
como um movimento de “cultura subversiva”. No Brasil o movimento radicou-se nas
diversas regiões metropolitanas de São Paulo, tendo maior expressividade no centro da
capital enfatizado pelo fator midiático e na região industrial do ABC, onde obteve formas
mais expressivas e radicais, estando envolvido com as lutas operárias e sindicais ocorridas
no final da década de 70 e início dos anos de 1980.
Orientador: Dr. Edgard de Assis Carvalho - PUC
ABSTRACT
TEIXEIRA, Aldemir Leonardo. THE PUNK MOVEMENT IN THE ABC
PAULISTA: Anjos - a radical tendency.
SÃO PAULO: PUC, 2007 (Dissertação - Pós-graduação - Mestrado Strictu Sensu)
The Punk Movement emerged in the mid-1970s as one of the last anti-establishment
movements. It started mainly as a musical phenomenon, the punk rock, anti-conformist
protest adopted by part of the young American intellectuals and then by the British. In the
beggining it was against the commercialism that rock music had submitted to, afterwards it
expanded to a social, cultural and artistic movement of anti-establishment youthful
challenge. It grew and radicalized within the working class, mainly in Britain, afterwards it
spread across all over the world seen by authorities as a subversive culture movement. In
Brazil it started in many metropolitan regions of São Paulo in which the most expressivity
was observed in the center region emphasized by the media factor, and in the industrial part
of ABC region where it obtained more expressive and radical ways where the movement
was involved with the working and union fights accurred in the late 1970s and beggining of
1980s.
A todos Punks Anjos,
Aos meus familiares e amigos,
pela credibilidade e apoio.
À resistência do movimento punk
A todos os entrevistados
A meus professores e, em especial,
à guerreira Márcia Regina da Costa.
OFEREÇO
Em memória de Pepeu, Nenê, Oray, Luizinho, Estilou e todos os outros guerreiros punks
que se foram. Saudades de vocês, amigos!
DEDICO
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos amigos Wendell Eduardo dos Santos e Maria Erlândia pela ajuda e
companheirismo, à professora Carmen Junqueira pelo carinho e dedicação, ao professor
Miguel Wady Chaia pelo apoio, ao meu Orientador professor Edgard de Assis Carvalho. A
Ângelo Cavalcante, que me impulsionou nos momentos mais difíceis, a Arlete Pontes da
Fonseca, pelo incentivo, a todos os companheiros de Pós. Agradeço também ao CNPq pela
bolsa de estudos que possibilitou a realização desse trabalho.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................1
APRESENTAÇÃO.............................................................................................................4
REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................................13
ESTUDOS E MÉTODOS.................................................................................................15
CAPITULO I ANTECEDENTES: O Anarquismo como base inspiradora de idéias
contraculturais (Beatniks, Provos, Hippies e Punks)...........................................................17
1.1 PUNK! Seus fundamentos: vertente norte-americana e inglesa........................24
1.2 A transição.........................................................................................................29
CAPÍTULO II - A REVOLTA VEM DO ABC..............................................................54
2.1 Punk! Contexto Nacional..................................................................................54
2.2 Gangues e Salões...............................................................................................64
2.3 Punks da City.....................................................................................................70
2.4 Anjos do ABC....................................................................................................79
2.5 Trilogia ABC/ SBC - Passeatas, Hino Mortal, Ulster........................................92
2.6 O Começo do Fim do Mundo...........................................................................110
CAPÍTULO III - A DISPERSÃO...................................................................................138
3.1 Prelúdio ao Declínio.........................................................................................139
3.2 Baixas no ABC.................................................................................................141
3.3 A Repressão......................................................................................................148
3.4 Reestruturação: um sonho além de distante......................................................150
3.5 Libertação Radical: guitarras como armas........................................................153
3.6 O Rock Nacional Pega Carona no Punk...........................................................161
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................165
Metamorfose do Irracionalismo.........................................................................................172
GLOSSÁRIO.................................................................................................................... 176
ANEXOS............................................................................................................................179
BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................216
INTRODUÇÃO
Esse projeto de pesquisa pretende realizar uma análise comparativa entre o movimento
punk surgido no ABC e o movimento punk desenvolvido no centro de São Paulo no
período de 1977 a 1985. A linha dessa dissertação é apontar o grau de radicalidade musical
e política presente no grupo do ABC paulista e o desempenho de São Paulo na questão
midiática. O ano de 1977 é dado como marco inicial com o aparecimento dos primeiros
punks na cidade de São Paulo. Sua fase embrionária é compreendida em duas vertentes: em
São Paulo, no Bairro Pirituba, zona oeste, e Vila Carolina, zona norte da cidade. E na
região industrial do ABC, nas cidades de São Caetano do Sul e São Bernardo do Campo.
Essas vertentes despontarão de maneira oposta uma da outra, diferenciar-se-ão no jeito de
pensar, agir e se expressar, acerca de um mesmo movimento. Esse estudo procura analisar
essa dicotomia, que concentrou as divergências numa forte rivalidade entre elas,
convertendo o movimento na formação de gangues.
Pretende abranger a formação de um grupo específico da cidade de São Bernardo do
Campo, intitulado “Anjos”, como o primeiro a introduzir e difundir o anarquismo no
interior do movimento na região 1 . Busca mostrar sua evolução, contradições e implicações,
suas propostas culturais e políticas, procura distinguir o processo que dividiu o movimento
em dois parâmetros, Punks da City (centro de São Paulo) de um lado e punks do ABC de
outro, ocasionando o início da “guerra entre gangues”, as ações, os confrontos e a
demarcação de territórios. Objetiva retratar a principal forma de divulgação do movimento
através do punk rock, música de protesto anti-coformista, radicada nas inúmeras bandas
punks, assim como, os fanzines, jornais alternativos elaborados de maneira rudimentar
pelos próprios punks como agente difusor de suas idéias.
A partir dos anos 80 o punk já havia se intensificado como forma de movimento e com
maior repercussão. Em 1985 no ABC, começou a perder forças, diante de uma série de
1
A origem desse grupo, a aglutinação que fez torná-lo um dos grupos mais fortes em número de integrantes e
também mais expressivo, seus propósitos, serão explicados no capitulo II, referente à questão das gangues.
1
fatores: a repressão militar, a censura, o confronto com gangues rivais (ocasionaram
mortes), a dissolução de algumas bandas importantíssimas, ícones do movimento na região,
desentendimentos internos e outros relevantes fatores que serão explicados no decorrer
dessa dissertação.
O ABC paulista foi escolhido como ponto fundamental dessa pesquisa por ser a região onde
o movimento punk obteve formas diferenciadas das demais regiões paulistanas.
Organizados e politizados, saíram do contexto estereotipado posto pela mídia na tentativa
de transformá-lo num modismo passageiro e de consumo de massa. Assimilaram
características sérias, como verdadeiro caráter de movimento, repudiaram os conceitos
pretendidos pela mídia e dilaceraram inúmeras críticas a alguns punks, em específico do
centro da capital, pelos seus atos exibicionistas e inconseqüentes que contribuíam para os
anseios de inúmeros oportunistas (publicidade, grifes, setor de moda, TV, etc.)
intencionados em criar um marketing em cima dele.
De acordo com o primeiro parágrafo, o comparativo entre os punks da capital paulista
(punks da city) com os punks Anjos do ABC pode ser analisado resumidamente dessa
forma:
1. Os punks de São Paulo foram caracterizados como punks da city 2 , por se fixarem no
centro da cidade, e reuniam-se nas Grandes Galerias (centro comercial de São Paulo,
Shopping), precisamente na Punk Rock Discos, seu ponto de encontro, uma loja
pioneira em artigos punk rock (com venda de camisetas, discos raros e fitas),
precisamente na avenida São João, 489, 1º andar. Estavam mais próximos dos meios de
comunicação, conseqüentemente recebiam maior cobertura da imprensa, servindo como
referencial a matérias jornalísticas e programas televisivos. Chamavam a atenção do
público pelo visual marcante e chocante que muitas vezes gerava medo nas pessoas
(cabelos coloridos e espetados, blusões de couro, botas militares, jeans rasgados, entre
outros aspectos) e causava um grande impacto para a época. Diante dos olhares de
leigos e curiosos, obviamente despertavam a atenção dos órgãos da imprensa, que
2
A origem dos punks da city será explicada no capítulo II.
2
intencionados em editar matérias sobre o movimento sempre os procuravam, mas, nem
sempre o que era publicado refletia para um lado positivo do esperado, como a própria
originalidade do punk, sendo um movimento de conotações contestatórias, antiestablishment. A conduta exibicionista e debochada dos punks da city como gestos
obscenos, palavrões, insultos, “micagem” em frente às câmaras, contribuía para os
enfoques sensacionalistas, mesmo que na maioria das vezes essas manifestações fossem
puramente lúdicas, de ironia acerca da sociedade, porém não entendidas e mal
interpretadas por ela e pela imprensa.
2. Os punks do ABC, por estarem numa região industrializada num período de inúmeras
movimentações grevistas, vieram acompanhando e atuando paralelamente aos
movimentos sindicais entre os anos de 1979 a 1983. Os Anjos de São Bernardo do
Campo, em sua maioria, eram operários no setor metalúrgico e articulavam ações
políticas, participando das greves, manifestações, panfletagens, piquetes e passeatas.
Eram mais ativos politicamente, estando engajados nas questões sociais. Em São
Bernardo do Campo os desagrados dos Punks Anjos com a imprensa aumentavam na
medida em que as matérias editadas davam ênfase às atitudes adotadas pelos punks da
city, como fizessem parte da conduta de todos os punks. Os punks do ABC no geral,
além de estarem distantes do centro, sofriam todo tipo de censura e repressão por meio
de notas taxativas e distorcidas publicadas pela imprensa 3 (terroristas, bandidos,
trombadinhas, delinqüentes, selvagens, entre outras) e procuravam evitar os meios de
comunicação, pois estavam cientes de que se tratava de um veículo de informação não
confiável.
3
Dias de luta, p.58, 2002.
3
APRESENTAÇÃO
BREVE HISTÓRICO DO PUNK MUNDIAL
Entende-se por punk um dos últimos movimentos da contracultura, emergido em meados
da década de 1970 e caracterizado por um estilo musical engajado ao rock de
comportamento rebelde e agressivo, o punk rock. Posteriormente se tornou um movimento
social, político e artístico, de contestação contra todas instituições do sistema capitalista. A
Contracultura (BRANDÃO, Antônio Carlos e DUARTE, Milton Fernandes -1993, p.56)
é marcada como um movimento radical que coloca frontalmente em xeque a cultura oficial.
É uma espécie de “espírito libertário”, questionador de uma nova maneira de pensar a
sociedade e o sistema vigente. É uma afronta oposicionista à cultura convencional,
começou com a beat generation (Beatniks) nos anos 50 e transpassou para os 60 e 70,
referenciando os movimentos contestatórios ligados à juventude, Provos e Hippies. O
termo contracultura foi adotado por Theodore Roszak 4 e significa contra-sociedade ou
underground (submundo).
A primeira manifestação punk se deu nos Estados Unidos nos subúrbios da parte leste de
Nova York e foi absorvida pouco tempo depois na Inglaterra, onde obteve proporções
radicais e complexas. O punk rock é um revivalismo da cultura rock’ n roll, posta-se como
um tipo de música curta, rápida, poucos acordes, simples e dançante, contrapondo com o
rock tradicional que, submetido à indústria fonográfica, havia se transformado numa
enorme fonte de empreendimentos comerciais e lucrativos, criando os astros da música
pop, super estrelas ou pop star e com isso o distanciamento do público com o artista. A
proposta contracultural do punk está no anti-conformismo, contraria os valores vigentes da
cultura atual, preocupando-se com questões sociais, como o desemprego, as guerras, a
4
Professor de História na Universidade da Califórnia - “State University at Hayward”, crítico social. Entre
suas obras estão A Contra Cultura - Reflexão sobre a sociedade tecnocrata e a oposição juvenil, editora
Vozes, 1972, e The Making of a Counter Culture - A formação da contracultura.
4
fome, as injustiças sociais, fazendo inúmeras criticas ao sistema capitalista. Tendo como
base ideológica o anarquismo, propõem a exclusão de qualquer forma de autoridade e
poder, rejeitam toda a forma de Estado e opressão.
A palavra punk é utilizada no dicionário inglês, principalmente, para designar algo como
madeira podre e algumas derivações: pivete, podre, ruim, coisa sem valor, gente que não
presta, bagunceiro, moleque, delinqüente juvenil, entre outras. Com inúmeros fatores
gerados pela crise econômica, o desemprego em grande escala e a vida sem perspectiva
fizeram com que inúmeros jovens desempregados e mal sucedidos se identificassem de
forma direta com essa colocação, associando o uso da palavra punk na elaboração de um
movimento anti-establishment.
BREVE HISTÓRICO DO PUNK NO BRASIL
Os primeiros rumores sobre o movimento punk no Brasil se dão em meados dos anos 70,
através de matérias esporádicas editadas por jornais e revistas, entre as pioneiras a revista
POP 5 . Na maioria das vezes reportavam informações desencontradas e limitadas a respeito,
tratando-o intencionalmente como um atrativo de moda. Em São Paulo, precisamente na
capital e em algumas regiões metropolitanas da cidade, o movimento punk obteve força
despontando diferentemente das formas originais geradas nos Estados Unidos e Inglaterra,
se caracterizando pela formação de inúmeras gangues espalhadas pelas regiões suburbanas
e periféricas da cidade.
O ABC, região metropolitana do Estado São Paulo, desde 1960 até o início dos anos 90, foi
conhecido como maior complexo industrial do país. Geograficamente é composto pelas
cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul abrangendo ainda as
cidades Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, podendo ser representado
pelas siglas ABCDMRR. É marcado historicamente como o primeiro centro da indústria
automobilística e das inúmeras montadoras. São Bernardo do Campo foi a cidade que
5
Revista de entretenimento da década de 70, editou os primeiros enfoques sobre o punk, a princípio como
atrativo de moda.
5
obteve a maior concentração dessas indústrias: Ford, Mercedes Benz, Volkswagen, Toyota,
Scania, Crysler, Carmanguia e inúmeras outras pequenas e médias empresas interligadas ao
setor metalúrgico na produção de autopeças. A presença massiva dessas indústrias na
região potencializou a política de recessão governamental, durante as décadas de 70 e 80,
gerando um período de grande crise econômica, anunciando o fim do chamado milagre
econômico. A partir de então o ABC se torna o berço do movimento sindical no Brasil, as
ações grevistas vão assimilando e criando forças, sob a projeção nacional do líder sindical
Luiz Inácio da Silva - o Lula, atual presidente da República.
A criação do movimento punk no ABC paulista coincide com esse período marcado pelo
cenário de crise e recessão e de extrema repressão sobre a classe trabalhadora no final da
década de 70, que aglutinou-se nas grandes manifestações grevistas e lutas sindicais contra
a exploração do trabalho e a opressão do regime militar. Funde-se com a incessante luta dos
movimentos estudantis e o envolvimento indireto e restrito com alguns grupos políticos
emergentes de esquerda, como a Convergência Socialista, corrente política interna dos
Partidos dos Trabalhadores de orientação trotskista, ala mais à esquerda dentro do PT, a
qual posteriormente se desvinculou formando nos anos 90 o PSTU (Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificado). O único interesse de relação dos punks com essas tendências era
apenas a obtenção de espaços para bandas poderem se expressar 6 .
“A mobilização estudantil-operária dos anos 1967-68 seria retomada em 1977-80, já
envolta numa perspectiva operário-estudantil democrática e tenuemente socialista, refundando
toda a cultura política da esquerda - não obstante os espasmos de sectarismo político e
economicismo. Abria-se, sem que isso fosse plenamente consciente, um novo caminho para a
democratização da esquerda brasileira, baseado na mobilização autônoma do proletariado
mais preparado, intelectual e politicamente (aristocracia operária), e menos dependente da
esquerda tradicional (classe média). Esta, não obstante ter aderido em peso ao PT, se tornaria
caudatária da mobilização político-sindical, ao invés de sua vanguarda, como ocorria desde os
anos 30” (GARCIA, Hamilton, 2003).
6
Esta observação será melhor compreendida no capítulo II, “A revolta vem do ABC”.
6
A década de 70 ficou registrada como um período de grandes conturbações. O
conservadorismo adotado pelo patronato e governo militar direcionava para uma política de
contenção salarial, com decreto-leis de proibição às greves e intervencionismo sindical 7 . A
política de recessão gerava um enorme índice de desemprego e elevava a inflação a níveis
altíssimos. Esse sinal de crise econômica afetaria a maioria dos brasileiros,
conseqüentemente refletia também a uma pequena parcela de jovens que tentavam, diante
do caos urbano, encontrar uma maneira diferenciada de sobreviver e manifestar suas
insatisfações contra as proibições e condicionamentos impostos pela ditadura militar, que
desde sua instauração elaboraria, em diferentes graus manipulativos, uma base cívica e
educativa, apresentada no currículo escolar, empregada sob um conservadorismo rígido e
autoritário, que influenciaria também na conduta disciplinar dentro dos inúmeros lares
brasileiros.
Na região do ABC, os Anjos especificamente eram quase todos pobres, suburbanos,
rebeldes, revoltados com as péssimas condições sociais em que viviam, odiavam a tirania
sincrônica de opressão e autoritarismo imposto no ensino educacional, familiar, religioso,
patronal e governamental. Porém, alguns de classe média, condizentes com os mesmos
propósitos, foram os primeiros a introduzir as idéias e panfletagens sobre o anarquismo aos
Anjos 8 . Denominaram-se como punks e em sua maioria eram operários das indústrias
metalúrgicas e das grandes montadoras de veículos na região e vivenciaram toda uma
situação caótica, repressiva e explorativa nesse período. Encontraram no rock um
instrumento aglutinador de idéias, libertador, onde podiam extravasar e expressar os
sentimentos reprimidos. A princípio, mesmo com um condicionamento primário em relação
à política, apoiaram e participaram dos movimentos de resistência trabalhista, depositando
confiança e esperança em uma possível mudança social.
(...) Poucas pessoas no mundo podem continuar sem consciência do fato de que suas
atividades locais são influenciadas, e às vezes até determinadas por acontecimentos ou
organismos distantes [...] As ações cotidianas de um indivíduo produzem conseqüências globais
[...] Esta extraordinária – e acelerada – relação entre as decisões do dia-a-dia e os resultados
globais, juntamente com o seu reverso, a influência das ordens globais sobre a vida individual,
7
8
Carlos Bauer, O despertar libertário, volume I, p.28, p.29. Edição Pulsar, 1994, SP.
A introdução do anarquismo dentro do movimento Punk no ABC será melhor explicado no capítulo II.
7
compõem o principal tema da nova agenda. As conexões envolvidas são freqüentemente muito
próximas. Coletividades e agrupamentos intermediários de todos os tipos, incluindo o estado,
não desaparecem em conseqüência disso, mas realmente tendem a ser reorganizados ou
reformulados. (GIDDENS, 1991, p.75).
“Desemprego, desespero e desordem 9 ” foram os elementos embrionários que favoreceram
a aglutinação desses jovens roqueiros, em busca de uma maneira diferenciada de driblar a
crise e criar um novo estilo de vida a fim de amenizar todo marasmo sofrido pelo cotidiano
nos subúrbios operários onde viviam ou trabalhavam. Em comum tinham a apreciação pelo
rock, se identificavam com sua postura rebelde, a maneira de se vestir, expressar e agir
diferenciando-se dos padrões habituais da sociedade. Para extravasar os problemas
existenciais reuniam-se nos escassos clubes ou salões especializados no gênero. Nesses
locais existia uma relação bem diversificada em relação à cultura rock, alguns ainda
portavam uma filosofia hippie tanto nas vestimentas quanto na música folk, blues, baladas e
rock progressivo, outros se identificavam com o “rock pesado” ou “rock pauleira”. Em
especial um clube pioneiro chamado SBEROC – Sociedade Beneficente Esportiva e
Recreativa Oswaldo Cruz – em São Caetano do Sul, sede alugada por Luiz Carlos Nunes
(Luizinho) 10 , que desde 1976 vinha se especializando em divulgar novidades e destaques
do rock internacional, lançou os primeiros enfoques sonoros sobre o punk rock na região.
Foi nesse local que a maioria das gangues proliferou; era um dos poucos espaços que os
roqueiros e posteriormente os punks tinham para se divertir e se expressar.
O punk rock até então era uma novidade, não existiam punks nesse período, e a partir do
momento que a música punk rock começa a ser divulgada, assim como alguns rumores a
respeito dessa nova tendência, inicia-se uma ruptura gradual. Muitos roqueiros tradicionais
abandonam a antiga cultura passando a se identificar com o novo som, mais rebelde e
radical do que o velho rock, assumindo características e se identificando como punks.
Obtinham informações editadas esporadicamente por jornais e revistas, resumiam-se nessa
primeira fase embrionária como uma reprodução visual e comportamental acerca dos
acontecimentos ocorridos no exterior, porém não necessariamente uma postura ideológica,
9
Encarte do disco “ABC Hardcore 82”, produzido por Denis, ABC Records Santo André SP, s/d.
Diário do Grande ABC, caderno C, 24 de abril de 1983.
10
8
de movimento contestatório; essa postura só será absorvida e desenvolvida durante a
década de 80.
A partir de 1978 dezenas de jovens já se definiam como punks. Esse número foi
aumentando e, diante de uma mesma afinidade, começam a se constituir em pequenos
grupos que se radicalizam contra o velho conceito de rock “alienante e comodista”, e
passam a revivenciar uma nova ordem (musical, visual e de costumes), uma mudança
radical de comportamento, conseqüentemente lançam inúmeras críticas acerca de uma série
de coisas, adotando um visual agressivo baseado nos moldes britânicos, roupas rasgadas,
alfinetes, correntes e outros adereços. Nessa fase inicial custava-se a obter informações
mais aprofundadas sobre o que era o movimento punk, mas, acerca dos acontecimentos
políticos que assolavam o país, ele consegue se manifestar adequando de maneira quase que
intuitiva a realidade nacional, e dentro das poucas formas que se sabia, como sendo um
movimento rebelde de contestação, lançam sua revolta aos padrões institucionalizados,
principalmente contra o despotismo militar.
Pode-se dizer então que o punk brasileiro, bem como o punk de Londres, é resultado de
uma mesma convulsão social que, em meados dos anos 70, estimulou a união de jovens
excluídos dos benefícios sociais em torno de um mesmo movimento e que, por meio de
experiências comuns, procuram valorizar suas vidas cotidianas. Assim é que da negatividade desemprego, analfabetismo, banditismo etc. – emergem os principais valores de contestação
contra ordem estabelecida. Essas experiências negativas, com efeito, serão problematizadas
pelos punks das mais diversas maneiras possíveis em suas ações de protesto: participações nas
manifestações do 1 de maio com intuito de denunciar de maneira alternativa (fanzines) a
caótica situação do trabalho no Brasil; atuação em greve de professores, prestando
solidariedade à causa educacional; intervenção nas comemorações do 7 de setembro, a fim de
denunciar o papel imperialista das forças armadas; organização do dia internacional da
mulher, com o objetivo de alertar para a violência cometida diariamente contra o mundo
feminino, denúncia sistemática do abandono das crianças nos grandes centros urbanos etc.
(SOUZA, p.61- 2002).
De imediato se viram inaceitáveis aos olhos das autoridades, num período extremamente
repressor que gerou repulsa e perseguição massiva aos punks. Nessas condições surge a
necessidade de uma autodefesa; a aglutinação fazia-se necessária como maneira de
9
proteção diante de um sistema opressor, pois ao proclamar liberdade certamente tornavamse alvos de represálias. Diante disso é que se formam as gangues e conseqüentemente a
rivalidade entre elas.
As gangues eram compostas por parentes ou amigos que moravam na mesma vila, bairros
ou que se conheciam nos locais que tocavam rock. Os estranhamentos entre elas
começaram por assuntos banais, um revanchismo regionalista ou bairrista que ocasionava
brigas. A rivalidade aumentava na medida em que uma gangue queria se sobressair, ser
mais forte para “impor respeito”, tanto pelo número superior de adeptos, quanto ao modo
diferenciado de vestir, pensar e agir, uma certa disputa de “quem era mais Punk”.
Essa contradição é que diferencia o movimento punk nacional das vertentes originais. O
movimento punk em seu berço original, Estados Unidos e Inglaterra, obteve êxito porque a
maioria dos jovens entenderam sua proposta ideológica; a união entre os punks se fazia
presente, sendo muito rara a presença de gangues. Não só em São Paulo, mas em quase
todo território nacional onde o punk se manifestou, desde a fase inicial até os dias atuais,
essas ações ganguistas prevaleceram, ora com atritos entre os próprios punks, ora com
outras tribos urbanas: Skinheads, Metaleiros, Darks, New Wavers ou Rappers. Existiu ao
certo algumas tentativas e um grande esforço para uma possível união entre os punks,
porém em vão. Essa disparidade entre as gangues forçou cada qual a vivenciar o
movimento punk sob óticas diferentes (processo a ser descrito com maior detalhamento no
capítulo II dessa dissertação).
Nesse contexto, os Anjos também formaram-se como gangue. Primeiramente como jovens
roqueiros e depois se assumiram como punks, dentro de um processo transitório já descrito
anteriormente, como jovens rebeldes suburbanos contrários à censura e a opressão da
ditadura militar. Assim o fizeram, diante da necessidade de se defenderem primeiramente
dos atritos gerados pelas rixas com punks de outras regiões, grupos rivais, como os Punks
Terror do bairro Pirituba, zona norte de São Paulo, os Metralhas e Punks da City, centro da
cidade, posteriormente sob diversas situações conflitantes, inclusive com a polícia. Anjos é
apenas uma referência lúdica espelhada na gangue de motoqueiros dos EUA, os Hell Anjos
10
(Anjos do Inferno), pela repercussão que tinham dentro do contexto rock n’ roll, famosos
pela fama de rebeldes e aventureiros violentos.
A questão anárquica que vai contra toda forma de poder - governo, partido ou Estado - fez
com que os punks, em especial os Anjos, projetassem suas idéias independentemente dos
partidos políticos, entidades ou movimentos sociais ligados à esquerda. Direcionaram sua
luta contra tudo aquilo que firmavam ser autoridade, ainda que presente dentro de um
contexto socialista, um marco da época. Não eram contra o socialismo, somente não
aceitavam as formas e a direção que estavam sendo projetadas. O anti-autoritarismo é um
dos princípios básicos do punk. Assim criou-se uma barreira diante dos partidos e outros
segmentos populares que se manifestavam sob formas hierárquicas e de comando,
doutrinamento inaceitável pelos punks, que por sua vez se organizam através de formas
autogestionárias e conduta de livre arbítrio.
Havia uma rejeição muito forte em aceitar os punks num modo geral, não só por parte da
sociedade, mas também pelos partidos e movimentos de esquerda. O visual agressivo e a
musicalidade até então eram uma novidade na cultura brasileira, e não agradavam, as
concepções anárquicas muito menos. Esse processo vivenciado pelos punks deixa claro sua
crítica acerca do socialismo autoritário. Para eles as doutrinas, sejam quais forem,
conduzem o indivíduo a uma visão “limitada de mundo”, seguir uma doutrina é seguir
regras, normas ou leis, institucionalmente ou não, a singularidade de idéias pode levar a
caminhos obscuros, alienantes, contraditórios, cria-se com ela o absolutismo e
conseqüentemente uma sujeição, que leva à escravidão e assim sucessivamente. A cada
doutrina que nasce e se impõe, fomenta-se o Estado e conseqüentemente a perpetuação do
autoritarismo.
Diante desse pensamento os punks ficaram isolados e boicotados, brigando com uma série
de coisas, contra o preconceito, inclusive entre si. Como num dilema paradoxal, “somos
inimigos de todos e contra tudo, mas queremos nos expressar e divulgar nossos sentimentos
a qualquer custo, não tememos nada”. O jeito rude e agressivo de se manifestarem
dificultou em muito sua projeção, impedindo que alcançassem um âmbito de maior
11
expressividade e aceitação social. O que é compreensivo por serem rejeitados pela
sociedade, tais posturas serviam como uma forma de revide.
12
REFERENCIAL TEÓRICO
Entre os primeiros estudos acadêmicos sobre o movimento punk no Brasil, consta-se “O
absurdo da Realidade: O Movimento Punk”, um trabalho pioneiro da Unicamp SP,
elaborado por Helder Cláudio Augusto de Souza e Helenrose Aparecida da Silva Pedroso,
que procuraram estudar o emergente fenômeno punk entre os anos de 1980 e 1983,
especificamente na região metropolitana de São Paulo, simplificado, mas que não perde de
maneira alguma a importância por ser o primeiro registro feito de um movimento inédito,
inovador, que aguçava curiosidades entre as diversas classes sociais. Esse trabalho faz uma
análise sintética sobre o movimento punk internacional e de São Paulo, enfatiza as gangues
e suas formações, porém sem maior aprofundamento. Menciona a hostilidade entre punks
de São Paulo e do ABC, sem especificar os nomes das gangues e direcionar os conflitos;
por outro lado faz uma colocação interessante sobre a imprensa, relacionando que raras
foram as vezes em que os punks do ABC e zona leste foram citados pelos meios de
comunicação, em vista aos do centro de São Paulo, que sempre se permitiam a esse acesso.
Uma outra pesquisa foi elaborada no mesmo período por Janice Caiafa, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, uma tese de doutoramento com o título “Movimento Punk Na
Cidade - A invasão dos bandos sub”, enfatizando o movimento punk entre a Cinelândia e
subúrbios do Rio de Janeiro nos anos de 1983 e 1985. Esse tema foge da presente proposta,
por se tratar de estudo do movimento de outro Estado e em época diferente. Há um trabalho
recente elaborado por Rafael Lopes de Sousa, uma monografia de mestrado, denominado
“PUNK: Cultura e Protesto”, pela UNESP, um estudo muito interessante, enfocando o
movimento punk nacional, dando ênfase ao movimento Anarco Punk entre os anos de 1983
a 1996. Porém discordo em um aspecto fundamental, no qual o autor destaca de forma
generalizada que os punks do ABC assumiram posturas e características xenófobas e
intolerantes, contra as minorias sociais, acelerando o processo de formação dos primeiros
grupos Skinheads brasileiros 11 . Há de se entender que o ABC é apenas uma sigla, que
designa algumas cidades, é preciso citar a origem desses grupos, a região pertencente, pois
11
Op.cit. p.111.
13
as gangues nem sempre atuavam em ações conjuntas. Os primeiros a terem uma postura
direitista foram os Carecas do Subúrbio que a princípio eram punks e depois muitos de seus
integrantes se tornaram skinheads, grupo de extrema direita de ordem racista e xenófoba,
em sua maioria da zona leste de São Paulo e que de imediato foram contestados pelas
demais gangues do ABC inclusive pelos Anjos de São Bernardo, com quem tiveram um
confronto, por possuírem proposta ideológicas distintas.
Diante do levantamento bibliográfico e acadêmico notou-se que há muito pouco registro
sobre os punks do ABC, principalmente sobre os Anjos. As citações são feitas sem grande
aprofundamento, às vezes de forma equivocada, do mesmo modo as matérias publicadas
pela mídia em geral. O fato mais relevante que me induziu a essa pesquisa foi a necessidade
de elaborar um estudo de maior profundidade e documentar de maneira inédita como o
movimento nasceu e se desenvolveu na região.
14
ESTUDOS E MÉTODOS
Os dados coletados para essa pesquisa apoiaram-se em documentos inéditos, vindo das
seguintes fontes:
1. Existem poucos livros sobre o assunto. Há escassez também de artigos e reportagens de
jornais e revistas. Foram selecionadas algumas matérias editadas pelo Diário do Grande
ABC, Folha de São Paulo, Revista Veja e jornais alternativos. Os periódicos e os
manifestos elaborados pelos próprios punks ajudaram a analisar o movimento em seu
contexto original, contrapondo-se, na maioria das vezes, a versões limitadas, reportadas
pela imprensa oficial. São alguns fanzines raros, como os “Anarquistas Presentes”,
elaborados pelos próprios punks Anjos, que servem como contraponto aos demais
lançados pelos punks do centro da cidade, que existiam em maior número e os
primeiros a serem lançados entre eles: Vix Punk, MD, Factor Zero e SP-Punk, todos de
1982. Além desses materiais, foram consultados manifestos, cartazes de shows e
encartes de discos. Em anexo, fotos inéditas das bandas do período, autorizadas para
esse trabalho.
2. Referente à história do movimento punk em geral, inclusive sobre os punks de São
Paulo, o número de publicações é bem maior: livros, matérias publicadas em jornais e
revistas nacionais e internacionais, informações pela Internet, documentários em vídeos
e DVDs.
Foram entrevistadas nove pessoas, entre punks, ex-punks, punks anarquistas, membros
de bandas e alguns participantes do cenário underground. Os depoimentos prestados
permitiram maior detalhamento das ações das gangues e das bandas. Em respeito à
integridade de alguns entrevistados, foram mantidos o sigilo e a não divulgação de
nomes ou apelidos, o que poderia causar transtorno e comprometimento. A
identificação será dada através das iniciais dos nomes. Outros, porém, predisporam-se a
conceder as entrevistas, autorizando suas identificações.
15
As entrevistas feitas com membros das bandas oferecem algumas formas detalhadas
acerca dos acontecimentos.
3. Foram entrevistados componentes das principais bandas da região do ABC, todas
formadas em São Bernardo do Campo: V. integrante da banda Ulster, L.G., do grupo
Passeatas, e Laércio, do Hino Mortal. Alguns punks de destaque, como F.J.R.G., não
quiseram conceder entrevista, mas forneceram material com muito valor informativo.
F.J.R.G., juntamente com Binho, se destacam entre os primeiros a divulgar material
anarquista entre os punks do ABC, ambos eram integrantes do grupo Passeatas. As
letras das músicas das bandas ajudarão a compreender melhor o contexto crítico social e
ideológico dos punks do ABC paulista.
16
CAPÍTULO I
ANTECEDENTES: O ANARQUISMO COMO BASE INSPIRADORA DE
IDÉIAS CONTRACULTURAIS (BEATNIKS, PROVOS, HIPPIES E PUNKS)
Antes de ingressarmos no universo punk, é necessário fazer uma abordagem sobre as
culturas alternativas do século XX, o início da contracultura, surgida em meados dos anos
1950, que transpassou para demais décadas de 60 e 70. Fazer um registro sucinto dessas
culturas, entre elas: Beatniks, Provos, o movimento Hippie e suas derivações. Buscar nelas
elementos comparativos à manifestação Punk e de que maneira contribuíram para sua
difusão.
A rejeição ao autoritarismo e as reflexões em busca da liberdade sem Estado, são
ícones fundamentais de questionamento dessas culturas, que fundem elementos do
anarquismo clássico do século XIX com propostas inovadoras ou readaptadas, misturando
às suas práticas ativistas muito humor, sacarsmo, ironia, rebeldia, contestação, pacifismo e
inúmeras vezes o uso da violência física como um ato de autodefesa ou sobrevivência,
atributos muito explícitos no final da década de 70, com o movimento punk.
O anarquismo desde seus primórdios se caracterizou como um movimento social que
visa à abolição de qualquer forma de autoridade e poder. É especificamente contra toda
forma de Estado ou opressão, que impeça direta ou indiretamente a pessoa de se
desenvolver física e intelectualmente. A palavra anarquia vem do grego “an” e “arkhe” que
significa ausência de governo ou autoridade. Com o passar dos tempos, ficou designada
pejorativamente como sinônimo de bagunça, desordem ou subversão. Ao contrário de
desorganização, o anarquismo visa a uma sociedade igualitária sem classes antagônicas,
organizadas ora por federações ácratas ou por pactos de livre acordo. Entre outras esferas, o
federalismo torna-se agente substituidor das formas estatais privadas que impedem as
17
manifestações das vontades humanas, revertendo-a para uma emancipação de liberdade
autônoma ou coletivista.
Tendo suas bases históricas após a Revolução Francesa do século XVIII, o
anarquismo traduziu-se essencialmente como a reação do homem contra todo entrave
adotado pelo Estado Absolutista, que impedia a emancipação diferenciada, sob o conceito
de liberdade, igualdade e fraternidade. Como corrente de pensamento, o anarquismo
sustentou um lugar intermediário entre o liberalismo e o socialismo, alcançando seu apogeu
no século XIX, se sustentando através das culturas alternativas nos séculos XX e XXI.
Com as máximas teóricas do socialismo, logo após a queda da monarquia e o
nascimento da república, o anarquismo se desenvolveu paralelamente, com idéias opostas
ao cientificismo marxista, influenciando diretamente na formação e desenvolvimento dos
movimentos operários, que resultariam mais adiante num confronto entre concepções
libertárias e autoritárias dentro dos anseios socialistas.
A necessidade de superação do Estado fez com que os anarquistas divergissem na
maneira de agir. Objetivando o mesmo propósito, lançaram suas ofensivas por vias
diferentes, que ficaram registradas através de seus teóricos: o individualismo de Max
Stirner, o mutualismo de Proudhon, o coletivismo de Mikail Bakunin, o anarco-comunismo
de Kropotkin, o anarco-sindicalismo de Errico Malatesta, o pacifismo de Leon Tolstoi, a
Guerrilha Russa de Nestor Makhno e, no final do século XIX, as ações extremistas de Jean
Ravachol e seus simpatizantes que proporcionaram inúmeros atentados, tendo como alvos,
chefes de Estado, nobres, militares, ministros e o alto clero. Entre suas vitimas fatais, dois
ministros espanhóis, o rei Humberto da Itália, a imperatriz Elizabeth da Áustria, o
presidente francês Sadi Carnot e o presidente dos Estados Unidos William Mckinley. A
partir dessas ações o anarquismo foi tratado como ato de banditismo; imediatamente
inúmeras leis anti-anarquistas foram criadas por parlamentos do mundo todo, e desde então
a idéia de anarquia acabou sendo reduzida a sinônimo de caos.
Os anarquistas ou libertários estiveram presentes nos grandes levantes sociais do
século XIX e XX. Na Comuna de Paris em 1871, nas AITs ( Associação Internacional dos
Trabalhadores), na Revolução Russa 1917, na Guerra Civil Espanhola, em 1936, com a
18
CNT (Confederação Nacional do Trabalho), a FAI (Federação Anarquista Ibérica) e na
COB (Confederação Operária Brasileira) do final do século XIX.
O anarquismo relacionou-se com a cultura alternativa do século XX, Beatniks,
Provos, Hippies, nas revoltas estudantis de 1968 e com o movimento Punk do final da
década de 1970, servindo como forma de pensar e agir criticamente na sociedade. Esses
movimentos em comum contestaram todas as formas de manipulação providas de dogmas
doutrinários e institucionais que impediam os “princípios de liberdade” como: igrejas,
governos, partidos políticos, militarismo e outras instituições de caráter hierárquico, por
criarem desigualdades e injustiças sociais através de mecanismos repressivos, que
colocavam um entrave na vida dos indivíduos.
Por contracultura entende-se um movimento de caráter esquerdista que se
desencadeou na década de 50 e 60. Começa com os poetas beat (Beatniks) nos Estados
Unidos e os Provos com seu happening, em Amsterdam, Holanda. Tinham em comum
características com base no pensamento libertário, contrariavam os valores vigentes e
instituídos, romperam com os hábitos e laços de pensamento da cultura dominante, partiram
para uma prática agregada ao idealismo de desobediência civil 12 , direcionando inúmeras
críticas a uma sociedade vista por eles como: mecanicista, consumista, acomodada e
alienada nos padrões de dominação do sistema capitalista tecnocrata.
Os Beatniks compunham-se por estudantes da Universidade de Columbia e jovens da
classe média baixa, que assumiram uma postura existencialista e de desobediência civil,
(THOREAU, Henry David, 1997). Eram jovens literários, poetas e escritores, que optaram
por um modo de vida alternativo, contra o consumismo da sociedade norte-americana,
propunham um “novo sonho de liberdade” voltado para a “vida simples”, ao “espírito
aventureiro” e à “boemia”. O movimento tinha à frente escritores como: Jack Kerouac,
Willian S. Burroughs, Allen Ginsberg, Lawrence Ferlinghetti, Gregory Corso e Gary
Snyder. O termo "beat" provém de uma gíria antiga utilizada nas ruas que significa
desilusão, estar cansado e vencido pela vida. Esse termo foi moldado pelo poeta Jack
12
Conceito formulado por Henry David Thoreau, é uma oposição, resistência a qualquer forma de poder
político, seja ele Estado ou não. Escreveu o ensaio originalmente intitulado “Resistência ao Governo Civil",
em 1849, mais tarde reintitulado de "Desobediência Civil". A idéia principal de sua obra está vinculada à
auto-aprovação e da como alguém pode estar em boas condições morais enquanto "escraviza ou faz sofrer um
outro homem"; então não precisamos lutar fisicamente contra o governo, mas sim não apoiá-lo nem deixar
que ele o apóie estando você contra ele. “O melhor governo é aquele que menos governa”.
19
Kerouac, algo como beatitude, “purificação do espírito 13 ”, conotações ligadas à religião
oriental (budismo e zen-budismo), referência também ao estilo de vida aventureira adotado
por aqueles que viviam à deriva pelas estradas pedindo carona em busca de aventura e
novas experiências, fatos registrados em sua obra On The Road (Pé na estrada). Um modo
de vida simples à margem da sociedade, sem normas preestabelecidas, voltado para o
improviso e buscando liberdade e prazeres. O livro "On The Road" incentivou milhares de
jovens a deixarem os seus lares de classe média para explorar por si, seu próprio país
através de caronas; muitos deles criaram raízes pelo meio do caminho, formando colônias e
comunidades alternativas 14 .
A crítica beat parte de um caráter poético, subversivo à vista das autoridades, mas
para o gênero beat simplesmente contracultura. Os poemas fundem-se entre o “trágico” e o
“sarcástico”. Michael McClure, escritor beat, em seus poemas recitou sobre a natureza, seja
retratando o assassinato de baleias ou amores intensos. Outro poeta, Gary Snyder,
explorava histórias com aventuras na natureza, para oferecer profundos conceitos
ecológicos. Allen Ginsberg escreveu um dos poemas mais representativos da contracultura
beatnik 15 em um pequeno trecho expõe:
“Howl”
For Carl Solomon
"I saw the best minds of my generation destroyed by madness,
starving hysterical naked,
dragging themselves through the negro streets at dawn
looking for an angry fix"
”Uivo”
Para Carl Solomon
13
Movimentos Culturais de Juventude, p. 56.
Referência às comunidades hippies, que obtiveram influências diretas dos beatniks.
15
Creedance Kiddo in Whiplash.net
14
20
“Eu vi as melhores mentes da minha geração destruídas pela loucura,
esfomeados nus e histéricos,
arrastando-se pelas ruas negras no poente
à procura de um rancor injetável".
A princípio, os beats ficaram afastados do “rock ingênuo dos anos 50”, cultuavam o
cool jazz, mas através de suas idéias influenciaram o comportamento das gerações de rock
dos anos 60 e 70, em relação aos temas referentes ao estilo de vida americano: drogas, sexo
livre, visões cósmicas, utopia e cotidiano. Músicos como Bob Dylan, John Lennon, Jim
Morrison, Lou Reed e posteriormente Patty Smith, foram alguns que sofreram as
influências diretas dos beatniks. Também chamados de poetas beat, queriam fazer uma
ligação direta entre vida e arte, o que serviu antecipadamente como princípio básico dos
movimentos contestatórios dos anos 60, em evidência o Hippie, influenciando também o
movimento punk em sua fase embrionária na primeira metade de 1970.
A herança beat no rock 'n' roll provém inadvertidamente através de imagens geradas
pelo cinema centrada no visual do hipstar. A linguagem e roupas dos hipsters passam a ser
adaptadas pela nova geração através de Montgomery Clift com o seu blusão e Marlon
Brando com a camiseta, ambos absorvidos e refletidos nos jovens com maior intensidade
através de James Dean. O hipster é emergente da década de 1940, o termo está aficionado
também ao jazz, hip é uma expressão musical ligada à batida e balanço do jazz. A
conotação vincula-se à pessoa interligada a uma subcultura de comunidade urbana.
