Revista Portuguesa de Educação, 2008, 21(1), pp. 5-31
© 2008, CIEd - Universidade do Minho
Silenciar a polissemia e invisibilizar os
sujeitos: indagações ao discurso sobre a
qualidade da educação1
Maria Teresa Esteban
Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, Brasil
Resumo
O artigo parte de diagnósticos sobre insucesso escolar, presentes em
documentos oficiais produzidos em Portugal e pela União Européia, para
discutir processos de silenciamento e produção de invisibilidade e de
subalternidade que atravessam o discurso hegemônico sobre qualidade. Uma
das idéias centrais na argumentação tecida no artigo é que legitimar uma única
perspectiva epistemológica, um único universo de conhecimentos, um único
conjunto de valores, é um modo de desqualificar o que se diferencia do padrão.
A diferença cultural é sistematicamente enunciada como causa de fracasso
escolar. A despeito dos discursos amparados na generalização conduzida pela
universalização de parâmetros, os sujeitos que fracassam se apropriam de
conhecimentos, bem como os produzem, e as escolas onde o insucesso se
expressa são espaços de produção de conhecimentos múltiplos. Uma escola
pública de qualidade para todos demanda conhecimentos sobre seu cotidiano,
para além do que se pode perceber através da avaliação do desempenho.
Palavras-chave
Democratização; Avaliação; Fracasso escolar; Diferença cultural
Os homens modernos acreditaram que era possível "conter" o tempo dentro
dos relógios, "capturar" o espaço dentro de um quadro e o movimento em um
conjunto de "leis naturais" necessárias e eternas (Najmanovich).
A ampliação do acesso à escola tem sido um dos elementos de
expressão do processo de sua vinculação a movimentos mais amplos de
6 Maria Teresa Esteban
estruturação, consolidação e ampliação da democracia. A democratização da
escola se realiza de formas distintas, envolvida nas dinâmicas que
caracterizam os diversos contextos sociais, de maneira que, como se sabe,
vários países e regiões alcançaram a universalização da escolarização da
população infantil, enquanto muitos outros a mantêm como um horizonte a ser
buscado. Embora o alargamento do acesso à escola ocorra de modos e em
condições bastante diferentes, segundo os vários contextos, tem
representado alterações no cotidiano escolar e condicionado mudanças no
âmbito das políticas públicas para a educação, com implicações nas
orientações formuladas para o processo pedagógico. Em que pesem as
várias formas que a democratização da escola vem assumindo, encontram-se
três movimentos em comum: ampliação das vagas, elevação dos níveis de
escolaridade média e criação de mecanismos para incremento do tempo de
permanência das crianças e jovens na escola. Esses esforços, no entanto,
vêm se mostrando insuficientes para garantir a todos os alunos trajetórias de
sucesso e para fazer da escola um espaço de produção de igualdade de
oportunidades, função que historicamente a articula aos projetos de
construção de sociedades democráticas.
As experiências mostram que garantir o ingresso e a permanência na
escola é condição necessária, mas não suficiente, para produzir uma efetiva
democratização do acesso aos conhecimentos socialmente relevantes. Há
um aumento expressivo de sujeitos que assumem a condição de aluno, sem,
no entanto, uma equivalência na realização das aprendizagens necessárias
e/ou validadas, visto que a experiência escolar de muitos é marcada por
desempenhos insuficientes e por abandono precoce2. Embora amplamente
conhecido, vale ressaltar que o fracasso escolar se concentra nas classes
populares, que ocupam as periferias do sistema. O sucesso escolar de todos
permanece como um desafio que precisa ser superado para que a escola se
constitua como um espaço democrático de fato, levando o discurso da
democratização a incorporar outro elemento: o compromisso com a
qualidade.
Qualidade é uma palavra polissêmica, plástica, que encerra
virtualidades e positividades, expressa convergência de preocupações,
permitindo a rápida construção de um consenso por criar a idéia de agregação
em torno de compromissos comuns. Estas características ocultam o quanto
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 7
suas diferentes acepções guardam possibilidades opostas e contraditórias de
organização da escola como projeto social. Diante dos diferentes quadros de
insucesso escolar, impossível não se clamar por uma escola de qualidade.