Popularmente os hipsters estão relacionados ao uso de drogas (maconha, anfetamina e
heroína). Por outro lado propagam-se como músicos, artistas, intelectuais ou vegetarianos
que esboçam resistência ao comercialismo e as corporações.
Os nomes mais fluentes da geração beat que tiveram uma ligação direta ao rock
foram Allen Ginsberg e William Burroughs. Ambos chegaram a conviver e fazer um ciclo
de amizades com inúmeros artistas e grupos. Na década de 60 e 70 Allen Ginsberg chegou
a gravar e se apresentar com: Ornette Coleman, Elvin Jones, Herman Wright, Bob Dylan,
Dave Mansfield, Arthur Russell, Philip Glass, Steven Taylor, The Clash (punk), The
21
Lounge Lizards, Arto Lindsay, Bill Frisell, Marc Ribot, Paul McCartney, Lenny Kaye,
Patty Smith (punk), Gus Van Sant, Thurston Moore e Lee Ranaldo.
Além de ter conhecido os Rolling Stones, William Burroughs presenciou o
emergente fenômeno punk no final dos anos 70, convivendo com Lou Reed, David Bowie e
Patti Smith. Seus poemas foram muitos respeitados e interpretados sob forma de música
nas vozes dos roqueiros punks de Nova York, como Richard Hell e Patti Smith, principais
nomes da Blank Generation (geração vazia, o punk em sua fase inicial em Nova York).
Sobretudo os Provos, abreviação de provocadores, caracterizam-se como o primeiro
episódio de um grupo social de jovens independentes, que se articularam dentro do
território político de Amsterdam, na Holanda, no início dos anos 60.
Matteo Guanaccia reivindica em sua obra “Provos Amsterdam e o nascimento da
contracultura” a origem dos movimentos contraculturais como sendo na Holanda. Para ele
os Provos diferenciaram-se dos ideais beatniks: “cair fora”, “pé na estrada”, “sem destino”
(ícone copiado pelos hippies em meados de 1960), permaneceram dentro da sociedade,
causando grandes agitações. A intenção era contestar, mesmo que aparentemente não
existisse nada para isso numa Holanda cujo período encontrava-se em pleno “bem-estar
social, nada de guerras, nada de segregação racial, nada de conflitos sociais 16 ”.
Para Guanaccia, os Provos manifestaram-se a princípio sem defender nenhuma causa
aparente e sem propor ideologias, mas projetando um estilo novo de vida anti-autoritária,
sua revolta estava ligada à escolha e ao prazer, contra uma sociedade extremamente
consumista, submissa aos anseios do capitalismo. Mesmo se manifestando sob formas
diferenciadas, essas reivindicações aproximam-se em muito das dos beatniks, hippies e
posteriormente às dos punks, na década de 70.
Intencionados a provocar, ironizar, confundir e abalar todas estruturas, os Provos
exerceram suas ações com muita imaginação, com idéias heterogêneas, conquistando
simpatia, misturando subversão com muito humor. Constituíam-se nada mais do que duas
dezenas de irreverentes “agitadores”, entre eles: artistas de vanguarda, magos, vândalos, exsituacionistas, estudantes, desocupados, anarquistas, gente à toa e piromaníacos,
apresentando-se assim, em seu manifesto, em jornal lançado em junho 1965.
16
PROVOS, Amsterdam e o nascimento da contracultura, p.14, p.15.
22
PROVO é uma folha mensal para anarquistas, provos, beatniks, noctâmbulos, amoladores,
malandros, simples simoníacos, estilistas, magos, pacifistas, comedores de batatinha frita,
charlatões, filósofos, portadores de germes, moços das estribarias reais, exibicionistas,
vegetarianos, sindicalistas, papais-noéis, professores da maternal, agitadores, piromaníacos,
assistentes dos assistentes, gente que coça e sifilíticos, polícia secreta e toda ralé deste tipo.
PROVO é alguma coisa contra o capitalismo, o comunismo, o fascismo, a burocracia, o
militarismo, o profissionalismo, o dogmatismo e o autoritarismo.
PROVO deve escolher entre uma resistência desesperada e uma extinção submissa.
PROVO incita a resistência onde quer que seja possível.
PROVO tem consciência de que no final perderá, mas não pode deixar escapar a ocasião de
cumprir ao menos uma qüinquagésima e sincera tentativa de provocar a sociedade.
PROVO considera a anarquia como fonte de inspiração para a resistência.
PROVO quer devolver vida à anarquia e ensiná-la aos jovens.
PROVO É UMA IMAGEM 17 .
Influenciados pelo dadaísmo 18 , souberam tirar proveito do simbolismo, “promovendo
as explosões brancas”, uma série de projetos absurdos e irônicos, propositalmente confusos,
entre eles um de ordem ecológica, de espalhar bicicletas brancas pela cidade, à disposição
de quem quisesse utilizá-las quando bem entendesse:
(...) a bicicleta branca é o primeiro meio de transporte coletivo gratuito. A bicicleta
branca é uma provocação contra a propriedade privada capitalista, porque a bicicleta branca é
anarquista! A bicicleta branca está à disposição de quem quer que dela necessite. Uma vez
utilizada, nós a deixamos para o usuário seguinte (...)
19
.
Uma crítica anti-automobilística, contra o trânsito, atropelamentos e emissão de
poluentes. A cor branca passa a ser marca registrada dos Provos, pois suas ações se davam
17
Op, cit, p. 15.
Uma das bases do dadaísmo era centrar o estado natural das coisas em uma combinação de pessimismo
irônico e ingenuidade radical, pelo ceticismo absoluto e improvisação. Enfatizou o ilógico e o absurdo, a sua
principal estratégia é denunciar e escandalizar.
19
Op, cit, p. 76.
18
23
à noite. A idéia inicial era utilizar as cores do anarquismo, o preto e vermelho, mas o
branco se torna mais visível na escuridão.
Amsterdam, no início da década de 1960, tornara-se um marco das expressões
artísticas, estando em sincronismo com outros centros culturais no mundo (Nova York,
Milão, Londres, Paris). A arte é exposta como um todo, pintura, teatro, jazz, poesia,
literatura, música. Despontava nos meios intelectuais e boêmios o happening, originário de
Nova York no final da década de 1950, como manifestações e expressões artísticas
heterogêneas, em que o artista começa a expor suas obras para fora do circuito
convencional, fora das galerias ao ar livre, interagindo com atividades orquestrais e
espectadores. Muitos artistas acabaram se adaptando ao happening, no qual o marco
fundamental era a extravagância e o exibicionismo.
1.1 PUNK; seus fundamentos: vertente norte-americana e inglesa.
Em meados de 1970, o sonho hippie havia enfraquecido, absorvido pelo sistema
mídiático, convertido quase na sua totalidade em um modismo “fútil e banal”. O declínio
do movimento hippie se deu precocemente, no início da década de 70. Se por um lado o
governo norte-americano, com uma política repressiva de contenção, lançara uma
campanha violenta a fim de neutralizar o ativismo de grupos e comunidades alternativas,
por outro, a mídia insistia em absorver os ideais e a estética dos hippies, transformando-os
em objeto de consumo de massa. No entanto, um fator muito significativo foi o utopismo
gerado dentro do próprio movimento, a mistura de diversos pensamentos ideológicos e a
influência religiosa e mística, fez com que inúmeros jovens buscassem um modo de vida
voltado à espiritualidade, abandonando uma postura revolucionária. O movimento Hippie
obteve influência Beatnik, vinculou-se também aos ideais da contracultura, que, no entanto,
manifestaram-se de forma bastante distinta. Assim como os beats, Hippie é uma derivação
de hipster; o termo designa entre outros conceitos pessoas envolvidas com a cultura negra.
O movimento Hippie nasceu numa época bastante conturbada. Destacou-se
principalmente no anseio da juventude americana dos anos 60, que não só se incomodava
com uma sociedade extremamente consumista e policiada, mas também com o
24
inconformismo dos avanços tecnológicos utilizados em grande escala para as ações bélicas
destinadas numa avassaladora guerra ao Vietnã.
Assim com os beatniks, se engajaram aos ideais da contracultura, termo adotado por
Theodore Rozak que significa contra-sociedade ou underground (submundo). O
movimento desencadeou uma série de idéias difusas e tendências teóricas, herdadas das
grandes tradições políticas, acopladas ainda a uma mescla de conceitos religiosos como:
zen-budismo e meditação transcendental (ambas introduzidas pelos beatniks), hinduismo,
cristianismo pentecostal e esoterismo. Essas últimas ficaram mais expressivas na corrente
anti-militarista e pacifista dos Flower Power (Poder das Flores). Idéias como as de
Rousseau e Fourier se misturavam com as de Marcuse, Sartre, Mao, Marx, Proudhon,
Thoreau e com o pacifismo de Tolstoi e Gandhi 20 .
O movimento Hippie se projetou nesse sentido, criando uma espécie de “culturaalternativa” de caráter utópico, longe de estabelecer uma corrente homogênea de idéias.
Inúmeras comunidades e grupos emergiram espontaneamente procurando novas relações
com base na simplicidade de vida ou apenas uma nova espiritualidade. Muitas se
desenvolveram fugindo da agitação das grandes cidades, procurando no campo vivenciar na
prática um “novo utopismo”. Ficou conhecido pelo culto a não violência, o vegetarianismo,
a preocupação ecológica, a liberdade individual, o amor livre, a revolução sexual, o
antimilitarismo e experimentos com o uso de alucinógenos. Esses conceitos adotados
seriamente pelos hippies na década de 60 foram absorvidos mais tarde e inferiorizados pela
mídia, no simples rótulo de geração paz e amor. Um dos fatores que asseguraram as bases
expressivas desse movimento foi a arte e cultura pop (o Rock, que depois do Folk serviu
como veículo de divulgação, porta voz das insatisfações dessa geração 21 ).
Mas o sonho radical de transformação, o desejo de conscientizar as pessoas rumo a
uma sociedade mais justa e solidária pretendido pelos hippies é substituído pelo
apaziguamento místico, passando a ser criticado pelo comodismo entre dissidências do
20
Os Socialismos Utópicos, p. 163, 165.
A explosão do rock inglês nos anos 60 influenciou diretamente a música americana, grupos como: Beatles,
Rolling Stones, The Who, The Kinks e The Animals. Nos EUA os nomes mais expressivos e que fizeram
parte dos movimentos contestatórios foram: Jimmy Hendrix, Janis Joplin, The Doors, Jefferson Airplane, The
Mamas And Papas, Ten Years After, Bob Dylan, Creedence e outros. Os festivais de rock mais importantes
foram Monterey Pop Festival (1967) e Woodstock (1969).
21
25
próprio movimento (o Yippies - Partido Nacional da Juventude). YIP é uma sigla derivada
dos hippies politizados, ligados à nova esquerda americana, que fizeram críticas ao próprio
movimento Hippie em si, por se transformar em uma “onda patética e de modismos
estereotipados”.
Assim como os hippies, os punks também direcionaram sua luta contra o
estableshiment e o sistema capitalista de consumo, contra as atrocidades das guerras e as
injustiças sociais, mas sob uma ótica e ações extremamente adversas. O movimento punk
contrariou o apaziguamento dos hippies, aparentando o contexto alienante no qual estavam
inseridos (viver só para drogas, geração paz e amor). Houve a construção de uma aversão
sobre os hippies, como “drogados alienados ou sonhadores utópicos” que queriam
“derrubar canhões com flores”, isso para os punks era ser patético demais.
Ao contrário, os punks não caíram fora do sistema (fuga para o campo em busca de
uma vida utópica), lançaram suas críticas encarando de perto o caos urbano, preferiram
arrumar meios alternativos de luta para sobreviver diante das crises sociais, permanecendo
nas cidades e ali exercendo suas reivindicações, sob uma postura situacionista 22 (ver
Situacionista, editora Conrad). Criaram condições de existência dentro do próprio
cotidiano, rompendo com a alienação utópica gerada pelos hippies.
Um ponto fundamental acerca do entendimento dessa crítica dos punks aos hippies
ressalta que os punks em sua maioria constituíam-se por jovens operários da classe baixa,
enquanto os hippies, por sua vez, em quase sua totalidade pertenciam à classe média e
média-alta. O idealismo de paz, protagonizado sob a ótica hippie de transformação de um
mundo melhor através de uma apaziguação, é substituído pelo radicalismo violento dos
punks, ao invés de cabelos longos, batas coloridas, flores e canabis, o novo visual adotado
era o sujo e o podre, cabelos curtos espetados, roupas esdrúxulas e rasgadas, o lixo urbano,
e a luta direta contra o sistema. As drogas eram apenas uma conseqüência caótica.
Nesse sentido poderíamos afirmar que a contracultura gira em torno de um paradoxo,
ao mesmo tempo em que serve como um fluxo de renovação de idéias ou pensamentos, de
acordo com formas conjunturais (sócio, político, cultural) de um determinado período, ela
22
Críticos Culturais, tendência artística criada na Itália em 1957, corrente que critica todos os pilares da
sociedade. As idéias situacionistas influenciaram posteriormente os levantes estudantis de maio de 1968
sobre o slogan “a subversão constrói um novo mundo”. A Internacional Situacionista pretendia ser uma
organização política que tinha como objetivo ações subversivas contra o capitalismo.
26
pode se tornar também o inverso. As idéias tidas como inovadoras podem se limitar ou
estagnar, deixando de suprir os anseios de gerações futuras, podendo se tornar tão
conservadores quantas as que já estavam postas, daí a necessidade de uma renovação, de
uma “nova contracultura” e assim sucessivamente. Diante desse segmento que o
movimento punk se projetou, na sua perspectiva, os ideais dos hippies encontravam-se
totalmente ultrapassados e com um fluxo contracutural deveriam ser substituídos. Se ainda
no final de 70 havia alguma fórmula revolucionária conceituada pelos hippies, ela já não
condizia mais com a realidade vivenciada pelos punks naquele momento. As condições
econômicas impulsionavam novas crises sociais, acarretando maiores agravantes, o
movimento punk se posiciona no sentido de que para converter a ordem imposta era preciso
um ataque direto aos padrões e não por um apaziguamento patético.
O movimento punk não se resume apenas a sua controvérsia frente ao movimento
Hippie, ele possui características muito mais complexas. Para entendermos as bases de sua
formação é preciso buscar elementos explicativos que mostrem o processo de sua
estruturação, suas formas de organização e divulgação, além de fatores conjunturais como:
político, econômico, social, cultural ou artístico. O movimento punk é a junção de todos
esses elementos; começou, entretanto, vinculado ao artístico, à música como maior força de
sua expressão e divulgação, depois a formulação de outros conceitos (a explosão do
movimento punk está desde sua origem ligada à música punk rock). O processo evolutivo
do punk está enraizado na história cultural atrelada ao Rock n’ Roll.
A narrativa que se segue procura explicar de forma cronológica a criação do
movimento punk. A sua origem, dentro do próprio contexto do rock, só pode ser entendida
através de alguns elementos fundamentais de descontentamento que possibilitaram a sua
manifestação, sobretudo a indignação contra o rock comercial (marketing, mídia, glamour e
negócio), aguçando a revolta de roqueiros fiéis ao princípio da rebeldia, na condição de
reestruturá-lo em sua origem. A partir de então cria-se um movimento de contestação,
tendo em vista, entre outras formas, um cenário de crise social, política e cultural
desencadeado nos anos de 1970.
Em resumo podemos constatar que o rock n’ roll nascido nos Estados Unidos na
década de 50, tornou-se de imediato sinônimo de rebeldia e insatisfação entre os jovens.
Suas raízes foram geradas e extraídas do Blues, música criada nos anos 30 na região do
27
Mississipi e Missouri, que retratava todo o sofrimento cotidiano do modo de vida dos
negros norte-americanos. De uma certa ingenuidade romântica adotada inicialmente, com o
passar dos tempos evoluiu para um outro patamar e a partir da década de 60 veio exercendo
um vínculo político e contestador, colaborando diretamente na formação de inúmeros
movimentos e manifestações sociais. Influenciou a mudança de comportamento de
inúmeras pessoas, na maneira de vestir, pensar e agir. Em cima dele criou-se moda, estilos,
tendências e até mesmo posturas filosóficas e revolucionárias. Rompeu fronteiras, causou
polêmicas, serviu de agente apaziguador nos levantes contestatórios e intelectualizados da
geração Hippie dos anos 60, em sua constante busca por paz e liberdade.
Metaforicamente podemos dizer que foi corrompido pela indústria fonográfica,
visando o Status Quo de muitas personalidades da cultura pop, transformando-os em astros.
Tornou-se clássico, pomposo, abasteceu o mercado consumidor sustentando os anseios
gananciosos da mídia.
Radicalizou-se no extremismo proletário do movimento Punk, agindo como agente
colaborador e divulgador do idealismo libertário. Conseguiu se converter saindo da
complexidade ao qual fora submetido e revitalizado através do Punk Rock que revitalizou
sua rebeldia.
Mais do que isso, o Punk Rock desdobrou-se num movimento - O movimento Punk aparecendo como um ataque direto aos padrões estabelecidos, personificado no protesto
anti-conformista e contra a hipocrisia vigente. Nasceu das insatisfações de jovens que,
adotando uma postura rebelde, sob um visual chocante e “apocalíptico”, cabelos coloridos e
espetados, roupas esdrúxulas, jeans rasgados, uma identificação lúdica com o lixo (lixo
social, caos) e um comportamento agressivo, criaram uma identidade própria, “contra um
mundo baseado por privilégios, onde as chances de se manifestar são mínimas e das classes
mais injustiçadas menores ainda 23 ”.
Em seu ativismo, o Punk manifesta-se mundialmente negando o princípio de
autoridade. Inimigo do Estado e de suas formas hierárquicas, combate o conservadorismo e
os mecanismos alienantes e usurpadores impostos por ele.
23
Bivar, Antônio - O Que é Punk. Coleção Primeiros Passos, 2ª edição, Editora Brasiliense, SP, 1983.
28
1.2 A Transição
No início da década de 70, o rock, que havia se convertido em expressão de
descontentamento e indignação a qual os jovens se alimentavam, linha de frente das ações
contestatórias com suas mensagens de reflexão política e existencial, já não correspondia
mais com a postura rebelde que o sustentava, reduzido à intensidade da sua ofensiva
cultural. A partir desse momento transformou-se numa enorme fonte lucrativa destinada
particularmente à indústria fonográfica.
Nesse período, a “cultura do rock” havia se transformado em estilo de vida para mais
de 40 milhões de americanos. A indústria fonográfica faturaria bilhões de dólares com a
venda de discos e fitas, conquistando o mercado consumidor mundial, em que os lucros
arrecadados superariam até mesmo as bilheterias de cinema. 24
O rock começa a gerar grandes empreendimentos comerciais, a mídia especializada
tratava de investir na formalização de rótulos, conceituação de estilos e proliferação de
moda, criando os ídolos, mitos e respectivamente milhões de fãs e consumidores passivos
pelo mundo.
Muitos artistas que haviam se consagrado mediante o pensamento da contracultura e
do idealismo Hippie, cuja base intelectual era romper com todos os valores estabelecidos
colocando em questionamento os hábitos da cultura convencional, e que fizeram frente aos
movimentos civis norte-americanos, contra a guerra do Vietnã, a luta anti-racial, o
inconformismo, deixaram de lado a postura rebelde, estagnados e acomodados, e
corromperam-se diante da “cultura do ócio” (modo de vida fácil e confortável). Os que
ostentavam ideais anti-consumistas se tornam produtos de um novo consumismo (o uso do
marketing na venda da própria imagem).
A coletividade dos anos 60 é substituída pelo individualismo elitista e egoísta, entra a
“Era do Eu 25 ”. Grupos importantes se dissolveram e seus integrantes procuraram flertar
24
História do rock, 4º volume, editora três, p. 148, s/d.
Termo definido pelo filósofo pop Tom Wolf, História do rock, vol. 4, p. 149.
Tom Wolf, escritor - Phd em Estudos Americanos, repórter do Jornal de Washington e do Herald Tribune de
NY. Escreveu a obra The Test Acid Kool Dae, um relato do movimento hippie dos anos 60 www.tomwolf.com
25
29
com a “carreira solo”, visando basicamente fama e fortuna, tanto na música quanto no
cinema. 26
Com o mesmo propósito, novos grupos também se formaram invadindo o cenário
pop, com uma proposta musical mais elaborada através de recursos tecnológicos dos
estúdios de gravação, misturando rock com música clássica e erudita. Muitos desses
músicos eram formados em conservatórios ou nas universidades de música, preocupavamse mais com a destreza dos instrumentos e melodias orquestrais do que com o conteúdo de
suas letras; entra a era do rock experimental (Art Rock - EUA ou Progressive Rock - Rock
Progressivo - Inglaterra). Faziam parte desse gênero: YES, Emerson Lake & Palmer, Pink
Floyd, King Crimson, Genesis, Jethro Tull, Rush, Rick Wakeman e outros, formalizando
um eixo EUA - Reino Unido. O rock se tornara “Clássico”, perdendo a simplicidade e o
sabor rebelde de sua criação; o canto das mensagens contestatórias é substituído por
intensos solos instrumentais.
Os concertos de rock passariam a ser realizados em estádios e arenas superlotados.
Grupos se apresentavam em imensos palcos, com corais de vozes e orquestras. Os temas
abordavam viagens cósmicas, misticismo, intimismo, terror e ocultismo, tudo à base de
efeitos especiais: luzes, lasers, fumaça de gelo seco, fogos de artifício, gongos em chamas,
sangue artificial e a sofisticação tecnológica de inúmeros instrumentos musicais.
Essas formas ficariam ainda mais visíveis através do Hard Rock e Heavy Metal,
tendências geradas pela Indústria do Rock, um marco dos anos 70. Apresentando-se de
forma “circense” voltava-se para uma espécie de “teatro de horrores”, com letras fúteis de
culto ao “Satã”, magia negra ou esoterismo, para alguns puro “teatrismo”, embora outros
acreditassem fielmente nessas crenças. Tais tendências tinham em comum maior
preocupação com a técnica extraída do “peso das guitarras distorcidas”, com toneladas de
equipamentos de som, pelas performances exibicionistas dos músicos no palco, pelo
excesso de maquilagem, roupagens exóticas e um egocentrismo extremado. Bandas como:
Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple, Kiss, Slade, Uriah Heep e Grand Funk foram os
maiores representantes desse gênero na época.
26
Tommy ópera rock, Hair, Jesus Cristo Superstar, filmes de maior repercussão sobre rock n’ roll, nos anos
70.
30
Os investimentos e lucratividades proporcionados através do rock elevaram o
padrão de vida de vários grupos e artistas ao patamar de celebridade hollywoodiana. Essa
designação ficou bastante explícita também através de uma outra tendência gerada no
mesmo período, o Glitter Rock (americano) ou Glam Rock (inglês); glitter significa brilho e
glam, glamour. Uma espécie de rock chic e bizarro, bissexual, sustentando um visual
andrógino, alienígena, homens travestidos de mulher com plumas, paetês e muita
purpurina, misturado com adereços espaciais, roupas de vinil, sapatos plataformas,
maquiagens esdrúxulas, fetiches. Voltado também para a superprodução, refletia toda
obsessão pela fama e pelo luxo, assim como o caráter exibicionista e esnobe de vários
artistas, como o próprio nome já designava, Rock Glamour.
O visual glitter e um certo resquício Hippie predominaram como um modismo tanto
no cenário inglês quanto no norte-americano, durante quase toda década de 70,
influenciando quase todas vertentes do rock que surgiam nesse período e seus seguidores
(fãs). Entre os maiores representantes do glitter rock se encontram: David Bowie (O
Camaleão do Rock), Elton John, Marc Bolan, Gary Glitter, Sweet, Chicory Tip, Alice
Cooper e posteriormente o Queen.
Todas as vertentes lançadas simultaneamente nessa época pela indústria do rock
caminhavam no sentido de obtenção de status, fama e luxo. A realidade do rock voltava-se
para um marketing imposto pela mídia e as indústrias fonográficas ostentavam lucros
exorbitantes com a vendagem de discos. Os Superstars ou Estrelas Pop começavam a fazer
parte de uma “elite de esnobes”, seguidores de modismos que ignoravam os acontecimentos
políticos e mostravam-se ineficientes em questões ideológicas, além dos temas
desinteressantes em suas canções.
Os Beatles, antes de se separarem em 1970, Rolling Stones, Elton John e David
Bowie foram alguns dos nomes condecorados pela própria Rainha Elizabeth, haviam
virados celebridades tanto pela exuberante vendagem de discos quanto pela fama obtida. Os
astros passam a morar em mansões, colecionar carros, alguns casamentos, desfilar em
limusines, aviões particulares, proprietários de enormes fazendas e até mesmo castelos. O
rock viraria uma enorme fonte de empreendimento, não se ostentava mais como divulgador
de causas contestatórias.
31
Nem tudo na década de 1970, porém, estava entregue ao luxo ou a festas regadas a
champanhe, muitos grupos do underground inglês ou norte-americano, com propósitos
adversos, fiéis aos princípios básicos do rock, não se entregaram aos anseios da mídia.
Conhecidos como grupos marginais ou Garage Bands (bandas de garagem), tocavam em
lugares pequenos, em clubes fechados, e representavam o que havia de mais radical na
época, fora do circuito convencional e, de certa forma, começaram a revitalizar o rock a sua
base natural de rebeldia, repudiando toda a “moralização” ao qual ele havia se submetido.
Muitos jovens freqüentadores dos “Bar Clubes”, insatisfeitos com o rumo em que o
rock havia tomado, prestigiavam esses grupos. Vivenciavam não só uma realidade diferente
e oposta à dos astros do rock, como também eram vítimas de inúmeros fatores gerados pela
crise econômica. Conviviam com o desemprego, violência das ruas, marginalidade e pela
falta de perspectiva de vida; além do mais, o rock manipulado por músicos mais velhos,
imortalizados na condição de ídolos, comprometia-se nesse sentido, criando cada vez mais
uma barreira, distanciando o artista do público. As bandas e os astros da música pop não
mais se identificavam com os valores e estilo de vida adotado por essa nova geração; além
disso, o rock havia ficado sério demais, complicado demais, daí a necessidade de uma
reação, de regenerar o rock a sua simplicidade.
Esse contexto de crise econômica e cultural e contra a complexidade à qual o rock
havia adquirido (frisando sempre a importante influência que a música exerce sobre as
manifestações sociais) foram os sintomas embrionários que possibilitaram na segunda
metade dos anos 70 a “explosão” do movimento punk.
Na virada dos anos 60 para os 70, nos Estados Unidos, algumas bandas de rock
emergentes, polêmicas, oriundas do underground, carregavam consigo influências dos
beatniks, resguardando em si um niilismo muito forte e explícito em suas canções. Entre
elas o Velvet Underground, que tinha uma identificação muito próxima aos beats. Além de
trazerem uma sonoridade simples para o rock, em suas canções relatavam todo caos
vivenciado em Nova York, suas letras falavam sobre drogas, como a heroína e a vida “real”
das ruas e dos guetos. Andy Wharol, artista consagrado da pop art, foi produtor e
empresariou o grupo, criado por John Cale e Lou Reed, poeta e escritor.
32
Em Detroit (a cidade motor) 27 John Sinclair, ativista de renome dos movimentos de
contracultura norte-americana, cria o partido dos White Panthers (Panteras Brancas)
inspirado nos próprios Panteras Negras. Esse movimento emergiu por meio de artistas de
Detroit, tendo à frente o grupo MC-5, empresariado pelo próprio John Sinclair, que tinha
como objetivo levar agitações políticas de esquerda para escolas e universidades através do
rock n’roll, fazendo uma ligação direta com os militantes dos Black Panthers 28 .
“Hippies lúmpens. Essa era a nossa gente. Este era o movimento Panteras Brancas. A
gente era a voz dos hippies lúmpens, do mesmo jeito que o movimento Panteras Negras era a
voz do proletariado lúmpen – o que significava massa trabalhadora sem emprego” 29 .
Outro grupo importante, era o The Stooges, também de Detroit, criado pelo vocalista
James Jeweel Osterberg, o qual adotou o pseudônimo de Iggy Pop. A banda impressionava
o público com sua sonoridade, rock noise (rock barulhento) e com as performances
contorcionistas irreverentes e sado-masoquistas do próprio Iggy Pop, que se atirava sobre
cacos de vidros no palco, autoflagelava-se cortando o corpo com lâminas de barbear, queria
chamar atenção para o caos, para o sofrimento, excitava as pessoas ao sadismo. Iggy Pop
teve a indicação pela imprensa dos anos 70 e 80 como o “criador do estilo punk”.
Os Stooges e MC5 causaram furor em suas conturbadas turnês pelo EUA. Essas
bandas em comum tumultuaram o cenário pop da época, com um rock rude, desbocado,
freqüentemente estavam envolvidos com problemas policiais, relacionados à política,
brigas, sexo e drogas, incentivavam o público à violência, propunham uma nova “revolução
cultural”. Posteriormente foram reconhecidas pelo circuito underground, e pela própria
imprensa convencional, como as principais bandas precursoras do movimento punk. A
postura rebelde, radicalizada sob a sonoridade de um rock designado como “sujo”, simples
e barulhento, influenciou diretamente a maioria das bandas punks que se formaram na
década de 70, seguindo praticamente o mesmo estilo.
A depressão econômica desencadeada na década de 70 nos EUA gerando crise
política e social, e o início do neoliberalismo na Inglaterra, ocasionando desemprego em
27
Gíria atribuída para a cidade industrial, construtora de veículos.
Assalto à Cultura. p.107
29
Please Kill Me (Mate me, por Favor) volume I, p. 70.
28
33
grandes proporções, além de uma luta de classe sem perspectiva, foram também aspectos
elementares para o nascimento do movimento punk nesses países.
O Movimento Punk teve seu início nos Estados Unidos na primeira metade dos anos
70, com uma pequena parcela de artistas e intelectuais (poetas, músicos e escritores) do
underground de Nova York. Logo após se expandiu de maneira extraordinária na
Inglaterra, sobressaindo-se de forma mais radical e com maior expansão, tendo ligação
direta com uma juventude operária e todo um conjunto de relacionamento dentro de uma
atmosfera extrema de conflitos e manifestações sociais, presente na rivalidade entre grupos,
partidos e movimentos extremos que se oposicionavam com grande intensidade. Nessa
descrição convém adicionar algumas situações agravantes: o desemprego e o aumento da
segregação racial, as ações de grupos neonazistas e suas representações como o National
Front e o British Movement. Esses fatores são fundamentais para que possamos entender a
ascensão do movimento punk como rebelde, anti-establishment, uma mudança radical de
comportamento que influenciou jovens no mundo inteiro. Foi na Inglaterra que o
movimento recebeu o título de punk.
Houve inicialmente de fato uma jogada de marketing com pessoas ligadas à moda,
imprensa alternativa e indústria fonografia, interessados em se sobressair para um novo
mercado, que deram o impulso para alguns acontecimentos. Mas, independentemente de
tais oportunismos, o que se deflagrou na realidade não foi somente a pretensão de uma
minoria de pessoas interessadas economicamente em criar várias formas lucrativas, na
tentativa de transformar o movimento em um modismo fútil e passageiro (essa hipótese,
porém, não é descartada, pois, muita gente tirou proveito em cima do movimento punk). O
fato mais significativo e que deixa claro a autenticidade desse movimento foi a concepção
imediata e independente daquela pretendida pela mídia. As formas desse movimento são
oriundas da própria revolta da juventude norte-americana e inglesa, preocupada com
questões existenciais de uma realidade muito próxima e que incomodava constantemente. O
desemprego, as guerras, a fome, as injustiças sociais, a insatisfação de viver em um mundo
sem perspectiva alguma, foram elementos fundamentais que de imediato descartaram
qualquer possibilidade de o movimento virar apenas um modismo. A postura anti-sistêmica
tornou-se característica básica de agregação dos punks. Apesar das represálias
institucionais (governo e polícia), nada impossibilitou que o movimento eclodisse como
34
uma nova forma de pensamento e sentimento de liberdade. Nele os jovens podiam se
expressar e extravasar as angústias, o ódio, o tédio, contra a opressão do dia a dia.
Conseguiram em contrapartida se assegurar nos ideais do do it yoursef (faça você mesmo) e
dessa maneira projetaram o movimento para as demais partes do mundo.
Roberto Muggiati em “Rock: o Grito e o Mito” faz essa análise sobre o fenômeno do
Punk Rock:
“O punk rock, embora considerado efêmero, parece ter persistido, menos como música
do que como atitude social e forma de protesto. Seus alvos não eram apenas o sistema, mas
‘traidores’ do movimento, como Mick Jagger, Rod Stewart, Paul MacCartney, The Who, que
teriam renegado sua missão original. Segundo o crítico de rock John Rockwell, ‘aquela missão
era revolucionária. Não no sentido de que os roqueiros apoiassem conscientemente a
insurreição organizada ou a luta de classes em termos marxistas; o punk rock seria riscado
peremptoriamente, por qualquer comunista que se respeite, como ‘baderna’. O punk foi
revolucionário na Inglaterra principalmente como uma manifestação de frustração e raiva de
classe, e no mundo ocidental, num sentido mais amplo, como símbolo de energia inquieta de
uma subcultura jovem que encarava a sociedade burguesa industrializada como hipócrita,
acomodada e sem perspectivas 30 ”.
Continua em um trecho (pág. 112), depois menciona uma matéria da Revista New
York de 15/10/1979:
(...) o punk, mesmo se pretendendo um movimento anárquico, não deixa de ter as suas
razões históricas. Os Beatles floresceram numa época de prosperidade, os punks na recessão,
após a petroguerra iniciada em 1973. Numa longa reportagem sobre o fenômeno punk nos
Estados Unidos (...) Cynthia Heimel escreve: “nada melhor do que a raiva e a frustração como
forças motivadoras. Faça de conta que você é um adolescente na cidade industrial, EUA. Passa
os dias bocejando em aulas inúteis no colégio e então vai trabalhar num posto de gasolina. Seu
pai é operário numa fábrica, sua mãe garçonete de uniforme branco. Ninguém tem tempo para
lhe prestar muita atenção. Você assiste à TV e come na própria embalagem, uma refeição
comprada pronta. Existem pessoas demais no mundo; ninguém quer saber de você – você não
tem futuro. A única coisa que lhe resta é esfriar a cabeça e dançar”. Ao som do Punk Rock
evidentemente.
30
Muggiati trabalhou na BBC de Londres entre 1962 e 1965, acompanhando de perto a ascensão dos Beatles
e dos Rolling Stones.
35
A geração punk pode ser vista como vítima direta e “produto marginal” gerado pela
própria sociedade, mas que se organizou e esboçou uma reação furiosa e radical contra ela
própria. Os punks se viram diante das inúmeras situações de crise econômica e cultural que
teve seus agravantes ao longo dos anos 80, com a ascensão dos governos neoliberais de
Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos, que por um longo
período serviram como alvo direto das críticas e revolta dos punks pelo mundo todo. Esses
países destinavam a maior parte do orçamento para fins militares, na chamada “corrida
nuclear”, resquícios da Guerra Fria. Bilhões de dólares eram injetados na compra e venda
de armas nucleares, em detrimento de investimentos sociais como o combate à fome e ao
desemprego.
Prescreve-se que a primeira vertente do punk desenvolveu-se precisamente em torno
de 1974, nos subúrbios da parte leste de Nova York, por freqüentadores de um bar estilo
Country chamado CBGB-OMFUG, abreviação de Country, Bluegress and Blues and Other
Music for Uplifting Gourmandizers (Country Bluegrass, Blues e outras músicas para
gulosos entusiasmados 31 ) que reunia bêbados, Hell’s Angels, prostitutas, junkes, dançarinas
de topless, travestis, groupies, intelectuais, “maníacos depressivos”, entre outros. O
ambiente desse local era “pesado”, mas contribuía para troca de idéias. Era comum ver
músicos e platéia se misturarem discutindo sobre experiência de vida e desabafos das
frustrações cotidianas. A barreira criada anteriormente dentro do rock n’ roll, de
distanciamento do artista com o público, agregado ao “culto aos superstars”, de imediato
começa a desaparecer.
Com a repercussão do emergente fenômeno do underground nova-iorquino, o CBGB
começa a atrair simpatia de inúmeras pessoas que se identificavam com os novos
acontecimentos. Essa fase primordial ficou referenciada como Blanc Generation (geração
vazia), tema tirado de uma canção de Richard Hell do grupo Television; chamava a atenção
para o sofrimento e a dura vida de Nova York. A maioria dos grupos e pessoas em torno do
31
Please Kill Me - Op. cit. p. 222, 2004.
36
CBGB queriam de certa forma substituir a cultura hippie que havia falhado, resgatar o
gênero garage band e regenerar o rock à sua origem.
Dono do CBGB, Hilly Krystal abrira o clube para atrair bandas de Blues, mas
reservara um espaço para grupos alternativos que estavam iniciando. As bandas que ali se
apresentavam eram simples, as músicas tocadas eram curtas, rápidas, poucos acordes, as
letras existencialistas que falavam sobre o tédio, experiência com drogas, frustrações do
cotidiano. Nesse período havia muita espontaneidade e diversidade de idéias que
incentivavam na formação de novas outras bandas, sob um novo estilo de tocar e se
apresentar, o que veio posteriormente a se chamar de punk rock. O entretenimento entre
músicos e freqüentadores possibilitou o início de uma nova visão cultural e ideológica,
direcionada ao do it yourself, ou seja, faça você mesmo. Resumia na condição de que
qualquer um poderia fazer sua própria música, sua própria arte, independente do circuito
convencional, “música underground para um público também underground”.
A emoção voltava-se para a maneira desajeitada e a falta de habilidade de que se
nutriam os músicos, não existia uma necessidade técnica, tocavam por puro prazer, queriam
divulgar seus ideais e sentimentos. Uma “inversão de valores” contra aquilo em que a
indústria fonográfica havia transformado o rock. A complexidade e agilidade com os
instrumentos foram abolidas, o culto aos ídolos idem, o rock não precisava mais sair do
conservatório e sim das ruas.
No início o CBGB era o único local onde esses grupos podiam se apresentar.
Posteriormente outros clubes apareceram, concedendo espaço, como o Max’s Kansas City,
de grande importância no cenário punk inicial de Nova York. Muitas bandas importantes se
lançaram no CBGB e depois foram reconhecidas internacionalmente, entre elas uma das
pioneiras, The Ramones. Muitos críticos e escritores tratam o grupo The Ramones como a
primeira banda autêntica do Punk Rock, credenciadas pela simplicidade de suas músicas,
curtas rápidas e dançantes e com letras fortes sobre o cotidiano, porém nem tanto
politizadas a exemplo das inúmeras bandas que surgiram logo após na Inglaterra, onde o
punk obteve proporções diferenciadas e um verdadeiro caráter de movimento.
Os Ramones tiveram sua primeira apresentação em 1974, no CBGB, e contava em sua
formação com: Joey Ramone nos vocais, Dee Dee Ramone, baixo, Johnny Ramone,
37
guitarra, e Tommy Ramone, bateria. Ramone foi o sobrenome adotado, em referência ao
ex-Beatles Paul McCartney, que em suas viagens a Nova York, ao se hospedar em hotéis
próximos a área de convívio do grupo, registrava-se com o pseudônimo de Ramon, um
disfarce utilizado para não ser perturbado por fãs e imprensa. Os membros do grupo
copiaram o apelido, daí então Ramones. Com a simplicidade de suas músicas (rock pesado
e direto sem solos instrumentais) influenciaram também a maioria das bandas que iam se
formando (principalmente as inglesas) e logo se viam fazendo parte do punk rock. Outras
bandas importantes emergiram do CBGB: New York Dolls, Blondie, Television, Richard
Hell & the Voidoids, Talking Heads, Patty Smith, Dead Boys, Joan Jett, Johnny Thunders
and the Heartbreakers.
A partir de 1978 o “fenômeno punk rock” já havia se alastrado por quase todo
continente americano, se instalando com maior força na Califórnia, que depois de Nova
York tornar-se-ia a maior concentração e reduto dos punks nos EUA, com um registro de
inúmeras bandas: Dead Kennedys, X, Avengers, Adolescents, Circle Jerks, Germs, Black
Flag, Zero, Agente Orange e DMZ estão entre as mais importantes que surgiram no início
dos anos 80.
O termo punk sempre gerou inúmeras controvérsias e uma incessante disputa pela
reivindicação da palavra atribuída à criação do movimento. Por um lado uma imprensa
alternativa de Nova York que por volta de 1975 havia lançado uma revista intitulada punk,
editada pelo jornalista e escritor Legs Mcneil e o cartunista John Holmstron, ambos
presenciando a ascensão musical do underground novayorkino, em destaque os
acontecimentos do clube CBGB e do Max’s Kansas City, cobrindo e entrevistando a nova
geração de músicos e grupos emergentes 32 . Por outro lado a versão inglesa com
oportunismo de Malcon Maclaren, empresário dos Sex Pistols, na criação de um marketing
em cima do grupo e de si mesmo, envolvendo inúmeros tablóides ingleses e problemas
policiais e a reivindicação do termo punk.
Longe de assumir uma postura “modista” atribuída oportunamente por Malcolm
Maclaren, empresário da “primeira” banda intitulada Punk, o Sex Pistols, principal banda
do início do Movimento Punk, ficou conhecido pelo visual agressivo e ataques diretos à
32
Op.Cit. p. 270, 271.
38
Monarquia Inglesa, fazendo críticas e ironias, acusando a Rainha Elisabeth de fascista. E
pelo pretencionismo que teve em assumir o título de “inventor do Punk” e cair nas malhas
sensacionalistas dos grandes jornais e revistas, o movimento punk inglês já mencionado
anteriormente não se prendeu a esse marketing, tomou proporções mais amplas e
politizadas assimilando um verdadeiro caráter de movimento a partir de 1977.
O nascimento do movimento punk inglês está relacionado diretamente à figura de
Malcolm Maclaren, porém as conseqüências posteriores não se prenderam a sua imagem.
Uma loja de artigos para rock n’ roll, de sua propriedade, inicialmente chamada de “Let it
Rock”, costumava atrair alguns consumidores suburbanos inveterados presos à “cultura
nostálgica” do rock dos anos 50, chamados de Teddy Boys. A loja situava-se no número
430 da King Road, principal rua do bairro de Chelsea, em Londres, e com o tempo passou a
ser substituída por vários nomes, “Too Fast to Live, Too Young To Die 33 ”, e mais tarde e
em definitivo para Sex. Malcolm Mclaren, juntamente com sua esposa Vivian Westwood,
estilista de moda (mais tarde se tornaria um dos maiores nomes da alta costura européia),
passaram a comercializar moda extraída da cena underground de Nova York. Era obcecado
pelo estilo visual de alguns músicos, em especial Richard Hell (primeiro com o grupo
Television, depois com os Voidoids), que possuía cabelos curtos, trajando camisetas
rasgadas com alfinetes, sustentando frases como “Mate me, por favor”. De imediato
começaram a copiar o estilo e a confeccionar aquilo que iriam chamar de roupas de
vanguarda: roupas de couro (trajes sadomasoquistas), vestimentas de borracha, camisetas
rasgadas, alfinetes, correntes, suvenir nazistas; enfim, tudo que fosse ultrajante e chocasse
as pessoas. Criaram a grife Sex.
Malcolm Mclaren, acostumado com as badalações de Nova York, e o convívio com
Andy Warhol, freqüentador assíduo do clube CBGB, estava muito envolvido com a música
e a moda novayorkina. Tinha em mente propagar suas criações (roupa e estilo), usando
como veículo de publicidade uma banda de rock. Firme nesse objetivo conheceu no CBGB
o grupo New York Dolls, porém não obteve o sucesso esperado empresariando essa banda.
Com o fim do New York Dolls, Malcolm Mclaren procurou produzir uma outra banda,
33
ALEXANDRE, Ricardo – coleção - para saber mais - Punk – Revista Super Interessante, Editora abril, SP,
2004, p. 23.
39
sobretudo por jovens freqüentadores da sua própria loja Sex. Intencionalmente, criou a mais
polêmica e conhecida banda do início do movimento Punk, o Sex Pistols.
(...) Uma coisa estava clara desde o princípio para Malcolm: qualquer que fosse a
banda que ele iria moldar para o sucesso, ela teria uma só função: promover a sua loja, a Sex.
O conceito desse empreendimento fashion era uma coleção de provocações, muitas delas
roubadas de Nova York. Sadomasoquismo, símbolos nazistas (que eram usados por uma
importante banda pré-punk daquela época, os Dead Boys, de Cleveland), anarquismo,
homossexualismo... Tudo que fosse capaz de ofender e revoltar as pessoas 34 .
O Sex Pistols foi a primeira banda a se auto-declarar punk. Nenhuma outra banda
anterior a eles havia concebido esse título. Ninguém antes dos Sex Pistols atribuiu o termo
também a um movimento. Se existia todo uma cenário contextual para que o movimento
punk pudesse acontecer, só foi preciso a observação e a esperteza de alguém e isso está
vinculado à figura de Malcolm Mclaren, que assumiu e reivindicou o movimento como sua
criação, daí a discordância com a vertente gerada nos Estados Unidos. Malcolm Maclaren
absorveu o cenário de Nova York e lançou-o no underground londrino.
Houve um enorme marketing gerado em cima do grupo. A intenção de Malcolm
Maclaren era de “se auto-promover através de escândalos” e tentar obter fama com idéias
ultrajantes. Mas, independente dessas pretensões, nada comprometeu a importância cultural
e política atribuída às ações levadas a sério pelo grupo Sex Pistols.
Os Sex Pistols ficaram famosos pela violência gerada em seus shows, declarações
bombásticas à imprensa, confusões e brigas constantes com o público, rompimento e
quebra de contratos com grandes gravadoras (EMI, Virgin Record e Wanner). Tumulto,
proibição de seus shows, censura às suas músicas (extremamente politizadas, sarcásticas e
polêmicas), inúmeros escândalos, às vezes propositalmente ocasionados pela articulação de
seu empresário, com a intenção de aumentar a popularidade do grupo. Essas características
foram um marco em toda trajetória da banda até a sua dissolução.
34
Anarquia Planetária e a Cena Brasileira, p. 37.
40
Considerados pela imprensa como a “faísca incendiária das bandas punk”, através
do seu radicalismo, influenciaram diretamente na formação de inúmeras outras bandas que
iam aparecendo, condizentes ao culto anti-establishment, deixando as autoridades em alerta
com a “crescente onda de cultura subversiva”. À medida que o grupo começa a ganhar
espaço passam a ser os representantes legítimos de uma tensão e de toda rebeldia explícita
de uma juventude com seus descontentamentos.
Durante toda sua conturbada trajetória a banda passou por inúmeras situações de
desconforto e hostilidade possível. Convidados a participar de um programa tradicional da
TV inglesa exibido ao vivo, chamado Today, apresentado por Bill Grundy, indo ao ar para
milhares de telespectadores na hora do chá, ao invés de uma entrevista, o que se viu foi
uma série de insultos e palavrões voltados ao apresentador. Poucos segundos bastaram para
que os Sex Pistols fossem conhecidos e odiados por toda Inglaterra. A reação do público foi
imediata: ninguém até então havia dito palavrões em uma emissora de TV e coisas ruins
sobre a rainha. Após o programa houve inúmeros telefonemas para a redação, de
indignação, perplexidade e repúdio ao grupo. O entrevistador foi afastado da emissora e o
programa ficou sem ir ao ar por duas semanas.
A reação maior veio no dia seguinte: a palavra punk estampada nas primeiras páginas
dos principais jornais ingleses, entre eles o Daily Mirror com as manchetes: “O Lixo e a
Fúria”, “Quem são esses punks”, “Sujos e Ultrajantes”. A partir dessa entrevista a
sociedade inglesa passou a ter o conhecimento informal do que era o punk, assimilando
logicamente a atitude ousada do grupo diante de um canal de televisão. A imprensa no geral
mais que depressa encarregou-se de criar em cima desses acontecimentos um clima
ameaçador, passando a assimilar tudo aquilo que fosse ruim como punk.
Um apresentador de TV, Brian Trueman, exibe uma matéria no ar sobre os punks:
“... No último ano, o punk rock se tornou quase um grito de guerra na sociedade
inglesa. Para muitos, é um ameaça maior ao nosso modo de vida, do que o comunismo Russo
ou a hiperinflação e certamente gera mais comoção do que as duas coisas...
35
35
”.
The Great Rock and Roll Swindle, 1979.
41
Os Pistols acabaram caindo nas malhas sensacionalistas dos grandes jornais e revistas,
sofrendo inúmeras represálias por parte das autoridades. Os tablóides ingleses, por sua vez,
nunca faturariam tanto em cima de um grupo de rock, perseguindo-os durante toda sua
existência.
A repercussão em cima do grupo aumentava cada vez mais e à medida que a fama ia
crescendo todo “conceito maléfico” possível era atribuído à banda. Jornalistas em busca de
marketing preocupavam-se em descrever se os músicos iriam defecar ou vomitar no palco,
urinar nas pessoas durante os shows. Os Sex Pistols se defendiam atacando proposital e
ironicamente a imprensa: “A banda não nasceu para agradar, veio para atacar”, diz Johnny
Rotten, vocalista do grupo. O guitarrista Steve Jones acrescenta: “Não lidamos com música,
lidamos com caos”. Nick Kent, jornalista e crítico de música do New Music Express,
conviveu diretamente com os Sex Pistols; para ele: “A maioria das bandas de rock
bajulavam a imprensa, os Sex Pistols ao contrário fazia pouco caso dela, não estavam nem
um pouco interessados na mídia”.
Houve a iniciativa das autoridades em coibir as apresentações do grupo por toda
Inglaterra. O prefeito de Caerphilly tentou, sem muito sucesso, impedir que a banda se
apresentasse na cidade, promovendo uma vigília com grupos conservadores religiosos na
porta do show. O Conselheiro Brook Partridge de Londres advertiu severamente:
(...) Minha opinião pessoal sobre o punk rock, é que ele é nauseabundo, nojento,
degradante, chocante, desprezível, pruriginoso, infantil e nauseabundo de novo só para
reforçar a idéia. A maioria desses grupos só melhoraria morrendo de repente. O pior desses
grupos atualmente são os Sex Pistols, são incrivelmente nauseabundos, são a antítese da
humanidade, gostaria que alguém cavasse um buraco bem grande e fundo e jogasse todos eles
lá dentro, o mundo melhoraria muito com a inexistência total deles (...) 36
A represália contra o fenômeno punk estava lançada. Malcolm Maclaren, obcecado
pelo desejo de aumentar a popularidade do grupo, insistia nas provocações, chamando
ainda mais atenção da imprensa, com idéias mirabolantes e inconseqüentes, sem ao menos
se preocupar com a integridade dos músicos. Para Steve Jones: “A essa altura a música era
o que menos importava, a ordem então era provocar e escandalizar".
36
Ibid.
42
Malcolm Maclaren convoca alguns jornalistas e pretensiosamente aluga um barco
com o nome de Queen Elizabeth II, e em pleno Jubileu de Prata da Rainha a 7/06/1977
desce o rio Tamisa tocando “God Save de Queen” e “Anarchy in the UK” a 400 metros da
esquadra real. O barco foi cercado imediatamente pela guarda fluvial e toda a tripulação
foi parar na prisão. A intenção de Malcolm era fazer um golpe publicitário para promover o
lançamento das músicas e posteriormente o lançamento do compacto “God Save de
Queen”. Com toda provocação e ousadia, conseguiu “declarar guerra” a toda comunidade
conservadora inglesa e a “fúria das autoridades” contra o grupo. Por um lado, a jogada de
marketing de Malcolm Maclaren fora bem sucedida: logo após o episódio, a música “God
Save the Queen” alcançou o primeiro lugar nas paradas de sucesso inglesas, porém o IBA,
órgão que controlava as emissoras de rádio, proibia a difusão da música alegando que a
gravação poderia ofender inúmeros ouvintes. Na lista de classificação das mais tocadas, ao
invés do nome da banda, constava no primeiro lugar uma tarjeta preta de censura.
GOD SAVE THE QUEEN - DEUS SALVE A RAINHA
God Save The Queen/ And the fascist regime/ It made you a moron/ A potential
H bomb/ God save the queen/ She’s not a human being/ There is no future/ In England’s
dreaming (...) No future, for you ...
Deus Salve a Rainha, e o regime fascista, ele o tornou num imbecil, uma bomba
H em potencial, Deus Salve a Rainha, ela não é um ser humano, e não há futuro nos
sonhos da Inglaterra (...) Não há futuro, para você...
ANARCHY IN THE UK – ANARQUIA NO REINO UNIDO
I’m an Anti-Christ/ I am an anarchist/ Don’t Know what I want but I know
where to get it/ I wanna destroy passers by/Because I wanna be anarchy...
Eu sou um anticristo/ Eu sou um anarquista/ Não sei o que quero/ Mas sei como
conseguir isto/ Eu quero destruir os passantes/ Porque eu quero ser anarquia...
(Sex Pistols)
43
A partir de então a banda sofreria inúmeros boicotes, quase todos seus shows eram
censurados, os discos proibidos de tocar nas rádios. A imprensa insistia em se nutrir da
popularidade do grupo, divulgando manchetes sensacionalistas como: “Sex Pistols,
inimigos públicos número um”. Diante das circunstâncias, os problemas com o grupo
começaram a se agravar, quase não podiam sair às ruas, pois as ameaças eram constantes. O
vocalista Johnny Rotten é atacado brutalmente a golpes de estiletes por um grupo
nacionalista - uma lâmina ficou fincada em sua rótula e teve um corte profundo no pulso. A
ser atendido no hospital, foi preso por suspeita de causar desordem. Paul Cock, baterista do
grupo, também fora vítima de um atentado, ficando ferido gravemente na cabeça. As
ocorrências não acabariam por aí, o cerco à banda se fechava cada vez mais; proibidos de
tocar na Inglaterra, resolvem partir em uma turnê para os Estados Unidos da América, sob a
vigilância e ameaça das autoridades. “A certos grupos que não vemos com bons olhos,
faremos tudo possível para impedir que voltem a Londres 37 ”. Foi difícil para o grupo
conseguir os passaportes, pois tinham ficha criminal. Antes mesmo do embarque foram
revistados pela polícia do aeroporto.
Os problemas com a banda perduraram ainda por um bom tempo. Com a má
reputação, a turnê pela América do Norte também não foi bem sucedida. Desde a chegada
aos EUA, foram vigiados por agentes da CIA e FBI. Os shows foram reforçados por
inúmeros seguranças, a gravadora Wanner havia advertido que o grupo poderia causar
agressão à imprensa. Com tantos boatos sobre o grupo a repercussão só poderia ser
negativa. Foram vistos pela mídia americana como Radicais Endiabrados da Contra
Cultura, conseqüentemente os shows foram assustadores e violentos, garrafas e latas de
cerveja eram atiradas freqüentemente ao palco com o intuito de atingir propositalmente os
músicos, esses por sua vez revidavam, com insultos, cuspes e agressões, usando os
instrumentos para auto-defesa.
Mal encerrara a conturbada turnê, a banda se viu novamente nas páginas principais
dos grandes jornais e revistas: “Os punks tinham que se acabar mal”. Logo após a turnê o
grupo se desfaz, devido a inúmeros desentendimentos entre os músicos e seu empresário.
Para o vocalista Johnny Rotten as coisas tinham se tornado perigosas e absurdas demais,
37
Ibid
44
havia chegado a hora de parar, não se tratava mais de uma banda de rock, tudo havia se
transformado num circo: “Não se pode mudar, a não ser que ataque as coisas que estão aí
lhe atrapalhando. O sistema de classes na Grã-Bretanha é perpétuo, já que lá existe a
família real, e as coisas que fizemos não são toleradas 38 ”.
Sid Vicious o baixista do grupo, havia se viciado em heroína e na noite em que a
banda rompeu foi retirado de um avião vítima de uma overdose, sendo socorrido e salvo há
tempo. Sid tinha se tornado um símbolo decadente do punk; alguns meses após a dissolução
dos Sex Pistols, sua namorada Nancy Spungen é encontrada morta num quarto do Hotel
Chelsea, EUA, em 11/10/1978 e Sid Vicious é acusado de assassinato em 1º grau jurando
inocência. Os indícios o levariam a pena mínima de 15 anos ou prisão perpétua, mas, antes
mesmo de seu julgamento, Sid Vicious morre, vítima de uma overdose de heroína em 2/ 2/
1979. Novamente as manchetes: “Drogas matam a estrela do punk ”, “Sid vilão ou vítima”,
“O amor mata 39 ”.
A trajetória do Sex Pistols foi muito curta, violenta e trágica. Em pouco mais de um
ano de existência, transformaram toda história do rock, referenciaram a maioria dos grupos
que surgiram depois, que por sinal também tiveram problemas com as autoridades e
imprensa. Muitas bandas punks, posteriores ao Sex Pistols, chegaram a ser expulsas de
Londres e suas músicas proibidas pela censura. Os Sex Pistols foram o marco inicial, a
revolta direcionada pelo grupo influenciou inúmeras pessoas que prosseguiram numa luta
contra o conformismo, um apelo exemplificado nas palavras de Johnny Rotten: “Os Sex
Pistols acabaram na hora certa..., pelas razões erradas, mas as razões erradas continuaram e
as pessoas continuaram a mentir sobre uma realidade..., tudo que quero é que as gerações
futuras digam: Que se dane! Estou cheio! Esta é a verdade”, “Não aceite a velha ordem,
livre-se dela”.
A explosão do Punk Rock Inglês teve uma repercussão imediata, conquistando a
simpatia e adesão de milhares de jovens pelo mundo. Muitas bandas foram formadas por
jovens comuns da classe baixa, moradores dos subúrbios, bairros operários ou Squats. Os
Squats eram edifícios ou casas abandonadas que, interditadas pelo governo inglês, deram
38
Johnny Rotten (seu nome verdadeiro era John Lyndon), recebeu esse apelido (Joãozinho podre), devido a
sua palidez e seus dentes estragados.
39
Tablóides sensacionalistas da imprensa inglesa, Daily Mirror e The Sun.
45
origem a algumas invasões, cujo objetivo maior era a moradia; ao mesmo tempo,
proporcionavam locais para ensaios, além de Gigs (shows) e expressões artísticas.
Muitas pessoas se conheceram nos Squats. A convivência, a difusão de idéias e os
experimentos musicais contribuíram para a proliferação de inúmeras delas: The Clash, que
depois dos Sex Pistols se tornou uma das mais expressivas no cenário londrino, tendo
inclusive participado da Turnê da Anarquia 1978, com o próprio Sex Pistols. Generation X,
999, Damned, Siouxsie and Banshees, Sham 69, The Jam, Boontown Rats, Crass, entre
outras estão entre as principais bandas da fase inicial do punk na Inglaterra.
No final da década de 70 a Inglaterra encontrava-se num imenso caos social, tumulto
por toda parte, piquetes, greves, conflito social, ódio racial, ativismo de esquerda com suas
reivindicações, travavam confrontos direto com o NF-National Front (Frente Nacional), o
partido neonazista inglês. Além da crise da OPEP (1973), os problemas se agravariam
ainda mais a partir de 1979 com o governo conservador eleito de Margareth Thatcher, que
logo em seguida dava mostra da restauração do Liberalismo e os primeiros indícios da
globalização. O partido trabalhista inglês não mais se identificava com as causas operárias.
O país enfrentava uma enorme onda de desemprego e recessão ao mesmo tempo em que a
Europa era sacudida por intensos ataques e atentados terroristas, Bader Meinhof, Brigadas
Vermelhas, OLP, ETA e, em pleno solo britânico, as ações do Exército Republicano
Irlandês (IRA), grupo separatista que reivindicava a emancipação da Irlanda do Norte do
domínio inglês.
Esse cenário de crise econômica atingiria duramente os jovens de classe baixa e
também os imigrantes. Com o desemprego e sem perspectiva, a vida estava lançada à sorte.
A falta do que fazer designava o tédio, não havia nada de novo, as últimas expressões
culturais haviam sido resguardadas na retórica do idealismo Hippie.
Como crescer num mundo sem perspectiva? A resposta encontrada pelos punks foi
extraída dos ideais do do it yourself, (faça você mesmo), fazendo com que se movessem,
buscando de maneira constante, uma fórmula de se livrar do caos estabelecido e criar o seu
próprio futuro.
O movimento punk inglês cresce, se prolifera como um “produto real” diante dessas
crises. Uma geração insatisfeita e revoltada, ofensiva e bruta, adotando um aspecto
46
violento, usando a linguagem direta das ruas, palavrões, insultos, provocações e gestos
obscenos. A música associava-se à maneira de se vestir e às ações: a ordem era chocar o
sistema opressor.
Tendo a música Punk Rock como maior forma de expressão e os fanzines - jornais
alternativos (fanzine - uma junção de fã com magazine, revista do fã), os principais em
77eram: Sniffin glue (primeiro Zine), Trash 77, More On, 48 Thrills, London Outrage, Zip
vynil, New Pose, Live Wire, Jolt, Clichê, Situation 3, White Stuff, Chiansaw, Crash Band,
etc... (Caroline Coon, 1977 40 ) - na divulgação de seu idealismo, o punk começa a solidificar
como uma grande inovação, uma espécie de “ruptura cultural” independente, uma
tentativa de criar “esperança dentro da desesperança”, um escape em que os jovens podiam
criar o seu próprio futuro, dentro de um sistema social que para eles era falido e não
esboçava esperança a ninguém, a não ser às próprias elites. Conhecidos como “roqueiros
da fila do desemprego”, odiavam as atitudes conservadoras do governo de Margareth
Thatcher e posteriormente as posturas “insensatas” de Ronald Reagan.
Na medida em que o movimento se desenvolve, vai assimilando cada vez mais uma
postura politizada, associando-se aos ideais anarquistas. “Pobreza, alienação urbana,
juventude apática 41 ”, todo um grau caótico possível, emergiu para um mundo “real” através
do Punk. A reivindicação punk inicial parte da revolta ao sistema conservador, contra o
desemprego, a falta de perspectivas. Depois são assimiladas as concepções: sem governo,
não aos ídolos, sem racismo, respeito individual, contra o nazi-fascismo, contra o
autoritarismo, liberdade de expressão, emancipação feminina, não a guerras e aos entraves
do sistema capitalista.
O movimento num determinado momento encontrou reforço fundindo sua música
com o reggae, que, anterior ao Punk Rock, era uma das poucas fontes representativas e de
protesto dos problemas sociais dos negros jamaicanos que viviam na Inglaterra. Nesse
período o ritmo reggae era muito fluente na Europa. Os punks assimilaram alguns conceitos
culturais dos rastafaris, pois viam na sua filosofia de vida uma proposta política e social
40
41
The New Wave Punk Rock explosion, p. 123.
LETS, Don. Westway To The World-The Clash - Film, Documentary - Sony Music Entertainment/
Dorisimo Ltda in Association With Uptown Films, 1999.
47
muito próxima. O ritmo forte do Punk Rock foi fundido por algumas bandas punks como o
The Clash, com os “hiffs” marcantes do reggae, proporcionando uma musicalidade
interessante, o “skunk”, originando uma coligação “punk-reggae” ou “ska -punk”
(trocadilho Sk + unk). O termo Skunk significa em inglês gambá fedorento, e
posteriormente foi atribuído também a uma junção entre punks e skinheads dentro do
Movimento Oi que veremos adiante.
A união das duas forças, punk e reggae, revitalizaram ainda mais o movimento e a
participação direta das bandas punks nas questões sociais (shows beneficentes foram
realizados em prol de crianças carentes, desempregados, arrecadação para fundo de greves
de bombeiros, lixeiros e dos trabalhadores das minas de carvão), com presença marcante no
Rock Against The Racism - Anti League Nazi, rock contra o racismo, quando repudiaram a
enorme onda de preconceito racial gerada principalmente pelos partidos neonazistas
National Front e British Movement e grupos de Skinheads.
Entende-se por Skinheads grupos de jovens radicais, de extrema direita que surgiram
na Inglaterra em meados dos anos 60, moradores de bairros operários, que cultuavam o
corpo e as artes marciais, raspavam a cabeça para manifestarem sua oposição
comportamental, estética e social diante dos hippies. Contrariavam a música fluente da
época, o folk e o rock, cultuando o ritmo Ska, música popular da Jamaica que deu origem ao
reggae. Os Skinheads ganharam maior expressividade no final dos anos 70, coincidindo
com a explosão do movimento punk. Foram contrários também ao anarquismo adotado
pelos punks, suas propostas direcionam para o nacionalismo exacerbado, xenofóbico,
ostentando um ódio racial e extremo contra todos os imigrantes, que a seu ver seriam os
principais responsáveis pela onda de desemprego na Inglaterra. Judeus, árabes,
paquistaneses, latinos, negros, africanos, asiáticos e outros, tornariam-se alvos favoritos de
seus violentos ataques.
Craig O’Hara em seu livro “A Filosofia do Punk - mais do que barulho” os define
assim:
Skinheads: Literalmente, significa cabeças peladas ou raspadas. Originalmente,
uma cultura jovem dos anos 60 na Inglaterra, de extração operária, que se caracterizava por
moda específica-cabelos raspados ou bem curtos, uso de coturnos e suspensórios etc. - pelo
48
gosto por música jamaicana - reggae, ska - e soul. Derivou, já no final dos anos 70, para uma
dissidência dentro do movimento punk, caracterizada ideologicamente pelo nacionalismo,
xenofobismo e racismo. Estes são conhecidos como Boneheads (cabeça de osso, isto é,
desprovidos de cérebro) ou WP (abreviação para os skins nazistas que defendem uma suposta
White Power, ou Poder Branco). 42
Com a inflamação do movimento Punk e os distúrbios políticos que abalavam a
Inglaterra, no final da década de 70, os Skinheads, para descarregar suas exaltações diante
do cotidiano e da crise, começaram a freqüentar os shows de Punk Rock, com o propósito
de nutrir da “violência” que eles proporcionavam. Atraídos pelo som contagiante,
freqüentemente causavam tumultos e agressões nos shows. Acabaram se identificando com
o gênero musical, absorveram a música Punk Rock e extraíram dela uma derivação
denominada Skin Rock ou Oi music.
Oi!: Estilo musical favorito dos skinheads, com raízes no ska e no reggae
jamaicano. Caracteriza-se por um ritmo cadenciado, refrões fortes, uso intensivo de coros e
gritos “de guerra 43 ”.
Essa situação complicaria ainda mais quando, no mesmo período, um movimento
paralelo ao Punk se constitui equivocadamente, dissidente dele mesmo, denominado “OI”
(uma espécie de cumprimento ou saudação proletária, muito comum em estádios de futebol
europeus).
O Oi foi uma invenção semipratrocinada pelo jornal inglês Sounds, que através de
um de seus colaboradores, Garry Bushell, teve a idéia de manter vivo o “espírito Punk”
inicial (76, 77). A estória do Oi começa como um movimento musical, com algumas
bandas que ainda se dominavam “punks”, tocando em bairros ou casas noturnas em redutos
de Skinheads. Garry Bushell impulsionou a definição Oi, empresariando o grupo Cockney
Rejects (rejeitados da classe baixa). A partir do refrão de uma canção desse grupo intitulada
Oi, Oi, Oi, que no lugar de um, dois, três (comum no punk rock, para dar iniciação ou ritmo
42
43
Op. cit, p. 191.
Op. cit, p. 189.
49
à música) era substituído pelo Oi. Com as constantes apresentações do grupo pelos
subúrbios londrinos e um público marcado por punks e skinheads, em quase todas suas
canções o grito Oi, Oi, Oi era soado e correspondido pela platéia (como uma espécie de
hino cantado em estádios de futebol europeus). Nesse sentido, a conotação Oi foi ganhando
força e se transformando em um grito de guerra entre skinheads e “punks rueiros 44 ”.
Ao contrário do que se pretendia, o movimento Oi acabou indo para um lado oposto
do esperado, criando uma espécie de “miscelânea”. Difundiu-se por idéias confusas e
contraditórias, tendo um apelo maior voltado para o nacionalismo, para a violência, atos de
vandalismo, brigas, confusões generalizadas e intolerância. O movimento Oi conseguiu
reunir contraditoriamente inúmeras vertentes do underground inglês: Punks, Street Punks
(punks rueiros), Skinheads nacionalistas e Nazi-Fascistas, Hooligans, (torcedores violentos
e fanáticos pelo futebol), Red Skins (dissidência dos Skinheads, considerados Skins
vermelhos: anarquistas ou comunistas), SHARP (Skinheads Against Racial Prejudice)
Skinheads Contra o Preconceito Racial - outra dissidência dos skinheads - que procuraram
dissociar-se da postura nazista e racista deles, mas se mostraram preconceituosos em outros
aspectos, sobretudo aos homossexuais e idéias nacionalistas. A influência do National Front
foi muito significativa dentro do Oi, pois estava interessado em atrair jovens para sua causa
nacionalista, conseguindo uma grande adesão de skinheads que se identificavam com esses
atributos. Algumas bandas, principais expoentes do Oi: Skrewdriver, Four Skins, Infa Riot,
Partisans, Last Resort, The Business, Strike e Cock Sparrer, constituíram uma nova fase de
bandas que se identificavam com sentimentos nacionalistas ou racistas.
Os punks tradicionais repudiaram de imediato essa nova tendência, para eles
contraditória, não havendo sentido para tal paradoxo (uma união repleta de sentimentos
opostos). Alguns fatores podem explicar essa banalização: as publicações inoportunas da
imprensa, assimilando equivocadamente que ambos movimentos formassem uma só
unidade, dando ênfase à aparência (o visual parecido entre punks e skins, cabelos raspados
e botas militares eram comum entre eles), ignorando o idealismo distinto de ambos
movimentos, assim como o gosto musical parecido entre punks e skins (reggae e ska) ou
quando se aglomeravam nos shows de punk rock. Vendo todos juntos dessa maneira, a
44
Espírito 69, a bíblia do Skinhead, p.74, 75.
50
imprensa foi incapaz de desassociar nacionalistas e nazi-fascistas de anarquistas ou
esquerdistas, assim como suas contestações adversas. O desemprego, por exemplo, era
visto na ótica dos Skinheads como um problema ligado diretamente à imigração, “os
imigrantes roubam nosso emprego”, daí as atitudes racistas e violentas atribuídas por eles
sobre os imigrantes. Os punks por sua vez tinham consciência de que as crises sociais eram
geradas por inúmeros fatores ligados ao governo conservador britânico (o fim do bem-estar
social, as privatizações, a corrupção e inúmeros outros). Além disso, dentro do próprio
movimento Oi havia uma parcela significante de jovens desinteressados em assuntos
políticos ou sociais, a fim de arruaças e diversão (os street punks - punks rueiros).
(...) Os Skinheads fizeram pouco para apoiar as crescentes cenas punks além de
comparecer – e muitas vezes arruinar – ao shows das bandas punks. Como eles partilhavam
dos mesmos gostos musicais e freqüentemente dos mesmos cortes de cabelo (cabeças raspadas),
isso permitiu à mídia e aos observadores ignorantes considerá-los “farinha do mesmo saco”.
Isso provou ser um enorme equívoco em razão da crescente política radical dos punks e dos
também crescentes racismo e ignorância dos skinheads. A partir de meados dos anos 80, ficou
claro que os skinheads eram inimigos de uma cena punk construtiva, com sua violência
constante em shows e suas ligações com organizações racistas (...).
(...) Quando a explosão punk aconteceu na Inglaterra, os skinheads substituíram a
musica ska jamaicana pelo punk rock e entraram numa nova fase. A antiga ira de agressão dos
punks originais atraíram os skinheads aos shows que estes finalmente acabariam por destruir
com sua própria forma de violência patriota e embriagada. Os skins também montaram bandas
e passaram a cantar a perda de seus empregos para os estrangeiros e o orgulho que sentiam em
ser ingleses da classe operária (...) 45
Os rumores que o movimento punk estava causando despertaram uma preocupação
imediata diante das autoridades e a tentativa do “sistema midiático” em desviá-lo de seu
contexto rebelde na tentativa de transformá-lo num modismo lucrativo. Criaram a New
Wave
46
(Nova Onda), uma versão comercial e bem comportada do punk, com ritmos mais
leves, letras melódicas e românticas, fugindo das características originais, como movimento
de contestação.
45
46
O’ HARA, Craig. Op. Cit. 2005 p. 53, 54, 55.
New Wave - do francês - Nouvelle Vague – O que é Punk p.75, 76.
51
O visual esdrúxulo adotado como forma de protesto anti-social pelos punks passa a
ser produzido e comercializado em lojas especializadas, por nomes da alta costura, estilistas
de moda, que pretensiosamente criaram o Punk Chic ou Punk de Boutique, com o intuito de
atingir as camadas mais sociáveis possíveis.
A indústria da música encarregou-se imediatamente de contratar e atribuir inúmeros
rótulos e estilos para as novas bandas que estavam surgindo, um “revival inicial” dos anos
70, contradizendo toda a postura inicial proposta pelo movimento, ou seja, “transformá-lo
naquilo que sempre havia lutado contra”. Isso ocasionou a chamada “guerra de estilos”,
analisada dessa forma por Antonio Bivar:
Mais para o fim de 1980 a coisa começa a se definir. Então acontece em Londres a
Guerra de Estilos (...) Começa a se falar em stylepower, o poder do estilo (...) Então, novas
bandas surgem e outras que já existiam se firmam, todas situadas em movimentos de estilos
definidos, todas com propósito (...) Verdadeiros filhos do trabalho, todas essas correntes tem
seus clubes, a guerra de estilos conta também, com toda uma indústria e comércio alternativo
(...). (BIVAR, Antonio, p. 77 - 2001).
Diante desses fatores, notam-se, inúmeras tendências formadas nesse período: New
Wave, New Music, New Romantic, New Funk, New Psicodelic, Neo Rockabilly, Punkbilly,
Pós-Punk, Country Punk, Futurista, Tecnopop, Eletropop, etc... Significariam para os
punks autênticos apenas uma falsa tendência de bandas pré-fabricadas que favoreceriam
novamente o comércio das gravadoras multinacionais, e a formulação oportunista de
inúmeros jornais e revistas que se especializaram no assunto (Sounds, Melody Maker,
Record Mirror, New Music Express, The Face, New Sounds, New Styles, SFX, entre
outros).
Esse período ficou marcado como a primeira fase do movimento Punk inglês. Em
1979, com a dissolução do grupo Sex Pistols e a morte de seu componente Sid Vicious, a
imprensa dava o movimento como morto, mas estava enganada.
Abafado por um curto período, o movimento força uma reação e no final de 1981
volta mais forte do que antes, e com conseqüências mais sérias. Sustentando os princípios
básicos iniciais, contra a hipocrisia e o conformismo, declararam guerra à New Wave
sustentando o slogan Punk Not Dead (O Punk não Morreu).
52
Musicalmente volta mais rápido e “cru”, com batidas fortes e mais pesadas, os vocais
“berrados” e letras ainda mais contestatórias. Batizam esse novo gênero de hardcore (Casca
grossa, linha dura ou radical) e assim também foram suas atitudes. Principais bandas dessa
nova fase: Exploited, GBH, Anti Nohwere League, Dicharge, Vice Squad, Angelic Upstars,
Anti Pasti, UK Subs, Vice Squad, Caos, Varuckers, e centenas de outras.
Esse segundo levante Punk tem uma preocupação específica com a guerra. “A idéia
de que as guerras nascem das crises” não era nada agradável, o que serviu de tema não só
para os punks ingleses mas para os do mundo todo. Certeza esta, concretizada em 1982,
quando a Inglaterra lança toda sua ofensiva numa guerra contra a Argentina pela posse das
Falklands (Ilhas Malvinas). Por outro lado, o mundo pressentia o perigo eminente de uma
catástrofe nuclear gerada ainda através da “guerra fria” entre Estados Unidos e União
Soviética, no chamado “Projeto Guerra nas Estrelas”, programa de defesa espacial norteamericano (Sistema de Defesa Antimísseis) iniciado na gestão de Ronald Reagan, contra
possíveis ataques de mísseis nucleares soviéticos. Consistia, num sistema de radares e
satélites usados para detectar “mísseis inimigos”, plano de milhões de dólares que teve sua
revisão posteriormente no governo de Clinton e reestudada na atual gestão de George W.
Bush.
Toda essa conturbação “belicosa” de crise mundial é refletida nos shows e
manifestações punks, servindo de tema para suas canções e protestos que se tornam cada
vez mais violentos. Nesse momento desencadeia-se uma enorme onda de protestos contra o
militarismo, desemprego e contra miséria mundial, ocorre uma série de incêndios por toda
Inglaterra, provocando a reação imediata e violenta por parte das autoridades e os órgãos
especiais de repressão, na perseguição generalizada e prisão de inúmeros punks.
À medida que o movimento punk foi se desenvolvendo (desde 1977 até a atualidade)
também foi se moldando, readaptando a novas situações, conseqüentemente assimilando
novas idéias e conceitos, o que fez com que proporcionasse dentro dele uma subdivisão de
grupos e facções. Alguns carregando suas características iniciais e outros se expandiram,
mesclando o punk com outras culturas. Mas nem todas essa tendências foram significativas,
muitas são criticadas e vistas como modismo dentro do próprio movimento, pois, ao se
sobressaírem, acabaram perdendo sua identidade.
53
CAPÍTULO II
A REVOLTA VEM DO ABC
2.1 Punk! Contexto Nacional
Os primeiros rumores sobre o punk no Brasil se deram em meados de 1970, nas
grandes metrópoles. Em São Paulo, especificamente, sua divulgação aconteceu de forma
esporádica por alguns artigos de jornais ou revistas, algumas delas especializadas em moda,
música e esporte 47 , poucas no gênero rock. Havia uma escassez muito grande de
informações, na maioria das vezes reportavam inúmeros equívocos, as matérias publicadas
eram desencontradas e limitadas, ora lidando-o como um atrativo de moda ora noticiando
acontecimentos atribuídos à cena punk internacional com manchetes polêmicas
direcionadas às principais bandas de punk rock, essencialmente as inglesas, em especial o
grupo Sex Pistols.
As primeiras informações foram dadas através de alguns artigos: “A vez do punk, um
rock mais grosso. Mas muito gozado”, por Ezequiel Neves, para revista Homem, março de
1977. “Punk Rock, o rock dos moleques”, revista Rock, a história e a glória, n º 20, editora
Maracatu, Rio de Janeiro, matéria editada por Júlio Barroso, julho de 1977. “Há futuro para
os punks”, revista Isto é, novembro de 1977 48 . Em 1978, o jornalista Antônio Lacerda e o
fotografo Bernardo Magalhães elaboram um trabalho audiovisual chamado “O Punk na
República dos Tupiniquins”, 35 minutos de texto e música e mais de 280 fotos. Esse
47
48
Revista POP Editora Abril, revista de entretenimento: música, moda, esporte e comportamento.
Carecas do Subúrbio p. 44
54
trabalho expunha a tese de que “O punk - revolução das classes pobres na Inglaterra - não
teria lugar na cultura brasileira” 49 .
Independentemente dos artigos editados pela mídia, alguns aspectos já se postavam
evidentes e ajudaram a propiciar o nascimento do movimento punk em São Paulo. Quase
que simultaneamente, grupos de jovens suburbanos e periféricos, roqueiros de diferentes
regiões da cidade de São Paulo, já possuíam uma certa estética visual do punk, jeans
rasgado, tênis e jaquetas envelhecidas, e uma certa rebeldia. Em alguns bairros paulistanos
algumas gangues de rockers já existiam e apreciavam o que havia de mais radical em
termos de rock pesado, grupos como: Sweet, Slade, Black Sabbath, Deep Purple e, já
tinham também conhecimento de algumas bandas precursoras do punk: Dust, Stooges,
MC5, New York Dolls, possuíam discos e fitas desses grupos, que eram raros, não muito
comum de se ouvir nas rádios ou TV, mas muito tocados nos salões de rock que
freqüentavam.
Posteriormente diante do novo episódio, alguns discos de punk rock começam a
aparecer em lojas especializadas 50 , na sessão de importados, e logo vão ser descobertos e
consumidos por esses jovens que começam a se identificar com o novo gênero, juntamente
com as informações que circulavam, que por fim eram poucas. Com a aceitação da nova
tendência, cria-se uma mudança radical de comportamento, ocorrendo uma ruptura de
roqueiros que passam a se assumir como punks.
Os discos, por serem importados, eram muito caros e as dificuldades para obtê-los
eram enormes, tornava-se privilégio de poucos, que chegavam a gastar quase todo ordenado
do mês só para obter algum exemplar. Esses discos acabavam sendo emprestados entre
amigos e normalmente eram gravados em fitas cassetes e distribuídos (um marco inicial
cooperativista do punk); dessa forma a divulgação do punk rock se espalhou para um
número maior de pessoas interessadas. Do mesmo modo acontecia com as reportagens,
alguns punks eram assinantes de jornais ou revistas de música importados, alguns
especializados na cena como o Melody Maker. Essas edições eram emprestadas e de mão
49
Anarquia Planetária e a Cena Brasileira, p. 92, 94.
Wop Bop - loja pioneira em São Paulo especializada em discos de rock raros, e fora de catálogo, situava-se
na Rua 24 de maio, nº 62, 2º andar, loja 371.
50
55
em mão as matérias “xerocadas”, assim as trocas de informações iam se intensificando e as
noções de comportamento acerca do punk sendo assimiladas, porém gradualmente.
Havia uma atmosfera política e social muito parecida com a de Nova York e
Inglaterra, no entanto sustentando elementos mais complexos. O Brasil como país “terceiro
mundista” sofria os reflexos da crise mundial gerada pelas grandes potências: inflação,
dívida externa, arrocho salarial, desemprego, opressão à classe trabalhista. A Ditadura
Militar ainda pairava em solo nacional sob o comando do último general, João Batista de
Figueiredo. Todas essas fórmulas irão engajar no sentimento de cada um desses jovens, que
irão assimilar com o punk o seu conceito de revolta sobre os problemas do cotidiano.
Mas por motivos históricos, as gangues da periferia de São Paulo encontram nos punks
europeus diversos pontos em comum. Além do fenômeno típico do início da juventude, o punk
brasileiro vinha com um insuportável gosto social na boca. “O milagre econômico” havia
acabado e, no final da década de 70, o Brasil observava a inflação disparar e o desemprego se
agigantar. E para os jovens pobres, sem trabalho, sem diversão, a marginalidade passava a
galope.
No campo musical, as produções caras da MPB mitificavam o processo artístico e o
rock brasileiro vivia na marginalidade. A música que vinha de fora também não ajudava. A
discoteca e o rock progressivo se recusavam a entrar em contato com o mundo real daquela
geração. De maneira niilista, seria preciso partir do zero 51 .
Em 1977, a mesma revista POP lança consecutivas matérias a respeito do punk rock.
Em uma delas, editada em outubro, traz novamente enfoques sensacionalistas e
equivocados, um artigo com seis páginas, com um grupo de rock n’ roll paulistano
chamado Made in Brazil, e a temática intitulada: “Chegou o Punk com festa e tudo” e um
sub-título “O Made in Brazil apresenta a moda Punk”. Evidentemente o Made in Brazil
nunca fora um grupo de punk rock, não tinham identificação nenhuma com esse estilo, mas
sim com o rock glamour, foi um marketing alcançado para lançamento do grupo. Em
seguida lança uma matéria sobre o grupo Sex Pistols e uma coletânea em vinil intitulado “A
revista POP apresenta o Punk Rock”, um LP contendo 12 faixas entre bandas inglesas e
51
Luciano Marsiglia - História do rock brasileiro, volume 3. Editora Abril, p.17, 1990, SP.
56
americanas: Sex Pistols, Ramones, The Jam, Eddie and Hot Rods, Ultravox, The
Runaways, London e Stink Toys. O disco foi produzido e distribuído pela Phonogram
(Philips), na contra capa um texto de Okky de Souza justificava um pouco da “história” do
Punk Rock. Dessa vez a revista não se equivoca, faz um lançamento sério e de conteúdo,
tornando o primeiro registro nacional sobre o punk rock.
Há poucos anos, quando os grupos “classicosos” invadiram o cenário pop, muita
gente pressentiu que o rock estava morrendo. Afinal as sofisticadas harmonias e arranjos
daqueles grupos poucos tinham a ver com a característica básica de que o rock sempre se
alimentou: a energia instintiva e visceral, que hipnotiza a juventude através do saudável
exercício da dança. Mas com o passar do tempo, os grupos “classicosos” provaram transmitir,
pouco mais que um imenso tédio. Hoje seus discos vendem cada vez menos e suas temporadas
de shows se viram reduzidas. Os tempos mudaram!
Reagindo violentamente à sofisticação de um gênero que sempre foi simples, a
garotada inglesa e americana acabou arrombando a festa. Pegaram guitarras e amplificadores,
aprenderam uns poucos acordes musicais, reuniram-se no fundo de suas garagens e lançaram
um novo grito de contestação: “Temos que salvar o rock”. Nascia o punk.
Estava declarada a guerra ao rock classicoso e progressivo. A ordem era voltar às
raízes de rebeldia e energia primitiva que, nos anos 60, ajudaram a deflagrar a revolução
cultural daquela década. “Afinal comentou há poucas semanas Johnny Rotten, líder dos Sex
Pistols – de que adiantou Elvis balançar os quadris se um bando de idiotas decide levar o rock
a sério...”.
Neste LP, a Phonogram e a revista POP fizeram uma seleção do que há de mais
representativo no mundo punk rock. E o disco chega no momento certo. Afinal, nos Estados
Unidos e Europa o punk rock já tomou proporções de verdadeira revolução na música popular.
Os jornais especializados, como o Melody Maker, Sounds, New Musical Express e
outros falam cada vez menos nos grupos e rock tradicional. O punk rock ou New Wave (nova
Onda) é o assunto do dia. É claro que músicos mais ligados ao rock tradicional não aceitaram
de cara a revolução dos grupos punk. Afinal o movimento surgiu em pleno reinado do rock
“classicoso, e nunca deu muita bola pra conceitos tradicionais de estética musical. Mas os
rockeiros punk não chegam a se abalar com opiniões dos outros”.
O importante, para eles, é estar em cima de um palco, devolvendo ao rock a energia
que ele ameaçava perder. E, para isso, eles possuem referências acima de qualquer suspeita:
57
são influenciados pelo The Who, Doors e todos os grupos que nunca pretenderam sofisticar um
simples exercício de sentidos.
Assim, o rock que você vai ouvir neste LP não tem compromissos com os padrões
tradicionais da música. Feito e executado por garotada de 18 a 20 anos, ele não possui nenhum
dos vícios seriosos que 20 anos de rock acabaram criando. Ele representa uma nova tendência
que na verdade, nos recorda de fato que quase íamos esquecendo: o rock foi feito pra dançar.
(SOUZA, Okki - 1977).
No ano de 1978, uma outra coletânea punk é lançada, dessa vez pela gravadora EMIODEON - um LP intitulado NEW WAVE PUNK (Punk: a Nova Onda) com 12 faixas
também divididas entre bandas americanas e européias, entre elas: Patti Smith and Group,
Tom Robison Band, Wire, The Tubes, Flyin Spiderz, Lou Reed, Robert Gordon, The Saints
e No Dice, contendo no encarte detalhes textuais sobre o punk rock.
Antônio Carlos Senofante foi um dos pioneiros na divulgação do Punk Rock no
Brasil. Conhecido como Kid Vinil, era formado em administração de empresas, obtinha um
cargo no setor editorial da Gravadora Continental e começara um trabalho de radialista na
rádio Excelsior de São Paulo a partir de 1977. O nome artístico "Kid Vinil" foi criado junto
com Pena Schmidt, também produtor musical da Continental e técnico de som. O nome foi
baseado em Kid Jensen, DJ da rádio BBC de Londres, e Cosmo Vinyl, DJ e manager da
banda The Clash. Kid Vinil chegou à rádio Excelsior através do seu chefe na Continental,
Vitor Martins, que por sua vez o indicou a Alf Soares, outro locutor que apresentava um
programa de rock n' roll anos 50, na mesma emissora 52 .