Esta relação em que insucesso e qualidade se opõem encobre os diferentes
sentidos sociais que cada um destes fenômenos pode ter e as diferentes
perspectivas políticas e epistemológicas que configuram sua delimitação e
compreensão e o encaminhamento de soluções. A atribuição de valor
negativo ao insucesso e a valorização da qualidade — sem maiores
detalhamentos e discussões — não deixam ver, por exemplo, que o insucesso
muitas vezes resulta de projetos educacionais alinhados à produção de
determinadas concepções de qualidade. Essa relação se configura
especialmente no projeto de educação formulado nos marcos do modelo
neoliberal, que se apropria da idéia de qualidade como justificativa para o
estímulo à competição e para a produção de formas de inclusão degradada,
rearticulando a dinâmica escolar à manutenção do histórico processo de
colonialidade do poder em que são urdidas as relações de subalternização
(Mignolo, 2003).
Os desempenhos insuficientes e o abandono precoce, o fracasso
escolar, são narrados como decorrências de processos mais ou menos
individualizados e destituídos de qualidade e não como parte de uma
concepção excludente de qualidade, necessária a um projeto hegemônico de
sociedade que depende da existência de relações de subalternidade. O
compromisso com a aprendizagem vai sendo deslocado para o interesse pelo
desempenho, levando ao máximo a obsessão pela eficiência, há muito
denunciada por Gimeno Sacristán (1997). Os resultados insuficientes servem
como referência para as medidas e discursos em torno do fracasso escolar,
tendo sempre como objetivo alcançar a qualidade, destituída de sua
pluralidade, simplificada, muitas vezes indefinida e constantemente buscada.
Esse discurso institui e justifica práticas freqüentemente projetadas numa
perspectiva técnica, que isola a atuação pedagógica das múltiplas tensões
sociais em que se tecem os processos de inclusão e exclusão de sujeitos e
grupos, portanto, articuladas à produção do êxito/fracasso escolar.
A idéia de qualidade unívoca e no singular se insere em um projeto de
escola comprometido com a busca de um enquadramento que homogeneíza
culturas, valores, conhecimentos e práticas, em um contexto social
8 Maria Teresa Esteban
profundamente marcado pelo predomínio da epistemologia positivista. O
discurso hegemônico sobre a qualidade da educação se entretece aos
compromissos da democracia (neo)liberal, tornando opacas as contradições
presentes no discurso de defesa da escola de qualidade para todos que
institui práticas de classificação, denominação, seleção, exclusão e
subalternização de muitos. Imersa nestas relações, proponho como elemento
nuclear deste artigo a discussão sobre os sujeitos invisibilizados no projeto de
qualidade hegemônico.
Uniformidade do discurso. Pluralidade de sentidos.
Para a realização do estudo que sustenta a discussão apresentada
neste artigo, tratei de cotejar os diagnósticos sobre os fenômenos de
abandono e insucesso escolar presentes em diferentes documentos oficiais
produzidos em Portugal e pela União Européia, considerando também as
propostas formuladas e medidas implementadas com o objetivo de garantir o
alcance da qualidade apregoada.
A preocupação com a uniformização dos processos escolares em uma
Europa unificada em contexto de globalização e cada vez mais orientada pela
competitividade é clara. Assim como é evidente o movimento de definição dos
objetivos nacionais para educação e formação por parâmetros delimitados
pela União Européia, amparado em um amplo leque de ações, dentre as quais
está a realização de um conjunto de exames internacionais sobre os saberes
dos estudantes3. Dentre eles, o PISA é referência constante nos documentos
estudados, evidência de sua relevância para a formulação de políticas
públicas com o objetivo de elevar os níveis de desempenho alcançados, em
diferentes países.
O PISA, por ser um exame que permite comparar as competências e
habilidades desenvolvidas por jovens de 15 anos, independente de seu nível
de escolarização, com a finalidade de avaliar a efetividade dos sistemas
educacionais, oferece indicadores claros e objetivos das competências que
constituem o padrão que deve nortear o percurso escolar. Tais competências
se apresentam como necessárias, em um mundo globalizado, o que cobra
especial relevância numa Europa cada vez mais unificada e com uma
percepção de qualidade padronizada. Por suas características, vincula-se
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 9
fortemente às demandas do mercado de trabalho, de modo que se centra na
aplicação cotidiana dos conhecimentos e não em uma abordagem dos
conteúdos numa perspectiva escolar. Como se sabe, o PISA é um programa
internacional, aplicado em países de diferentes continentes; sua realização
em contextos extremamente diferentes expressa seus vínculos com os
processos sociais de difusão e consolidação, neste caso, através da
padronização de conhecimentos e valores escolares, de uma perspectiva
epistemológica e cultural que por ser hegemônica é tratada como universal.