A partir de 1979, a Excelsior teve a iniciativa de promover alguns programas
alternativos na sua programação e sugeriram a Kid Vinil experimentar em fazer um piloto
sobre Punk Rock e New Wave. O piloto foi aprovado e colocado no ar como o primeiro
programa de Kid na rádio - chamou-se "Kid Vinil" - e ia ao ar nas segundas-feiras, das 22hs
às 23hs, onde passou a divulgar o som punk rock. Depois o programa intitulado Rock Show
na radio Excelsior AM e Rock Sanduíche na Excelsior FM, onde trazia as novidades da
intensa cena musical européia e norte-americana. Na sua programação abriu espaço para
52
http://www.kidvinil.com/index.html
58
bandas do cenário underground paulistano. Bandas punks emergentes, como Restos de
Nada, Olho Seco, Cólera, Inocentes, foram divulgadas no programa através de fitas demos.
Por intermédio desses programas muitos punks conseguiam obter informações a
respeito dos acontecimentos musicais, tanto no circuito internacional quanto nacional, e
possibilitava o envio de correspondência e pedidos de músicas das bandas favoritas. O
programa conseguiu manter-se no ar até 1982, transmitido de forma sensacionalista e
debochada, desinteressado com conotações políticas, restringindo-se em divulgar apenas
conceitos estéticos e a musicalidade punk.
“Nunca fui do tipo revolucionário, gostava de música punk, mas o discurso não me dizia
nada. Sempre me cobraram uma posição política, mas eu queria era entretenimento, o ritmo, o
riff”. 53
Em 1978, Kid Vinil havia feito sua primeira viagem à Inglaterra desembarcando em
Londres, onde presenciou o auge do movimento punk, tendo inclusive assistido shows de
algumas bandas, como o The Clash. Kid Vinil acabou se tornando, involuntariamente, uma
espécie de porta-voz da geração punk inicial, mesmo não estando preocupado com
conceitos políticos e ideológicos do punk, intencionado apenas para o lado da musicalidade
e artístico. Em entrevista para a revista ISTO É, Kid Vinil expressa sua passagem pelo
movimento punk:
(...) logo explodiu o movimento punk na Inglaterra. A partir disso eu montei uma banda
chamada Caos, que durou de 1977 a 1978. Depois montei uma chamada AI-5, também punk, só
que não durou nada.
ISTOÉ - Por que os grupos punks duraram tão pouco?
Kid - Era tudo muito inconseqüente. A gente não tinha noção do que queria, era um lance de
tocar na garagem da minha casa e só. Além do mais, se o punk assustou em 1982 e 1983,
imagine o que era em 1977(...) na Radio Excelsior de São Paulo em 1977, mostrei pela
53
Dias de Luta, p. 55.
59
primeira vez no Brasil, o que era o punk rock. Em 1979 continuei fazendo umas programações
esporádicas até a época do Mauricio Kubrusly.
ISTOÉ – O Kubrusly deu um “chega pra lá” no rock?
Kid – Claro que ele sabia que estava acontecendo alguma coisa e, por isso, tinha que
documentar. Mas ele cortou um pouco as nossas asas. Ele queria uma rádio bem mais música
popular brasileira, o que hoje é impossível. E todo jeito, eu fiquei na Excelsior até final de
1982, com dois programas: Rock Show, na AM, e rock Sanduíche, na FM 54 .
Com o término da banda AI-5, Kid Vinil, no início dos anos 80, formou o grupo
Verminose, com o baterista Trincão, Minho K na guitarra e Stopa no baixo; Kid fazia
vocais. Depois mudara novamente o nome para Kid Vinil e os Heróis do Brasil e, por
conseguinte, plagiou o nome de um grupo Inglês, o Magazine, que havia se dissolvido. O
grupo criou fama em 1983, com o lançamento da música “Sou Boy” e depois “Tic Tic
Nervoso”, sucessos nas rádios AM e FM nesse período. Posteriormente outras músicas do
repertório do Magazine compuseram algumas trilhas sonoras de programas de TV. A
música “Comeu” (de Caetano Veloso) serviu como tema de abertura da novela “A Gata
Comeu” exibida pela Rede Globo de televisão em 1984.
“(...) A gente não tava nem aí. Sabe, o punk tem dessas coisas de contestar, de atirar e
não saber onde está o alvo. Na época, o punk era isso. Nonsense sabe? Aquilo que na
Inglaterra chamavam de uma Blank Generation: uma geração vazia, sem nada para oferecer.
Não havia necessidade de oferecer coisa alguma (...) Eu me identificava com a cultura punk
porque realmente acabava sendo partidário de que não existia mais nada. Era uma coisa de
autodestruição, porque na época tudo era tão caótico (...) A banda Caos tinha uma letra que
metia o pau no presidente Geisel, a gente acabava com tudo, enquanto os Pistols falavam da
rainha, metendo o cacete em todos os ministros, a gente fazia a mesma coisa, contestava tudo
(...) A gente teve problemas de ser identificado com um grupo de punk, quando já não era mais
punk. Num Show no teatro lira paulistana, os próprios punks foram lá reivindicar isso.
Quebraram tudo e falaram: “Você não é punk, O Verminose não é punk”. 55
54
55
Revista Isto É, 4 de janeiro de 1984.
Ibid.
60
A partir de 1977, o punk no Brasil (instaurado em São Paulo) vai se desenvolver,
através de ações ganguistas sem posições ideológicas e longe de se constituir como forma
de um movimento. Não havia, nesse momento, uma postura em relação à politização, o
punk era mais uma questão de “curtição” e muitas vezes resumia-se em atos de vandalismo.
Sua postura anárquica, até então, era puramente pejorativa (bagunça, destruição), o
contexto idealista restringia-se a uma minúscula parcela de integrantes, que mesmo
pertencentes às gangues tentavam buscar informações esclarecedoras a respeito do
movimento; além dos jornais e revistas especializados, já mencionados anteriormente,
alguns conseguiram trocar correspondência com alguns punks do exterior, possibilitando
maior clareza sobre os acontecimentos.
Em termos mais apurados, a seriedade diante do movimento punk só pôde ser captada
alguns anos mais tarde, a partir de 1980, através dessa busca sucessiva de informações, um
“rompimento” parcial com a mídia oficial (os punks da city foram colaboradores dela por
um determinado período) e o reconhecimento como movimento de caráter contracultural e
anárquico (pelos próprios punks, especificamente do ABC). Isso só foi possível devido à
troca de experiências culturais: a formação das bandas que começaram a ostentar um perfil
contestador e político, os fanzines na divulgação do próprio movimento, o “espírito”
cooperativo entre os punks em compartilhar fitas, discos e em dividir aparelhagens,
instrumentos e shows, a elaboração dos manifestos, as panfletagens e inúmeras tentativas
de criar uma base ideológica e organizativa, porém sem abandonar o caráter ganguista.
Muitas foram as razões que impediram a proliferação do punk para um contexto
maior, restringido-o apenas às bandas de punk rock e às gangues: as distorções produzidas
pelos veículos de comunicação (que os tratavam como delinqüentes e marginais) alertava
ainda mais a repressão policial, que tentava coibir os punks de se expressarem, o medo e o
preconceito da sociedade pelo visual agressivo, a fama de violentos e as próprias
contradições internas. Entre outras complexidades, uma mostrava-se bem explícita:
61
“(...) O problema está relacionado na questão cultural brasileira em ouvir samba e
MPB não tendo tradição em consumir rock 56 ”.
Com a consolidação do movimento punk na virada dos anos 80, houve um aumento
significativo no número de artigos publicados nacionalmente. Aguçados pelo assunto,
muitos escritores passaram a escrever sobre o tema. Júlio Barroso (Punkorama, jornal de
música), Ezequiel Neves, Pepe Scobar, Okky de Souza, Antônio Bivar (Autor do livro “O
que é Punk”), Fernando Naporano e Ana Maria Bahiana, escreveram artigos em diferentes
jornais e revistas: Revista Veja, Isto É, Manchete, POP, Som 3, O Repórter, Jornal Folha de
São Paulo, Estado de São Paulo, Diário do Grande ABC, entre outros. No entanto, as
matérias publicadas continuavam desencontradas, alguns jornalistas propositalmente
editaram matérias pejorativas prejudicando o movimento punk em vários sentidos,
inclusive virando caso de polícia. O que colaborou ainda mais na perseguição de inúmeros
punks pelas autoridades e a rejeição da sociedade para com eles.
Entre essas publicações encontra-se uma lançada pelo jornal Estado de São Paulo
(1981, o Estadão), elaborada pelo Jornalista Luiz Fernando Emediato, chamada “Geração
Abandonada”. Em alguns trechos mostra esse equívoco:
(...) Já se organizam em gangs de até 600 jovens, homens e mulheres, pálidos e que
andam sempre armados com correntes, estiletes, facas, canivetes, machados, às vezes
revólveres. (...) Integram gangs de blusões de couro e alfinetes espetados na pele que quase
todo os domingos invadem a Estação São bento do Metrô, para espancar e roubar outros
jovens - aqueles que vendem artesanato (...) Discípulos de Satã, o ídolo que veneram, eles
não vêem muita diferença entre Deus e o diabo, entre Marx, Kennedy ou Hitler, entre o bem
e o mal. Eles gostam de bater, só isso. Alguns mais cruéis roubam e espancam velhinhas e
acham muita graça nisso (...) Eles preferem beber leite com limão e muitas vezes depois que
bebem esta mistura, provocam vômitos em si mesmo e vomitam o leite coagulado na cara de
suas vítimas (...).
56
João Gordo, vocalista do grupo Ratos de Porão e apresentador da MTV. Revista Manchete, dezembro,
1984, SP.
62
Desde o início de sua manifestação tendo como base cronológica o ano de 1977,
muitos dentro do movimento punk (o ABC em evidência) tiveram um constante desagrado
pela imprensa, pela forma sensacionalista em que veio distorcendo o movimento durante
todos esses anos. Na maioria das vezes, nem sempre se destina esse proceder pela falta de
informação ou ingenuidade sobre o assunto, seria um absurdo ou no mínimo duvidoso, pois
a imprensa trabalha sobre questões investigativas e de pesquisa, mas nota-se,
especificamente com os punks, que os interesses pareceram ser outros, parecia existir
propositalmente o intuito de desmoralizar e contrariar o movimento perante a opinião
pública.
Mesmo com inúmeras verdades, embora também muitos mitos, o punk, mesmo que
não obtendo maiores proporções, soube aproveitar bem a situação, absorveu todos adjetivos
e taxações impostas a ele, se definindo como um movimento anti-social, detonando toda
sua ira contra um “sistema conservador de uma sociedade hipócrita”.
Pelo seu lado contestador, o movimento punk no Brasil, de uma forma geral, foi
crescendo ao fazer uma crítica ao regime militar, implantado pelo golpe de 1964. Suas
frustrações e manifestações foram lançadas à censura, repressão, corrupção, religião, ao
desemprego, à miséria e às injustiças sociais.
Em São Paulo, foi se removendo através de diferentes parâmetros e algumas formas
de expressão ficaram evidentes e constituíram a base de sua manifestação: a rivalidade
explícita na “guerras das gangues”, a divulgação do movimento através da imprensa
alternativa criada pelos próprios punks (fanzines e manifestos). Na musicalidade, as bandas
se lançam carregando a postura “internacionalista” do punk rock (anti-conformismo, crítica
à submissão social, agressão ao sistema, subversão as leis), dilacerando suas críticas à
realidade nacional e à crise mundial. Contrariaram a repressão policial, os dogmas da
igreja, os partidos políticos, contudo seus alvos também eram o rock progressivo e a MPB,
mantendo sua repulsa acima dos B.G. (Bicho Grilo) hippies brasileiros, cultuadores desse
gênero musical. Conseqüentemente inúmeras foram as críticas aos compositores da música
popular brasileira de “estarem ligados à burguesia, se enriquecendo, romantizando a
pobreza através do samba e carnaval, além de trazerem temas desinteressantes e chatos 57 ”.
Como um movimento inovador dentro do próprio rock, a revolta dos punks sobre os B.G.
57
Revista Penthouse, novembro 1982.
63
estava à beira de uma alienação vivenciada pelos próprios, direcionada apenas para o uso
de drogas. Na concepção dos punks, os “amantes do esoterismo” e da “geração paz e amor”
não se preocupavam de maneira alguma com o sistema que os agredia e se postavam
despreocupados com as questões sociais.
Em 1979 o clima musical do Brasil era um misto de MPB com um final da era do
rock progressivo. Nesse período já se contava com uma grande quantidade de punks,
muitas gangues já haviam se consolidado, e para eles a energia primal dos shows do punk
rock era o oposto do marasmo e estagnação que estas duas tendências empregavam. Pouco
tempo depois, o punk rock brasileiro tinha se tornado um veículo furioso, tão radical
quanto o inglês, em plena ditadura militar lançavam seus slogans de resistência às
injustiças sociais e contra o capitalismo.
2.2 Gangues e Salões
No ABC, o cenário de crise política e luta sindical impulsionavam os punks em elevar
o movimento para padrões mais sérios de conscientização e de “luta política libertária”, o
que vai diferenciá-lo das demais regiões paulistas. No entanto, o movimento gerado ali
também sofria algumas contradições internas, sobretudo nas conotações pejorativas sobre
anarquia, assimilada a atos de vandalismo. Alguns punks carregavam consigo o vínculo
“destrutivo” inicial estavam presos a “certas emoções” que as ações ganguistas
proporcionavam, defendiam a postura de que, “com a politização do pessoal o Punk
perderia sua graça”, queriam vivenciar um “certo saudosismo arruaceiro”. Por outro lado os
mais intelectualizados criticavam tal postura, persistiam em reverter esse quadro para uma
posição de seriedade, política e ativista, partindo da convicção de que a conscientização era
de extrema importância dentro do próprio movimento, pois possibilitaria direcionar melhor
sua crítica acerca da sociedade, propagar as idéias, reivindicações e a finalidade do
movimento. É diante desse quadro que os Anjos de São Bernardo vão se destacar, como um
grupo de melhor expressividade política, com maior número de adeptos; mesmo que
constituído em uma gangue, estavam convictos de sua posição ideológica e radicalismo,
que evidenciou-se diante da rivalidade com outros punks, em específico os do centro da
64
cidade (Punks da City). A contestação dos Anjos estava em reivindicar o punk como um
movimento sério, e sua crítica recai sob a “postura midiática” empenhada oportunamente
pelos punks do centro.
Diante dessa dicotomia rivalista, assimila-se também, sob uma mesma questão
ideológica, o anarquismo, e as maneiras distintas de concebê-lo, entendê-lo e aplicá-lo, por
ambas as partes. Para esse entendimento é necessário compreendermos a formação dessas
duas frentes, a disparidade entre São Paulo de um lado e ABC de outro, analisando
necessariamente a contextualização na formação dessas gangues.
Em termos comparativos gerais, as gangues punks eram formadas na maioria das
vezes por parentes e amigos, moradores do mesmo bairro, vila ou região a que pertenciam,
ou mesmo que se conheciam nos clubes ou Salões de rock, geralmente compostas por
jovens entre 13 e 25 anos, que compartilhavam das mesmas afinidades e o gosto pelas
bandas punk rock. A princípio formalizavam-se em pequenos grupos, posteriormente
obtiveram maiores proporções. As amizades geravam, acerca da apreciação musical,
interesses em comuns, como diversão e paqueras. Identificavam-se pela proposta sonora do
punk rock mais agressivo que o rock convencional. Comportamentalmente expressavam
atitudes radicais, como no visual agressivo, já esboçando um diferencial das demais
tendências de roqueiros.
Os salões eram a opção de lazer que os punks tinham para extravasar e descarregar o
estresse do cotidiano. Geralmente localizados nas periferias tinham condições precárias,
porém os ingressos eram baratos. Nenhum desses Salões era eminentemente punk, tocavam
rock, mas sempre abriam espaço para uma sessão de punk rock. O som tocado era à base de
discos ou fitas cassete, a seleção das músicas ficava a cargo da equipe de som que alugava
o espaço, mas era comum algum punk levar uma fita ou um disco de punk rock e pedir para
a equipe responsável passar o som (não havia no período CDs ou DJs). Raras vezes alguma
banda de rock ou punk se apresentava ao vivo, a preferência ficava restrito ao som de fitas
cassete.
É dentro dos Salões que começam a aparecer as primeiras gangues e as rivalidades
entre elas, conseqüentemente os primeiros atritos. Por muitas vezes as rixas surgiam por
assuntos banais. A rivalidade se dava por uma querer sobressair sobre a outra, ser mais
65
forte para “impor respeito”, tanto pelo número superior de adeptos, quanto ao modo
diferenciado de vestir, pensar e agir, uma certa disputa de “quem era mais Punk”. Algumas
gangues já haviam incorporado uma rivalidade definida (bairrismo, regionalismo) e as
ações praticadas foram de extrema seriedade. Reafirmando, as gangues no período inicial
do punk em São Paulo estavam mais envoltas em atos de violência e vandalismo do que
com as questões ideológicas, eram poucos os que postavam-se sob uma conduta politizada.
Em entrevista com L.G., do grupo Passeatas, ele comenta:
“No meu ponto de vista eu acho que é o seguinte... toda gangue... é formada por várias
pessoas, tem as pessoas conscientes e pessoas porra loca que vão lá só pra curtir sem
consciência nenhuma, embalo. Eu acho que esse tipo de pessoa é que assim... cada gangue
deveria ter um embalo que arrumava algo assim, algum tipo de encrenca com outras pessoas
semelhantes a ela sabe acho que, o pessoal tomava as dores do outro... acho que um... queria
mostrar que gangue dele era mais fudida do que a outra e faltou sabe consciência para saber
que os verdadeiros inimigos deles não eram o movimento... a outra gangue tal, e sim o sistema.
Eu acho que as brigas não era legais... desviaram entende... eles esqueceram do verdadeiro
ideal do movimento punk para brigarem entre si”.
Obviamente esses atritos foram se radicalizando a ponto de uma gangue evitar o
território de uma outra rival, para amenizar os conflitos, o que era inevitável.
Propositalmente os limites nunca foram obedecidos, não se tratava de uma questão de
regra, ou um tipo de trégua formal estabelecida entre elas, existia sim uma cautela. O
sentimento de ódio entre elas havia se intensificado, a certeza de um encontro, o confronto
seria inevitável, já havia ocasionado algumas mortes.
Todas essas gangues passaram a se reunir nos chamados Pontos de Encontro. Lugares
específicos e estratégicos onde se aglutinavam e dali partiam para os confrontos com as
gangues rivais.
O reconhecimento de uma primeira gangue se dá no SBEROC, em 1977. Os
“Rebeldes” eram jovens que cultuavam esteticamente o visual agressivo do Punk (blusões
de couro, correntes e outros adereços), mas não o gênero punk propriamente dito, era uma
gangue de rockers, gostavam de Rolling Stones e algumas bandas precursoras do Punk
66
Rock, como Stooges e MC-5, era um grupo fechado com aparência e comportamento
agressivo, aparentemente uma inspiração dos Hell’s Angels norte-americanos, porque
alguns possuíam motos, sustentavam coletes com emblemas no formato de duas bielas
cruzadas e uma caveira com asas ao centro, ostentando o próprio codinome Rebeldes, não
se enquadravam no contexto de motoclube, mas tinham características próprias de uma
gangue, revanchismo, bairrismo e sublevação com as demais. Para muitos punks entre ABC
e City, os Rebeldes foram os primeiros a aparecer e servir como incentivo para as inúmeras
gangues que emergiram posteriormente, mesmos cientes de que não se tratava de uma
gangue de punks, o visual e o comportamento dos Rebeldes faziam a diferença entre os
demais.
Em pouco tempo, várias gangues já haviam se consolidado por toda região paulistana
com as características autênticas do punk. Entre as Pioneiras se destacam o Punk Terror de
Pirituba S.P. (a primeira autêntica punk), Punk Destroy e Anjos de São Bernardo do Campo
e Abutres de Maúa.
Com o decorrer dos anos, inúmeras outras foram se formando nas diferentes áreas
periféricas de São Paulo, ostentando rivalidades entre si, conseqüentemente causando
brigas e rixas, com concepções bairristas e regionalistas (controle de espaço ou território).
Variavam entre 10 até 200 membros, algumas se aliavam com uma outra amiga, embora
outras postavam-se como inimigas mortais. Num simples levantamento geográfico, essas
gangues distribuíam-se da seguinte forma, na região do ABC: Rebeldes (São Caetano e
SBC), Destroy (SBC), Anjos e Abutres (SBC e Mauá), Infratores (Santo André), Invasores
(Santo André e Mauá), Demolidores (SBC - consecutivos bairros: Vila Rosa, Jardim Santo
Inácio, Jardim Independência,) Maphia (Diadema - Piraporinha), Carniças (Santo André e
Maúa), Carecas do Subúrbio (Zona leste e ABC) que após um racha dividiu-se em Carecas
do ABC e Carecas da Zona Leste, Coveiros (Santo André), Metralhas do Calux (SBC,
Bairro Jd. Calux), Morcegos (SBC-Ferrazópolis), Punkids (São Miguel - Zona Leste), entre
outras.
Em São Paulo subdividiam-se em: Terror (Pirituba), Metralhas (São Paulo - Zona
Norte e Centro), Punks da City (SP - Centro), Carolina da Morte (Santana - Vila Carolina,
Zona Norte), TNT (Tremembé), Ratos do Esgoto (São Paulo - Centro), Punks da Morte
67
(Centro), Funeral (Santo Amaro). No final de 1987, adentrando os anos 90, Anarco Punk
(várias regiões), algumas facções nazistas ou nacionalistas como: SP-OI (Skinheads Centro), White Power (Skinheads - Nazi Skins, Centro), Carecas do Brasil (várias regiões)
SHARP (várias regiões), Devastação (ABC - envolvia punks e headbangers), SP-Punk
(Centro) e Street Punk (várias regiões).
A rivalidade mais explícita que acabou por originar uma intriga nunca superada,
dividindo o movimento em dois parâmetros, ocorreu com os Punks do ABC de um lado e
os de São Paulo de outro. Teve seu início com os Punks Anjos de São Bernardo do Campo
em confronto direto com os Punks Terror do bairro Pirituba, no salão SBEROC em 1978, e
depois se generalizou, envolvendo outras gangues do centro da cidade, em específico os
Punks Metralhas e os Punks da City, caracterizados assim por se reunirem no centro da
capital paulista, tendo como ponto de encontro as grandes galerias. Essa rivalidade se
intensificou por muito mais tempo e será melhor esclarecida no decorrer dessa dissertação,
em que serão mostradas algumas formas primordiais na constituição dessas gangues, o
desdobramento dos conflitos, fazendo uma comparação entre Anjos ABC e Punks da City.
Num contexto geral a respeito das gangues, há de se concordar com Helenrose e
Heder sobre algumas formas pitorescas em que elas se nutriam, analisadas dessa forma:
A guerra das gangs funcionava como forma de manter a integridade da postura, de
provar a identidade e de auto-afirmação, não permitindo o estabelecimento de idéias
dominantes, pois dentro da postura dois valores eram tidos como essenciais: a violência e a
agitação, a primeira como exteriorização do inconformismo e da não passividade e assumindo
atitudes provocativas, procurando testar, se o indivíduo era punk ou não, e a segunda, que
utilizava guerra de gangs como forma de diversão e lazer. Outro motivo que provoca atritos era
o fato de uma gang procurar mostrar que era “mais fodida” que a outra e, portanto “mais
punk” (essa postura também era verificada entre indivíduos) 58 .
Posteriormente ao SBEROC, outros salões foram se especializando em tocar punk
rock. O Construção (Sociedade Beneficente dos Moradores da Vila Mazei), Bairro de
Santana, zona norte de São Paulo, abriu espaço para as bandas punks tocarem. Depois
58
Absurdo da Realidade: O Movimento punk, P.29.
68
vieram Templo do Rock, na Vila Pari, região do Brás em São Paulo, uma Associação de
Surdos e Mudos, no mesmo período o Salão do “Pira” em Diadema, Grimaldi no bairro
Sapopemba, zona leste de São Paulo, Vila Bela (Vila Baia Grande) divisa com São Caetano
do Sul e São Paulo, Lord em São Caetano, Fender no bairro Rudge Ramos em São
Bernardo do Campo (atualmente uma delegacia de polícia). Eram poucos os locais onde os
punks podiam freqüentar, geralmente eram alugados, entretanto não permaneciam abertos
por muito tempo, devido aos constantes conflitos entre as gangues, que acabavam
depredando todo o local, criando problemas com a polícia.
(...) E apesar dos punks não serem nem de longe os campeões da violência e desta
proposta sequer ser original, eles já fizeram o suficiente - no Brasil e no exterior – para se
enquadrarem entre os perturbadores do sossego público. Na Inglaterra, onde o punk rock é tão
devastador – especialmente com a pobre dona Elizabeth II, a rainha – suas músicas
simplesmente foram cassadas da programação normal da emissora da rádio estatal BBC.
Em São Caetano, num dia no começo de abril, o delegado de polícia recebeu um
abaixo assinado com 172 nomes de moradores do bairro Oswaldo Cruz, próximos do clube
SBEROC, no qual pediam providência no sentido de “moderar” o comportamento dos
freqüentadores do bailes punks ali realizados, às quintas, sextas e sábados.
(...) O delegado Cláudio Gobetti, titular da delegacia de São Caetano, resolveu
aparecer lá num sábado no início de maio, juntamente com vinte policiais, e botou todo mundo
nas viaturas. Cerca de 200 punks e roqueiros, com idade média entre 12 e 20, anos lotaram
alegremente as dependências da Delegacia, sendo liberados em seguida. Mas o salão foi
fechado por 30 dias, por irregularidades da utilização do alvará, e os três organizadores dos
bailes punks estão sendo processados até agora.
Com isto por um bom período um dos poucos locais de som punk da grande São Paulo foi
fechado (...). 59
59
POLESEI, Alexandre – Punk: O rock violento – jornal Diário do Grande ABC, caderno especial, agosto de 1979.
69
2.3 Punks da City
A começar por São Paulo, o movimento punk teve seus indícios na zona oeste com os
punks Terror do bairro Pirituba e posteriormente na Zona Norte com a Carolina Punk (Vila
Carolina). Estes já se constituíam em gangues antes mesmo de 1977, no processo
transitório já descrito anteriormente (de roqueiros para punks). O movimento que ali se
constituiu agregava-se primeiramente com a musicalidade, com a criação das bandas. A
vila Carolina tornou-se foco dos punks da região, pois a maioria deles se conheceram,
estudando no E.E.T.A.L. (Escola Estadual Tarcisio Álvares Lobo), um colégio onde
surgiram as primeiras bandas punks de São Paulo e depois a ascensão do movimento no
centro.
Entre as primeiras bandas de punk de São Paulo estão: Resto de Nada formada em
1978, com Ariel (vocal), Douglas (guitarra), Clemente (baixo) e Carlos (bateria), depois
veio o NAI (Nós Acorrentados no Inferno), formada por Callegari (guitarra), Indião (vocal),
Clemente (baixo) e Nelsinho (bateria). Essa banda logo se desfez e dela saiu os Condutores
de Cadáver. No mesmo ano, forma-se o AI-5 e em seguida o Cólera (1979), todas
eminentemente punks, com conteúdo crítico em suas letras. O que pode ser notado em um
pequeno trecho da letra do grupo Resto de Nada composta por Clemente, que leva o mesmo
título:
Resto de nada
Nós somos a verdade do mundo
Somos restos de nada
Vivemos como ratos de esgoto
Entre o lixo de tudo
À noite nós vagamos por aí
Para o que ver o que resta de vocês
Cuidado se você estiver só
E encontrar com um de nós
70
Nós não gostamos de nada
Porque não há nada do que gostar
Somos apenas lobos solitários
E o nosso uivo é o rock n’ roll (...).
A constituição dos punks da city está vinculada diretamente com os da Vila Carolina,
que se incorporaram com outros punks que conviviam no centro da cidade. A maioria
desses punks era Office boys, escriturários ou bancários que se reuniam na hora do almoço
ou final de semana na Estação São Bento do metrô ou nas Grandes Galerias, centro
comercial de São Paulo, onde situava-se a Punk Rock Discos LTDA., uma loja pioneira,
localizada na Avenida São João, 489, 1º andar e que se tornaria o ponto de encontro
definitivo dos punks do centro. Na Estação São Bento do metrô, ocorriam nos finais de
semana alguns eventos musicais elaborados pela prefeitura, eram shows gratuitos de MPB
ao ar livre. Uma vez ou outra apresentava-se alguma banda de rock pesado e poderia se
notar a presença de um bom número de punks, inúmeros roqueiros e hippies de várias
regiões paulistas que ali compareciam. No início, esses eventos ocorreram com certa
passividade, logo passaram a ocorrer alguns atritos entre grupos de punks rivais. Esses
atritos se tornaram intensos e muito violentos, com a intervenção de ordem policial
coibindo as apresentações. Por esse motivo o ponto de encontro dos punks do centro passou
a ser na Punk Rock Discos.
(...) O pátio interno da Estação São bento do Metrô, local, aos domingos. De concertos
de rock de todos os tipos e ponto de encontro de curtidores de música, roqueiros inveterados e
dos grupos “Punk Terror”, “Punk Rebeldes”, “Punk do Limão” etc. Só que atualmente a barra
está muito mais pesada, com os zelosos guardas de segurança do Metrô vigiando a meninada
ao final de cada concerto. O Objetivo é impedir que volte a ocorrer o tiroteio do último dia 3 de
junho, quando comandos Punk Terror, Punk do Limão do SBEROC armaram uma briga,
acalentada a bom tempo, na qual três deles saíram feridos a bala e levados em seguida ao
Hospital e, depois, ao Primeiro Distrito Policial 60 .
60
Reportagem de Alexandre Polesi com o título: “Punk: O Rock Violento, a nova moda inimiga das
discoteques”. Diário do Grande ABC, Caderno Especial, agosto de 1979.
71
A Punk Rock Discos possibilitou para os punks do centro de São Paulo maiores
informações a respeito do movimento internacionalmente. Fábio Sampaio, o dono da loja,
mantinha intercâmbio com punks no exterior, a loja era especialista em discos raros,
importados e fora de catálogo. Essa loja se transformara numa espécie de quartel general
para os punks do centro, dali nasceram inúmeras bandas, surgiram os primeiros fanzines, a
organização de shows e festivais, as primeiras fitas demos e conseqüentemente os discos
independentes. Entre as bandas formadas na Punk Rock Discos encontram-se: Olho Seco,
do próprio Fábio dono da loja, Inocentes, Lixomania, Ratos de Porão, Fogo Cruzado, Juízo
Final, M-19, Mack, Psykóze e outras, que passam a organizar shows em parcerias,
promovidos em diferentes bairros periféricos de São Paulo, realizados em discotecas, pistas
de patinação, teatro, sociedade de amigos de bairro 61 . Esses eventos foram batizados como
Grito Suburbano, tido como o festival inaugural do movimento punk brasileiro.
(...) realizaram–se em 1981 as primeiras edições do grito suburbano, festival inaugural
do movimento punk brasileiro. A primeira foi no Café Teatro Deixa Falar, na Av. Santo Amaro,
em meados do ano, com Inocentes, Anarkólatras, M-19, Mack, Olho Seco e Lixomania. A
segunda, no salão Stop, na Avenida São Miguel, Zona Leste, foi invadida pela polícia (...). Os
punks aproveitaram a (breve) ocasião para protestar contra a repressão policial, a fome, o
desemprego, a falta de oportunidades profissionais (...) Shows também aconteceram, no
Zimbabwe (em Santana) e no Luso-Brasileiro (no Bom Retiro) (...) Fogo Cruzado,
Anarkólatras, Olho Seco, Inocente e Cólera 62 .
Diante desses acontecimentos o grupo Inocentes teve maior destaque pelo conteúdo
de suas letras, entre elas a da música “Garotos do Subúrbio”:
"Andando pelas ruas/ tentam esquecer/ tudo o que os oprime/ e os impede de viver/ será que
esquecer/ seria a solução/ para dissolver o ódio/ que eles têm no coração? / vontade de gritar/
sufocada no ar/ medo causado pela repressão/ tudo isso tenta impedir/ os garotos do subúrbio/
61
62
Dias de luta, p. 56.
PUNK, Anarquia Planetária e a Cena Brasileira, p.107.
72
de existir/ garotos do subúrbio/ garotos do subúrbio/ vocês/ vocês/ vocês não podem desistir/
garotos do subúrbio/ garotos do subúrbio/ vocês/ vocês / vocês não podem desistir/ de viver/ DE
VIVER” (Garotos do Subúrbio, Inocentes).
A partir de 1982, os primeiros fanzines começam a ser editados e vendidos na loja
Punk Rock Discos; a maioria eram confeccionados por membros de algumas bandas que
nasceram dali. O primeiro fanzine editado foi o Factor Zero, feito por Strongus, da banda
Anarkólatras, depois o SP Punk, feito por Callegari, do grupo Inocentes, Vix Punk
produzido por Redson, da banda Cólera, e MD, editado por Mauricio e Dirce. Em resumo
esses fanzines traziam manifestos, poesias, letras de músicas das bandas punks paulistanas,
troca de correspondência com punks no exterior, matérias sobre bandas punks de diferentes
partes do mundo, cobertura sobre o movimento punk nacional, indicações de livros,
resenhas de discos, entrevistas, pensamento e moda.
Em 1982 foi lançado o primeiro disco marco do punk nacional, intitulado Grito
Suburbano, produzido por Fábio, que lançaria o selo com o nome da sua própria loja Punk
Rock Discos. O disco foi gravado no Gravodisc, um estúdio de oito canais e em menos de
oito horas, com a tiragem de mil cópias, uma coletânea com as bandas: Cólera, Inocentes e
Olho Seco. Logo em seguida foi lançado um compacto com o nome “Violência e
Sobrevivência”, do grupo Lixomania e outra coletânea com as bandas Fogo Cruzado,
Psykoze e Ratos de Porão.
A cena punk de São Paulo vai se constituindo passando desapercebida da maioria da
população e outros setores da sociedade, que ignoravam a existência de um movimento
punk autêntico no Brasil. O movimento começou a ter maior percepção através de algumas
matérias equivocadas lançadas pela imprensa, em especial a lançada pelo Jornal Estadão
(Geração Abandonada), já mencionada anteriormente. No documentário Botinada: a
origem do punk no Brasil lançado em 2006, produzido por Clemente, do grupo Inocentes, e
Gastão, ex-apresentador da MTV e do programa “Musicaos”, da TV Cultura, o próprio
Clemente narra esse processo.
73
“Existiam os punks, as gangues, estava rolando os gritos suburbanos aquela coisa
toda, mas, ninguém sabia disso. Teve um cara... eu esqueci o nome do cara que escreveu uma
matéria idiota no Estadão... nós reunimos na Punk Rock, todo mundo leu aquela matéria, que
falava que “ punk que é punk” enconchava a mãe no tanque... assaltava velhinha no metrô,
saca.. tomava leite com limão pra vomitar... falei pô! esse cara tá loco, vamos mandar uma
carta resposta para esse jornal, sobrou pra mim... daí escrevi a carta para o Estadão, logo após
a carta ser publicada... muita gente descobriu... sacou... que existia punk no Brasil também e
que já tinha todo um movimento formado, muita coisa acontecendo... então tipo... se a carta foi
publicada no jornal de domingo, na segunda-feira já apareceu o Bivar lá na Punk Rock, o
Fernando Meirelles, o pessoal do “Olhar Eletrônico” pra fazer o “garotos do subúrbio”.
A partir dessa carta enviada por Clemente ao Jornal O Estado de São Paulo, gerou-se
uma polêmica muito grande entre os meios de comunicação, e de imediato uma procura
constante da imprensa aos punks da galeria. Essa carta-resposta foi escrita sob o mesmo
título “Geração Abandonada”, mostra-se na íntegra:
“Geração Abandonada”
Sr: Os meios de comunicação que até hoje divulgam o movimento punk rock no Brasil, em vez
de se encontrarem com bandas e procurarem saber qual a proposta ideológica do movimento,
se preocupa apenas em fantasiar e sensacionalizar pequenos atos de vandalismo que feitos por
uma pequena minoria acabam por comprometer todo movimento punk no Brasil.
O Punk é um movimento sócio-cultural, ele é a revolta de jovens da classe menos privilegiada,
transportada por meio da música. Estes jovens já organizaram vários shows pela periferia de
São Paulo, com bandas como Inocentes, Desequilíbrio, Fogo Cruzado, Lixomania, Juízo Final,
Guerrilha Urbana, Suburbanos, Olho Seco, Cólera, Setembro Negro, Mack, Estado de Coma e
muitas outras. Três destas bandas estão gravadas em um mesmo disco, chamado Grito
Suburbano. As bandas são Olhos Secos, Inocentes e Cólera.
Portanto, os punks não são “gangs” de blusões de couro que vivem a assaltar velhinha em
estação de metrô, e sim um movimento social que realmente não sabe diferença entre Deus e i
Diabo, porque nunca foram a Igreja, mas que sabem muito bem a diferença entre Marx,
Kennedy e Hitler, e que acham que quem tem o costume de beber leite com limão, realmente
tem um gosto muito requintado pra poder dispensar uma cerveja gelada.
E aproveito o momento propício pra lhes dizer que não estamos atrasados e que surgimos quase
ao mesmo tempo em que surgiu o movimento punk na Inglaterra e que este ainda não morreu e
74
sim cresceu tanto e que mantemos correspondência, não só com Punks da Inglaterra, como
também com punks de muitos lugares da Europa, como Finlândia, Itália, Suécia, Alemanha,
Espanha, Portugal e até com os Estados Unidos, e o que morre, realmente foi a tentativa de
transformar o Punk em mais uma moda passageira.
E como todo bom amigo, deixo um conselho: antes de falar sobre alguma coisa, seria melhor se
aprofundar mais, conhecer mais sobre o assunto, para que este país não continue atrasado
como sempre.
Punk’s de S. P. – Clemente Tadeu Nascimento, do grupo Inocentes.
N. da R. – O missivista punk refere-se a uma das reportagens da série “Geração Abandonada”,
que está sendo publicada desde domingo pelo O Estado. Junto com a carta ele enviou um
convite pra um espetáculo de vários grupos punks com a seguinte observação, dirigida aos
jovens convidados: “Não destrua os ônibus, ele serão úteis nos próximos encontros” (sic). E o
apelo: “Paz entre os Punks”
A curiosidade e o interesse de alguns jornalistas, escritores e dramaturgos, sobre o
assunto possibilitou uma aproximação entre os punks e a imprensa, diante de um acordo de
credibilidade, afastando por enquanto o movimento das formas sensacionalistas. Essa
interação permitiu que a equipe do Olhar Eletrônico (um programa da TV Cultura) pudesse
produzir um documentário sobre o movimento punk em São Paulo. Em uma reportagem da
revista TRIP do segundo semestre de 2000, Antonio Meirelles, produtor do olhar
eletrônico, relata sobre seu documentário intitulado “Garotos do Subúrbio”.
“Garotos do Subúrbio foi minha primeira produção! Estava ainda na faculdade de
arquitetura da USP quando, em 1982, decidi fazer um documentário sobre o movimento punk
que nascia em São Paulo. Eu havia cruzado com aqueles garotos numa galeria do centro. Todo
documentário deve responder a uma pergunta e a minha era: o que fazem garotos do subúrbio
em São Paulo se identificarem com um movimento inglês? Casacos de couro preto no sol do
Anhangabaú? Cara de mau num país tão relaxado? (...) O filme começa mostrando toda ira do
movimento punk, mas aos poucos vai se revelando que, embaixo da casca, há apenas um grupo
de amigos buscando uma forma de identidade para firmar sua existência”.
75
Outro contato foi o com teatrólogo Antonio Bivar, que influenciou muito na cena
paulistana e através de sua convivência com os punks da galeria lançou o livro “O Que é
Punk”, pela editora brasiliense. Foi ele um dos mentores do primeiro festival punk nacional,
“O começo do Fim do Mundo”, realizado no SESC Fábrica Pompéia, em São Paulo, em
novembro de 1982. Foi ainda um articulador ao lançar o movimento punk paulistano em
algumas matérias de revista, entre quais a Gallery Around, em que era editor de estilos e
moda. Antonio Bivar é escritor de peças, poesias, romances, dirigia alguns shows de
artistas famosos como Maria Bethânia e Rita Lee, em 1968 foi premiado como melhor
Autor do Ano, ganhando o premio Molière. Exilou-se na Europa onde conviveu com
Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jorge Mautner 63 , ícones da MPB nacional, morou em
Londres presenciando o auge do movimento punk. Na sua volta ao Brasil, deparou com os
punks de São Paulo, tornando-se uma espécie de porta voz do movimento que por ali
ocorria.
Dentro desse resumo contextual percebe-se que, mesmo fazendo críticas a todo tipo
de imprensa, o movimento punk desenvolvido no centro de São Paulo contraditoriamente
acabou mantendo um vínculo com a mesma, usufruindo o que lhe era conveniente (o
interesse maior estava na divulgação da musicalidade das próprias bandas). “Nosso sonho
era fortalecer o movimento, criar lugares pra tocar, criar um público para nosso som,
lembra Clemente 64 ”. Esse envolvimento se confirma mediante alguns artigos publicados
pelos próprios punks para revistas de renome, como a própria Gallery Around. Foi através
de Antonio Bivar que Clemente escreve um manifesto para essa revista, fazendo uma
crítica à música popular brasileira, com o título: “Manifesto Punk: fora com o mofo da
MPB! Fim da idéia de falsa liberdade”. Em alguns trechos descreve:
Nós, os punks, estamos movimentando a periferia – que foi traída e esquecida pelo
estrelismo dos astros da MPB (...) Nos nossos shows de punk rock, todos dançam; dançam a
dança da guerra, um hino de ódio e de revolta da classe menos privilegiada. Já Guilherme
Arantes diz que é feliz, mesmo havendo uma crise, mas somos suas principais vítimas, suas
vítimas constantes – e ele não. Nossos astros da MPB estão cada vez mais velhos e cansados, e
os novos astros que surgem apenas repetem tudo o que já foi feito, tomando a música popular
63
64
Dias de luta p.59.
Ibid - p.58
76
uma música massificante e chata (...) E também choram alegria, quando contam o dinheiro que
ganham. Nós, os punks, somos uma nova face da música popular brasileira, com nossa música
não damos a ninguém uma idéia de uma falsa liberdade (...) Nós estamos aqui pra revolucionar
a música popular brasileira, para dizer as verdades sem disfarces (e não tomar bela a imunda
realidade): para pintar de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de
Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer 65 .
Fica claro nesse momento que o movimento punk em São Paulo vai originando suas
idéias em um sentido mais cultural e artístico do que político. A realidade vivenciada pelos
punks do ABC era totalmente oposta a dos punks da city. Por estarem afastados
praticamente de todos os meios de que dispunham os punks do centro, achavam que estes
não se preocupavam em utilizar a chance única, aberta pelos grandes meios de
comunicação, no sentido de projetar o movimento punk para seu contexto original, isso é,
“anárquico”. As frustrações dos punks do ABC aumentavam a partir desses procedimentos.
Para eles, o movimento punk de São Paulo refletia uma imagem falsa e modista, que além
de estarem sendo aburguesados, não passavam de punks de boutique ou fantoches da
mídia.
Ao perguntar a L.G.,do grupo Passeatas, e integrante dos Anjos, sobre as divergências
entre o pessoal de São Paulo com o do ABC, ele relata que:
“Eu percebia que era assim... a maior parte do pessoal de São Paulo... eu acho que
eles não tinham tanta consciência política do que o pessoal do ABC, o ABC falava mais sabe...
tinha uma consciência do que era anarquismo do que era o movimento político entendeu, o
pessoal de São Paulo sabe já era mais... eles procuravam copiar o que vinha de fora, no ABC
não... era mais original, tanto no visual, musical e politicamente entendeu... acho que o pessoal
da city... não tentaram fazer um movimento punk brasileiro e sim copiar o que vinha de fora,
era diferente, (...) Eles se preocupavam em aparecer na televisão mais para chocar visualmente
do que com palavras entendeu (...) Eu acho que... o pessoal de São Paulo, eles achavam que o
movimento punk era impressionar assim visualmente, agora o pessoal do ABC não (...) Estou
falando assim a maior parte do pessoal do ABC andava mal vestido por falta de condições
financeiras mesmo entendeu, eles vestiam o que tinham (...) O pessoal de São Paulo tinha
muitos que se produziam... que faziam questão de rasgar a roupa, de botar uma suástica no
65
Ibid - p.60
77
peito e ficar sabe... impressionar, agora aqui no ABC era pobre mesmo, era miseráveis
mesmo 66 ”.