Considerando o contexto da Comunidade Européia, o PISA se mostra
relevante para o cumprimento do compromisso com a conformação dos
sistemas de ensino dos diferentes países ao modelo europeu, o que ocorre
por intermédio de processos diversos, sendo possível verificarem-se
traduções múltiplas dessa proposta, em consonância com as questões locais,
como, por exemplo, os diferentes anos de escolaridade que os alunos
participantes do processo freqüentam, em decorrência dos fluxos escolares
heterogêneos. Embora seja previsto que aos 15 anos os alunos estejam além
do 9° ano de escolaridade, no caso português observa-se a seguinte
realidade:
Em 2003/2004, dos 94.932 alunos com 15 anos que estavam na escola, apenas
46,3% freqüentavam o 10° ano [...] e 3,4% freqüentavam o 11° ano. Os
restantes estavam distribuídos entre o 2°(!) e o 9° anos de escolaridade"
(Fernandes, 2007: 11-12).
O nível de escolarização é um dos fatores que tem impacto no
desempenho dos estudantes, assim como os resultados alcançados
proporcionam indicações diferentes consoantes aos anos de escolaridade a
que se direcionam e aos contextos de escolarização que os produzem.
Apesar das diferenças e desigualdades existentes, os resultados dos
vários exames internacionais são aceitos como informações fidedignas sobre
a qualidade da educação em cada um dos países que deles participam e
como legítimos para orientar as estratégias educacionais a se colocar em
prática. Também parecem não ser considerados os limites de um exame
massivo para medir e comparar resultados obtidos em diferentes contextos,
através de instrumentos que sendo traduzidos para diversos idiomas
precisam garantir equivalência dos significados em todos eles, além de
realizar procedimentos metodológicos idênticos em diferentes contextos
(Fernandes, 2007).
10 Maria Teresa Esteban
Pode-se inferir que esses limites técnicos não interferem em seu
objetivo mais amplo de universalizar um modelo de cultura, de conhecimento
e de aprendizagem. A uniformização dos critérios, instrumentos,
procedimentos e discursos presentes em processos internacionais de
avaliação, cujo sentido articula também os sistemas nacionais, reforça nas
práticas escolares a assunção de valores e perspectivas dos grupos
hegemônicos, intensificando a generalização e aceitação da racionalidade
fundada na ciência moderna, desqualificando e desestruturando outros
conhecimentos, valores e formas de conhecer, presentes nos grupos
subalternos e postos nas periferias do sistema.
É possível considerar os programas internacionais de avaliação como
expressão, no âmbito educacional, daquilo que Boaventura Sousa Santos
denomina localismo globalizado, ou seja, os padrões definidos resultam de
uma produção local que se apresenta como global para todo o mundo. Porém,
neste caso, há um matiz que precisa ser considerado: embora se estruture no
âmbito de uma cultura claramente determinada, sua configuração e seu
desenvolvimento têm como finalidade alcançar uma escala global. Nesse
sentido, a estruturação de sistemas massivos de exame corresponde a uma
ação vinculada aos processos de globalização, favoráveis aos grupos
hegemônicos, que só se realizam com a produção e manutenção dos pobres
e subalternos: a comunicação e a cumplicidade permitidas pela globalização
hegemônica assentam numa troca desigual que canibaliza as diferenças em
vez de permitir o diálogo entre elas (Sousa Santos, 2006: 79).
A homogeneidade do padrão e a diferenciação dos resultados
consolidam as bases para uma distribuição desigual dos sujeitos pelo
espectro social, justificada e validada pela aferição dos diferentes níveis de
competências. A desigualdade entrelaçada a todo o processo freqüentemente
se embaça pelo discurso que se sustenta na preocupação com a qualidade
da educação e apresenta a elevação dos níveis de desempenho escolar como
estratégia para a criação de igualdade de oportunidades. O detalhamento do
relatório de apresentação dos resultados do PISA, composto por dados de
cada país em relação às áreas e aos níveis de conhecimentos verificados e
pela discussão dos contextos mais adequados à aprendizagem dos
estudantes, expressa a presença de uma dimensão formativa em sua
configuração (Díaz Barriga, 2006), portanto, vincula sua ação à produção das
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 11
práticas escolares cotidianas. Essa constatação evidencia a função de
homogeneização que este exame cumpre, cuja realização demanda cuidados
no tratamento dos dados para garantir uma intervenção efetiva nos diferentes
contextos escolares. Não é suficiente formular o discurso, é indispensável
concretizá-lo através de atos capazes de produzir o reconhecimento do
padrão de conhecimentos e processos de aprendizagem e de ensino que
orienta este exame como o legítimo, portanto válido e desejável.