Em entrevista concedida, R., 40 anos, pertencente ao grupo dos Anjos de São
Bernardo, ex-namorada de um dos integrantes do grupo Passeatas, no período de 1982, traz
sua visão a respeito dos punks da city:
“(...) a roupa deles era diferente, eles eram mais limpinhos, mais arrumadinhos, eles
não andavam rasgados, eles tinham dinheiro, então eles tinham acesso a comprar discos na
época, a gente não tinha, revistas importadas, que a gente não tinha (...) Os punks de lá tinham
mais acesso a mídia. Em São Paulo tudo acontece mais rápido, aqui em São Bernardo tudo
ficava meio difícil, e outra,eles deveriam ter conhecidos, tanto é que o Clemente vivia direto na
TV e ele nunca foi melhor do que ninguém daqui 67 (...)”.
V. D., 41 anos, baixista da banda Desgoverno, faz a seguinte narrativa:
“(...) A diferenciação entre as turmas na época da década de 80, você observa ainda,
na forma de se vestir e se portar entre os punks do ABC e os punks da city que também
chamávamos de punks da cidade. A diferença dos punks do ABC... nós éramos punks mais feios,
mais rasgados, camisetas pixadas com frases de protesto (...) Enquanto o pessoal da cidade...
sempre eram um pessoal mais arrumadinho normalmente, camiseta de bandas estrangeiras, não
que o pessoal do ABC, não usasse também camiseta de bandas lá de fora, mas a preferência do
pessoal, era realmente por camisetas pixadas, com frases de protesto, frases de... contestação,
frase de efeito que realmente chamava atenção de quem passava e olhava para você, ou seja,
não era mais apenas uma camiseta de banda, mas realmente, era alguém que tinha alguma
coisa a dizer, isso quer queira quer não, isso trazia uma grande diferença da forma do pessoal
diferenciar, até mesmo as gangues umas das outras, vamos dizer assim 68 ”.
É importante ressaltar que os punks paulistanos ao se situarem no centro de uma
grande metrópole dispunham de melhores condições e acesso às informações, aos discos,
66
Entrevista elaborada em 20 de agosto de 2002, Bairro Palmares (Santo André). O entrevistado L.G.
constava-se com 43 anos na época.
67
Entrevista concedida no Bairro Jordanopolis em São Bernardo do Campo em 30 de maio de 2007.
68
Entrevista concedida no Bairro de Piraporinha em Diadema em 23 de Junho de 2007
78
jornais, revistas especializadas, inclusive a estúdios de gravações. Assim o movimento
punk ali vivenciado vai se desenvolver criando uma espécie de vinculo midiático. O lado
anárquico proposto até então não se mostra com clareza, observa-se uma espécie de
cooperativismo entre as bandas em divulgar o movimento através da musicalidade, na
elaboração de shows, festivais e os fanzines. Resume-se na incumbência de divulgar e
relatar esses eventos.
2.4 Anjos do ABC
O ABC paulista, região metropolitana de São Paulo caracterizada na década de 70 e
80 como o maior complexo industrial nacional, cercada por subúrbios e áreas periféricas
que abrigavam milhares de trabalhadores e conseqüentemente contavam com um enorme
índice de desemprego. Ficou conhecida mundialmente pelo cenário de crise política e social
que desencadeou no final da década de 70 inúmeras greves, confrontos e reivindicações
sindicais e operárias contra o governo militar.
Nesse período, apesar do processo de transição que o país atravessava (militarismo
para uma “abertura democrática”), a população continuava sendo sufocada por uma forte
crise econômica e a opressão à classe trabalhadora refletia também nos jovens residentes da
região, que não tinham perspectivas, mas tentavam encontrar uma maneira de sobreviver
diante dessa situação.
A história dos Punks Anjos constitui-se nesse momento de crise política e está ligada
diretamente ao clube SBEROC, em São Caetano do Sul. Ela pode ser compreendida em
duas fases: a etapa inicial (1977), dentro de um contexto de formação como gangue, no
processo de transição já explicado, de jovens roqueiros que se reuniam em torno do clube
SBEROC, e com os rumores sobre o punk rock se identificaram com a nova tendência, se
tornando punks. A segunda fase (a partir de 1979) trata de como o movimento se constituiu,
sua orientação política e ideológica, as conotações contestatórias, a inserção do anarquismo
e como se deu sua sublevação.
79
A fase inicial dos Anjos caracteriza-se pelo o agrupamento de alguns jovens
moradores do Jardim Silvina, em São Bernardo do Campo, que já se organizavam como um
grupo de roqueiros freqüentadores do Clube SBEROC, desde 1976. Entre os principais
articuladores e fundadores dos Anjos, se destacam: Nenê, Pepeu, Jesus, Orai, Kico e
Carleone. Na década de 70 eram comum os chamados “bailinhos” de final de semana, em
casas de amigos, em sedes alugadas, ou Sociedades Amigos de Bairro, onde também
tocavam rock e evidentemente proporcionava maior convívio entre os roqueiros de bairros
vizinhos, que trocavam informações e indicavam outros locais, clubes ou salões
especializados no gênero.
Desse modo inúmeros jovens vão se conhecendo, se identificando e começando a
freqüentar juntos esses salões, aumentado o ciclo de amizades. Os Anjos se desenvolvem
dessa maneira, com uma aglutinação de pessoas de vários bairros vizinhos e também de
outras cidades que se conheciam nos salões, e dessa forma criando um coletivo. Nessa fase
era apenas uma questão de amizade e “curtição” de som, não havia entre os Anjos um
reconhecimento ou preocupação com a política; essa questão começou a ser apurada a
partir de 1979, com o processo de transição, o reconhecimento e identificação à nova
musicalidade e comportamento, coincidindo e obtendo fortes influências das greves e
movimentos sindicais que ocorriam na região do ABC.
O entrevistado V. da banda Ulster traz uma visão mais apurada desse processo de
transição:
“Bem, eu a exemplo da maioria da galera da primeira safra, a gente ouvia rock,
éramos roqueiros, e a gente acabou buscando pelo caminho do punk, exatamente porquê o país
vivia um momento político é... bastante opressor e... o punk exatamente veio... como
salvaguarda das pessoas que buscavam uma saída para essa revolta, essa rebeldia... a nível
ideológico, e a nível musical também, porque o rock passava por um momento de muita
sofisticação... o progressivo era um negócio chato demais para quem queria uma música mais
pulsante, então o punk também vem trazer pra gente essa possibilidade de continuar gostando
de uma música agressiva, uma música mais rebelde, sem muita técnica, sem muita... delongas,
enfim, foram estes fatores que acabaram a gente... transitar do rock para o punk foi uma
passagem, não foi assim de um dia para o outro..., as coisas foram mudando, a gente começou a
ver umas bandas diferentes, conhecer umas bandas diferentes,... isso tudo eu fui procurar, e foi
80
o que eu queria (...) Eu não tenho uma data muito clara na minha cabeça, eu me lembro que
perto de 78 para 79, a gente observava mudanças, é, por exemplo, as idas ao SBEROC em São
Caetano, que era onde rolava som aqui no ABC, o pessoal se juntava com pessoal de São
Bernardo, esse pessoal de São Bernardo começou já a usar determinadas roupas diferentes...
uma linguagem diferente, e aí um dia apareceu também uma banda diferente, os Vermes, e aí
era uma coisa parecido com aquilo que a gente já tava querendo fazer, enfim. Então eu acho
que em 79 as coisas começavam a mudar, eu não consigo enxergar um divisor assim. Eu acho
que foi tudo transitório... Tanto na questão comportamental, musical, ideológica também 69 ”.
Laércio Gonçalves (Rato), guitarrista do Hino Mortal, um do poucos que se deixou
identificar nas entrevistas, dá a sua opinião sobre o processo de transição do rock para o
punk:
“O SBEROC aqui pra nós... foi o primeiro local porque, inclusive eu estava numa fase
de transição do rock para punk, e acabou a gente indo parar nesse salão onde o pessoal se
encontrava e curtia som. Lá era assim... desde de punks a pessoas que curtiam rock, era um...
dos espaços primeiramente, que começou a rolar o punk rock. Depois algumas outras casas
noturnas começaram a tocar (...) Através daí a gente foi conhecendo o pessoal e mudando, a
gente acabou também entrando na linha do movimento (...) Quando a gente começou curtir com
o pessoal a gente sentiu como se fosse uma família muito forte porque era um pessoal que
assim... desempregado... então quando a gente saía pra ir para som, havia uma união entre o
pessoal em batalhar a entrada para dentro do salão. A convivência de sair junto para curtir...
da minha parte eu posso dizer que isso me cativou muito (...) Eu acho que de tudo eu ia
aprendendo mais... daquilo que o pessoal ia passando 70 ”
Dando seguimento, L.G., do grupo Passeatas, descreve sua situação nesse processo:
“(...) Acontece o seguinte na época que eu curtia rock... eu comecei a ouvir o som pela
rádio que de vez em quando tocava, daí eu comecei a conhecer o som punk, que também
começou a rolar nos salões de rock que nós íamos. (...) Já rolava punk e tal, assim em matéria
69
Entrevista concedida em 2 de abril de 2007, na Indústria Massa Ferro, Km 18 da Via Anchieta, São
Bernardo do Campo.
70
Entrevista concedida no dia 14 de Agosto de 2002, no Paço Municipal de São Bernardo do Campo.
81
de som eu achava... na época... como música nova e mais legal do que esse Heavy Metal que
começou a ficar muito sofisticado... fora isso aí, o modo de ser, vestir do pessoal, o
comportamento, o modo de pensar (...) No rock da época, política não existia, a partir do
movimento punk já começou... a ter umas idéias políticas que na época poucas pessoas
tinham”.
No SBEROC, os Anjos já conheciam outras gangues como os Rebeldes, com quem
mantinham amizade, e os Punks Terror de Pirituba, que a princípio conviviam
pacificamente, não havendo ainda registro de atritos entre eles. Nos dados pesquisados foi
difícil encontrar elementos explicativos de como se iniciaram os conflitos entre os Punks
Terror e Punks Anjos, há muitas dúvidas e contradições. Por outro lado, dados sobre as
discordâncias entre os Anjos e os Punks da City são claros em mostrar a rivalidade entre
ambos; em algumas conversas, entrevistas e reportagens os fatos se mostraram mais
evidentes.
Algumas pessoas antes mesmo de conviverem com os Anjos pertenciam à gangue dos
Punks Terror, mas como moravam na região do ABC acabaram posteriormente se unindo
aos Anjos por uma questão de aproximidade e amizade, antes mesmo dos conflitos
começarem. Nesse caso encontra-se L.L.P. (42 anos, sexo feminino), que concedeu
entrevista, e em um trecho declara:
“Eu era roqueira e conheci o pessoal do Punk terror no SBEROC, já eram punks
mesmo (...) Daí eu peguei amizade com eles e comecei a andar e curtir som no SBEROC com
eles. Os Terror era uma turma que punha respeito, era meio temida, mas quando eles tinham
amizades eles tinham amizade mesmo! eles tratavam a gente muito bem! Eu andava com eles...
depois fui andar com os Anjos, não tinha briga ainda, não existia (...) Naquele tempo não tinha
nada político era só amizade, chutar saco de lixo, brigar, escutar um som (...) Brigar com os
boys porque ninguém gostava de boy (...) As brigas do Anjos contra os punks terror ninguém
sabe como aconteceu, acho que era só intriga pra ver qual era a turma melhor ”
Passado o período de transição e uma vez concebidos os conceitos sobre o punk
(como um movimento de revolta juvenil), os Anjos já se constituíam em uma das gangues
mais fortes do ABC, criando certa fama na região. A partir de então começa uma nova fase,
82
de ordem mais expressiva: a introdução das primeiras formas contestatórias e políticas. É
nesse momento que o movimento começa a tomar forma, e assumir uma postura ideológica,
mudando radicalmente da sua fase inicial, com a significativa adesão de punks de outros
bairros de São Bernardo como o Jardim Lavinia e suas contribuições, que foram decisivas
para constituição do movimento no ABC. Alguns punks dali estudavam em faculdades ou
em colégios particulares, eram de classe média e tinham condições financeiras melhores do
que os demais. Esses já estavam envolvidos em movimentos sociais, militavam em
universidades ou em partidos políticos de esquerda. Foram eles que começaram a introduzir
idéias anarquistas nos demais punks da região, inclusive os Anjos.
O Jardim Lavinia acabou se tornando o ponto de encontro dos Anjos. É nesse local
que o movimento punk vai se radicalizar, desenvolver inúmeras discussões, contestações
políticas, a formação das bandas, a elaboração de fanzines e a consolidação do movimento
como sério, mas de maneira gradual, a partir de 1979.
(...) Em fins desse mesmo ano já se formava no Bairro Assunção, em São Bernardo do
Campo, grupos que se auto- declaravam punks e se propunham a seguir a mesma ideologia dos
rebeldes ingleses e americanos, mas, dentro da realidade brasileira, situando seus pontos de
contestação contra a desigualdade e classes e injustiças sociais. Posteriormente esses
manifestantes assumiram o nome de Anjos, uma inspiração da gang californiana dos anos 60,
Hell Angels (Anjos do Inferno) – que reúne hoje mais de 200 jovens.
Ataque ao sistema
(...) Ser punk é basicamente enquanto função social agredir o estabelecido, o que foi
introjetado pelas gerações passadas. Santista, por exemplo, um punk do grupo Os Anjos, de São
Bernardo, diz que luta contra o desemprego, a discriminação de classes sociais e contra a
postura hipócrita da classe média. “Queremos acabar com a televisão e tudo que possa ditar
regras de comportamento aos jovens. A TV padroniza e impõe o capitalismo e os jovens com
alguma condição econômica seguem tudo cegamente”. Rogério, outro punk, 23 anos, entende
que o movimento é produto das aspirações da classe operária e está diretamente sintonizado
como o panorama político social. Ele diz que na maioria dos casos os punks são garotos de
famílias pobres da periferia, filhos de operários que tentam mudar as regras do jogo 71 .
71
Valter de Lana - Diário do Grande ABC, Caderno B – Domingo, 8 dezembro de 1985.
83
Esse período coincide com os movimentos sindicais grevistas, e o movimento punk
em São Bernardo cresce acompanhando esses acontecimentos, tentando se estruturar
paralelamente. Alguns punks trabalhavam em metalúrgicas e estavam engajados nas lutas
de reivindicações trabalhistas. Alguns tinham envolvimento direto com grupos de esquerda.
(...) O auge do sindicalismo coincide com o surgimento das primeiras bandas, que
incorporam à sua temática a crítica à sociedade e aos valores burgueses. Unindo terror com
baixaria, as bandas ensaiam aquilo que seria mais um ponto de referência do ABC: a cultura
alternativa. (Revista Aliás - p. 16 - 1989)
Laércio, guitarrista do Hino Mortal, faz um resumo desse processo:
“Eu acho que era um jeito de se expressar e passar aquilo para a sociedade, aquilo
que a gente tinha que passar, então o visual se tornava agressivo, para o pessoal ver... notar.
Dentro do contexto de tudo aquilo que estava acontecendo encontrava-se um Brasil com
desemprego (...) E não tínhamos como encontrar uma luz para o futuro, o que levava a gente a
curtir um som e falar politicamente sobre tudo que estava acontecendo, inclusive as questões
sobre as greves... de 79, muitas pessoas daqui do ABC participaram ativamente dentro desse
espaço de greve, pelo Sindicato... então quer dizer, acho que tinha tudo a haver”
Esse momento se torna especial na medida que os alicerces do movimento punk estão
se constituindo acerca de uma criação ideológica. V., da banda Ulster, em seu depoimento
faz a seguinte análise:
“(...) Pelo que eu me lembro, eu estudava na ETE nesta época, o Mao dos Garotos
Podres também estudava na ETE, tocava numa banda chamada Submundo... e eu lembro que
nessa época aí, nós víamos toda essa movimentação, a greve no estádio da Vila Euclides,
aquele monte de polícia, tropa de choque, lançamento de gás... todo esse cenário ficou
marcante na nossa memória... um pouco mais pra frente as facções de esquerda, Convergência
Socialista e o Alicerce, eles vieram também procurar pelo movimento punk, porque eles
perceberam que era um movimento que tinha consistência, que era um movimento que tinha
atitude, era como... um recurso muito grande pras ações que eles tinham em mente, dentro do
84
quadro político da época, então nós chegamos a tocar no diretório do Alicerce da
Convergência Socialista, alguns flyers de shows daquela época, se você observar tinha algumas
referências a partidos comunistas enfim... mas nós não tínhamos um envolvimento direto com a
ideologia comunista, nem tampouco Petista, nem nada, mas nós tínhamos assim, um inimigo
comum, então houve aí um flerte bilateral; Alguns punks acabaram se enveredando mesmo para
cena política depois, se enveredando pro lado do PT, ou partido Comunista, mas mais pra
frente a maioria acabou... se postando mesmo numa postura apolítica, mais libertária (...) A
nível nacional. Eu sempre falo para o pessoal uma coisa, o punk brasileiro ele é reconhecido lá
fora, sempre foi desde a nossa época, porque talvez a gente tenha explorado um pouco a
questão intuitiva, é... a situação política do país e o que tava acontecendo fora, acabou trazendo
pra gente uma intuição, porque a gente não tinha atualização, nós tínhamos um retardo aqui
muito grande na questão de cultura, porque vinha de fora e demorava muitos anos pra chegar
aqui, mas, no entanto, a gente foi precoce nesse negócio punk, porque eu acho que, é difícil
falar desse negócio, porque tinha algo de intuitivo no punk, por isso que ele era tão verdadeiro,
tinha esse clima que as pessoas falam... nós conseguimos transmitir pela nossa música, tudo
aquele clima que a gente vivia, essa Detroit brasileira, aqui a gente passou ela pela música que
a gente fez, entendeu. Então ela... não só no ABC, eu acredito que em São Paulo também tenha
rolado assim, porque o AI-5 também foi uma banda bem precoce, dura, e tinha algum poder
político forte também e as outras bandas que vieram depois nem tanto, o AI-5 tinha esse
conteúdo legal, acho que eles também tiveram um pouco da intuição, embora eles também
tinham mais acesso que a gente na questão de música, né, a gente não pode negar que o
Eduardo tem uma formação musical mais atualizada, mais estruturada, a nossa era um pouco
mais tosca, né! a gente buscava recursos bem mais rudimentares do que eles!(...) Eu acho que a
princípio era destruir esse despotismo militar que sugava, a princípio era isto. Como primeiro
ponto: “Isso aí não serve! Então vamos ajudar a ruir”, é... não sei se colaborou com algo, mais
aquilo acabou. Acho que a princípio era isso, reconstrução não era uma coisa que a gente
ainda tinha maturidade pra enxergar. Eu acho que foi lá na frente, algumas bandas né, e
algumas curiosidades lá fora e aqui também, o CRASS por exemplo, acho que tinha muito isso,
e aqui apareceu umas bandas também com proposta de reconstrução de idéias, propostas, mas
na época nós não tínhamos... na época a gente tinha a destruição como pano de fundo, e: “olha,
tá tudo errado no mundo, vamos meter o pé, porque o negócio não funciona”, a princípio a
ideologia era essa. O anarquismo ainda nós não tínhamos, em 79, se você fizer um
levantamento, ah!, Os livros de pensamento libertário, eles eram censurados no Brasil” .
A partir de 1981, o envolvimento dos punks Anjos com as concepções anarquistas se
tornavam mais explícitas. Na primeira edição do fanzine Anarquistas Presentes fica em
85
evidência o grau de consciência adquirido, a expressão de seus sentimentos, e a
preocupação do movimento punk como um todo. Observe na íntegra o seu manifesto:
O movimento punk na atualidade evoluiu indubitavelmente em todas as partes do mundo. A
desordenada rebelião contra tudo e contra todos, que caracterizou seu início caótico, cede
lugar, com o tempo, a um ataque sistemático e objetivo à sociedade opressora.
O atual regime político vigente no Brasil, apesar de propalada abertura, restringe
enormemente a livre manifestação das pessoas e é inegável que nosso movimento, apesar de
toda repressão de que é alvo, sempre lutou pela liberdade, e o continua fazendo, agora não
mais somente com um visual agressivo ou com gestos e atitudes considerados fora do padrão de
conduta social. Agora o punk também está se munindo de idéias, e melhor compreendendo o
inimigo, que é o sistema.
O punk se conscientiza e aos poucos percebe que não será com atos de vandalismo
indiscriminado que conseguirá mudar a estrutura da sociedade. Muito pelo contrário, ações
implicam reações, o que quer dizer que atos terroristas não direcionados e ações diretas
desnecessárias, além de indispor a opinião pública, mobiliza contra nós uma máquina
repressiva, que só precisa de algumas desculpas para aumentarem o seu efetivo humano e seu
arsenal bélico.
Não foi dito nas linhas anteriores que se deve pregar o nosso anarquismo sem agir. A grande
força de nosso movimento está nessa ação, que deve ser dirigida e organizada. Essa
combinação entre a teoria anarquista e a ação é que torna o movimento viável e dinâmico, o
que nos aproxima da filosofia anarquista de Bakunin.
A ação deve ter um fim, um objetivo, e é aí que entra a conscientização de cada membro do
movimento, pois, já que agimos em nome de um futuro sem opressão, sem conflitos sociais e as
instituições que deles se originam, será somente com um plano de ação consciente que
atingiremos esses ideais.
A conscientização progride no movimento, e é tão necessário como a organização, pois se esses
fatores não existirem, estaremos prestando um serviço aos reacionários, pelos motivos já
mencionados anteriormente que a ação desordenada e propaganda negativa não levam a nada.
Como certo sociólogo disse recentemente num programa de televisão, nós estamos realmente
num barco rumando a uma cachoeira. Já que não esperamos impassíveis o barco ser tragado
pelas águas, resta saber se ficaremos no barco lutando até que este despenque, ou se
navegaremos contra a correnteza até a vencer. (Anarquistas Presentes, nº 1 - 1983).
86
Em matéria editada no Diário do Grande ABC, em dezembro de 1985, intitulada
“Rock Punk da periferia rompe barreira e se impõe” (inédito sobre os Punks Anjos), traz
uma análise a respeito da postura anárquica adotada pelos punks:
(...) Os punks se mostram aparentemente destrutivos, mas traduzem uma
intencionalidade bastante clara, de agredir a atitude de acomodação da sociedade. “É uma
manifestação anarquista que visa eliminar as ideologias e propor o rompimento de regras e
valores que na realidade atentam contra o instinto humano. A sociedade tecnológica fez do
homem um agente passivo a espera de estímulos artificiais como a televisão, por exemplo. Eles
seguem o movimento da vida e querem acabar com isso” (Psicólogo Hipólito Ortega de São
Bernardo). Ortega explica o caráter agressivo dos punks dizendo que há uma satisfação quase
natural em agredir, subverter a lei, por que a cultura representa a repressão. Ele destaca que
na sociedade moderna a família é o primeiro elemento repressor do indivíduo, “desde que haja
proibição ou inibição dos impulsos naturais do homem, nasce um desejo, não natural, de atacar
a cultura”. A agressividade extremada de um pune na realidade – coloca Hipólito Ortega –
expressão do ódio e da agressividade contida no indivíduo. Segundo ele o ódio é um elemento
natural do homem e está diretamente ligado ao amor, havendo supressão do amor pela
sociedade, automaticamente surge o ódio, embora a cultura cristã não o possa admitir. Tudo
que é reprimido volta como sintoma de agressividade, porque ela precisa ser descarregada de
alguma forma.
Mediante a continuidade dos atritos com outras gangues, os sentimentos estavam
muito mais acirrados nesse momento do que no período inicial, as rivalidades foram se
intensificando e não se tratava mais de uma questão de espaço ou território, as nuanças
agora eram uma variante de conscientização política ideológica. Cessado os atritos com os
punks Terror, a rixa passa a ser com os punks da city, dada, segundo os Anjos, por uma
conduta exibicionista adotada por eles.
O entrevistado V. D. chama atenção para os confrontos, que não estavam centrados
apenas entre as gangues punks, mas por outros grupos também periféricos. Justifica:
“Isso nos trouxe, por exemplo, os grandes atritos, feitos todas as vezes que o pessoal
do ABC ia para city, sempre tinha algum grupo de lá... vamos chamar assim de grupos rivais,
que partiam para cima do pessoal do ABC ou seja, querendo se sobrepor ao pessoal do ABC.
87
Na realidade o pessoal do ABC, ia no efeito de autodefesa, ou você tinha que brigar ou você
apanhava. O pessoal do ABC, tanto se sobrepunha na forma de se vestir, na forma ideológica, e
também na quantidade, quer queira quer não, sempre se agregou não só o pessoal de São
Bernardo, mas com o pessoal de Diadema, o pessoal de Mauá, pessoal de Santo André, ou seja,
de várias regiões do ABC que agregavam com o pessoal dos Anjos. Isso não trouxe só o atrito
com o pessoal da cidade, isso trouxe atrito com outros grupos como, por exemplo, grupos de
Heavy Metal, grupos de rock pauleira na época, os ditos Função, que seriam os Hip Hop... os
“Raperzinhos” de hoje (...) O pessoal “função” da época na realidade eram os “bandidões”, e
o pessoal dos Anjos também não cedia pressão para esse tipo de pessoal. Grupos ‘hippies mais
pesados’, uma vez na estação de Santo André encontramos um grupo de hippies, com umas
capas muito longas, do outro lado da estação que intimou a gente para brigar, chamou a gente
de bundão e tudo mais, e a gente teve que resolver a parada do jeito que eles queriam e eles
tomaram a pior... então a forma de ser, de se vestir, de agir, do pessoal dos Anjos do ABC,
trouxe na realidade, não somente a rivalidade com o grupo dos punks da city, mas, com outros
grupos também, que queriam se sobrepor e levar o nome em cima do pessoal do ABC”.
Segundo alguns relatos, os Anjos nesse período já se definiam como um grupo mais
forte, fisicamente e em quantidade, muitos praticavam artes marciais. No ABC existiam
outras gangues menores e quando se tratava de uma rixa com as facções de São Paulo,
essas se intercalavam com os Anjos, aumentando sua força. Reuniam-se nas estações de
trem da região e partiam para os confrontos. Nunca houve uma trégua, e o grau de
insatisfação contra os punks da city aumentava na medida que o movimento expresso ali,
abria espaço para os setores midiáticos. Um “mito estava lançado”, os punks do ABC,
acabariam sendo considerados pelos de São Paulo como “primitivos e selvagens”, já os do
ABC acusavam os de São Paulo de assumirem uma postura “contraditória, exibicionista e
modista, de estar “emburguesando” o movimento.
Os Punks da City apareciam freqüentemente em jornais, revistas, programas de TV e
rádio, o que ficou em evidência quando no ano de 1985 foram convidados a participar em
um pequeno trecho, do capítulo final de uma novela exibida pela Rede Globo Televisão,
chamada Um Sonho a Mais, que foi ao ar no dia 24/05/1985. Mas nem sempre o que era
publicado refletia para um lado positivo do esperado, a conduta exibicionista e debochada
dos Punks da City contribuía ainda mais para o foco sensacionalista e distorcido sobre o
movimento.
88
Os desagrados dos Punks Anjos com a imprensa eram cada vez mais constantes e
com o pessoal da City maiores ainda. Já vinham sofrendo todo tipo de censura e repressão
devido às notas taxativas editadas pelos meios de comunicação, que faziam uma alusão aos
punks como bandidos ou marginais. Deturpação, segundo os Anjos, sustentada pelas
atitudes adotadas dos punks da city, que criavam uma falsa imagem do movimento, o
oposto do que ocorria na região do ABC. Os punks do centro acabavam se comprometendo
nas entrevistas concedidas com o comportamento mediante a câmeras e microfones.
Alguns gestos (caretas, dedos em riste, palavrões) favoreciam as insinuações pejorativas
dos órgãos de comunicação que intencionalmente buscavam um lado sensacionalista dos
acontecimentos. A imprensa impunha o “Punk” como uma coisa única, sem distinções, até
mesmo com outras “tribos urbanas” como Darks, Skinheads, New Wavers e Heavys (todos
em fase embrionária), todos eram confundidos com punks. Se alguma pessoa, grupo ou
gangue usasse preto em suas vestes, era taxado como punk.
Nas raras vezes que algum punk do ABC concedia uma entrevista, além de estar
distantes desses meios, por precaução, evitava declarações, não gostava de se expor.
Algumas gangues eram visadas pelas autoridades, alguns punks respondiam processo e
evitavam se comprometer em um período de total repressão. Como no caso Antonio de
Pádua, vocalista do grupo Passeatas, pertencente aos Anjos, que perdeu a mão direita em
um atentado à bomba direcionado aos punks da city, no Salão Construção, no Bairro
Santana, zona norte de São Paulo, território dos Punks da Vila Carolina, em 1981.
Posteriormente quase foi engajado na lei de segurança nacional mediante investigações
policiais, que o levaram a prestar inúmeros depoimentos perante a justiça 72 .
(...) Como não podiam tocar nos salões de São Paulo os grupos topavam se apresentar
em circos, festas de colégio etc. Não era raro que bandas posicionassem seu equipamento em
praças, puxassem algum fio de iluminação pública e fizessem shows tão longos quanto
demorassem as viaturas policiais. Como eram quase todos metalúrgicos, os punks do ABC
adotaram na indumentária as botas com biqueira de aço (exigidas nas fábricas para proteger
72
A Lei Nº 7.170, de 14 de Dezembro de 1983 foi sancionada pelo Presidente da República, João Batista de
Figueiredo sobre “crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e
julgamento e da outras providencias”.
89
os pés dos operários), o que os colocava em temível vantagem nas brigas (...) Em 1981, a
rivalidade chegou a seu momento mais mórbido, quando apareceram as primeiras armas de
fogo. Binho, baixista do Passeatas, aproveitou seus conhecimentos de química para montar
uma bomba caseira, com pólvora de carvão, pregos retorcidos e cacos de alumínio, “feita pra
machucar”, como lembra Pádua. A idéia era lançar o explosivo no meio de uma festa no salão
Construção, onde os punks paulistanos se reuniam rotineiramente. Mas a bomba acabou
explodindo antes de ser atirada, ao lado de Pádua, amputando-lhe o antebraço direito e ferindo
várias pessoas. (ALEXANDRE, Ricardo, p.57-2002).
Segundo relatos de alguns punks que estiveram no episódio e não quiseram se
identificar, o incidente foi muito mais grave do que se imagina, algumas pessoas que
estavam próximas da explosão saíram feridas com estilhaços, principalmente no rosto. O
artefato continha três pavios em tamanhos diferentes, o pavio maior acenderia os outros
dois menores, daí se teria o tempo suficiente para soltar a bomba e dar fuga; houve uma
precipitação seguida de vacilo, com o explosivo sendo detonado antes do esperado e
dilacerando o antebraço direito de Pádua. Outros punks alegaram que Pádua não constava
entre os quais iriam lançar o artefato, as coisas estavam meticulosamente planejadas, e se
não fosse o imprevisto os estragos seriam maiores. Diante dos relatos, não quiseram
divulgar os nomes dos envolvidos nessa ação. No documentário “Botinada - a origem do
Punk no Brasil”, Pádua dá sua versão sobre o fato:
“O punk que ia soltar a bomba na hora deu um vacilo, eu tava passando perto e eu
falei: ‘vai meu, solta o bagulho’ e ele tipo balançou tá ligado... daí eu falei: ‘dá essa porra aí’,
quando eu catei e estou acendendo, um cara grita no meu ouvido: ‘olha os homi’...“porra
mora” é psicológico, você está com uma bomba na mão, o cara fala que a polícia está em cima,
você vira e faz o quê ? Você tem que jogar em cima da polícia, você entendeu, quando eu virei,
não tinha polícia coisa nenhuma, quando eu retornei o pavio já estava em chamas, o máximo
que eu tive, assim de chance, foi só largar o artefato, ele explodiu entre o chão e a minha mão,
felizmente eu não consegui machucar as pessoas que a gente realmente, eu não vou ser
hipócrita, a gente tinha realmente intenção de machucar todo mundo que estava lá dentro, mas
felizmente a gente não conseguiu 73 ”
73
Produção Gastão Moreira, ex-MTV, e Clemente Tadeu, do grupo Inocentes, 2006.
90
Os Anjos não aceitavam de forma alguma um movimento modista. A radicalização
foi se intensificando entre eles e os punks da city. Os fanzines serviam como instrumento
alternativo de divulgação do movimento, neles os punks podiam se expressar e obter
informações precisas sobre os acontecimentos dentro do circuito nacional e internacional.
Os fanzines editados pelo pessoal da city traziam conotações de entretenimento sobre o
movimento. No ABC, os fanzines editados predispunham de certa intelectualidade,
mostrando com clareza a disparidade entre o movimento vivenciado na região com o do
centro da cidade. Em um deles os punks Anjos expressariam o seu descontentamento com o
pessoal de São Paulo:
As duas fases do movimento PUNK
(São Paulo X ABC)
O movimento punk, por suas raízes anarquistas, engloba em si pessoas de formação intelectual
variada e de origens diversas, o que acarreta contradições internas, que se acentuam à medida
que convergimos nossa atenção nos dois pólos do punk nacional, a região do ABC e o centro de
São Paulo.
Divididos menos pela geografia que por seus ideais, os punks do ABC sempre se mantiveram
afastados de seus ”colegas” da “city”, por um abismo intransponível de divergências no modo
de agir e pensar, divergências estas que com o passar dos tempos se tornam mais evidentes.
Os integrantes do movimento da cidade de São Paulo, talvez mais por falta de conscientização
do que inteligência, pervertem a imagem do nosso movimento através de atos e declarações
infantis perante a imprensa e outros meios de comunicação, a que tem acesso, deturpando o
punk nacional, e tornando o mesmo alvo de curiosidade passageira das pessoas comuns,
fazendo-as crer que o movimento não passa de brincadeiras inconseqüentes feitas por
adolescentes desocupados e ignorantes, o que obviamente não é verdade, bastando para isso
mirar o exemplo dado pelo pessoal do ABC, que encara o movimento Punk com toda a
seriedade, e o leva adiante sempre, apesar de todas as dificuldades e armadilhas engendradas
pela sociedade.
Os punks do ABC não encaram o movimento como um fim, mas sim, como um meio de
implantar e divulgar as teorias anarquistas.
91
No ABC, o punk preserva e “prega” anarquia, conservando-se puro de influências nocivas, o
que não foi evitado na cidade de São Paulo, onde o capital tomou lugar à consciência (basta
ver o exemplo do corruptor Antônio Bivar e suas marionetes comercializadores do movimento
punk, que tem seu quartel, uma certa Punk Rock Discos), e o consumismo tornou o punk uma
moda (no centro de São Paulo).
Assim, termino estas linhas, que comportam muito mais que palavras, vão destacando as faces
do movimento, este texto é muito que destacar as contradições e esclarecer dúvidas, “profetiza”
a continuidade do movimento que o ABC e outras regiões proletárias tendem a se fortalecer,
enquanto que na “city”... bem, na “city” o tempo dirá 74 .
A narrativa que se segue procura ajudar a compreender melhor os Anjos e a evolução
do movimento punk no ABC, somando o histórico das três principais bandas iniciais em
correlato aos depoimentos de alguns de seus integrantes. É interessante notar nesse
seguimento a importância que as bandas tiveram na sustentabilidade do movimento, a forte
influência do anarquismo, perceptíveis no conteúdo de suas letras, a militância de alguns
desses componentes, pioneiros na introdução e divulgação das idéias anarquistas. Destaque
para o grupo Passeatas, no qual dois componentes, Binho e F.J.G.R., foram os primeiros
articuladores dos conceitos e panfletagens anarquistas introduzidas dentro do movimento
punk na região.
2.5 Trilogia ABC/ SBC - Passeatas, Hino Mortal e Ulster
O release formalizado abaixo sobre a banda Passeatas foi constituído com grande
dificuldade, devido à resistência de alguns de seus integrantes em não querer se expor,
colaborando de maneira apática. Um deles, F.J.G.R., só colaborou após algumas
insistências. A elaboração desse texto só foi possível através de conversações via telefone
e de documentos em fotocópia enviados pelo correio autorizado por ele. Entretanto, um
outro integrante, L.G., se propôs a colaborar espontaneamente, trazendo enfoques
importantíssimos que ajudaram a enriquecer essa reconstituição. Já com as outras bandas
74
Anarquistas Presentes - número 1, janeiro de 1983.
92
Hino Mortal e Ulster, a reconstrução foi feita através de encartes de discos, entrevistas e
alguns artigos de jornais. Quanto aos entrevistados, não houve em nenhum momento um
impasse por parte deles; ao contrário foram muito prestativos.
PASSEATAS
O Passeatas foi a primeira banda Punk do ABC paulista de cunho extremamente
radical e de ativismo anarquista. Numa época em que o anarquismo se encontrava quase
que esquecido dentro do contexto da política nacional, lembrado apenas por alguns
militantes e simpatizantes, a banda surge em contraposição a todas correntes políticas
existentes nesse período, entre elas as sindicalistas emergentes, CUT e PT.
No ano de 1978, F.J.G.R. pensando em formar um grupo de Punk Rock chamou
Binho, que estudava com ele no Colégio Objetivo em São Paulo. Ambos eram amigos e já
atuavam juntos no movimento punk desde seu início. Vinculados na região do ABC,
precisamente em SBC, faziam parte dos Anjos, constam entre os principais protagonistas
que inseriram a ideologia anarquista dentro do movimento punk não só no ABC. F.J.G.R.
morava em São Paulo, nas mediações da Avenida Paulista, filho de família classe média, e
começou a se envolver com o anarquismo no final da década de 1970, quando tinha quinze
anos, segundo material enviado por ele. Consta:
“Em São Paulo não havia mais militância anarquista explícita. O anarquismo era
situado pelos militantes do Partido Comunista, que naquela época ainda militavam na
clandestinidade como ultrapassado. A propaganda anarquista chegava de fora, através das
bandas punks, principalmente do Reino Unido e dos Estados Unidos. Naquele tempo estava
tocando guitarra e um amigo de escola que trabalhava em uma loja de discos, chamou-me para
montarmos uma banda que durou um ensaio, terminado a“pedido da vizinhança” (...) O
anarquismo é uma arma de pressão eficaz, não só para sair da exclusão social, mas para
combater equívocos de políticas capitalistas (...) Futuro artista, finja agora que você tem algum
sentimento humano. Sim, o anarquismo, nesse caso específico, é um meio ainda mais eficaz que
eu continuo a colocar em prática (...)”.
Antes de se chamar Passeatas, a banda se chamou “A Lei”, nome proposto por Binho,
soava como cinismo, devido ao período ainda prevalecente da Ditadura Militar. Primeiro
93
uma opção pela legalidade, em seguida, não havendo possibilidade de fazer transformações
políticas sem algum tipo de enfrentamento, uma outra opção pacífica, daí “Passeatas”, que
no contexto resumido da palavra, “manifestação que se faz pacificamente, reivindicação
pública de alguma coisa”, sua proposta, a arte como militância política. O Passeatas surge
como uma proposta musical contra o sistema massificador de mídia, ditado pelo
empresariado capitalista na área de comunicação, com críticas dilaceradas à sociedade de
consumo, ao Estado, à Igreja, Militarismo e Patronato, muito claro em suas letras:
Consumo
Na sociedade de consumo
O que a maioria das propagandas sugerem
Não é necessário pra você
E custa uma grana difícil de conseguir
Pessoas que seguem modas
São otários massificados
Por uma sociedade de consumo
Feita para consumir você
ABAIXO O CONSUMISMO, ABAIXO O CONSUMISMO;
QUE FAZEM OTÁRIOS SEGUIREM MODA E SEREM MASSIFICADOS
Nesta bosta de sociedade capitalista
Onde tudo está cada vez mais caro
E o nível de vida em geral é baixo
Pois quem não tem dinheiro se fode
A bosta da sociedade de consumo
Mexendo com a ambição e vaidade das pessoas
Causa uma diferença entre classes
E pessoas são admiradas pelos seus bens
ABAIXO O CONSUMISMO, ABAIXO O CONSUMISMO;
QUE CAUSAM UMA DIFERENÇA ENTRE CLASSES
E A MASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS
A banda foi formada no início de 1979, com Pádua no vocal, F.J.G.R. na guitarra,
Binho no baixo e Érico na bateria. Binho sugeriu o nome de Antonio de Pádua (parente
próximo de Genuíno Neto, do PT, porém sem vínculo ideológico algum com o primo e a
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política do partido) para compor o vocal da banda, pois se encaixava na proposta de
conteúdo político explícito que a banda queria exercer, uma militância engajada
conseqüentemente no pensamento político-anarquista. A anarquia era a palavra mais
expressiva para a postura da banda, era no que realmente acreditavam, queriam uma
proposta além da saturada “retórica da esquerda nacional”.
É importante frisar que, após um pedido de entrevista feito por mim a F.J.G.R., o
mesmo recusou a concedê-la, mas enviou-me um documento onde ele mesmo formaliza
algumas perguntas, dando prontas as respostas. Isso me constrangiu muito, pois percebi que
naquele momento F.J.G.R. não gozava de um bom estado de saúde, passando por uma crise
de esquizofrenia, o que já era reconhecido anteriormente por alguns de seus amigos, mas,
mediantes os fatos, muitas questões levantadas por ele foram relevantes e coerentes. O
documento foi enviado via correio a 31 de outubro de 2002, em folhas de papel tipo fax,
inserindo: Remetente: F.J.G.R., Destinatário: Miro, Assunto: Material para ajuda de tese,
Data dessas cópias: 31/10/2002, com o título: EXOTÉRICO. Um texto metafórico e
complexo, mas que traz alguns recortes interessantes:
O Terrorismo predomina nos bastidores da religião e da política partidária, quem
serão os próximos escolhidos para caírem em alguma armadilha e serem espancados pelo
quarto poder?
Católicos que são contra a sexualidade, fingindo que fizeram voto de pobreza e o que
fazer com o crescimento populacional sem autocontrole, sem castrar o desejo; a vontade. A fila
e o desemprego estrutural. Evangélicos, protestantes é Jesus em Hard Rock, e Heavy Metal,
Jesus em Blues, Jesus em samba, Jesus em hardcore e Jesus é rei em país republicano. Jesus é a
volta da monarquia no Brasil.
Pergunta: Num Planeta que está superlotado, onde a quantidade de pessoas não pára de
crescer, você acha que é possível aperfeiçoar o anarquismo histórico e não entrar no
socialismo estatal ou continuar no capitalismo excludente e militarizante?
Resposta: Existe muito dinheiro que é desviado do cofre do Tesouro Nacional. É dinheiro
de todos os brasileiros. Ele poderia estar sendo usado para transformar o Brasil, na prática, em
Nação, investindo em projetos úteis, viáveis e duradouros sem ter que pedir dinheiro
emprestado par outros países, se endividando cada vez mais ou tendo que hipotecá-lo, e perder
tudo.
95
A forma metafórica não tira a validade do documento, percebe-se que o texto de
F.J.G.R. traz uma crítica anarquista de grande seriedade, direcionada aos políticos e contra
a exploração religiosa da fé, sendo ela Católica, Evangélica ou Protestante. Ao mencionar
as tendências musicais, ele está se referindo aos métodos utilizados por essas entidades, que
na multiplicação do ramo de fiéis utilizam inúmeros artifícios chamativos interligados a
diferentes segmentos da juventude, criando tendência com bandas de White Metal (Metal
de Cristo), Punks de Cristo ou Gospel, com o intuito de utilizar a musicalidade urbana para
atrair jovens a sua doutrinação (muito explícito no final da década de 90).