A percepção da presença de uma dimensão formativa no processo
realizado pelo PISA é um aspecto a que se deve dedicar uma observação
cuidadosa4 por trazer à tona, um vez mais, os múltiplos e diferentes sentidos
que os conceitos e práticas adquirem nos processos cotidianos. A avaliação
formativa vem sendo defendida por diferentes autores (Cortesão, 1993;
Perrenoud, 2000; Fernandes, 2006; André & Passos, 1997) como a
modalidade mais adequada para a compreensão sobre o que os estudantes
sabem e como aprendem, oferecendo informações para ajustar o que e como
se ensina aos percursos de aprendizagem, potencializando, assim, a
aprendizagem e levando a escola a um trabalho pedagógico de melhor
qualidade.
Sem negar a importância da avaliação formativa, é preciso sublinhar
sempre que a avaliação (em seus distintos conceitos e funções) é uma
atividade eminentemente social, parte de um amplo conjunto de relações.
Portanto, dependendo das redes em que se entretece, mesmo a avaliação
formativa pode funcionar numa perspectiva predominantemente técnica e
vinculada à perspectiva classificatória. Sua ação, como muitas vezes se
constata, pode ter como finalidade a melhor preparação dos estudantes para
a realização dos diferentes exames a que se submetem, através da reflexão
sobre cada processo individual e da regulação da aprendizagem e do ensino
balizadas por valores como competitividade, eficiência, rendimento, de modo
a articular os princípios da avaliação formativa ao fortalecimento de conteúdos
e métodos articulados à dinâmica social de produção de relações de
subalternidade. Mesmo assim, a identificação da dimensão formativa no
exame citado não pode ser desprezada, já que pode ser apropriada em sua
potência e re-significada em seus limites pelas práticas escolares cotidianas.
O conceito de avaliação formativa explicita a ambivalência (Bhabha,
1998) da avaliação, em que a qualidade da educação escolar é
12 Maria Teresa Esteban
simultaneamente desejada e negada. A avaliação formativa pode ser
integrada a um processo classificatório, ao mesmo tempo em que oferece
condições para potencializar as dimensões reflexiva e cooperativa
indispensáveis a uma avaliação numa perspectiva emancipatória.
Não basta afirmar a avaliação formativa como um processo melhor
para a avaliação dos conhecimentos e para a regulação das aprendizagens.
É preciso explorar esse conceito, expressando com clareza as características
que deve assumir a fim de participar de um amplo processo de
democratização da dinâmica pedagógica, que envolve o aprofundamento da
perspectiva crítica no debate sobre as funções da escola, seu currículo e suas
práticas cotidianas. A articulação proposta por Afonso (1999) entre avaliação
formativa e comunidade indica um sentido que deve ser considerado.
O autor citado toma como referência a relação proposta por
Boaventura Sousa Santos entre conhecimento-regulação e conhecimentoemancipação na produção da modernidade, em que há um desequilíbrio
favorável à regulação, deixando a emancipação em segundo plano, e a
defesa da valorização do conhecimento-emancipação, baseado na
intersubjetividade, na reciprocidade, na participação e na solidariedade.
Contexto que sinaliza a reinvenção da comunidade como movimento
indispensável à perspectiva emancipatória. É na comunidade que Afonso
(1999) localiza o processo de afirmação da avaliação formativa como
procedimento escolar articulado ao projeto de emancipação.