No início, o grupo Passeatas não dispunha de um baterista fixo, e foi experimentando
alguns amigos próximos. O primeiro nome sugerido para ocupar a bateria foi Carleone,
respeitado entre os Punks de São Bernardo, devido a sua estatura grande e forte, mas
resolveram poupá-lo, pois se houvesse algum tipo de represália, Carleone por ser negro
sofreria maior repressão, devido ao racismo ser muito evidente num período determinado
por represálias militares. Edgar foi o primeiro a tentar fazer bateria na banda e não deu
certo; depois vieram Nenê e Jesus, que fizeram parte apenas de uma apresentação, ambos
revezaram na bateria, num único show. Mal conseguiam tocar, Jesus acabou se
machucando na bateria, cobrindo-a toda de sangue. Érico era militante no PC do B e tinha
um “carisma” muito forte, ficou um pouco mais de tempo, meio que no improviso, mas
também saiu. Pádua sugeriu o nome de um baterista que Nenê indicara, e que tocava muito
bem, e o procurou para um teste na banda. L.G. morava em São Caetano do Sul e
trabalhava como metalúrgico na Ford Caminhões Ipiranga, em São Paulo. O primeiro
contato de L.G. com o Passeatas ocorreu na casa dos irmãos “Ratinhos”, membros do grupo
Hino Mortal, outra banda de contexto radical anarquista da região. Com mesma afinidade
musical, L.G. se encaixou adequadamente na proposta ideológica do Passeatas, assumindo
em definitivo como baterista da banda. Para F.J.G.R. e Binho, foi um lance meio que
recíproco, “Este é o cara, esta é a banda”.
L.G., antes mesmo de entrar para o Passeatas, já tinha uma bagagem musical bem
elaborada, havia passado por outras bandas. Uma pequena passagem pelos “Condutores de
Cadáver” e “Resto de Nada”, primeiras bandas do cenário punk brasileiro, muito atuantes
no Estado de São Paulo no final da década de 70. Em sua trajetória o Passeatas foi uma das
bandas mais expressivas, de conteúdo político radical dentro do movimento punk paulista,
96
principalmente no ABC, onde foi formada, causando “curiosidade” por parte da imprensa.
Intitulados em matérias de alguns jornais e revistas, juntamente com o Ulster, outra banda
política radical, da região, como “terroristas”, aguçou por partes das autoridades algumas
investigações sobre essas bandas. Há de se consentir que as insinuações dessas matérias
editadas não partiram de forma alguma dos membros dessas bandas, pois nenhum deles foi
consultado pela imprensa, alguns dados foram fornecidos pelos punks de São Paulo, sob
interesse duvidoso.
Antes da formação do Passeatas, F.J.G.R. conhecera, por intermédio de uma amiga,
Edgar Escandurra, guitarrista do grupo IRA (conotação ao Exército Republicano Irlandês –
Ireland Republic Army), num festival de música no colégio Santo Agostinho, em São
Paulo. Na época, no entanto, o IRA ainda não existia. Binho, por sua vez, conhecia Nazi
(vocalista do IRA), que depois mudou para Nasi. Ambos estudaram no mesmo colégio
(Colégio de Padres) antes também da formação do IRA; mais tarde, Binho havia ingressado
na PUC São Paulo prestando vestibular em exatas, freqüentando o curso de Física, por
apenas três semestres. Ali conheceu Adilson (futuro baixista do IRA), que possivelmente
fazia humanas, e Dirce, que produzia o “Zine MD” e tocava em uma banda punk chamada
Juízo Final, e correspondia-se com grupos punks de outros países, inclusive com a banda
inglesa Discharge, uma das mais importantes dentro do cenário punk mundial, considerada
tanto pela imprensa especializada como pelos próprios punks como os criadores do estilo
mais agressivo do punk rock, o Hard Core. Envolto à proposta de militância política
anarquista, firmou com eles um laço de amizade, começando a articular algumas ações na
PUC. A princípio, ficaram integrados à disputa pelo centro acadêmico, constituíram uma
chapa denominada ANA (relativo à anarquia) e entre suas principais propostas, o fim dos
trotes violentos atribuídos aos calouros pelos veteranos, ostentando alguns slogans contra a
chapa adversária como J.O.I.A., que significava “Já Ouvimos Isto Antes”. Esse slogan era
colado em cima de alguma propaganda eleitoreira da chapa da situação.
Segundo F.J.G.R., para os veteranos os punks eram hostis, então sentiam-se
ameaçados pelos novatos. Os veteranos eram conservadores e cuidavam do DCE e em
nenhum momento, até então, nenhuma chapa era tão forte e representativa como a ANA, o
que causava um grande desconforto para eles na eleição. Infelizmente para os punks as
coisas não foram bem como esperavam, a eleição acabou sendo ganha, não se sabe bem ao
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certo como, pela chapa formada pelos Trotskistas ou Petistas, mesmo assim continuaram
dirigindo seus esforços por outros caminhos.
Binho conseguiu junto à diretoria da PUC o aval para a realização de um show na
universidade. Sua intenção era buscar espaço para a divulgação das bandas, conseguiu um
espaço no Teatro Marques de Paranaguá, na PUC Paranaguá, em São Paulo. O show
aconteceu em outubro de 1981 com as bandas Passeatas, Sistema, Desordem, com o grupo
IRA abrindo o show para essas bandas. Na época o grupo IRA, até então desconhecido pela
mídia, não possuía um repertório próprio, tocava “covers” de bandas punks internacionais
como: The Clash, Sex Pistols, Ramones e The Jam, essa última obtiveram uma influência
musical muito forte. Dessas bandas que se apresentaram, o IRA, posteriormente, foi a que
mais obteve uma progressão dentro do cenário do rock nacional, conseguindo se firmar no
mercado da música, com inúmeros discos gravados, alcançando um lugar de destaque
dentro da mídia, sendo eleitos pela crítica uma das melhores bandas de rock da atualidade.
De uma certa modo conseguiram driblar o jogo das gravadoras mudando de maneira um
tanto que desapercebida o seu estilo, mas não mais como punks, estavam sujeitos a novas
tendências. As outras bandas continuaram sua trajetória no “underground paulista”, foram
fiéis aos princípios básicos do punk, mas não conseguiram resistir por muito tempo,
acabaram se desfazendo ou sobrevivendo no anonimato.
F.J.G.R. descreve que Binho teve problemas com a reitoria da PUC. Além de sua
militância “punk anarquista” dentro da universidade, contava ainda com o seu “ateísmo
convicto”, que quase o levou à expulsão. No local do show havia uma lata de tinta marrom
aberta, e os punks picharam todo o teatro com frases e símbolos anarquistas, além de
esvaziarem todos os extintores de incêndio. A advertência foi imediata.
Mesmo assim, no ano seguinte (1982), Binho com outros punks conseguiram agendar
um outro evento, só que na PUC - Monte Alegre, no Bairro Perdizes, no Salão Beta, com as
bandas Inocentes, de São Paulo, Passeatas e Ulster, de São Bernardo (ABC). A intenção
desse show era promover uma união entre os punks de São Paulo e os do ABC, tinha por
finalidade amenizar os conflitos e tentar unir as duas forças. Nesse período é importante
ressaltar que havia o interesse entre as bandas em buscar novos espaços para se
expressarem, divulgar suas músicas, mas com os conflitos entre gangues, as articulações
tornavam-se mais difíceis, impedindo a proliferação do movimento para um contexto
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maior. Mesmo diante dessas dificuldades houve a iniciativa por parte de alguns membros
de bandas (ABC e City) em articular meios para essa possível união, preocupando em
elevar o movimento punk a novos padrões. Nesse processo permiou-se planos para
elaboração de um festival punk de grande porte. A idéia partiu de Antonio Bivar e alguns
punks da galeria, como Callegari, do grupo Inocentes, e sua namorada Meire.
Para que esse evento pudesse acontecer, foi preciso contar com uma trégua entre as
gangues, dentro de um consenso que permitisse tal realização. Foi antecipado um show
“piloto” em prol dessa possível integração, chamado “Show da União”, ocorrido na PUC
Monte Alegre no dia 28 de agosto de 1982. No cartaz vinha intitulado “Punks Unidos”. As
bandas Passeatas e Ulster foram mediadoras do pessoal do ABC, e Inocentes dos punks de
São Paulo. A princípio o pessoal do ABC desconfiou, achou que poderia ser uma espécie
de cilada, mas o show aconteceu sem nenhum atrito entre as gangues.
Houve, no entanto, um incidente no final do show com um dos Prédios da PUC em
chamas. Não se soube ao certo as causas do incêndio, mas a certeza que se pairava era que
foi uma coisa premeditada. Ficou-se sabendo mais adiante que fora um atentado de ordem
política, praticado por alguns oportunistas que aproveitaram da situação para deixar que a
incriminação caísse sobre os punks. A intenção era destruir alguns arquivos importantes e
comprometedores que ali se encontravam. A polícia técnica e dois carros de bombeiros
foram acionados e o show terminou com alguns punks sendo espancados e expulsos do
local. Segundo depoimentos de Ariel e Clemente no documentário Botinada, o incêndio foi
provocado pelos próprios militares que tinham a intenção de destruir alguns arquivos que
os incriminavam, durante uma invasão na PUC ocorrida em 1979, em plena repressão da
ditadura militar, mediante o movimento estudantil. Em um recorte de Jornal sem nome e
sem data (provavelmente Notícias Populares, editado logo em seguida ao evento), registrase tal incidente:
“Punks” são suspeitos do incêndio no salão da PUC
Um Incêndio irrompeu no Centro Acadêmico da Pontifícia Universidade Católica
(PUC) por volta de 3h30 de ontem, provocando danos ainda não avaliados e sem causar
vítimas. As causas do incêndio ainda não foram determinadas, mas as principais suspeitas
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recaem sobre um grupo “Punk”, que realizava uma festa no Salão Beta, do prédio da rua
Monte Alegre, 984, em Perdizes.
O professor João Edênio do Vale compareceu ao 23º DP (Perdizes), representando a
PUC. Ele afirmou que o grupo estava previamente autorizado a se utilizar daquelas
dependências para a realização da festa.
Segundo a versão não oficial, apresentada por alguns alunos da PUC, a porta do
centro acadêmico teria sido arrombada pelos “punks” que atearam fogo em papéis ali
existentes, dando início ao incêndio.
Duas viaturas do Corpo de Bombeiros compareceram ao local, que foi parcialmente
isolado. O delegado Valdair Pereira registrou a ocorrência, sem constatar autoria por falta de
indícios conclusivos.
O Passeatas acabou em 1983, por circunstâncias acumulativas que durante sua
trajetória causaram discordâncias existenciais irreversíveis. As propostas de vida dos
membros eram completamente diferentes, não puderam mais estar unidas em um só grupo.
O grupo já estava dividido em dois núcleos, F.J.G.R. e L.G., que tinham mais afinidades
entre si, e Binho e Pádua, da mesma forma. Com a dissolução do Passeatas, Pádua e Binho
tentaram dar continuidade aos trabalhos e formaram uma banda chamada Ação Direta, com
o propósito de continuar com as propagandas anarquistas. Essa banda foi formada por Miro
(guitarra), Luiz (baixo), Pádua (vocal) e Binho (bateria), porém não resistiu ao primeiro
ensaio e se desfez. Ação Direta era um nome muito forte e adequado para a época, fazia
alusão a um outro grupo anarquista francês do mesmo codinome, que abalava a Europa
com atentados terroristas, reivindicando o fim do projeto Guerra nas Estrelas, elaborado
pelo governo norte-americano de Ronald Reagan, de colocar no espaço receptores de
“mísseis soviéticos inimigos”. L.G. e F.J.G.R. também prosseguiram dando continuidade
aos trabalhos e formaram o Libertação Radical, que durou oito anos, sendo a banda mais
expressiva politicamente no cenário do ABC (seu release será descrito no próximo
capítulo). Em sua formação contaram ainda com o próprio Miro, ex Ação Direta,
formalizando um trio.
Em entrevista concedida, L.G. expõe seu ponto de vista em relação ao fim do
Passeatas:
100
“Acho que... alguns dos membros relaxaram, começaram a não levar a banda a sério
(...) Começaram a dar mais motivo para drogas do que para a banda, (...) Não quero falar o
nome porque é o seguinte... quando nós começamos o Passeatas, né, tinham membros que
usavam drogas mais eram bem poucos só que começaram sabe... assim a usar drogas mais
constante... mais constantemente, ia para o ensaio chegava atrasado esquecia a letra errava...
já entreguei o nome do cara (...) Mas isso aí também não foi só ele (...) Outra pessoa também da
banda começou ir no embalo da pessoa que estava usando drogas aí começaram a demonstrar
sabe desinteresse... relaxo, entendeu daí sabe eu desanimei (...) Aí infelizmente nós começamos
a discutir sobre isso aí e terminou assim entendeu, terminou de uma forma ruim, mas nossa
amizade continuou tal, mas infelizmente terminou assim”.
A maioria das letras do Passeatas eram compostas por F.J.G.R.. A citada abaixo faz
parte da coletânea do festival “O Começo do Fim do Mundo”, a única registrada em
edições fonográficas.
Direito de Protestar
Trabalhadores querem seus direitos
Eles querem melhores salários
Pois o nível de vida deles é baixo
E o dinheiro quase não dá
Seus pedidos não são atendidos
E eles resolvem fazer greves
Mas esse direto não é dado a eles
Pois eles não têm o direito de protestar
TODOS TÊM O DIREITO DE PROTESTAR.
Estudantes querem se expressar
Querem falar abertamente
Eles são perseguidos e reprimidos
Pessoas falam de uma abertura
Uma abertura quase inexistente
Pois você não tem liberdade
E não tem o direito de protestar
TODOS TÊM O DIREITO DE PROTESTAR
A verdade é sempre escondida
Ou senão ela é distorcida
Pois é que existe a censura
101
Que controla o que você diz
Pessoas têm medo de protestar
Por causa da repressão
E que democracia é esta
Onde o povo não pode protestar
TODOS TÊM O DIREITO DE PROTESTAR
HINO MORTAL
Em entrevista com Laércio (Rato), ex-guitarrista do Hino Mortal, podemos analisar
a conjuntura entre musicalidade e comportamento punk. Ele nos relatou que a sua afinidade
com o rock o acompanha desde muito cedo, vinha tentando tocar e formar uma banda desde
1975, afirma que:
“No início éramos um trio, pensávamos em fazer um som voltado para o rock
progressivo ou rock pauleira, mas, não tínhamos condições na época para uma musicalidade
mais elaborada, pois precisaríamos de instrumentos mais sofisticados, e a realidade vivenciada
por nós, era de total precariedade, o que fez com que nos levássemos de encontro ao movimento
Punk”.
Laércio conhecia nesse período um grupo de pessoas que já flertava com o punk,
entre eles Nenê e Jesus, ambos fundadores dos Anjos. Laércio se identificou imediatamente
com os Anjos, pois além de serem de São Bernardo, muitos moravam próximos ao seu
bairro. Encontrou nesse pessoal um sentimento muito forte de amizade e união. Para
Laércio “era como se fosse uma verdadeira família”, em que todas as coisas eram divididas,
instrumentos, espaços para ensaios das bandas, shows e meios de divulgação do
movimento. Laércio menciona que o SBEROC é considerado pelos punks e roqueiros da
região como o primeiro local onde se deu a transição do rock tradicional para o punk a
partir de 1977 (principalmente por aqueles que vivenciaram o período). Entre outros relatos
afirma que obviamente outros lugares apareceram e passaram a tocar também o punk rock
na região do ABC. Na entrevista desponta:
102
“(...) O SBEROC foi o pioneiro, depois vieram o Colégio Brasília em São Bernardo, o
FENDER no bairro de Rudge Ramos também, atualmente é uma delegacia de polícia. O CREC
na Vila Paulicéia, Teatro Cacilda Becker no centro de São Bernardo, Salão da Pira em 79,
bairro de Piraporinha em Diadema, com a equipe de som comandada pelos irmãos Carlinhos,
Helio e Bujão, havia o LORD em São Caetano do Sul, depois vieram outros, mesmo assim os
espaços eram limitados para esse tipo de som. O rock sempre foi discriminado no geral aqui no
Brasil, principalmente no ABC”.
Por volta de 1978, formou com seu irmão Sidnei (Ratinho) sua primeira banda Punk
chamada Indigente, tinha na época 18 anos e seu irmão 15, com a seguinte formação:
Laércio (Rato) guitarra, seu irmão Sidnei (Ratinho) no baixo, Celso (Pulga) nos vocais e, na
bateria, Nelson (Azeitona).
Essa banda durou muito pouco tempo. Com a saída de Pulga e Azeitona os irmãos
Laércio e Sidnei tentaram dar continuidade aos trabalhos. Oray, um amigo, foi convidado
para assumir os vocais e Jesus na bateria, formando então o Oray e Seus Trutas, no início
de 1981; alguns amigos ironizavam apelidando a banda de “Zoreia e Seus Trutas”. Essa
teve um tempo de duração mais curto ainda, menos de um ano, inclusive tendo o nome
modificado para Desordem apenas por uma noite em um Show realizado na PUC
Paranaguá, em outubro de 1981, junto com outras bandas, Sistema, Passeatas e com a
participação do grupo IRA, abrindo o show para as demais. Nesse show exclusivamente
Jesus foi substituiu por Nenê na bateria e alguns dias após a banda se dissolveu.
A história do Hino Mortal começa a partir de então. Nenê indicou Carlos para os
irmãos “Ratinhos”, que era casado então com sua irmã Rosangela, conhecido como Índio,
vendedor de discos, especialista em rock, ex-vocalista da banda Condutores de Cadáver,
pioneira do punk paulistano e da qual havia saído recentemente. Índio aceita o convite e
assume os vocais; para bateria foi cogitado o nome de Ricardo, ex-Submundo, banda punk
do ABC composta por Mao nos vocais, Hamilton no baixo e Zé Renato na guitarra.
Ricardo estava insatisfeito com a sonoridade produzida pelo Submundo, abandou a
banda assim que foi convidado para tocar no Hino Mortal e, logo após sua saída, a banda
Submundo se dissolveu, ficando apenas Mao, que deu continuidade aos trabalhos, mudando
103
o nome do grupo para Garotos Podres, considerada a primeira banda OI nacional, com
Mauro na guitarra, Sucata no baixo, Português na bateria e o próprio Mao nos vocais.
A primeira fase do Hino Mortal se estabelece entre 1981 a 1987, com a formação
original: “Rato” na guitarra, “Ratinho” no Baixo, Indião nos vocais e Ricardo na bateria.
Tendo um intervalo no meio do caminho devido a um acidente de moto com Laércio no ano
de 1984, deixando-o em estado grave, coincidindo também com o casamento de Ricardo,
com isso, a banda ficou quase um ano inativa, tentaram reiniciar os trabalhos, mas logo em
seguida a banda se desfez.
A proposta musical do Hino Mortal era de fazer uma crítica anarquista direcionada a
todas instituições, em especial à religião, à polícia e ao Estado, com letras e sonoridade
agressivas. Como a maioria das bandas punks, passaram também por um processo de
evolução política, assimilando o sofrimento do cotidiano e tentando transmitir através da
música todo um protesto “anti-sistema”. A trajetória da banda foi construída por inúmeras
ações radicais e polêmicas, como a queima de bandeiras do Brasil e Bíblias durante Shows.
Em suas apresentações, Índio era sarcástico e violento ao mesmo tempo, com discursos e
provocações inflamados, direcionados ao abuso de poder militarista e contra as
manipulações de autoridades religiosas. Em suas letras nota-se explícito o grau de
radicalismo obtido:
Campos Religiosos
Lá vinham os profetas
Com seu rebanho de lobos
Pregando e distribuindo
Panfletos “Bíblicos”
Para seres sem razão
Torturaram e torturam
Ergueram a maior Multinacional
Seduziram idéias
Tornaram-se líderes políticos
Donos de vastas terras e concretos
Não valorizaram seu
Conhecimento científico
104
Nos mostraram deuses, monstros.
“Viados e Lésbicas sagradas”
Hoje!
Odiamos todos os campos religiosos
Odiamos todos os campos religiosos
Odiamos todos os campos religiosos
Índio morou muito tempo no centro de São Paulo, não gostava do movimento Punk
que ali se desenvolvera, optou por conviver com o pessoal do ABC indo ao encontro dos
Punks Anjos de São Bernardo, por serem mais radicais, politizados e possuírem uma união
muito forte. Foi em São Bernardo, que conheceu Rosangela, irmã de Nenê, e se casou.
Segundo Laércio, em 1979 e 1980 existia uma rixa muito forte não só com as
gangues, mas também entre as bandas. Nenhuma banda de São Paulo tocava no ABC e nem
as do ABC tocavam em São Paulo, a guerra entre as gangues já estava declarada. Índio
tinha uma convivência muito grande em São Paulo, era muito conhecido, por fazer parte
dos Condutores de Cadáver, como vocalista da banda. Pelo seu porte físico e atitude, era
temido por alguns e respeitado por outros. Foi através dele que o Hino Mortal ficou sendo a
primeira banda do ABC a conseguir tocar com as “bandas da City”, num Show realizado no
fundo de quintal de uma casa que pertencia aos membros da banda Lixomania, que
posteriormente viraria o 365, chegando a “estourar” na mídia no final da década de 80 com
a música “São Paulo” e “Grandola”, muito executada nas rádios de AM e FM paulistanas.
O Hino Mortal foi escoltado nesse show em peso pelo pessoal dos Anjos de São
Bernardo, pois, em qualquer local onde as bandas do ABC se apresentassem, as gangues da
região sempre as acompanhavam. As divulgações dos shows eram feitas de boca; em boca,
mais tarde, aprimoraram-se os panfletos e cartazes.
O Hino Mortal teve problemas também com a censura. No primeiro festival Punk
Brasileiro, realizado em novembro de 1982 no SESC Pompéia em São Paulo, onde reuniuse em torno de mais de quatro mil punks, do ABC, Centro e Zona leste, era um período
vivenciado ainda sob a Ditadura Militar, tudo que era vinculado a festivais ou gravadoras
tinha que passar pela censura federal, que era rígida. Para esse festival, as músicas do Hino
tiveram que ser gravadas em fita cassete com auxílio de um único violão, com três cópias
105
datilografadas, enviadas à Brasília. Das quinze músicas enviadas pelo Hino Mortal,
somente três foram aprovadas, as demais vetadas pela censura, segundo nos conta Laércio:
“No regulamento constava: tocado com um instrumento audível e 3 cópias
datilografadas com as letras que seriam executadas, em fita cassete, serem enviadas para a
polícia federal de São Paulo e depois ao Departamento de Censura em Brasília e aguardar o
retorno da liberação ou não”. O meu irmão Sidnei ao ir retirar o material, foi intimado pela
polícia federal, que queriam saber do paradeiro de Carlos, perguntaram se ele era o Carlos”.
Mesmo com o fim da Ditadura Militar em 1985, a censura ainda mantinha um papel
“intervencionista”. Em 1987 foi lançado pela gravadora RCA Ariola um disco intitulado
ROCK do ABC, produzido pelo selo LUP SOM, empreendimento de Ronaldo Martim,
dono de um Jornal intitulado Rocker, com sede em Rudge Ramos, São Bernardo do
Campo. O disco foi gravado no Estúdio Camerati em Santo André, uma coletânea contendo
seis bandas e doze faixas, com duas músicas de cada banda, entre elas: Decreto Lei, 64 e
seus Efeitos Colaterais, Corte Marcial (Punk), O Epílogo, Ibiza e Hino Mortal (Punk).
O Hino Mortal foi a única banda nessa coletânea que teve parte de suas letras
censuradas no encarte desse disco, inclusive na música “Campos Religiosos”, que já estava
pronta para ser editada e teve que ser regravada, tirando-se as frases: “Viados e Lésbicas
sagradas”. A foto original da contracapa também foi vetada, registrava um operário sendo
agredido por um policial. Foi substituída por outra, mostrando uma passeata de
trabalhadores ostentando faixas de protestos com o símbolo da CUT.
Em matéria sobre o movimento punk exibida pela Rede Globo de televisão em 1983,
para o programa Fantástico, Laércio (operador de máquina de laminação) foi entrevistado e
filmado em plena atividade no seu local de trabalho, na LIMASA, uma indústria
metalúrgica em São Bernardo do Campo.
Na sua entrevista, Laércio expõe da seguinte forma a reportagem elaborada pela Rede
Globo de televisão:
(...) por um lado a entrevista foi boa, mas muito ruim por outro. Ruim, por ser uma
emissora de televisão, o que não era bem visto pelos punks, ainda mais pelo porte da Globo (...)
A Globo é o seguinte, ela queria mostrar o que estava acontecendo dentro do movimento punk.
106
Mostrou aquilo que ela queria mostrar, que foi conveniente a ela, isso é, o lado sensacionalista
da coisa e não o que deveria ser mostrado, ou seja, o que realmente estava acontecendo, o punk
como movimento. Não foi feito aquilo que deveria ser feito, passar a real para o público,
porque, aqui no ABC nunca tínhamos acesso a esse tipo de imprensa, então acho que ela partiu
mais para esse lado sensacionalista mesmo. Foi o finado Luiz, ex-guitarrista do Ulster, que
acertou tudo, foi ele que acabou dando um toque para nós que o pessoal da Globo queria fazer
uma matéria sobre o movimento. Acabou a Globo filmando o local do trampo, entrevistou lá o
chefe da gente perguntando como que era ter um funcionário punk, então quer dizer; procurei
mostrar um lado que o pessoal tinha, atitudes boas, não ruins (...).
No início dos anos 90, tentaram outra iniciativa, porém em vão, com alguns
desentendimentos internos houve um “racha” e o Hino Mortal se desfaz novamente. Dele
surgiu uma outra banda chamada Marionetes, tendo à frente os irmãos Laércio e Sidnei,
que posteriormente viraria outra subseqüente, o Insulto Oculto, no entanto não mais punk.
Índio, por sua vez, deu continuidade aos trabalhos do Hino Mortal, a banda passou por
várias mudanças, sem desviar do contexto Punk, durando até 2004. Atualmente Índio está
às voltas com os Condutores de Cadáver.
ULSTER
O Ulster foi formado em São Bernardo do Campo em 1979, antes, porém, como
nome de M-19. Em São Paulo, nesse período, já existia uma outra banda com esse nome;
para evitar plágio mudaram o nome para Ulster. O grupo era formado por Mauro (vocal),
Luiz (guitarra), Vladi (Baixo) e Beto (Bateria). Ficaram muito tempo só nos ensaios,
começando a se apresentar a partir de 1980. O nome Ulster está relacionado com a região
da Irlanda do Norte onde ocorriam os incessantes conflitos entre Católicos e Protestantes. A
Inglaterra, exercendo um papel intervencionista, utilizava a “máscara” da questão religiosa
e das diferenças étnicas para promover uma guerra e tirar proveito político.
O grupo se apresentava usando máscaras negras (capuz), fazendo uma alusão aos
ativistas do IRA, Exército Republicano Irlandês, contrários à maioria protestante.
Segundo V., em entrevista concedida, relata:
107
“Tocar de máscara se tornava algo muito esquisito, a gente tomou todo cuidado,
porque não era engraçado, a gente não queria passar nenhuma mensagem de teatro, era um
negócio que tinha que ter um clima agressivo, como agressivo era a situação... pesada era a
situação, nós tomamos esse cuidado! naturalmente nos primeiros shows foi meio estranho, meio
esquisito, o pessoal não entendia direito, mais a postura da banda foi extremamente dura, e com
pouco tempo o pessoal entendeu a mensagem da banda e passou a respeitar”
Os relatos que se seguem trazem um resumo adaptado, apoiado em uma reportagem
feita sobre a banda Ulster, editado por um jornal de música chamado “Antimídia”,
distribuído gratuitamente, em sua segunda edição no mês de setembro de 2000. Diante das
inúmeras perguntas sobre a banda, V. traz antigas informações importantes sobre a década
de 80. Em sua descrição coloca a dificuldade de ser punk na época, “o clima que a gente
enfrentava era de terror de verdade”, explica que não era só pelo tema que a banda escolheu
para abordar, em suas formas alusivas ditas anteriormente, os shows eram realmente
furiosos e violentos. “Era um negócio difícil, barra pesada, em plena ditadura falávamos
sobre matar militares, o problema com a polícia era foda”. A cena punk era norteada por
alguns LPs que alguém trazia de fora, esses acabavam sendo gravados em fitas cassete,
algumas informações ocorriam de boca em boca, assim como a circulação de um ou outro
fanzine. Os atritos do ABC contra o pessoal de São Paulo eram terríveis, e geraram mortes,
“você não sabe como é horrível perder um amigo numa treta”, as bandas no início não
podiam tocar em São Paulo e vice-versa, “existiam bandas legais aqui, mas não tinha
espaços para tocar”. V. esclarece:
“O ABC é um dos maiores subúrbios operários da América latina, dentro de uma das
maiores capitais do mundo, dentro de um dos maiores focos de pessoas e de revolta do planeta.
Eu acho que esta revolta também está na cena punk. A contestação do punk é algo que se não
mudou o mundo a seu redor, mudou a vida de muita gente”.
No seguimento de sua entrevista, V. expõe essa relação das gangues com as bandas:
108
“(...) nesta época aqui em São Bernardo, banda e gangue viviam uma simbiose... as
bandas faziam parte das gangues e elas nasciam delas, a gente ia tocar por aí, todo mundo saía
de ônibus, saia todo mundo junto e levava equipamento (...) Não era uma coisa planejada, de
vocês vão lá e a gente vai tá tocando lá. Saía todo mundo junto, (...) Então tudo que acontecia
com as gangues, acontecimentos envolvendo polícia, envolvendo determinadas brigas, o pessoal
das bandas vivia isso junto... porque andavam juntos não tinha como... não poderia ser
diferente dado à situação do nascimento que estava acontecendo aqui em São Bernardo, então
houve uma simbiose mesmo... os integrantes destas bandas que a gente falou agora pouco,
todos eles sabem de todas as histórias que aconteceram no ABC, se você for procurar todos
eles, eles estavam naquele dia em tal lugar, todos eles estavam no Templo quando aconteceu tal
fato, estavam no SBEROC quando aconteceu outro fato e quase em todos... entendeu, porque a
gente andava tudo junto, então a influência, ela foi grande... ela foi e voltou... enquanto que as
bandas também influenciaram, as gangues... de certa forma nós conseguimos transferir um
pouco de consciência política... através do som, através dos fanzines e essas gangues acabaram
se tornando mais consistentes também... porque as bandas deram um pouco o norte, senão eles
acabariam vivendo uma coisa meio cega... então essas bandas deram um certo norte”.
Depois de se dissolver em 1983, a banda Ulster reaparece a partir do ano de 1994,
continuando na ativa, evidentemente passando por algumas alterações na sua formação.
Durante sua trajetória constituíram alguns registros fonográficos importantes, com grande
repercussão na Europa, em especial um compacto em vinil distribuído pela ABC Records de
Santo André (produzido por Denis). As músicas editadas foram regravadas de tapes
originais, gravações caseiras e sem qualidade, produzidas em 1982, contendo cinco faixas:
Lado A - Pau nos Boys, Morte aos velhos, Sou Anti e Lado B - M-19 e Bandeiras
Vermelhas. Também tiveram participação no primeiro festival punk brasileiro, “O Começo
do Fim do Mundo”.
Letra da música que leva o nome do grupo:
ULSTER
O som metálico das latas soa morte em BELFAST
É outro terrorista que o sangue irá honrar
Rasga a face da religião com o punhal da corrupção
E tudo que se conseguiu foi só um caixão vazio
ULSTER
109
ULSTER
ULSTER
Em comum, essas três bandas ostentaram um som extremamente barulhento e
agressivo, puxado para o hardcore, com conteúdo político e contestação anárquica. Elas
foram as principais bandas do início do movimento punk no ABC, que deram um pulso de
incentivo para a formação de inúmeras outras, que obviamente também obtiveram uma
importância muito forte e expressiva dentro do cenário punk no ABC, a partir dos anos 80.
Entre algumas que mais se destacaram ressalta-se: Corte Marcial, DZK, Desgoverno,
Holocausto, Submundo, Libertação Radical, Disritmia, Círculo Vicioso, Sistema, Garotos
Podres, Rebelião Suburbana, Niilista, Subviventes, Ação Direta, FDS e Brigada do Ódio.
Todas essas bandas do ABC apresentavam características parecidas: precariedade de
instrumentos, dificuldades de obterem locais para ensaios, apresentações esporádicas por
falta de espaços para tocar, músicas agressivas de ataque direto ao sistema, letras “rudes” e
algumas sarcásticas.
2.6 O Começo do Fim do Mundo
A iniciativa para a realização do primeiro festival punk nacional partiu de Antonio
Bivar, juntamente com os punks das grandes galerias em São Paulo. A idéia foi construída
na própria loja de Fábio, a Punk Rock Discos, sustentando a ótica de projetar o movimento,
em reconhecimento a “nível” nacional. Callegari, do grupo Inocente, e sua namorada Meire
buscaram manter contato com alguns integrantes das bandas punks do ABC, sugerindo a
proposta e justificando a importância de se fazer um festival de grande porte, reunindo
várias bandas de diferentes regiões, com um registro de um disco gravado ao vivo. A
intenção era manter uma trégua pacífica, com o intuito de solidificar o movimento e
conseqüentemente amenizar os conflitos entre as gangues.
O local escolhido para o evento foi o SESC Pompéia, região oeste de São Paulo, ao
lado do Estádio Palestra Itália (Sociedade Esportiva Palmeiras), próximo à estação Barra
110
Funda do metrô. Antonio Bivar manteve contato com a Diretoria do SESC, que aceitou em
produzir o festival, encarregando-se de pagar o aluguel da aparelhagem e custear o registro
do festival, com um LP gravado ao vivo. O Sesc fábrica Pompéia era uma antiga fábrica de
tambores, sua arquitetura estilo inglês rústico com tijolos à vista foi restaurado
posteriormente e transformado em um Centro Cultural.
Feito os contatos, houve a colaboração das bandas em manter uma certa trégua. As
gangues do ABC postaram-se descrentes, apreensivas e cautelosas, desconfiavam de que tal
evento pudesse se realizar sem que houvesse algum atrito.
Diante de uma certa tensão, o primeiro Festival Punk Nacional foi realizado com o
título O Começo do Fim do Mundo, no SESC Fábrica Pompéia nos dias, 27 e 28 de
novembro de 1982, com entrada franca, feito para durar três dias, mas se resumindo em
dois. Houve a apresentação de mais de vinte bandas entre elas: Passeatas, Ulster, Hino
Mortal, Decadência Social (do ABC), Dose Brutal, M-19, Neuróticos, Inocentes, Psykóze,
Fogo Cruzado, Juízo Final, Desertores, Cólera, Extermínio, Suburbanos, Lixomania, Olho
Seco, Estado de Coma, Ratos de Porão e outras em que os nomes não saíram na divulgação.
É importante frisar que nenhuma dessas bandas recebeu cachê para tocar, se predispuseram
a apresentar-se gratuitamente em prol ao movimento.
Alguns levantamentos mostram a presença marcante de cerca de 4.000 punks,
causando impressão entre eles mesmos. Não existia uma noção da quantidade de punks
existentes em São Paulo. Como prometido, o Festival resultou numa coletânea
independente, um LP gravado ao vivo, com vinte faixas, contendo uma música de cada
grupo. O Festival atraiu a imprensa internacional, obtendo uma repercussão mundial,
inúmeras matérias foram editadas em jornais internacionais como: Washington Post,
Maximum Rock Roll (EUA) e em outros jornais do Japão, Inglaterra, Alemanha, Espanha,
Finlândia, etc.
Além das apresentações das bandas, houve uma exposição fotográfica, com os
trabalhos de Vânia Toledo, Ugo Romiti, Toninho Prada, Carla Reichaman e Antonio Bivar.
A projeção de filmes sobre o movimento punk, entre eles: Rude Boy e Punk Rock Movie, e
o lançamento do livro de Antonio Bivar “O que é Punk”, pela Editora Brasiliense.
111
O palco foi montado ao final do corredor da fábrica, e atrás das aparelhagens havia
uma enorme bandeira com desenho de um punk com cabelo raspado à moicano, como o
símbolo anarquista (a letra a maiúscula dentro de um círculo), ao lado e em volta os nomes
das bandas que se apresentaram.
Com tantas facções juntas num mesmo festival, a trégua esperada duraria pouco. Com
a forte rivalidade existente entre elas, não demorou muito para que surgissem os primeiros
confrontos. No segundo dia do festival, o evento termina com a presença da tropa de
choque e inúmeras viaturas da polícia militar e com a prisão de inúmeros punks.
Cerca de 4 mil punks compareceram. O público convencional se estarreceu com aquilo
que, à primeira vista, parecia um grande teatro de terror. O festival transcorreu em clima de
paz, mas as vizinhanças, vendo aquela multidão de jovens vestidos de preto e os adereços!,
coturnos, cintos, gargantilhas e pulseiras com rebites, carecas e moicanos, cabelos com cores
cítricas, o que era aquilo?! Era guerra, era o quê?A vizinhança, apavorada, chamou a polícia,
por causa de tretas rolando lá fora. A polícia veio. E o público convencional ficou perplexo com
o confronto (...) 75 .
Alguns dados levantados apontam que a intervenção policial se deu pela solicitação
dos moradores vizinhos, amedrontados, com a presença massiva de “inúmeros jovens
estranhos que causavam arruaças e brigas”. A invasão do SESC ocorreu a partir das 16h00,
pela Tropa de Choque, e dezenas de viaturas da polícia militar, destacadas pelo 7º Distrito
Policial. Alguns punks sofreram violência física por parte das autoridades e a versão não
oficial conta 25 punks detidos. Obviamente esse festival foi muito impactante, uma vez que
a sociedade ficou próxima realmente do movimento punk.
O Festival foi transmitido para todo o Brasil, por via Embratel, aumentou o ibope dos
meios televisivos, em especial o Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão. Sua
repercussão resultou em perplexidade e indignação de inúmeros telespectadores
desinformados.
75
Revista TRIP, Reedição Especial, segundo semestre de 2000, P. 57 - TRIP EDITORA E PROPAGANDA
S/A, SP.
112
A partir do festival do SESC Pompéia, o movimento punk passou a ser reconhecido
por todo território nacional através dos meios de comunicação. Dois meses após sua
realização, a Rede Globo de Televisão havia reforçado a idéia de projetar algo sobre os
punks e exibira, uma matéria no programa Fantástico, em janeiro de 1983. Os repórteres
encarregados dessa edição contataram alguns punks das grandes galerias e do ABC, que
predisporam-se a conceder algumas entrevistas, diante de um acordo e comprometimento
dos jornalistas em fazer uma edição honesta sobre o tema. Lançado por vias televisivas,
mais uma vez o movimento é visto de forma taxativa, equivocada e sensacionalista. A
emissora não arcou com o compromisso que mantivera, de mostrar um movimento sério de
caráter contracultural. As entrevistas concedidas com seriedade pelos punks foram
censuradas e propositalmente não editadas; o que se viu foi uma imagem pejorativa, de
jovens fúteis, de aparência agressiva, que gostavam de conviver em meio ao lixo, nas
galerias de esgoto, casas abandonadas, insinuando que a idéia de anarquia dos punks era
algo de destruição total e violência gratuita.
Os problemas se agravariam ainda mais para os punks a partir de então. Após essa
reportagem, muitos sofreram represálias, alguns perderam o emprego, ficaram visados pela
polícia, viraram vítimas de chacotas e provocações, tanto no trabalho como no meio social
e familiar onde viviam. A imagem de “vândalos e violentos” ficou marcada na sociedade e
esse rótulo persiste até os dias atuais.
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CAPÍTULO III
A DISPERSÃO
A tentativa dos organizadores do 1º festival Punk do Sesc Pompéia em conciliar os
dois lados, unir o movimento como um todo, fracassou, gerando uma grande frustração por
ambas as partes, City e ABC. Muitos punks acreditaram fielmente nessa possibilidade, mas
a utilização dos veículos de comunicação para sua divulgação teve o efeito contrário.
(...) “Fiquei puto, desiludido”, lembra Clemente. “Vim de uma gangue, era questão de
sobrevivência na periferia. Mas o lado artístico do punk era mais importante para mim. A gente
curtia moda punk, fotografia, filmes, dadaísmo, poesia beat, tudo que tivesse a ver com essa
estética. Eu queria dar continuidade a isso, por causa das pessoas que faziam parte do
movimento – um monte de brutos, excluídos, ignorantes até – que, pela primeira vez, tinham
uma identidade, uma voz. Era muito importante que o movimento crescesse e pudesse dar
oportunidade para aquele jovem oprimido de se expressar. Mas isso se tornava difícil quando
os próprios punks estavam mais preocupados em brigar do que em batalhar pelo movimento”.
Já Pádua acredita que o próprio modo com que o punk foi divulgado atrapalhou a compreensão
exata de suas dimensões. “Nossa imagem foi banalizada, virou sinônimo de um cara que
encoxava a mãe no tanque, que saía pela rua quebrando patrimônio público. Nunca fez sentido
que, no Brasil, o punk fosse encarado como movimento de choque. Tanto que seus melhores
momentos aconteceram quando serviu para aglutinar todos os jovens insatisfeitos de
determinada camada social existente no fim da ditadura”. Callegari acredita que ainda mais
importante do que ter-se enquadrado no perfil punk foi justamente fazer parte dessa geração
que buscava um jeito de extravasar o que nem a repressão podia calar. “Encontramos no punk
o meio de dizer tudo isso, algo que se encaixou como uma luva. Mas, se não fosse o punk, seria
alguma outra coisa, porque precisávamos botar tudo aquilo pra fora 76 ”.
76
Dias de luta, p. 63.
138
O movimento no geral começa a esboçar um declínio, na medida em que, na tentativa
de se expandir para um lado mais sociável possível, foi banalizado pela mídia e rejeitado
pela sociedade. Essa repulsa fez com que o movimento continuasse se expressando preso ao
underground, com a impossibilidade de uma união e aumentando a rivalidade entre as
gangues, as brigas se intensificando e o registro das primeiras mortes.
No ABC, inúmeros foram os fatores que contribuíram para a dispersão dos Anjos de
São Bernardo do Campo. Entre os principais agravantes estão as mortes de duas
“lideranças” e fundadores do grupo: Pepeu, vítima de afogamento em 1983, na cidade de
Santos, e Nenê, assassinado a tiros pelos punks da city em 1984, vítima da “guerra entre as
gangues”. Esses dois casos foram muito marcantes, pois os laços afetivos de amizade do
grupo em relação a eles era muito forte e foram realmente abalados. Consecutivamente
também houve a dissolução do grupo Passeatas (1983), do Hino Mortal (1984) e logo em
seguida da banda Ulster (1984). Esses elementos, somados ainda com a investigação
policial em suas constantes blitz sobre os punks no próprio ponto de encontro deles (quadra
do Lavinia, Bairro Assunção em São Bernardo e no bar do tio Augusto vizinho ao ponto) e
alguns desentendimentos internos, começaram a esboçar um decadência. Com a base de
sustentação abalada, o declínio do movimento foi inevitável, alguns punks tiveram a
iniciativa de dar uma guinada no processo, na tentativa de uma reestruturação; mas, sem
obter êxito, em pouco tempo o movimento já havia se dispersado. A narrativa que se segue
procura contextualizar resumidamente alguns acontecimentos chaves que conduziram a
essa dispersão.
3.1 Prelúdio ao Declínio:
Mesmo diante da tentativa fracassada do “Festival Sesc Pompéia em união do
movimento punk”, algumas bandas do ABC tiveram a iniciativa de tentar recuperar o
esforço aplicado, elaborando um outro festival, de menor porte, mas com a intenção de
manter a “tão sonhada união”. Junto a esse evento, foi lançado o primeiro manifesto punk,
chamando a atenção da importância dessa unificação e a convocação para o Show com as
139
bandas: Ratos de Porão, do centro de São Paulo, Ulster, Corte Marcial e Hino Mortal, do
ABC. O Show ocorreu na Associação Amigos da Vila Paulicéia em São Bernardo do
Campo, na rua Álvaro Alvim, em frente à Cooperativa da Mercedes Bens, em 12 de
fevereiro de 1983, das 18h00 ás 22h00. Obviamente por se tratar do ABC e pela forte
rivalidade entre as duas vertentes, por “receio”, nenhum punk da city compareceu, assim
como a banda Ratos de Porão, que tinha entre seus integrantes um recente vocalista, João
Gordo (atualmente apresentador da MTV), que havia anteriormente insultado verbalmente
o pessoal do ABC, no documentário “Garotos do Subúrbio”, produzido pela equipe do
Olhar Eletrônico da TV Cultura, onde sua fala foi registrada: “Pau no cú da Globo, pau no
cú de Deus, pau no cú do ABC”. Evidentemente, depois desse disparate, ficou apreensivo,
o que explica sua ausência e de sua banda no evento, segundo depoimentos dele mesmo: “o
ABC é um grande barril de pólvora”. Por sua vez o show ocorreu com a presença marcante
dos punks de toda região do ABC e sem nenhum agravante, contando ainda com a presença
de inúmeros punks da zona Leste que se identificavam muito com os do ABC.
O 1º manifesto punk do ABC em sua íntegra:
1º MANIFESTO PUNK! (12/02/83)
“1983, o ano do caos econômico”. O desemprego, a fome, a neurose, a violência, o ódio, a
repressão etc., assolará muito mais a sociedade... Neste clima é lançado o 1º Manifesto Punk,
que tem a intenção de tentar transmitir que nós punks devemos nos reunir cada vez mais para
saber que vai ser feito do nosso movimento, que ultimamente anda sendo ridicularizado por
algumas entrevistas (que não transmitem nada do que seja punk), frases feitas, uma
apresentação de um grupo na TV e mais algumas palhaçadas que estão fazendo deste
movimento um modismo sem nenhuma razão ideológica.
O desemprego aumenta, a qualidade do ensino cai e fica mais caro, a subnutrição aumenta,
enfim existe uma horrível falta de perspectiva, principalmente para os jovens, que estão vendo o
movimento punk “distorcido” alguma coisa para fazer, agora cabe a cada punk transmitir a
sociedade à ideologia mais correta possível do que seja punk e os que não souberem devem
manter a boca fechada. Tudo isso é para que os novos adeptos sejam conscientizados da força,
da ideologia e da garra que existe neste movimento, e principalmente do valor que cada um tem
por ser um punk.
140
Um movimento, um manifesto ou um protesto que tenha base, podemos dizer que ele precise de
4 fatores: Um ideal a ser seguido, lutando por ele a qualquer custo; Um plano de Ação muito
bem feito, se possível melhor do que o sistema ao qual nos manifestamos; Uma conscientização
da população para que ela nos apóie pelo menos moralmente;O fundamental: União, que não é
esta união que se fala entre os punks, mas sim a união que todos gostariam que existisse, que
todos fossem capazes de lutar juntos por um único ideal. Existem diariamente tantas coisas
feitas discaradamente para serem criticadas ou manifestadas pelos punks que ficam se
preocupando em quebrarem vidraças, provocarem playboy, etc.
Este manifesto não quer que os punks sejam “santinhos”, mas quer que tenham o mínimo de
instrução, inteligência e consciência para que saibam como agir com aqueles que os reprimem,
e com os que lhes dão uma força. A crítica entre os punks deve ser feita cada vez mais, para que
os erros sejam corrigidos; portanto é um grande ato um colega criticar construtivamente o
outro quando este estiver fazendo algo prejudicial a quem, ou aquilo que nunca lhe prejudicou e
deixa o que lhe prejudica constantemente sem ser prejudicado. (É uma questão de empregar o
verbo prejudicar sem se prejudicar). “Sendo que estamos dispostos a receber críticas”.
Ainda existem várias coisas para serem faladas e discutidas, mas é preciso que cada punk
venha com suas próprias idéias para se chegar a um ponto comum. O primeiro empurrão já foi
dado, agora é preciso que todos empurrem esse Tanque de Guerra chamado PUNK!
Essa foi a última tentativa na década de 80 de uma possível união entre os punks
paulistanos, no entanto o ideal esperado não foi correspondido e a partir desse momento
intensificaram-se ainda mais os atritos entre as duas vertentes ABC e City e as
conseqüências foram alarmantes.
3.2 Baixas no ABC
Em 14 de fevereiro de 1983 Newton, vulgo Pepeu, morre afogado na cidade de
Santos, litoral paulista. Não se sabe ao certo sua idade mas, em um release da banda em que
tocava, consta que tinha entre 19 e 20 anos, em 1982. Pepeu com Nenê, foi um dos
principais fundadores dos Punks Anjos na região do ABC, era guitarrista da banda Rebelião
Suburbana, formada em abril de 1982, a qual tinha por finalidade divulgar idéias
anarquistas, com uma sonoridade agressiva e letras de ataque crítico à sociedade, à falsa
141
moral, e a qualquer forma de sistema. A banda era formada por Pepeu, guitarra e vocal,
Grilo (baixo), Edson (guitarra rítmica) e Mario (bateria), mas, por falta de convicções
ideológicas, os dois últimos saíram dando lugar para Filhinho (irmão de Nenê, na guitarra)
e Gordo (bateria). Pepeu costumava frisar que a luta dos punks contra as injustiças, a
podridão e a corrupção do sistema, não poderia perder mais tempo, algo tinha que ser feito
de imediato. Era um dos poucos punks do ABC que freqüentava sozinho os salões onde os
punks da city mantinham território, sem que alguém o incomodasse ou agredisse, seu porte
impunha respeito. Segundo depoimentos de alguns punks da época para o fanzine
Anarquistas Presentes, que lhe prestou uma homenagem, podemos ter alguma noção de sua
personalidade:
Denise (sua ex-esposa): tinha personalidade própria e comportamento agressivo, mas em casa
era superprotetor de sua mãe e dos irmãos. Era um companheiro que batalhava bastante sem
medir conseqüências (...) Gostava da banda Rebelião Suburbana, MC-5, Vice Squad e odiava os
Inocentes.
Pádua (vocalista das Passeatas): (...) Comportava-se com felicidade, mas quando a situação
era séria ele correspondia. Como ideal, esperava conseguir uma conscientização do pessoal
participante do movimento e, a partir daí, pregar uma revolução cultural para a massa, queria
a verdadeira liberdade de expressão. Gostava de No Fun dos Stooges, Ramble Rose do MC-5,
Vamos Rezar do grupo Passeatas.
Mauricinho: Conheceu na sua infância, sendo que quando curtia rock, ele e o Catonho o
levaram ao SBEROC e desde então foi formando sua opinião sobre ele, que seria com um irmão
que não teve (...) Era um brincalhão, mas no momento em que a situação exigia sua seriedade,
correspondia como um mano mais velho aconselhando e ajudando o amigo que estava a seu
lado, visava destruir o sistema.
Filhinho: Super positivo, (...) Incentivava muito o movimento, como ideal à anarquia, se
possível o Mutualismo (participação de todos), gostava do som General de sua própria banda
Rebelião Suburbana.
Nenê: Tipo de cara que sempre apoiava todo mundo quando era possível. Pregava o
anarquismo com garra, gostava de ser arrogante e o era, nunca se sentindo inferior a ninguém,
como eu que também não me sinto. Comportamento normal, com vida agitada pelos problemas
que passava, companheiro ponta firme, gostava de No Fun do Stooges e MC-5 no início do
movimento (...) Tinha como ideal levar o anarquismo à frente.
142
Uma das músicas da banda Rebelião Suburbana, preferida dos punks do ABC, pelo
grau de agressividade ao regime militar, chama-se Ditador. De autoria do próprio Pepeu,
muito cultuada e tocada por outras bandas da região, segue a letra:
Ditador
Ei! General Idiota/ Ditador imundo
Você é culpado pela crise nacional
Você quer nos impor este regime imbecil
Você aumentou a fome e a miséria no Brasil
Este sistema esta aí para nos foder
Você é dominado pela fome de poder
Ei! General Idiota/ Ditador imundo
Quando eu te vejo na rádio ou TV
Sinto ânsia de vômito e nojo de você
Você importa tecnologia do estrangeiro
Devia melhorar o nível de ensino brasileiro
Você gasta dinheiro comprando armamentos
Quando o nosso problema é a falta de alimentos
Você investe em usina nuclear
Quando a agricultura é que pode nos salvar
Ei! General idiota/ Ditador imundo
O desemprego nos assola
Você fica na sua
Fala em recessão quando a crise está nas ruas
Você e sua junta estão aí para reprimir
Os Atos de revolta
Contra sua podridão
Vote é sujo, imundo.
É a vergonha da nação
Ei! General idiota/ Ditador imundo
Um mês após sua morte, os componentes do grupo Ulster organizaram um show para
homenageá-lo em conjunto com outras bandas do ABC: Repressão, DZK, Passeatas,
143
Niilista, Desgoverno e Holocausto. O show ocorreu no dia 13 de março de 1983, na
Sociedade Amigos de Vila Baeta Neves, em São Bernardo do Campo, com a presença de
inúmeros punks do ABCDM e Zona Leste, e ausência evidente dos punks do centro da
cidade. O show, que começou por volta das 19h20, terminou às 22h00 novamente com a
presença da polícia militar, repreendendo e apreendendo braceletes, cintos e correntes;
houve um princípio de tensão, mas logo contornado pelos próprios punks, que tinham a
intenção de um revide. Após o show, os grupos aos poucos foram se dispersando em
direção aos seus devidos pontos de ônibus, quando nota-se a presença da Segurança do
Shopping Center de São Bernardo (vizinho à sede) munida de cassetetes e rádios
comunicadores, auxiliada por viaturas da polícia militar, fazendo ronda e vigiando à
distância a dispersão dos punks, temendo uma possível invasão deles ao estabelecimento.
A repressão sobre os punks havia se tornado uma espécie de atração corriqueira, a
maioria já estava acostumada com esse hábito e encarava a situação com uma certa
naturalidade, porém às vezes alguns problemas eram mais graves e exigiam cautela. O que
ressentia os punks era a visão que a sociedade mantinha sobre eles, como perigosos e
marginais, chegando a ponto de, inúmeras vezes, se alguém notasse a presença de algum
punk transitando perto de um bairro classe média, lojas ou patrimônio público, a própria
vizinhança conseqüentemente acionava a polícia para reprimi-lo.
Logo após a morte de Pepeu, a banda Passeatas, por divergências ideológicas interna
entre os componentes, termina. O Passeatas era a principal banda divulgadora das idéias
anarquistas e aglutinadora dos punks da região. Com seu desfecho o movimento sofre a
segunda queda. Alguns membros decidiram continuar sua militância, deixando um pouco a
musicalidade de lado e partindo para os meios de propaganda panfletária. O Passeatas
funcionava como uma espécie de “agente catalisador”, um ponto de junção do pessoal. Os
ensaios da banda acabavam virando shows e também serviam como ponto de encontro, para
debates de idéias e conscientização política.
Em fevereiro de 1984, feriado de carnaval, ocorreu a 4ª edição do Festival de Águas
Claras, conhecido como o “Woodstock brasileiro”, um evento musical que desde sua
primeira edição, em 1975, vinha contando com a presença de grandes músicos da MPB e de
rock n’ roll (João Gilberto, Egberto Gismonti, Walter Franco, Jorge Mautner, Raul Seixas,
144
Gilberto Gil, Luis Gonzaga, Mutantes, 14 Bis, O Terço, Rock da Mortalha e grupo
Apocalypsis). As outras edições foram realizadas no ano de 1981 e 1983. Todas as
realizações desse festival ocorreram na Fazenda Santa Virgínia, na cidade de Iacanga,
interior do Estado de São Paulo. Alguns punks dos Anjos, incluindo dois membros do
grupo Passeatas, propuseram a idéia de irem a esse festival no intuito de fazer uma
panfletagem de propaganda anarquista. A idéia não foi bem vista pela maioria, pois se
tratando de um festival de “MPB, para hippies e bicho grilos, o que os punks iriam fazer
lá?”; no entanto, foi respeitada a decisão de um pequeno grupo que estava predisposto a
participar do evento.
Espontaneamente, apenas cinco punks se predispuseram se locar até Iacanga: Binho
(baixista do Passeatas), Nenê (banda Niilista), Luizinho, Oray e Valdirene e saíram do ABC
um dia antes ao evento. Coincidentemente o ônibus de destino ao festival - nesse período saía da Estação São Bento do Metrô, “território demarcado” pelos punks da city. A
caminho, o encontro entre as duas facções foi inevitável; com provocações de ambos os
lados, não demorou para que um briga ocorresse. Os Anjos mesmo em minoria não se
intimidaram e partiram para o confronto - segundo testemunhas - contra aproximadamente
30 punks de São Paulo, armados com facas, correntes e revolver; mesmo em desvantagem,
o pequeno grupo do ABC, conseguiu resitir por um bom tempo. Nenê, Oray e Binho
tinham um porte físico maior e uma certa experiência em “briga de rua”, Luizinho era mais
franzino e Valdirene mais frágil, mesmo assim não hesitaram e nem se acovardaram,
ninguém recuou ao enfrentamento. Porém, em maior número, os punks da city obtiveram
vantagem sobre os punks de “bernô”, que acabaram saindo prejudicados. Binho foi
esfaqueado e Nenê atingido por um tiro nas costas por um punk de alcunha “Debilóide”.
Nenê, entre os mais velhos e “liderança natural dos Anjos”, conseguia sobressair-se nas
brigas devido ao seu porte físico, alto e forte, chegando a brigar com três ou quatro pessoas
ao mesmo tempo; era um dos mais temidos pelos punks da cidade.
Segundo relatos, nesse confronto, antes de ser atingido pelo projétil, Nenê havia
conseguido primeiro desarmar, com um chute, arrancando das mãos de “Zorro” (punk da
city) a mesma arma (um revolver Taurus, calibre 38); ao cair no chão, o revólver ficou em
uma distância mínima entre Nenê e outro punk rival, o “Sé”. Ao perceber que não ia
conseguir pegar a arma, Nenê, se esquivando, trocando socos e pontapés, chutou a mesma
145
para mais longe. No primeiro momento de alívio, tentou apanhar a arma caída no chão, mas
a distância dela entre ele e Debilóide não o favoreceu; ao observar que não conseguiria
êxito, correu em sentindo oposto. Debilóide, dono da situação, não hesitou e disparou
contra Nenê, acertando-lhe pelas costas. Tudo aconteceu muito rápido, obviamente após os
disparos, a dispersão foi imediata, mesmo sendo do lado de fora da Estação do Metrô, logo
as primeiras viaturas da polícia militar começaram a aparecer, mas, a essa altura, todos os
punks já haviam dado fuga, sem a detenção de ninguém.
Os punks Anjos de São Bernardo, sem alternativa e procurando se safar também da
repressão policial, acabaram embarcando às pressas no mesmo ônibus com destino a
Iacanga. Binho, ferido e febril, sem socorros médicos, mas amparado por seus
companheiros Luizinho e Valdirene, também machucados, prosseguiram viagem sem
saberem ao certo o que havia acontecido com os outros colegas. Nenê foi socorrido e
encaminhado para o Hospital Santa Casa de Misericórdia, no centro de São Paulo,
conseguindo a princípio resistir bem aos ferimentos; mas, infelizmente, contraiu infecção
hospitalar e veio a falecer alguns dias após, exatamente no dia 15 de março de 1984.
Os caminhos para os punks Anjos não poderiam ser mais tortuosos. Após a morte de
Nenê o desespero e a revolta abalaram a todos. Poucos tiveram uma estrutura psicológica
para prosseguir adiante, muitos não suportaram a perda e caíram em depressão, resolveram
se afastar de tudo, não quiseram mais se envolver com o movimento punk.
Como num filme de ficção, os próprios rivais iniciais dos Anjos, os punks Terror de
Pirituba, ficaram sabendo do episódio. Juvenal, um dos “líderes dos Terror”, antes mesmo
dos atritos entre as gangues terem início, havia namorado uma das irmãs de Nenê que
freqüentava os salões de rock junto com ele. Juvenal, com alguns punks Terror,
conduziram-se até São Bernardo e procuraram pela família de Nenê propondo ir atrás dos
assassinos, predispostos a se unirem com os Anjos e vingar a morte dele. No entanto, o
desejo de vingança foi abafado a pedido da própria família, que não queria saber de um
revide. Em respeito à própria mãe de Nenê, os Terror seguiram seu caminho de volta,
enquanto os Anjos decidiram manter uma trégua angustiante.
V. D., 41 anos, ao conceder uma entrevista, mostra um pouco esse momento de
angústia:
146
“(...) Logo após a morte do Pepeu, e tudo mais, o pessoal continuava ainda bem unido
na realidade, embora houve algumas dispersões mais ainda estava bem unido, nessa época
ainda, eu acho assim, o que veio mesmo a pegar foi essa a morte do Nenê. Eu lembro quando eu
cheguei na praça do Lavinia, o Fernando chegou para mim e falou: ‘pô! Deram um tiro no
Nenê cara que absurdo’. Ai eu senti que ficou uma coisa muita estranha, você começa a
perceber que o pessoal, tá meio silencioso demais, (...) Algumas pessoas acham que não valem
mais a pena continuar, então seja, fica assim, o que a gente costuma falar de alguns gatos
pingados (...) O Filhinho ainda continuou tentando reunir o pessoal na praça, o Binho, o
Pádua, que ainda apareciam por lá, o Santista (...) Mas, você percebe que nessa época, o
número de pessoas que encontrava pela praça já estavam bem menor na realidade (...) Quer
queira que não embora os princípios anarquistas, de todo pessoal de lá sempre teve aquela
história do líder natural, então sempre havia alguém que aglutinava mais a galera, o Nenê não
era daqueles caras de falar demais, como alguns outros lá, ele tinha esse princípio de líder
natural e isso agregava bastante gente e quando aconteceu essa história toda sobre a ida dele
para esse festival de Águas Claras, onde acabou sendo baleado, a gente sentiu... a gente
percebeu que o pessoal sentiu legal mesmo. Algumas pessoas acharam que não valia mais a
pena ir para a praça da COAP. Mas bem antes disso, a gente já comentava, eu e o Filhinho a
gente sempre comentava onde iria parar essa violência desnecessária. Várias vezes eu e o
Filhinho sentamos na praça para discutir sobre isso. Logo após essa historia do Nenê ter sido
baleado... a gente foi no Hospital, para visitar ele, conversamos com ele e tudo mais, houve o
comentário do irmão dele, se eu não me engano era policial, e ele comentou, que não queria
que houvesse represálias, na época. Eu vi o Nenê no hospital, e a gente conversou um pouco,
um dia ou dois depois, eu fico sabendo que ele tinha... falecido... acabei sabendo depois, eu
estava indo para escola na realidade e nem terminei a aula... acabei saindo antes, indo para
quadra encontrar algumas pessoas que ainda estavam por lá, para gente poder conversar um
pouco sobre tudo isso”.
Outros elementos também se mostram favoráveis a essa dispersão. O término da
banda Hino Mortal, no mesmo período da morte de Nenê, época em que Laércio (o
Ratinho) guitarrista do grupo, sofrera um grave acidente de moto que quase lhe tira a vida,
tendo que se afastar por um longo tempo, assim como sua banda. Logo em seguida o Ulster
também acaba por problemas de saúde de um dos componentes. Essas bandas igualmente
ao Passeatas, eram fortes aglutinadoras dos punks na região.
147
Entre outras situações agravantes, havia as constantes investigações da polícia civil
(DEIC), em busca de material subversivo e visando alguns membros de destaque dentro do
movimento.
3.3 A Repressão
O pessoal dos Anjos começou a ficar visado pelos órgãos de repressão, pela
militância séria que tinham. Entre elas, seu envolvimento político nas participações das
greves e em muitos encontros e manifestações dos trabalhadores, inclusive nas
comemorações do primeiro de maio, onde panfletavam e ostentavam bandeiras anarquistas,
gerando algumas vezes confrontos diretos com a polícia nas passeatas. Usando frases de
efeito contra o autoritarismo, não só incomodavam as autoridades, mas também a própria
CUT e o PT, que achavam que os punks só estavam ali para causar tumultuo, ignorando a
presença deles e criando uma antipatia, muita vezes taxando-os como esquizofrênicos.
V. D. analisa o posicionamento do PT contra a postura anarquista dos punks da região
e faz a seguinte reflexão sobre esse processo:
“(...) Na minha visão, essa divergência, ideológica, contextual dos punks com o PT e
com o pessoal da CUT... quer queira quer não alguns dos Anjos, participaram do início da
formação do PT na região, na realidade. O que acontecia quando o PT nos comícios, não
exatamente comício, mas, no primeiro de maio quando o PT convidava as nossas bandas, para
participar, dos eventos, as nossas bandas não eram, aquelas bandas que subiam, e meramente
tocavam terminavam de tocar, desciam do palco e acabou, o pessoal sempre tinha uma palavra
de ordem, para expressar, sempre tinham alguma coisa para dizer no microfone e isso
incomodava o pessoal do PT, o que gerou um atrito tal que, houve realmente a quebra de laços
entre o pessoal do PT com o pessoal punk... que tinham uma formação no sentido politizado da
coisa e... Acabou então se separando totalmente do PT, porque na realidade é assim, a visão do
pessoal punk: “político é político não tem meio termo”, então o PT visava à política, ele não
queria por exemplo ser criticado pelo pessoal punk. Uma coisa que para o pessoal punk é
indiferente, político é político não importa ser de esquerda ou não, se você erra você merece
uma boa crítica. Essa... essa quebra... esse racha com o pessoal do PT na época na minha visão
em si não teve muita influência na dispersão do pessoal, isso na realidade acabou acirrando um
148
pouco mais e tornou mais evidente que nós estávamos no caminho certo, porque, o que as
pessoas estão acostumadas, que o sistema esta acostumado exatamente é se servir como massa
de manobra, coisa que o pessoal punk na região do ABC não era, aliás até hoje nós não somos
massa de manobra, tanto é que nós estamos aí vivos até hoje para provar isso claramente para
todos, então seja... Isso para nossa visão é o seguinte, não importa se o partido é de direita ou
se ele é de esquerda, se ele é um partido, a tendência dele é visar o poder, e quem visa o poder
visa o domínio e a isso o punk nunca se dobrou e nem vai ser dobrar que é o caso do pessoal
Punk Anjos da região do ABC”.
Nota-se, nesse período, que os Anjos estão lutando com uma série de fatores, que vão
se intensificando e se agravando. Pressionado de diversas formas, o movimento começa a
esboçar um sinal de fraqueza.
Dando seguimento à entrevista de V. D., resumidamente nos mostra alguns desfechos
que contribuíram para essa dispersão:
“(...) O movimento matinha um manifesto em si, então havia as bandas punks que
tocavam na época e isso também funcionava como catalisador para os punks, só que isso não
era o suficiente na realidade, o que fez com que planejássemos, panfletagens, anarquistas
libertárias, por exemplo, e isso trouxe alguma repressão. Houve casos, em que certa vez na
casa do Pádua, alguém toca a campainha e não se identifica, então meramente, pedimos para
mãe dele dizer que ele não estava em casa, olhando pela janela, a gente viu que era um pessoal
arrumadinho demais, tinham paletó e gravatas, procurando exclusivamente por ele. Daí surgiu
algumas dúvidas, quem era na realidade aquele pessoal... então... a gente começou a perceber
que também na praça onde a gente se encontrava, havia algumas pessoas diferenciadas no
meio, que pareciam infiltrações, então houve uma época, que a gente tomava muito cuidado
sobre que assunto estava sendo tratado e quem estava próximo nesse momento, às vezes
cortávamos o assunto quando alguma pessoa desse tipo, chegava, mesmo ele se “fantasiando”
ali de punk. O comportamento em si deixava suspeitas. Então houve caso de chegar pessoas
desse tipo na praça e alguém conhecido vir de encontro a nós e avisar, “fica de olho nesse cara,
que esse cara é estranho, estou achando que esse cara é polícia”. Houve na realidade
infiltrações sim, de policiais civis, não só na quadra entre o pessoal punk, mas, pessoas
suspeitas tirando fotos, do pessoal, meio às escondidas. Nessa época, final do governo
Figueiredo a gente sofreu bastante com a repressão. (...) Com essa percepção... o pessoal que
estava engajado... na parte de politização ficaram apreensivos (...) Algumas pessoas ficaram
preocupadas, porém eles não voltaram atrás na atitude (...) Outras que estavam ali por uma
149
questão de moda do momento ou qualquer outra coisa... essas pessoas realmente se
dispersaram logo. No momento em que perceberam que aquilo não era uma brincadeira e a
coisa começou a se tornar séria na realidade, exatamente porque nós estávamos justamente
num final de um governo militar, embora numa transição para uma “dita” democracia, que
ainda era bem repressiva para nós na época. Tanto é que, tudo o que acontecia, a polícia
baixava na praça para encontrar a gente lá e fazer toda essa repressão... inclusive tentando
impedir a gente de se encontrar na própria praça e às vezes os caras querendo prender todo
mundo”.
Ainda nesse seguimento nota-se claramente as controvérsias e as ações repressivas. O
depoimento de V. D. mantém-se esclarecedor acerca das constantes ações policiais sobre os
Punks Anjos, intencionados realmente na dispersão do grupo.
“Nessas visitas rotineiras da polícia militar, eles aproveitavam o embalo para
sobrepor sua autoridade irracional, ou seja, espancava o pessoal. Quer queira ou quer não
sempre arrumavam alguma forma de agredir alguém do nosso grupo. Arrumavam uma
desculpa qualquer (...) Certa vez tentaram revistar uma de nossas amigas de grupo, um dos
policiais envocou que tinha que passar a mão nela para revistar, um dos companheiros foi o
primeiro a falar mais alto aí houve um balburdio, entre o agrupamento de punk e a polícia
militar, que aproveitou o embalo para agredir esse nosso amigo. Mesmo assim o pessoal não se
sujeitou e fomos ameaçados de ser presos, essa não a foi única vez, houve várias outras, onde a
polícia militar sempre chegava com a sua truculência para tentar impor o seu poder sobre o
pessoal dos Anjos.(...) O que acirrava mais ainda a nossa visão politizada e de contestação
perante a polícia militar e o poder público, ou seja, os punks já no final da década de 70 e
depois, uma boa parte na década de 80, nós os Anjos, ainda estávamos juntos. Acirrando ainda
mais, nossa visão sobre o comportamento truculento da polícia militar sobre aqueles que não se
sujeitavam à determinação do sistema, lembrando novamente que nós estávamos no final de um
governo militar onde os militares achavam que eram donos de tudo e de todos, embora isso
hoje, ainda não tenha mudado muito”.
3.4 Reestruturação: um sonho além de distante
No final de 1984, a redução do número de punks que freqüentavam a quadra do
Lavinia no Bairro Assunção em São Bernardo do Campo foi bastante significativa. O
150
percentual inicial de aproximadamente 200 componentes baixou para 30 atuantes, e no final
de 1985 (término da ditadura militar) apenas uma minoria procurava ainda esboçar uma
reestruturação. Diante dessa resistência houve a proposta de se criar um movimento
paralelo ao punk, intitulado “Movimento Básico”.
A iniciativa partiu de F.J.G.R., ex-Passeatas, que estava interessado em reverter o
quadro instaurado, com o intuído de se livrar das normas taxativas vistas pela sociedade e
da própria repressão. O Movimento Básico seria uma proposta inovadora que não romperia
definitivamente com o punk em si, mas um movimento que não se identificaria mais com
sua conotação, seguiria paralelo a ele, atuando no underground, intencionado a ficar
despercebido aos olhares das autoridades, tanto esteticamente quando ideologicamente.
Vejamos alguns trechos dessa proposta:
Proposta
Criação de um movimento “daqui” que seja o equivalente do que significa o punk lá fora, ou
seja, pegar a essência do punk e adaptá-lo totalmente aqui.
A criação desse movimento é importante, pois, criando um movimento que seja nosso, ele
passará a ser o centro das atenções daqui e não lá de fora. O punk não é uma criação nossa,
nós deixaremos de sermos filial e seremos matriz. Mas, logicamente esse movimento será
semelhante ao punk, pois será baseado nele. Alguma coisa do punk é deslocado para nós, a
começar pela própria palavra, a bandeira da Inglaterra, ou de qualquer outro país, fora as
camisetas de grupos estrangeiros e os emblemas desses grupos (...) Desenhos relacionados
tipicamente com o punk (pessoas com cabelo moicano, alfinetes, cadeados, etc.). Nada disso é
para nós (...) Não há motivos lógicos para usar essas coisas, alfinete, correntinhas, clipes etc., e
falar que isso é forma de protesto, isso não deixa claro para outras pessoas contra o que se está
protestando. Um protesto deve ser claro e nada mais claro que frases escritas na nossa língua
(estejam onde elas estiverem) ao invés de camisetas e emblemas de grupos estrangeiros, pois
eles não precisam de nossa propaganda, mas os daqui sim. Já que é para divulgar coisas
ligadas a um movimento, pelo menos que divulguem o movimento daqui, e um nome encaixa
bem para isso, o Movimento Básico.
1º Básico, pois seria a base de qualquer coisa, pois sem base não se constrói nada.
2º Básico também é relacionado com o primitivo, no sentido de sem sofisticação, simples e de
linguagem direta e clara.
151
Nesse movimento todas as formas seriam válidas para expressar o que se pensa: a música, a
roupa, pichação, jornal, teatro, pintura... basta apenas ter como fazê-las. Seria um movimento
de liberdade de expressão (...) De crítica social (...) Diz respeito a um desabafo de pensamentos
e sentimentos, “pensar sobre o que se sente e sentir o que se pensa”.
As turmas que formassem parte do básico seriam turmas de tendência política e não que fossem
a procura de encrenca. As atitudes também precisam ser revisadas para não serem feitas coisas
que prejudiquem, não só uma pessoa, mas a todos do grupo.
O punk já deu tudo o que tinha para dar (...) É necessário criar uma coisa nova (...) Quando se
está em posição de frente, de vanguarda, não se espera que outros criem coisas, a vanguarda é
quem cria as novas coisas, e nós estamos nessa posição, então temos que criar.
(...) É necessário criar-se algo, pois, se não a tendência é que o espírito de renovação e
motivação acabe por não evoluir, morre. Renovar é preciso!
Nota-se que as reivindicações acima mostram-se em alguns pontos contraditórias com
conceitos “nacionalistas”. Percebe-se na elaboração desse texto que há uma confusão entre
nacionalismo e anarquismo. Ao pensar “formalizar um movimento daqui”, ignorou-se a
proposta “internacionalista” do punk, que é exatamente uma luta contra todo tipo de
autoritarismo, visando um mundo sem fronteiras, conduzindo suas formas expressivas
mutuamente para todos os continentes, um dos princípios básicos do anarquismo. Por outro
lado há de se convir que se trata de uma proposta de um escapismo imediato, uma tentativa
de driblar a perseguição midiática e a represália policial, compreensivo para um momento
confuso, de reflexão.
O Movimento Básico não obteve êxito, foi ignorado e interpretado pelos punks como
sendo “o fim do movimento punk na região”. Mas o próprio movimento de São Bernardo já
se mostrava agonizante e todas as tentativas de reorganizá-lo fracassaram. No final de
1985, os Anjos se encontravam praticamente dispersos.
As novas bandas que até então haviam se formado a partir de 1984 preferiram seguir
uma trajetória independente, se deslocando do grupo. Não abandonaram exatamente o
movimento punk em si, mas preferiram divulgar seu pensamento, visando mais para o lado
da musicalidade, desvinculando-se do apelo ganguista. Entre essas bandas se encontram:
DZK, Disritmia, Círculo Vicioso e Desgoverno. Outras, porém, não quiseram mais se
152
identificar com a imagem negativa que prevaleceu sobre o punk, preferiram não se rotular e
partiram em busca de novos espaços. Tentaram expandir suas músicas e suas idéias para
um público maior, diferenciado. Nesse caso destaca-se a banda Libertação Radical, como
um dos grupos mais expressivos politicamente da região do ABC nesse período, que
merece uma atenção maior por se tratar das últimas fontes expressivas com que os punks
ainda poderiam contar, o que veremos a seguir. Já o grupo DZK é a única banda que se
encontra na ativa até os dias atuais, as outras bandas mencionadas nesse parágrafo foram
extintas.
3.5 Libertação Radical: guitarras como armas
O Libertação Radical, mesmo não se identificando como uma banda punk, em seus
shows conseguia reunir uma significante parcela deles. Até mesmo alguns remanescentes
dos Anjos que após a dispersão prestigiavam o trabalho do grupo. O registro que se segue
foi elaborado através de releases da banda e pequenas notas publicadas em jornais e revistas
da região do ABC.
O Libertação Radical foi uma dissidência do grupo Passeatas. Com o término deste,
dois de seus componentes, L.G. e F.J.G.R., tentaram continuar os trabalhos que estavam
sendo realizados, no entanto, com uma proposta musical mais elaborada, de conteúdo
político e libertário. No início a banda estava precisando quase de tudo, resolveram superar
os obstáculos completando a formação com um componente que se encaixasse no seu
contexto ideológico. O problema foi resolvido no final de 1984 com a entrada de Miro, no
contrabaixo, formando um trio. Os próximos problemas enfrentados foram em arrumar
aparelhagem e local para ensaiar; isso só foi possível no ano de 1985. Logo de início,
alguns ensaios foram interrompidos com a presença da polícia, não só pelo barulho que
possivelmente incomodava a vizinhança, mas pelo seu conteúdo político e contestador.
Em sua trajetória o Libertação Radical passou por diversas dificuldades, entre elas a
falta de espaços para se apresentar, que acabavam sendo esporádicos. No pensamento de
seus integrantes, sabiam que era tolice sonhar com “fama e sucesso” (não tinham essa
153
pretensão), quando não se faz “um som modelo FM e não se têm amigos na crítica”, e
principalmente quando se trata de um grupo “proletário” sem dinheiro para autoinvestimento (essa crítica é direcionada por eles, as bandas tidas como “comerciais” no
período, o que veremos no decorrer desse texto). Por esse motivo, todos os componentes do
grupo viviam de suas profissões (L.G. era Metalúrgico na Ford Caminhões, F.J.G.R.,
Desenhista e Miro, Bancário). Estavam cientes que não conseguiriam viver de música, mas
também não fariam concessões para mudar a postura política do grupo, o que já vinha
acontecendo com outras bandas de maior fama, sob pressão das próprias gravadoras.
A intenção do Libertação Radical era divulgar o pensamento libertário através de suas
canções, procurando atingir o maior número de pessoas possíveis que se identificassem
com a proposta musical e ideológica da banda.
O som do Libertação Radical é uma fusão de vários estilos musicais, uma das bandas
pioneiras do estilo “crossover” (fusão de diversos rítmos) na região do ABC. Mesmo tendo
como raiz o punk rock, a banda misturava em suas músicas: Blues, Reggae, Hardcore e
Hard Rock, suas letras de extremo conteúdo político radical.
Em dezembro de 1985 participam do 1º Festival de MPB da CUT-ABC, realizado no
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Onde 67 músicas foram inscritas,
30 participaram e o Libertação Radical obteve o 1º lugar, sendo a segunda vez que a banda
se apresentava ao vivo.
O Suplemento Informativo da Tribuna Metalúrgica filiada à CUT, ano VI, nº 917,
dirigido por Jair Antonio Meneguelli, traz um anúncio desse festival:
Começa nesta sexta-feira, 13 de dezembro, o 1º Festival de MPB da CUT-ABC, um
acontecimento inédito no País: pela primeira vez, o trabalhador será o tema central de um
festival de música, cujo temário tem três opções: a realidade brasileira, o jovem e a sociedade e
a luta dos trabalhadores.
Serão três dias de festival. Tanto na sexta-feira como no sábado serão apresentadas 15
músicas por noite, das quais sairão cinco finalistas. Domingo é a grande final, que começa às
19:30 horas. Nesse dia, das 10 músicas classificadas, serão escolhidas as três melhores
composições, que receberão prêmios em dinheiro e troféus.
154
O grupo Língua de Trapo, que todos os companheiros já conhecem, encerrará o
festival com um Show.
Inscreveram-se ao Festival de MPB da CUT-ABC um total de 67 músicas. Foram
classificadas 30 e seus autores pertencem a diversas categorias, como metalúrgicos,
professores, bancários, têxteis, comerciários, correios, químicos.
Dessas 30 classificadas, 10 músicas são de autoria de companheiros metalúrgicos de São
Bernardo e Diadema: Caixão Lilás, Pedro Pintor, O Canto dos Pássaros, Cabra Valente
(companheiro da Volkswagen); Força da Terra, Real Realista (companheiros da Conforja);
Santo Homem Brasileiro (companheiros da Brastemp); Estrela matutina (companheiros da
Ford); Realidade (companheiros da Mercedes); e Custo de vida (companheiros da Scania).
O júri será composto por nove pessoas: Wandy (do grupo Premeditando Breque); Laerte
Sarrumor (do Língua de Trapo); Claudia Regina (cantora); Roberto Baraldi (Jornalista);
Bocatto (Instrumentista e Arranjador); Fernandinho (Produtor do Olhar Eletrônico); Robson
Miguel (Maestro).
Dentre os Jurados houve também a participação de Solange, locutora da rádio 97 FM,
porém seu nome não fora divulgado na lista dos júris. Para os músicos da banda Libertação
Radical, e para alguns punks dos Anjos que foram prestigiá-los, esse Festival teve um certo
“ar de revanchismo”, um troco ideológico acerca das inúmeras divergências entre eles e
lideranças sindicais. Além de se tratar de um festival em que a maioria dos grupos que se
apresentaram eram de MPB, a única banda de “rock” inscrita foi a que saiu vencedora.
Mesmo se sentindo como “intrusos na casa dos políticos rivais”, o festival foi ganho
honestamente, sem tirar o mérito da banda que foi eleita unanimemente pelos jurados,
descartando a possibilidade de fraudes; mesmo se houvesse, o prêmio com certeza estaria
nas mãos de alguns dos grupos formados de dentro das fábricas, deixando claro que foi um
festival de MPB promovido pela CUT-Central Única dos Trabalhadores, elaborado por
Vicente Paulo da Silva (o Vicentinho) e Jair Meneguelli, uns dos principais líderes sindicais
do período.
Esse festival foi de grande importância para a banda Libertação Radical, que
posteriormente foi convidada a participar de alguns eventos elaborados pela CUT (Primeiro
de Maio e Dia Internacional da Mulher). A Banda, por sua vez, nunca abandonou sua
postura ideológica, mesmo diante da desaprovação de alguns líderes e militantes sindicais
155
tidos como “Socialistas Autoritários”. Em suas apresentações, as mensagens anarquistas
dirigidas ao público, antes mesmo de começar alguma canção, eram bem receptíveis,
obtendo algum prestígio e se apresentando principalmente em atos políticos, alguns Shows
beneficentes e Atos Ecológicos.
O Libertação Radical, mesmo não se rotulando como punk, foi a banda que “lavou a
alma deles” por algum tempo. Mesmo após a dispersão na quadra do Lavinia, os punks se
concentravam em torno dos Shows que a banda apresentava. Na sua trajetória histórica dois
acontecimentos foram marcantes. O primeiro ocorreu dois anos após a formação da banda,
que em busca de espaço para se apresentar se predispôs a tocar num comício do PT onde
Luiz Inácio da Silva, o Lula, estava iniciando sua campanha para presidente. As bandas
participantes tiveram que se inscrever em um dos núcleos do PT, na Rua dos Vianas, ao
lado do Paço Municipal, centro de São Bernardo do Campo. As bandas não tiveram direito
a cachê, mas sim condução garantida que iria conduzi-las aos locais dos comícios. Os
Shows foram realizados em cima de uma unidade móvel, um caminhão que se transformava
em palco, apelidado de “PT Móvel”.
Para esses comícios, as bandas tiveram a liberdade de escolher os locais de
preferência para se apresentarem, haja visto que eles só ocorreram na cidade de São
Bernardo do Campo. A banda Libertação Radical preferiu tocar em alguns bairros onde a
presença do público seria maior. Entre esses locais, foi escolhido a própria quadra do Jd.
Lavinia, no Bairro Assunção, antigo reduto dos Punks Anjos, que coincidentemente
localizava-se aproximadamente a 150 metros da casa do Lula.
Em um show anterior, a banda Libertação Radical sofreu um descaso e ficou à espera
da comissão do evento que iria buscá-la no local combinado e não compareceu. Sem
condução, a banda resolve ir mesmo assim, levando os instrumentos no ônibus, até ao local
onde se realizaria o comício. Ao chegar, em uma praça no Bairro Demarchy, não estava
sendo realizado nenhum evento; frustrados, os integrantes seguiram caminho de volta. No
segundo Show, na quadra da COAP, Jd. Lavinia, as expectativas eram enormes, tanto para
a banda quanto para o público presente, pois inúmeros punks haviam retornado a seu local
de origem, e queriam prestigiar as bandas que ali iriam tocar, além do Libertação Radical a
banda Disritmia. Antes mesmos de subirem ao palco, algumas hostilizações caíram sobre os
156
músicos da banda Libertação Radical, que começaram a sofrer um descaso por parte da
comissão organizadora, que passou a ignorá-los com ar ameaçador. Os integrantes da
banda, mesmo sem saber ao certo o que estava acontecendo, subiram ao palco para se
apresentar. Lula acabara de fazer seu discurso político, e a banda logo em seguida começa a
tocar. No intervalo entre uma música e outra, o apresentador indiscretamente caçoava do
pessoal da banda com piadinhas maliciosas direcionadas a eles, o que gerou um clima de
revolta nos integrantes.
Ao terminar o espetáculo, F.J.R.G. não perdeu tempo e deu o revide soltando a voz no
microfone com inúmeras frases de protesto anarquistas, entre elas: “O povo que permanece
unido não precisa de partido”, arrancando aplausos do público presente. Enquanto ainda
guardavam os instrumentos, antes mesmos de descerem do palco (sob os olhares de
reprovação de Lula, quieto em um canto), Mauricio Soares (posteriormente prefeito da
cidade), militante petista nesse período, foi tirar satisfação com os integrantes da banda,
ameaçando-os e com a intenção de agredi-los, juntamente com os “Leões de Chácara do
PT” (seguranças), presentes em todos os comícios. Os músicos por sua vez não se
intimidaram; depois de muita discussão, Mauricio Soares se esquivou percebendo que
naquele momento as conseqüências poderiam ser drásticas, pois se encontrava no espaço de
aglutinação dos punks, e vendo de um dos integrantes da banda apontando em direção de
um volumoso agrupamento de punks: “Se liga, você não está na sua área, se encostar a mão
na gente tá vendo aquele grupo ali, incendeia toda essa merda”. Não se soube ao certo o
motivo da desavença, a princípio se pensou no impasse anterior sobre o show que não havia
sido realizado, surgindo dúvidas se a banda fôra ao local certo ou não, mas depois ficou
esclarecido, por se tratar de uma banda de cunho anarquista, e que já vinha se apresentando
dentro dos próprios eventos promovidos pela CUT e PT fazendo propaganda a respeito,
certamente não seria aceita por uma esquerda que já se apresentava como autoritária, na
época.
A bronca dos punks com o PT já vinha de longa data. Segundo alguns relatos, a idéia
do PT era propagar sua política sobre esses jovens contestadores, a fim de “recrutá-los” a
seu interesse político partidário. V. D. em sua entrevista aponta que a pretensão do PT era
usar os punks como “massa de manobra”, mas não conseguiu, por se tratar de jovens
anarquistas.
157
“O nosso posicionamento político e tudo mais com o PT é que eles achavam que nós,
por sermos também um pessoal de esquerda, aceitaríamos ser manipulados por eles. Na época
distribuíram para nós, alguns informativos do PT e sobre a esquerda, conversaram com a gente
na época e nessas conversas a gente acabou arranjando local para ensaio das bandas na casa
de alguns petistas nos núcleos do PT. Nos usávamos essa casa durante a tarde e final de
semana para ensaiar as bandas. Só que o nosso relacionamento com eles na época era
meramente espaço de ensaio, e sendo bandas punks a gente não tinha dinheiro para locar
algum local. Então para nós, era útil aquele espaço cedido pelo pessoal do PT, mas pelo visto a
visão do pessoal do PT em cima disso, ou seja, era a possibilidade de manipular o pessoal punk
dentro da proposta política deles, daquilo que esperavam, daquilo que eles queriam, ou seja,
voltando a história da massa de manobra, uma coisa que o punk nunca se submeteu na
realidade, os verdadeiros punks, vamos deixar bem claro isso, eles são sempre contestadores,
não aceitam o domínio, não aceitam as lideranças e isso começou a incomodar o pessoal do PT,
e o que nos levou ao racha mais tarde. Diferentemente do que acontece hoje de você pegar
qualquer comício, qualquer show aí de trabalhadores, uma coisa que não irá encontrar é uma
banda punk. Diferentemente dos grupinhos rappers que aceitam esse domínio que abraçam e
beijam e estão sempre junto com o pessoal aceitando essa massa de manobra, uma coisa que o
pessoal punk nunca aceitou. É por isso que hoje nos não estamos juntos nesses shows,
promovidos pela CUT e pelo Sindicato de um modo geral que fazem por aí.