Defendemos ser possível (e desejável) relocalizar a avaliação formativa dentro
de um projeto de educação emancipatória, considerando-a um eixo
fundamental na articulação entre o Estado e a comunidade. De fato, a avaliação
formativa, sem deixar de estar relacionada com o Estado, como lugar de
definição de objetivos educacionais e espaço de cidadania, parece ser a forma
de avaliação pedagógica mais congruente com o princípio da comunidade e
com o pilar da emancipação. [...] Por outro lado, só a avaliação formativa, como
ação pedagógica estruturada na base de relações de reciprocidade, e
intersubjetivamente validada (cf. Afonso 1995b), pode promover um novo
desequilíbrio no pilar da regulação a favor do pilar da emancipação (Afonso,
1999: 152-153).
A consolidação de uma cultura de avaliação ancorada no exame5, que
se apropria das diferentes perspectivas produzidas no campo da avaliação,
exige a continuidade do debate, enfocando outras perspectivas que ajudem a
ressaltar a dimensão ético-política da avaliação, como processo que produz
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 13
fala e silêncio, devendo cuidar especialmente do silêncio como locus
ambivalente que se produz como opressão e resistência.
Traduções, produções e traições
As dinâmicas educacionais, incluindo as ações escolares, se colocam
cada vez mais na interface entre as políticas sociais e econômicas, tornando
os vínculos entre o projeto de escola e as demandas de natureza econômica
evidentes. Especialmente interessante é o modo como essas duas dimensões
são apreendidas, muitas vezes nas entrelinhas dos discursos oficiais
recolhidos nos documentos analisados. Embora os diagnósticos sejam
recorrentes nas referências às relações entre contexto social e resultado
escolar, as ações têm como finalidade explícita a inserção da produção
nacional num determinado conjunto de relações econômicas, o que permite a
compreensão de que o pressuposto está em que o êxito econômico —
tramado pela produtividade, eficiência e competitividade — conduz à solução
dos problemas sociais, o que não se concretiza.
A relação entre o contexto social e as ações educacionais é
caracterizada pela ambivalência, conferindo ao social grande força na
produção do fracasso e não o reconhecendo como instância significativa na
construção de percursos de sucesso, vinculados às decisões, opções e ações
individuais. Numa formulação muito resumida, pode-se afirmar que o social é
apreendido como fonte de problemas e a economia como articuladora
prioritária das soluções. Embora os documentos consultados incorporem um
amplo leque de dimensões que compõem o processo educacional, elas são
tratadas de modo desarticulado e dentro de generalizações sobre o que o
processo educacional deve ser. Não se discute a distribuição desigual do
conhecimento, a valoração desigual dos diferentes conhecimentos ou a
negação das diferentes epistemologias, tampouco que o fracasso e a
desigualdade são próprios do sistema capitalista e do modelo competitivo que
fomenta na escola como parte da dinâmica social que produz.
Há, com freqüência, uma associação entre o desempenho de sujeitos
de determinados grupos sociais e a produção de índices insatisfatórios de
escolarização. Embora o denominado insucesso escolar se concentre nos
territórios sociais que ocupam a fronteira entre a inclusão e a exclusão, ou a
14 Maria Teresa Esteban
inclusão degradada, a ênfase das políticas públicas recai nas ações
individualizadas, vistas como o meio para a elevação dos níveis nacionais de
escolarização, dissociando os resultados escolares das redes sócio-culturais
em que se tecem as diferentes dimensões da vida. Não se discutem as
relações entre os contextos histórico, social e cultural, os diferentes cotidianos
escolares e os patamares de escolarização e desempenho estabelecidos
como ideais. A elevação da escolarização se associa linearmente ao processo
de inclusão social por intermédio da ocupação profissional, ofuscando os
múltiplos sentidos que a idéia de inclusão pode adquirir em função dos
diferentes contextos em que se realiza e o papel desagregador e excludente
da concentração de renda, da redução de postos de trabalho e da
precarização do trabalho nas diferentes instâncias.
A relação individual/coletivo é especialmente relevante para a
percepção da ambivalência do discurso consolidado sobre a qualidade da
escola — a existente ou a almejada. Por um lado, as políticas públicas no
campo da educação ressaltam um conjunto alargado de ações
individualizadas que buscam produzir uma relação com os conteúdos e
práticas pedagógicas, isenta das marcas sócio-culturais dos sujeitos e
contextos de desenvolvimento dos processos educacionais. A universalização
da escola integra os diferentes procedimentos sociais de universalização do
conhecimento hegemônico, considerado verdadeiro, neutro e universalmente
válido; o desempenho particulariza os processos e aponta um lugar de
inserção do sujeito a partir dessa referência. Por outro lado, os sujeitos que
fracassam nos processos educacionais têm sua alteridade desarticulada e
são organizados fundamentalmente em duas grandes categorias: a) sujeito
em situação de risco — refere risco de abandono escolar, como absenteísmo,
falta de cuidados familiares, fracos vínculos com a cultura escolar,
pertencimento a minorias lingüísticas, dificuldade de aprendizagem e risco de
exclusão social, como o desemprego, a baixa empregabilidade e a
proximidade ao crime; b) grupos marginalizados — como imigrantes, minorias
étnicas, sujeitos com necessidades educativas especiais e idosos. Estas
categorias, demasiadamente amplas, permitem tratar de modo homogêneo
grupos imensamente diferentes. Reduzem a diferença entre os grupos,
sujeitos e experiências que passam a constituir um conjunto disforme em que
a alteridade é substituída pela diversidade de modos de viver a situação de
subalternização que o modelo social hegemônico gera.
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 15
A rasura que a categorização produz tenta impedir que a diferença
projete o que deveria ser mantido em silêncio e oculto e enuncie a diferença
cultural como conflito, negociação e produção, como parte das relações
sociais e das disputas de poder. No entanto, as particularidades não deixam
de existir, as diferenças permanecem como marcas quase invisíveis que
abrem possibilidades de afirmação da existência do que foi negado. As
políticas propostas, ou os delineamentos sugeridos, a partir do silenciamento
da heterogeneidade, se sustentam em percepções fragmentadas do contexto
social e articulam procedimentos coerentes com as exigências do modelo
capitalista em vigor. Porém, os discursos amparados na promoção da
qualidade da educação e na geração de igualdade de oportunidades colocam
à margem do debate os processos sociais e as dinâmicas de poder que
produzem a diferença como justificativa para a desigualdade e propõem a
negação do outro como percurso para a construção de relações menos
injustas. Assim, o outro é sempre marginalizado e excluído, mesmo quando
capturado pelo discurso da inclusão. O outro é narrado por discursos que se
pretendem globais, embora constituídos por fragmentos, repleto de lacunas e
configurados exatamente na ausência do sujeito; a narrativa é tecida como
parte das relações assimétricas de poder, destituindo os sujeitos diferentes da
condição de narradores de si mesmos.
A relação das diferentes modalidades educacionais com os processos
de fracasso escolar e social também está marcada pela ambivalência,
apoiada na fragmentação do discurso. A defesa da escolarização como
garantia da inclusão social fragmenta os discursos, distanciando a relevância
do fracasso escolar como justificativa para a exclusão das situações de
exclusão, risco e marginalidade6 como justificativas para o insucesso. Nesse
sentido, observa-se uma crescente preocupação com a inserção dos sujeitos
dos grupos subalternos nos diferentes contextos educacionais, com ênfase na
escola, simultaneamente ao desenvolvimento de práticas pedagógicas que
dificultam que esses sujeitos vivam o processo educacional como
possibilidade de efetiva ampliação de seus saberes e de fortalecimento de
sua posição numa perspectiva emancipatória. A persistência do fracasso,
mesmo que sob formas renovadas e re-significado, mantém, no silêncio e na
invisibilidade, os fios sócio-culturais que o produzem e o papel da escola na
solução/produção dos graves problemas sociais: o sucesso escolar não
16 Maria Teresa Esteban
garante a inclusão sócio-econômica que, por sua vez, também não é
suficiente para resolver os problemas sociais, porém, o fracasso na escola
oferece uma explicação convincente para a subalternidade e marginalização.
Nesta relação entre escola e sociedade é pertinente lembrar que, como afirma
Boaventura Sousa Santos, "a injustiça social assenta na injustiça cognitiva"
(2006: 146).
A percepção da ambivalência do discurso que circunscreve a tensão
sucesso/insucesso escolar em sua relação com a dinâmica exclusão/inclusão
social nos convida a novos olhares sobre a produção escolar de seu próprio
fracasso, com a finalidade de encontrar fios que conduzem o êxito e articulálos numa perspectiva contra-hegemônica, em que democracia se conjuga
com a emancipação dos sujeitos e grupos subalternos. Esse processo
demanda reconsiderar os modos de inserção das margens na reflexão sobre
a dinâmica escolar, como uma dinâmica sócio-cultural, e na produção das
práticas escolares cotidianas. Pois, as margens são espaços onde circulam
sujeitos e culturas negadas, invisibilizadas e silenciadas, o que faz delas uma
perspectiva privilegiada para o estudo e construção de processos
emancipatórios.