(...) Por exemplo, com o Libertação Radical na época, houve realmente um pega meio pesado
entre pessoal do PT e o pessoal da banda, quase saiu um quebra. Porque eles não aceitavam
determinadas coisas que estavam sendo ditas em cima do palco como: “você não aceitar a ser
dominado”, “político é corrupto”, coisas do gênero. Eu não diria assim que houve uma
repressão em cima, mas houve uma cobrança sim, pela forma, pela postura do pessoal punk em
cima do palco, que era totalmente diferente das bandas comuns que você encontrava na época”.
Nesses eventos realizados pela CUT, a banda Libertação Radical dividiu o palco com
grandes nomes da MPB, como: Gonzaguinha, Alceu Valença, Zé Geraldo, Renato Teixeira,
grupo Raíces de América, entre outros. Com uma certa discriminação: foi a única banda
que nessas apresentações não recebeu cachê para tocar, mas mesmo assim se propôs a se
apresentar em respeito ao público que ia prestigiá-la.
Um segundo acontecimento que também marcou a história da banda ocorreu em um
período em que inúmeras bandas estavam se lançando comercialmente no mercado
158
fonográfico e na mídia. Época conhecida como a explosão do rock nacional, ou Brock 77 ,
favorecido pelo fim da ditadura militar e pelo processo de abertura política. O rock nos
anos 80 predominou na rádio difusão e programas televisivos, a discriminação sobre ele
havia diminuído, explicável por não mais se tratar de uma questão de rebeldia e sim de um
modismo, voltado para uma sociedade de consumo. Dentro desse contexto o Libertação
Radical, viu os espaços se delimitarem, cedidos à nova safra de centenas de bandas fúteis e
sem conteúdo, que em sua maioria tinham a pretensão de se lançar na mídia visando
meramente fama e status. A banda seguiu seu caminho sem se render a todo esse processo.
Em 17 de agosto de 1989 participam de mais um festival de música, dessa vez promovido
pela 89 FM, rádio rock de São Paulo, com o patrocínio da Philips, onde 1.017 bandas foram
inscritas, ficando entre as 36 classificadas. Matéria editada no lançamento de uma revista
mensal da região de nome Aliás, intitulado “Pelas bandas do ABC”, trás um recorte da
participação do Libertação Radical nesse evento e aponta para as dificuldades das bandas
do ABC em conseguir espaços para se apresentar:
Em agosto deste ano a banda foi classificada para o 89 Fest Rock, promovido pela
radio 89 Fm, entre mais de 1.000 inscritas. Sua participação que ocorreu no Dama Xoc, agitou
a platéia, mas não emocionou todos os jurados, que a preteriram na seleção de oito bandas que
se classificaram com direito a uma faixa de gravação em um disco. O Libertação Radical
continua se apresentado em eventos esporádicos, como forma de divulgar seu som libertário.
(...) Em função da abertura de espaços que sempre foi o maior problema das bandas da região,
jovens, filhos da urbanidade, seus sons refletem a agonia, revolta ou simplesmente o desbunde
contra a sociedade de consumo - inimiga número um do som marginal. Impregnadas de
ousadias e falta de recursos, as bandas que proliferam no ABC, sem conseguir espaços para se
apresentar, são a expressão mais acabada de um movimento que radicaliza, em suas mais
variadas vertentes, a contracultura dos anos oitenta. Pelas bandas do ABC, vagueiam
difundindo suas músicas e propostas, cultivando adeptos e críticos 78 .
As músicas e letras do Libertação Radical em sua maioria foram escritas por F.J.G.R.;
os arranjos, por sua vez, contavam com a participação de todos os integrantes. O Libertação
77
78
O termo Brock foi definido por Arthur Dapieve, para designar o rock brasileiro dos anos 80.
ROVAI, Renato e GORCZESKI, Denise. Revista Aliás, setembro de 1989, ano 1, nº 1, p.19, ABC, SP.
159
Radical se desfez em 1992 por desentendimentos internos e não deixaram nenhum registro
fonográfico. Existem algumas gravações raras em fitas demo e caseiras, de má qualidade,
mas audíveis. A banda ficou marcada na história dos punks do ABC por sua proposta
ideológica, sua visão crítica de mundo e principalmente contra uma nova esquerda, que na
sua ótica havia se desvirtuado do caminho revolucionário, postando-se conservadora e
autoritariamente.
Entre suas letras encontram-se duas que foram inscritas nos dois festivais
mencionados, “Ser Humano”, no 1º festival da CUT, e “Selvagem”, no festival da 89 FM:
Ser Humano
Jovens/ Velhos
Mulheres/ Homens
Brancos/ Não brancos
Civis/ Soldados
Pessoas sobre a terra
Como essa história acabará
Pessoas sobre a terra
É preciso, é preciso, é preciso;
Se Libertar
Explorados/ Exploradores
Governados/ Governantes
Rebeldes/ Moderados
O Ser Humano/ O capital
Pessoas sobre a terra
Como essa história acabará
Pessoa sobre a terra
É preciso, é preciso, é preciso;
Se libertar
Humanos, somos humanos e não números em porcentagens.
Selvagem
Eu não quero uma casinha complexa
Eu não quero um cãozinho complexo
160
Eu não quero uma menina complexa
Eu não quero os meus complexos
Eu não quero os seus complexos
Eu não quero ser complexo
Mas que tudo é
Mas que tudo é
Mas que tudo é
Tudo é tão complexo, a minha vida
Tudo é tão complexo, a sua vida;
Mas tudo é tão complexo;
3.6 O Rock Nacional Pega Carona No Punk
A partir de 1984, as freqüentes aparições de bandas rotuladas como “pseudo punks”
na mídia já haviam se tornado algo comum. Apareciam freqüentemente em programas de
televisão e suas músicas eram tocadas diariamente nas rádios AM e FM de todo Brasil. A
maioria dessas bandas eram “pré-fabricadas”, ou seja, produzidas esteticamente pelas
próprias gravadoras e lançadas oportunamente no mercado musical. O interesse das
gravadoras era expandir o mercado fonográfico visando um público de jovens
consumidores passivos. A exemplo do que acontecera com o movimento punk nos Estados
Unidos e Inglaterra, onde todo um sistema direcionado à mídia, incluindo as grandes
gravadoras, criou uma versão bem comportada do punk, a New Wave.
Mesmo chegando com atraso no Brasil, esse modismo se proliferou e ficou conhecido
como a New Wave Nacional; absorveu uma certa sonoridade punk, mas, com rítmos mais
pops, com letras cantadas em português e um visual “Punk chique”. Entre essas Bandas se
destacaram nomes como: Gangue 90 e as Absurdetes, Blitz, RPM, Capital Inicial, Legião
Urbana, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens,
Camisa de Vênus, Titãs, Zero, Metrô, Nenhum de Nós, Plebe Rude, e inúmeras outras que
se tornaram populares.
Uma nova geração em busca de sucesso que conseguiu sobressair-se na mídia, devido
o fato de a maioria possuír respaldo de pessoas influentes, gente ligada à moda, à imprensa,
161
ao meio empresarial, militar e político. A maioria dessas bandas tinha em sua formação
filhos de políticos, embaixadores, diplomatas, militares, chanceleres, donos de grandes
gravadoras. Vinham das camadas mais favorecidas possíveis, o que facilitava a inserção ao
meio artístico e sua autopromoção. Em evidência as bandas formadas em Brasília, que
veremos adiante.
Arthur Dapieve designou esse período como BRock, uma ascensão do rock brasileiro
que prevaleceu de 1984 até meados dos anos 90. Essas bandas eram formadas por jovens de
classe média, com posturas totalmente adversas à empregada pelos punks autênticos, que
não zelavam por mídia.
Outro aspecto importante a considerar na trajetória do BRock, é seu relacionamento
com a conjuntura político-econômica brasileira. Ponto pacífico: ele não teria sido possível sem
o processo de redemocratização conduzido, aos trancos e barrancos, pelo governos de
redemocratização Geisel (1974 -1979) e João Figueiredo (1979 -1985) e exigido nas ruas pelas
multidões que empolgaram a campanha das Diretas-Já (1984). Teria sido impossível fazer um
rock (in) decente, cantado em português, sob violenta censura. Por outro lado, o uso forçado do
cachimbo deixaria a boca da MPB torta. Quando a vigilância foi abrandada, ele teve
dificuldades de se livrar de seus antigos artifícios de sobrevivência – linguagem rebuscada,
metáforas impenetráveis, primado do subentendido – e falar olhando nos olhos de novos
públicos, sobretudo o jovem urbano. Nesse sentido, a MPB desempenhou aqui o papel de vilão
que lá fora pertencera ao rock progressivo. “A MPB não supria as necessidades da minha
geração, a geração da abertura”, confirma Herbert Vianna, filho de militar. “É claro que isso é
um fenômeno de classe média”.
Sendo um fenômeno de classe média, o BRock precisava de uma ponte para alcançar o
povão. Essa ponte surgiu na figura de um plano econômico, O Cruzado, anunciado pelo
presidente civil José Sarney (1985-1990) numa reunião ministerial em 28 de fevereiro de 1986.
Tal plano pretendia brecar a inflação, que fechara o ano anterior em 233%. Suas principais
medidas - congelamento geral de preços, gatilho salarial caso a inflação atingisse 20%,
reajuste de 16% do salário mínimo, abono geral de 8%, deflação das dívidas contraídas em
cruzeiros – abriram as portas da sociedade de consumo a cerca de 20 milhões de brasileiros
que sobreviviam com um salário-mínimo ou menos. Essa gente saiu comprando, comprando e
comprando, inclusive discos. Foi um ano de grandes vendagens: “Selvagem”, dos Paralamas,
logo atingiu a marca de 300 mil cópias; “Dois”, do Legião Urbana, chegou às 800 mil; e,
campeões, “Radio Pirata” – Ao vivo”, do RPM, comoveu mais de dois milhões de
162
consumidores. Naturalmente, na cola desses números as gravadoras despejaram nas lojas
dezenas de outras bandas. Nunca foi tão fácil
79
.
Os punks de São Paulo, em um contexto geral, não deram a mínima para esse
processo de redemocratização e antes mesmo da abertura política, “nos anos de chumbo”,
cantavam canções de protesto em português, com ataque direto ao sistema repressivo
militar, uma atitude pioneira na história do rock nacional. Muitos artistas consagrados da
MPB mostravam em suas canções temas com letras metafóricas como sendo uma maneira
de se precaver diante de um regime opressivo. Essa postura adotada pelos músicos da MPB
sempre foi alvo de crítica dos punks paulistanos, como uma atitude vergonhosa e covarde.
A repulsa dos punks recai, também, sobre essa nova safra de bandas “pré-produzidas”, a
maioria delas formadas em Brasília, que conseguiram sucesso transitando entre o eixo “Rio
- São Paulo”. Quase todas tiveram suas raízes fincadas no punk e pretensiosamente
reivindicaram o nascimento do movimento punk no Brasil, como sendo em Brasília, alvo
de inúmeras críticas e discordâncias pelos punks paulistanos.
Em Brasília os primeiros punks começam a aparecer a partir de 1979 nos blocos
residenciais dentro da Universidade UNB (Universidade de Brasília), “A Colina 80 ”,
denominados como “Turma” ou “Turma da Colina”, posteriormente se juntaram com
pessoas de outros blocos, entre eles o da “104 Sul 81 ”.
Da Colina nasceram às bandas Aborto Elétrico e Blitz 64, que logo se romperam,
formando outras duas já mencionadas anteriormente, Legião Urbana e Capital Inicial. As
bandas criadas ali vivenciavam uma realidade extremamente oposta a dos punks
paulistanos, em específico aos do ABC, de origem operária, que viviam em áreas pobres,
suburbanas ou periféricas, muitos se encontravam abaixo da linha da pobreza. Quase todos
punks em Brasília pertenciam à classe média.
Sintetizando os depoimentos de alguns punks do ABC, chega-se ao consenso de que a
questão do punk em Brasília teve maior preocupação com a estética, do que com o modo de
vida e ideologia. As bandas possuíam temas políticos em suas canções, porém não tão
diretos e extremistas quanto os punks paulistanos e do ABC (Fazer música de protesto, a
79
BRock, o rock brasileiro dos anos 80, p. 2001.
A colina é um conjunto de blocos residenciais que fica dentro da UNB (Universidade de Brasília) e é a
principal referência da Turma. Foi lá que apareceram pos primeiros punks da cidade. Diário da Turma, p. 14.
81
Superquadra com blocos estatais destinados aos diplomatas e aos militares. Diário da turma, p.20.
80
163
partir de então, já havia virado um certo modismo). Essas novas bandas nutriam-se de
inúmeros privilégios, instrumentos e equipamentos importados, espaço na mídia televisiva,
shows extensos. Com suas músicas divulgadas nas rádios AM e FM, consecutivamente,
conseguiram pegar prestígio rapidamente, porém em um período posterior e não tão
conturbado politicamente como o início do que ocorrera com o movimento punk em São
Paulo. Ressaltando novamente, elas conseguiram sobressair devido à “Abertura Política” e
com o fim da Ditadura Militar, além de serem apadrinhadas por pessoas influentes.
Muitos apartamentos de Brasília são estatais. Alguns blocos de determinadas
superquadras são destinados a políticos, militares, funcionários públicos em geral, entre outros
profissionais. No caso da 104 Sul, há blocos destinados aos diplomatas e aos militares. Como é
comum haver viagens nessas profissões, aconteciam muitas idas e vindas de famílias. Talvez,
por isso mesmo, nos anos 70 a 104 Sul também tenha chegado a servir de ponto de encontro, e
as pessoas que moravam pelas redondezas costumavam freqüentar a quadra, que também tinha
bandas que ensaiavam dentro dos apartamentos. Esses ensaios serviam de passatempo para
muita gente. Várias pessoas viram um instrumento pela primeira vez em um deles. Também
havia troca de informações, porque um grande número de pessoas que chegavam do exterior
traziam discos e instrumentos importados, além de publicações como a New Musical Express,
Melody Maker e Rolling Stones.
82
Todas as tendências musicais surgidas posteriormente na década de 80 foram
criticadas pelos punks do ABC, como uma moda chula e alienante que não condizia com a
própria realidade, vista dessa forma: “As modas vêem e vão, mal acaba uma forma-se outra
pior que a anterior e assim perduram. Dentro de uma sociedade de consumo e de controle,
faz-se o uso necessário de sistemas torpes que têm por finalidade induzir as pessoas à
falência intelectual e torná-las um consumidor passivo”.
As bandas punks genuínas, frente às inúmeras dificuldades, e aquelas que
conseguiram se sobressair diante “desse processo de exclusão” continuaram manifestando
suas formas no underground paulista e no ABC, carregando consigo a fidelidade e
honestidade dos protestos ideológicos do punk.
82
MARCHETTI, Paulo. “O diário da turma, 1976 – 1986: a história do rock de Brasília”, p.20, 2001.
164
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta inicial adotada pelos Anjos do ABC, mesmo que aparentemente se
apresentasse de forma rudimentar naquele período, contribuiu para que as futuras gerações
elevassem a cultura Punk para diferentes ares. Essa se vinculou definitivamente aos ideais
anarquistas, repudiando todo o tipo de autoritarismo e repressão, e continuou procedendo
sua crítica contra a futilidade, comodismo, moralismo, nazi-fascismo, racismo e outras
formas opressivas e preconceituosas, que, para eles, deveriam ser totalmente extintas. A
herança punk de 77 se faz presente na crença de que os indivíduos ou a humanidade
necessitam ser livre para se emancipar e se autogerir, combatendo todas as formas de
opressão.
(...) O movimento anarquista, evidentemente, é muito antigo no Brasil, e data pelo
menos das duas últimas décadas do século XIX. Depois da grande crise que passou nos anos
1930, parece que nos ano de 1980 viram seu renascimento muito gradual, fruto da abertura
“democrática”, do legado político dos movimentos dos anos 1960 e 1970 e da consolidação da
orientação política do movimento punk (...) 83 .
Mesmo com a dispersão dos Anjos, o ano de 1985 não significou um fim, ao
contrário, o movimento punk continuou se intensificando mesmo após essa data, tanto no
ABC, quanto em outras regiões metropolitanas de São Paulo, inclusive no interior do
Estado, seguindo diferentes progressões, por um lado com o início de novas facções mais
organizativas, como as correntes ativistas Anarco Punk, e algumas de suas formas
83
Ryoki, André e Ortellado, Pablo - “Estamos Vencendo, Resistência Global no Brasil” - Conrad Editora do
Brasil LTDA, SP, 2004, p. 9.
165
expressivas: Punks Anarco feministas, (grupo defensor dos direitos da mulher e da
liberdade sexual), Punks Zapatistas (grupo de apoio ao EZLN – Exercito Zapatista de
Libertação Nacional – Chiapas – México), Punks Ecologistas (atuam com outros grupos
anarquistas de preservação ambiental). Por um outro, houve a continuidade das ações
ganguistas, (persistentes na atualidade), assim como o êxito da mídia com a criação de um
modismo em cima do próprio movimento punk. Referente à musicalidade houve um
aumento significativo de bandas que ostentaram o legado punk, fixando-se no underground
e dando continuidade ao movimento.
Dos subúrbios operários no passado, o punk rock foi absorvido também por
diferentes classes sociais. A partir da década de 90 sobressaíram-se inúmeras bandas
compostas por jovens de classe média, padronizadas ao perfil midiático, um fenômeno
ocorrido nos EUA, principalmente na Califórnia, com grupos rotulados de “Pop Punk”,
(Green Day, Offspring e Blink 182 estão entre as bandas mais expressivas nesse gênero).
Alcançaram grande sucesso na mídia, ocupando os primeiros lugares nas paradas musicais
norte-americanas, faturando milhões de dólares, primeiramente com gravadoras
independentes, depois servindo à grande indústria fonográfica. Essa nova tendência de
bandas diferencia-se das originais de punk rock pelo seu conteúdo humorístico e antipolítico.
Essa moda “atracou” também no Brasil com algumas bandas, que não visavam
objetivos ideológicos ou políticos. Presentes constantemente na mídia, inclusive algumas
contratadas pela Rede Globo de Televisão, entre as que mais se destacaram: Charles Brown
Junior (com tema de abertura do programa Malhação), Los Hermanos, J. Quest, Detonautas
e Pitty. Aplacaram uma nova legião de fãs, criando moda e esteriótipos, porém odiados
pelos punks genuínos.
Os punks da primeira geração entrevistados para essa dissertação fazem uma reflexão
sobre o movimento punk, com críticas à mídia, à repressão, e obviamente contrapõem-se
com à nova safra de bandas for fun (para diversão).
V., da banda Ulster:
“(...) É, eu tentei fazer uma abordagem sobre a minha postura hoje, no que é punk? Eu
continuo sendo apaixonado pelo punk, pelo ideal punk e continuo odiando, enojado pelo
166
produto punk né, então essa que é a minha postura. Eu continuo gostando do espírito punk, da
postura punk, do ideal punk, ele talvez tenha mudado um pouco, porque a gente mudou, porque
ficamos velhos, mais maduro, a gente apanhou bastante da vida o tempo todo, e a gente tem
uma outra visão das coisas, mas continuo gostando desta rebeldia, continuo sendo contra o
despotismo, continuo sendo contra a maioria dos valores que a gente era contra aquela época,
só que hoje a gente tem outras ferramentas para trabalhar.
Agora esse produto punk que está por aí, esse é um produto falso como qualquer outro
que está no mercado, como o reggae falso, como o rock falso, a MPB falso, o punk também!
Hoje ele é um produto! Ele é um produto como outro qualquer, como Heavy Metal que é
produto também entende, então o objeto e o ideal têm uma distância muito grande, eu, ainda
sou amante do punk do ideal punk e não do produto punk.
É então, eu fico pensando se esses caras sentissem um pouco daquele clima que nós
sentimos, eles talvez agissem e pensassem diferente né, mais infelizmente hoje a gente não tem o
clima propício para isso! Porque a concepção das bandas hoje: estão pensando na turnê que
irão fazer, quantos Cds vão lançar por ano, se vão tocar na Alemanha. Hoje são esses os
valores, é como se fosse um pedigree! Um cachorro: “olha que família nobre que tem esse
cachorro”, com as bandas a mesma coisa hoje, o que credita uma banda é quantas vezes ela
tocou na Europa, fez isso, ou aquilo.
E então, esse é que, talvez seja o engano, e a grande diferença da nossa época, a gente
nunca prezou por nada disso, a gente prezava pela nossa música só! Pela nossa mensagem,
nossa mensagem que era importante! O resto pouco importava, as conseqüências... Hoje não
tem banda assim, têm algumas, mas é uma minoria, a maioria, meio que está atirando para tudo
quanto é lado sabe, é gente que não tem capacidade para fazer música própria, então se joga na
cena alternativa achando que vai obter resultado, mas é... uma Indústria! É uma Indústria
igualzinha essas Indústrias que nós sempre criticamos, só que é uma Indústria também de
menor escala, entende? Você tem que fazer lob, fazer o jogo dos caras, tipo “vou abrir show
dessa banda”, “vou ficar amigo daqueles caras porque eles tem um selo, tem não sei o quê” , é
o mesmo mecanismo das grandes corporações, hoje movimenta isso que se eles chamam de
punk, com raras exceções, raras que não entra nesse jogo, a maioria é assim.
(...) Olha eu vejo o punk como... musicalmente! Como o Jazz. O Jazz desde que surgiu
nunca mais acabou! Não é moda, nunca acabou e nunca vai acabar, o Blues idem e o Rock
também e o Punk também. O Punk não vai acabar nunca... Uma coisa que está ligada com
comportamento, uma fase da vida das pessoas, ela é punk por natureza, então não acaba nunca.
E como marco, esse... Vamos falar do ano de 77 que é controverso também, mas vamos fazer de
conta que a gente acredita que 77 esse ano, ele vai ser... Ele está imortalizado e será
imortalizado... já é um negócio muito mais assim inesquecível, todo mundo vai voltar nessa
fonte para beber nela e bandas de um nível, ou de outro nível, de um lugar ou de outro, todo
mundo vai beber na fonte punk, porque ela é inesgotável, tem muita coisa legal de 77 à 79,
167
depois de 79 à 82, o embrião do hard core, tem muita coisa legal. Por mais que as bandas hoje
o que eles passam, nunca vai ser tão legal quanto foi em 77, então vão buscar lá, não tem jeito,
melhores bandas que tão por aí hoje, todas elas revelam influências da cena punk. Eu acho que
o movimento punk foi a última grande revolução musical, o resto não teve força, foram coisas
legais, mais isolados... Teve bandas até de movimentos legais. Mas hoje a gente tem uma linha,
que eu acho muito bacana, que são os Situacionistas, são aqueles anarquistas que são
conscientes do dia-dia, sabem que... apesar da gente falar em anarquismo, a gente tá aqui
multiplicando o capital, a gente está nas escolas, colocando nossos filhos nas escolas públicas,
a gente está enfim contrariando um monte de coisas que seria o nosso preceito né, mas os
Situacionistas, eles fazem justamente essa adaptação, que deixa a gente bastante confortável
nesse negócio, mas é um esquema isolado também. É um negócio que pouca gente vai buscar
conhecimento! É gente muito culta, gente mais articulada, mais que vive num universo pouco
reduzido a eles ali.
A música pelo menos, que eu saiba ainda... Não preocupam os Situacionistas. Então
eu, nem acredito que vá acontecer algo tão relevante tão já, eu fico com o punk como a última
grande revolução musical aí. Eu acho que o Rap não... infelizmente. Usou muita a linguagem do
punk, usou a ingenuidade que o punk abriu aí né! Nós nos encolhemos um pouco... o Rap só
pegou aquela linguagem e levou para frente! Mas, acho que o movimento Rap,
lamentavelmente... é muito pobre de cultura, e isso sem uma política na questão, porque nós
éramos todos de periferia, então ser de periferia não quer dizer que a gente tem que cultuar, a
malandragem, éramos cultos”.
Laércio (Rato), da banda Hino Mortal:
“(...) Eu acho o seguinte, as bandas de hoje é mais uma questão de modismo, um lado
de querer se aparecer, não é aquele negócio autêntico. Eu acho assim, que a arte qualquer tipo
de arte tem que ser uma coisa autêntica, que vem de dentro de você ou de um grupo de pessoas,
igual era com o movimento, então quer dizer, o movimento punk era um grupo de pessoas que
tinha uma ideologia, a gente pegava aquilo com garras, dentes, e vontade de fazer, hoje não, é
um papo assim mais comercial de estar na MTV, de se aparecer, ganhar dinheiro, mulheres,
(...) O pessoal pelo jeito visa mais para esse lado, então quer dizer o recado que a gente tem a
dar para esse pessoal que está começando ou que está montando banda, tem que ser um
negocio autêntico, tem que ter uma bandeira a seguir, fazer um trabalho sério, que traga algum
conteúdo político e ideológico. Fazer aquilo que tenham vontade de fazer e não serem
manipulados”.
168
L.G., da banda Passeatas e Libertação Radical:
“(...) O que a mídia mostra é a influência que o movimento punk teve no mundo, em matéria
de visual, de roupa, de comportamento, mas o movimento em si, o protesto, a agressividade que
o punk tem eles não mostram. A mídia só mostra o que interessa a ela, absorveu algumas coisas
do movimento punk, transformou em lucro, então é... tem muita loja de roupa ai que vende
calça rasgada, jaquetas com rebites, cinto também com rebites, eles pegaram o visual punk
para terem uma lucratividade em cima... o incrível que uma calça rasgada comprada na loja sai
mais caro que uma calça nova e custa uma fortuna (...) Eu acho que nesse mundo aqui, com
Mercosul, com Globalização, o protesto punk está mais atual do que nunca, porque o punk era
o quê? O punk criticava e conscientizava as pessoas do que acontecia no mundo. Eu acho que
tem que ter mais banda punks falando mais das coisas do que está acontecendo, então eu acho
que motivo para ter bandas punks existem de monte, talvez até mais que antes talvez igual ou
pior... porque tem muita coisa acontecendo, tem muita coisa pra contar em músicas, em
protesto... Motivo tem de monte, as pessoas estão cada vez mais pobres, sem dinheiro, mais
desemprego, existe o preconceito racial. (...) Esses jovens de hoje estão totalmente alienados e
absorvidos pelo sistema, sem consciência política nenhuma, precisam se instruir precisam abrir
a mente, eles acham que o mundo é uma beleza, que é só Shopping Center e comer Mac Merda
e curtir músicas idiotas como Samba, Pagode e Axé, que só deixam seu cérebro vazio”.
V.D., da banda Desgoverno:
“Uma das grandes recordações que eu tenho, fôra essas tretas triviais, com grupos
rivais, e podemos colocar mais um grupo rival que era a policia militar. Toda briga que ocorria
com punk abaixavam na quadra para saber o que nos tínhamos feito. A melhor recordação que
eu tenho e de um evento na pista de skate de São Bernardo do Campo... onde havia um show, e
houve um grande atrito com a policia militar não entendo exatamente o por que da época, mas
houve um grande revide por parte do pessoal punk que não aceitaram o domínio da policia
militar que queria acabar com o show. Embora nos estávamos bem próximo, ao terceiro D.P.
do Jd. Baeta, o pessoal punk não se sujeitou ao domínio da policia militar e houve um grande
confronto entre a polícia militar e o pessoal dos punks Anjos e de outros grupos que estavam
presentes também. Com agressão mútua entre ambas as partes, acho que é uma das melhores
169
recordações que nos temos assim, porque a repressão da policia militar sobre o pessoal dos
Anjos, era bem grande”.
Sobre o paradeiro da maioria dos punks Anjos de São Bernardo Campo, inúmeros
foram os caminhos. Houve aqueles que constituíram família ou viraram evangélicos,
desvinculando-se totalmente da “identidade punk”. Outros mesmo com famílias
constituídas ainda carregam a herança punk, porém menos ativos. Alguns casos foram
marcados por tragédia, como homicídios ou mortes causadas pelo uso de álcool e drogas.
Uma minúscula parcela tentou flertar com a guerrilha, tentando se alistar nas FARCs
colombianas ou em outros grupos de inspiração revolucionária de esquerda, porém sem
obter êxito. Há reconhecimento de punks que se tornaram alcoólatras, mendigando pelas
ruas de São Bernardo. Alguns contraditoriamente se vincularam ao narcotráfico, desviandose do contexto ideológico do movimento. Pouquíssimos sobressaíram-se dando
continuidade ao processo original, continuaram elaborando projetos culturais, com bandas e
eventos. Uma parcela minúscula conseguiu ingressar em alguma Universidade.
Entre os últimos eventos mais importantes no ABC, estão os “20 Anos do
Movimento Punk” e a “Ópera Punk”, projetos que tiveram a iniciativa e coordenação geral
de Antonio de Pádua, ex-Passeatas, com o apoio da Prefeitura de Santo André, ocorrido nos
anos 1997 e 1998. Merecem ser destacados pela importância e reconhecimento que
obtiveram no período, um objetivo alcançado por Pádua após 12 anos da dispersão dos
Anjos.
O projeto intitulado “Ópera Punk: Existe Alguém + Punk do Que Eu?” Foi um
desdobramento do evento “20 Anos do movimento Punk”, realizado em 1997, proposto por
um grupo de punks chamado “Motim Punk” e discutido com o Departamento de Cultura e
assessoria da Juventude da Prefeitura Municipal de Santo André; deu origem a uma
exposição, debates, um passeata pelas ruas da cidade, encerrando no Paço municipal, com
Show das bandas: Deserdados, Colisão Social, Passeatas (o grupo foi reconstituído com
novos músicos somente para essa apresentação, com Pádua no vocal, sendo o único
integrante da formação original), Hino Mortal (juntaram-se somente para esse evento),
Invasores de Cérebro, Subviventes e Cólera. Cerca de 3.000 pessoas participaram das
atividades realizadas.
170
A Ópera Punk “Existe Alguém + Punk do que eu” ocorreu no ano seguinte, foi um
musical com textos e músicas escritos por punks, tendo a participação de bandas punks que
tocavam ao vivo no palco na medida em que se desenvolviam as cenas. Os números
musicais eram interligados com os textos que contavam a história do Movimento Punk,
retratando a rivalidade entre Punks do ABC com os de São Paulo. Teve a participação do
escritor e dramartugo Antonio Bivar, autor do livro “O que é punk”, responsável pela
produção do texto e roteirização do espetáculo.
(...) Ao 59 anos, o escritor afirma que a manifestação do punk, ao longo período 19771982, foi uma revolta autêntica. Atualmente, Bivar entende que os rappers assumiram essa
função. “Acho que o movimento punk teve uma participação fundamental para a transformação
da mentalidade da juventude naquele período. A importância do projeto reside nesse ponto”,
diz.
De acordo com Pádua, 38 anos, apesar de as formas de atuação terem se modificado
com o passar dos anos, a essência do movimento punk ainda é uma forte referencia para os
adolescentes da região: “Hoje temos integrantes com um grau conscientização bem maior.
Existem professores e uma série de outros profissionais que ainda mantêm os ideais punks, e o
projeto servirá pra trazer tudo isso à tona. É por isso também, que o evento está aberto a
participação de qualquer pessoa interessada.”
O nome da ópera Existe Alguém + Punk do que eu? É uma referência a rivalidade que
existia entre punks do Grande ABC e de São Paulo. A ópera e os eventos paralelos, portanto,
vão abrir espaço para que essas diferenças sejam discutidas a partir de aspectos como as
roupas que eram usadas pelos dois grupos e suas expectativas em relação ao futuro.
Segundo Altair Moreira, diretor de cultura de Santo André, a participação da
Prefeitura se limita a fornecer a estrutura necessária para que o evento seja organizado, além
de estimular a iniciativa. “A opera e os eventos que giram em torno dela são conseqüência da
passeata 20 Anos Pela Paz, realizada em Santo André em novembro de 1997. Depois, vieram a
exposição, os debates e os shows. A programação deste ano significa um avanço em relação ao
ano passado. Nosso interesse é abrir uma oportunidade para que a população de Santo André
descubra de que forma o ideal do movimento foi assimilado pela sociedade e quais foram suas
contribuições 84 .”
84
Diário do Grande ABC - Cultura e Lazer - página 3, terça feira, 23 de junho de 1998, SP.
171
Metamorfose do irracionalismo
Aparentemente, quase não se vê nas ruas uma quantidade expressiva de punks quanto
nas décadas de 70 e 80, mas sua presença se faz marcante no underground, continua a
promover suas manifestações, panfletagens, boicotes, passeatas e inúmeras outras formas
de expressão em relação às exclusões sociais geradas pelo sistema capitalista. Como no
passado, o movimento punk continua a dar mostra que ainda tem força, continuam
divulgando suas idéias através da imprensa alternativa (fanzines), shows, convenções,
encontros, reuniões, rádios clandestinas, intercâmbios, atualmente em rede ou sites na
Internet.
Apesar de inúmeros caminhos, o movimento em si passou por um longo processo de
transformação, mesmo com a persistência de um ganguismo e de um modismo fútil, criado
sobre ele (atualmente o uso de cintos e pulseiras rebitados, cabelos espetados, coloridos ou
corte estilo moicano, é muito comum no meio social).
Antes mesmo de adentrar os anos 90, houve uma deturpação geral dentro dos
movimentos underground. No ABC uma nova safra de punks surgiu no final da década de
80, a maioria, porém, não conseguiu assimilar os conceitos originais do movimento
ostentado pela antiga geração. Esses novos punks foram criticados pelos veteranos e
apelidados de “Embalistas ou Puffs”, adentraram ao movimento pelas razões contrárias,
sem conhecimento de causa, somente por “curtição”; acreditavam que ser punk “era chutar
saco de lixo e sair distribuindo violência a esmo”. Esse disparate se torna ainda mais
complexo na medida em que as novas gerações que foram se constituindo acabaram se
influenciando por esses novos punks, a partir de então inúmeras foram as ações
inconseqüentes.
A maioria das tribos urbanas não se preocupavam com questões ideológicas ou
culturais, apesar de não serem poucas (Metaleiros, Pós-Punks, Darks, Góticos, Grunges,
Headbangers, Dead Metal, Black Metal, Trash Metal, Rockabilys, Psicobilys, Ciberpunks,
Clubers Rappers e outras) e estarem voltadas mais para diversão. A partir dos anos 90
172
houve uma confusão generalizada em torno de assimilações e comportamentos, daí a
dificuldade em distinguir uma tribo de outra, tanto visualmente como musicalmente. A
música, o estilo, o visual, tudo se tornou parecido e caótico. Diante dessa banalização,
conseqüentemente houve o aumento de gangues que se intitularam nacionalistas,
integralistas ou neonazistas (algumas vinham agindo desde meados dos anos 80), um
período de grande contradição, dado em partes pela influência dos Skinheads europeus e o
confuso movimento OI. Ficaram conhecidas no Brasil como “Carecas” e tiveram algumas
derivações: Carecas do Brasil, Carecas do Subúrbio, Carecas do ABC, Carecas da Zona
Leste, White Power, SHARP e os Trads (tradicionais), cada qual com sua particularidade,
com a maioria de seus integrantes desprovidos de informações acerca do próprio
movimento, além da ausência de uma base de formação cultural, fazendo prevalecer a
intolerância e uma violência generalizada, de imediato se contrapondo ao Movimento
Anarco Punk e outras facções de cunho anarquista. No entanto, mantiveram uma grande
rivalidade também entre elas próprias.
Posteriormente, por mais uma questão de força e quantidade de membros entre essas
novas gangues do que para fatores ideológicos, alguns “puffs” que não conseguiram
assimilar a proposta do movimento punk, eram inerentes a certos preconceitos, e acabaram
assumindo uma postura conservadora, indo para um lado oposto e se tornaram Carecas,
dessa mesma forma aconteceu também com alguns Headbangers. Esse fenômeno repleto
de contradições prossegue ainda ressaltando na união de gangues que eram extremamente
rivais, acentuadas ao ódio e irracionalismo, lançaram inúmeros ataques contra os que
chamavam de minorias: “Gays, negros, nordestinos, punks, socialistas, anarquistas,
cabeludos (Heavys), comunistas, prostitutas, descendentes de estrangeiros e estrangeiros”,
que sofreram ameaças e agressões reais, algumas ocasionando mortes. Essas ações se
tornaram freqüentes no final da década 90 e nos anos 2000, com constantes manchetes em
jornais, revistas e televisão, virando caso de investigação policial. Atualmente existem
órgãos policiais que estudam e atuam sobre esses movimentos.
No Brasil, punks anarquistas e Anarco Punks se destacaram mediante as Tribos
Urbanas. Tentam reverter às insinuações pejorativas e taxativas dos meios de comunicação,
correspondendo às críticas e apresentando uma postura séria, como intuito de conquistar o
respeito da opinião pública no reconhecimento real de sua luta. Obtém sua força dentro dos
173
circuitos alternativos, sob um processo autogestionário que mantém as bases de sua
organização e os meios de sua própria sobrevivência.
Esse caso será melhor compreendido futuramente, onde pretendo desenvolver um
estudo de maior profundidade sobre a constituição e procedimento do Movimento Anarco
Punk. Porém, algumas noções primordiais de conduta desse movimento podem ser
observadas resumidamente através de uma entrevista concedida pelo Anarco Punk J., onde:
“O movimento anarco punk ele propõe a difusão cultural, cultura para todos, o direito
de tudo para todos, igualdade social, (...) A gente não quer o anarquismo para todos, nós somos
anarquistas, mas queremos um mundo livre onde as pessoas possam conviver com seus mundos,
um mundo onde caibam todos os mundos, e temos contato muito forte com o movimento negro,
GLBT, movimento de ocupação urbana, ocupação rural, movimentos culturais diversos,
movimento de cultura negra mesmo, capoeira e inclusive até com... com os zapatistas também
(...) E com todos os movimento que se levantem contra a opressão. A gente procura estar junto,
a gente procura se envolver, se tem pontos de discussão sob forma de atuações a gente discute,
mas o mais importante é a gente construir as coisas juntos mesmo. Então os movimentos, que
ultimamente que a gente tem apoiado muito é o movimento GLBT, o movimento negro, a gente
teve um contato muito bom com os judeus, na questão da... do nazismo em si, agente teve um
ciclo de informações e palestras envolvendo toda discussão em relação ao nazismo e assim a
gente esta aberto a se organizar com todos aqueles que se levantam contra a opressão.(...) A
nossa luta é realmente contra aqueles que oprimem as pessoas, se oprime a gente é contra. A
gente luta pró... ah! Eu esqueci de falar anteriormente que a gente tem um contanto muito
grande também com o movimento indígena. Existem grupos de estudos e... não só de estudos,
mas de vivência com grupos indígenas aqui na cidade de SP, que pode não parecer, mais em SP
tem índio e.. .e assim a gente luta contra aqueles que oprimem os índios, que querem tomar
suas terras, aqueles que discriminam os negros, aqueles que querem gerar as diferenças
sociais, as diferenças entre gêneros este é o nosso alvo, nosso alvo é isso, nosso alvo é a
propaganda, comunicação com o povo, falar com o povo, para gente acreditar que é possível e
a gente vai batalhar junto (...) A gente não é salvador da guarda, a gente não salva ninguém, a
gente tem a informação, pessoas tem outras informações a gente troca informações e vai
construindo as coisas e mostrando que é possível e vamos fazer”.
Mundialmente o movimento punk resistiu e ainda persiste, constando entre os últimos
movimentos contraculturais de grande expressão, conseguindo obter um globalismo
174
dinâmico. Outros movimentos contemporâneos, assim como o Rap, limitam sua dimensão
aos guetos de poucos países das Américas e Europa. O dinamismo do movimento punk,
com sua música e comportamento, continua ativo após todos esses anos, influenciando
inúmeras outras tendências e movimentos.
175
GLOSSÁRIO
O glossário a seguir ajuda a entender e identificar alguns estilos e tendências, oriundas do
movimento Punk e Skinheads. 85
Anarco Punk - pode ser considerada uma das correntes contra-culturais do movimento
anarquista de maior expressão. Os punks, de modo geral, aproximam-se do anarquismo
devido ao seu modo de ser, de negar e combater o autoritarismo, as fronteiras e os
preconceitos impostos, porém os Anarco Punk assumem a política anarquista e seus
modos de ação e organização, assim como seus princípios.
Crust punk - significa “punk enferrujado”. Punks adeptos de um estilo de música mais
“sujo e tosco” acima do Punk Rock, o Crust Core.
Deathcore - Mistura sonora entre Hard Core e Death Metal.
Death Metal - Derivação do Heavy Metal, os temas das músicas abordam o satanismo e
ocultismo e críticas à religião.
Emo Punk - Punks emotivos, corrente surgida nos anos 90, diferencia-se dos punks
originais pelo apelo a questões pessoais e não sociais.
Emocore - Caracteriza-se por canções melódicas e menos agressivas, uma junção do
Hard Core com letras de temática pessoal.
Grind - Estilo de hardcore caracterizado por um som extremo. Vocais gritados com
letras críticas sem apego a melodias.
Grunge - Corrente surgida no início da década de 90, que mescla elementos do punk
com o Hard rock.
85
A filosofia do punk, mais que barulho, p. 185 a 193.
176
Gutter Punk - Punks da sarjeta. Jovens com vestimentas punk que vivem em torno da
cena punk, pedindo dinheiro e esmolas nos shows, nas ruas, mas muitas vezes nem
gostam da música punk.
Hardcore - O punk rock mais “cru”, casca grossa. Firmou-se mais nos EUA é a
aceleração do próprio punk rock, tornando-o mais agressivo, assim como o caráter
político e crítico de suas letras.
Hardline - O braço armado do movimento Straigth Edge, que defende o vegetarianismo,
mas pregam o convencimento das pessoas com o uso da violência física.
Nerd Punks - Punks Bobões – punk que se interessa por tecnologia, ciência e temas
correlatos.
New Wave - A Nova Onda - deriva do punk, conhecida como a versão comercial do
punk.
Noise - Literalmente barulho, rock noise - rock barulhento, punk rock.
Oi - Estilo favorito dos Skinheads, mistura ska, reggae e punk.
Pós Punk - Fase posterior ao punk de 1977, bandas influenciadas pelas próprias bandas
punks.
Puffs - Punks sem consciência política (embalista).
Queer Core - Encontro do punk com o movimento gay, com origem em San Francisco.
Queer Punks - Punks homoeróticos adeptos do queercore
Quincy Punks - Punks mauricinhos, punks posers (aquele que posa na imagem de
roqueiro), no entanto é um embusteiro.
Riot Grrls - Movimento feminista contra o machismo e o sexismo, dentro da cena punk.
Produzem zines e possuem bandas.
Rash - O Rash e os Red skins (skins anarquistas - comunistas) diferenciam-se dos Trad
(skins tradicionais) em maior número na França (onde existem em grandes números e
bem organizados desde o início dos anos 80), Itália, Espanha, Alemanha.
Rockers - roqueiros.
177
SHARP - Skinheads Against Racial Prejudice – Skinheads contra o Preconceito Racial.
Dissidência do movimento skinheads.
Speed Core - O Hard core mais feloz, possui alguns elementos do metal.
Straight Edge - Dissidência do punk, onde os adeptos não usam drogas, álcool, não
comem carne, Straight significa - careta e Edge - raiva. Usam um X desenhado na mão
para se identificar como anti, não praticam sexo promíscuo.
Street punk - foi uma das primeiras reações britânicas ao surgimento da New Wave e
da popularização da cultura punk. É caracterizado por estilo de música, moda e postura
próprias, ditos relativos à cultura de rua (daí o nome street-punk, que significa punks
rueiros).
Thrash - Literalmente, açoitar, bater, agitar rapidamente. Uma designação do Heavy
Metal que misturado ao punk deu origem ao Cross - Over (mistura de estilos musicais).
Veganismo - Forma radical do vegetarianismo, não consomem nada em absoluto de
proteína animal. Muito comum entre os Straight Edge.
White Power - Skinheads assumidamente nazistas, defendem um suposto poder branco.
178
ANEXOS
179
180
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182
183
184
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209
210
211
212
213
214
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Informativos MAP (Movimento Anarco Punk), ABC-SP - D/D.
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Informativo – Pandora Anarco - Feminista, SP, D/D
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Opúsculo – Anarco Feminista – Zine –Diadema, SP, 1997.
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219
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