A aproximação ao contexto português, através de documentos oficiais,
proporciona elementos para uma melhor visualização dos processos de
produção de subalternidade imersos nos discursos de qualificação da escola
e dos indivíduos. O Plano Nacional de Prevenção do Abandono Escolar7 traz
mais dados interessantes para a discussão dos processos sociais de
produção e de apagamento das margens.
Um estudo de Benavente et al. (1994) destaca as periferias urbanas e as zonas
rurais como as mais atingidas pelo abandono escolar, não só em Portugal, na
época, como de forma geral. No mesmo estudo, adiantam-se os filhos de
trabalhadores agrícolas, de operários e de artesãos, os filhos de emigrantes e
os pertencentes a minorias étnicas como aqueles que mais frequentemente
abandonam a Escola (Ministério da Educação\Ministério da Segurança Social e
do Trabalho, 2004: 31 — em destaque no original).
Ainda que esse quadro tenha sofrido alguma alteração na última
década, não foi, sem sombra de dúvidas, completamente alterado. Diante de
tantos grupos diferentes envolvidos, é pertinente indagar quais segmentos
sociais permanecem na escola incólumes ao abandono escolar. A variedade
de origens sociais relacionada ao insucesso escolar deveria colocar em
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 17
discussão as bases em que as práticas escolares cotidianas se constituem.
No entanto, se observa a prevalência de indicações referidas à modificação
dos sujeitos, ao apagamento de suas experiências e culturas e à inculcação
da cultura hegemônica através de conteúdos e processos configurados numa
determinada epistemologia. Mantém-se uma narração do outro envolvida pela
negação da alteridade e pela busca de (re)produção de um modelo
descontextualizado de indivíduo.
Mais uma vez, vemos um grupo bastante variado ser tratado como
homogêneo por partilhar a experiência de abandono da escola. A referência
ao abandono apaga sua composição heterogênea e proporciona indicação de
ações escolares semelhantes, em que pese a diferença dos sujeitos, culturas,
experiências e projetos, visando a produção de igualdades de oportunidade
via escolarização. Pode-se considerar esse movimento como expressão de
um processo social que busca apagar a diferença cultural através da
exacerbação da dimensão econômica.
A diferença cultural emerge como noção que possibilita um
desdobramento dos processos que legitimam a subalternização dos
conhecimentos, legitimando a subjugação dos povos, grupos sociais e
sujeitos destituídos de conhecimento, através do suave e democrático
processo de oferecimento do único conjunto de conhecimentos socialmente
valorizados, consolidando percursos para o exercício da colonialidade8 do
poder. Legitimar uma única perspectiva epistemológica, um único universo de
conhecimentos, um único processo cognitivo, um único conjunto de valores, é
um modo de desqualificar tudo o que se diferencia do que se assume
socialmente como padrão.
Outra vez nos encontramos com a primazia do conhecimentoregulação (Sousa Santos, 2006) nas práticas escolares cotidianas, atuando
no sentido de afastar a possibilidade da escola ser lugar de ampliação de
conhecimentos para todos, sublinhando a dimensão plural de conhecer,
aprender e ensinar. O conceito de qualidade que sustenta as propostas
educacionais está ancorado no rendimento, na competitividade, na hierarquia
(portanto na desigualdade) e na eficiência. Sua realização implica na redução
dos processos que se pautam na solidariedade, nas relações intersubjetivas
de reciprocidade e na participação, também expressa a fragilidade das
relações entre o cotidiano escolar e o conhecimento-emancipação (idem). As
18 Maria Teresa Esteban
proposições hegemônicas não ajudam a uma reflexão profunda sobre a
escola, capaz de indagar em que medida é necessário transformar os seus
fundamentos para aprofundar o processo de democratização.
Tais propostas mantêm inalterados os pressupostos excludentes. Uma
leitura crítica das entrelinhas dos resultados alcançados e das análises
apresentadas nos documentos em discussão atualiza a compreensão de
Paulo Freire de que o abandono escolar precoce é uma tradução de um longo
processo de expulsão das camadas desfavorecidas da escola. Indica também
uma atuação no sentido de culpabilizar a vítima (Collares & Moysés, 1996): os
estudantes que fracassam e suas famílias, negados em sua alteridade,
invisibilizados e silenciados para produzir a homogeneidade necessária aos
processos de produção, consolidação e explicação das desigualdades.
Teatro de Sombras
As discussões sobre os procedimentos escolares seguem a tendência
encontrada em outras dimensões abordadas nos documentos estudados, o
que indica a permanência da diferença cultural como elemento articulador do
processo de exclusão. Mantendo a mirada no documento produzido em
conjunto pelo Ministério da Educação/Ministério da Segurança Social e do
Trabalho (2004), encontram-se outros argumentos importantes para a
discussão dos procedimentos escolares nos processos de vinculação da
diferenciação à desigualdade. Consolida-se a percepção de que cabe aos
estudantes o movimento de adaptação à cultura escolar, como se pode
observar na referência à pesquisa feita no Canadá para discutir a produção
dos resultados insatisfatórios.
O insucesso escolar revelou-se um risco muito associado à saída precoce da
Escola. Cerca de 68% dos que tiveram insucesso a Francês (língua materna) e
cerca de 51% dos que tiveram insucesso a Matemática em ciclos iniciais
acabaram por sair da Escola (Ministério da Educação/Ministério da Segurança
Social e do Trabalho; 2004: 34 — grifos no original).
A relação entre repetência e abandono escolar é fartamente conhecida
e recorrente em diferentes contextos. O documento se refere a diversos
outros estudos em que se encontram elementos que predizem o abandono
escolar precoce: todos apontam para a inadequação dos estudantes, de suas
famílias e/ou de seus contextos de origem à realidade escolar como o
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 19
elemento articulador do insucesso. Destaco o trecho acima citado não por ser
mais um estudo a confirmar a referida relação, mas por apresentar dados que
exprimem o domínio das duas linguagens como indispensável para a
realização satisfatória do percurso escolar. Ambas são fundamentais na
circulação dos conteúdos escolares, portanto, os estudantes incapazes de
manejá-las com alguma precisão dificilmente se apropriarão dos conteúdos
valorizados na escola e expressarão seus conhecimentos, em decorrência de
sua impossibilidade de usar as linguagens e discursos ali reconhecidos e
legitimados. Assim, o êxito decorre predominantemente da incorporação da
cultura escolar e não do acesso a um universo cada vez mais amplo de
conhecimentos e da realização de diferentes aprendizagens.
Não se trata aqui de desprezar a necessidade de se conhecer a língua
nacional e a linguagem matemática universalizada, mas de questionar os
modos de sua incorporação ao cotidiano escolar. Tratá-los como se fossem
compartilhados por todos em medida equivalente ao ingressarem na escola e
não como objetos de conhecimento, que vão sendo aprendidos no decorrer
do processo de escolarização em estreita ligação com os contextos sócioculturais a que pertencem os estudantes, cria grandes dificuldades àqueles
em cujos cotidianos a comunicação e as múltiplas relações quantitativas se
estruturam em práticas discursivas diferentes das que conduzem os
processos escolares. Se não forem consideradas as diferentes linguagens
usadas nos diferentes contextos sociais, fazendo com que alguns cheguem à
escola dominando as linguagens fundamentais para as aprendizagens
enquanto outros precisam aprendê-las, e se as linguagens que se distinguem
da norma forem desqualificadas no cotidiano escolar, o processo pedagógico
dificilmente se desligará da dinâmica social de produção de exclusão e
subalternidade.
As línguas não são meros fenômenos "culturais" em que os povos encontram
sua "identidade", são também o lugar em que o conhecimento está inscrito. E,
uma vez que as línguas não são algo que os seres humanos têm, mas algo que
os seres humanos são, a colonialidade do poder e do saber veio a gerar a
colonialidade do ser (Mignolo, 2003: 632-633).
A percepção daquelas linguagens como pré-requisito para outras
aprendizagens escolares esvazia as possibilidades dos estudantes tomaremnas como importantes objetos de conhecimento, portadoras de saberes
específicos e modos próprios de contribuição para a articulação de uma
20 Maria Teresa Esteban
leitura de mundo mais profunda e complexa. Sendo fundamentais em ambas
as acepções, quando consideradas meros veículos de outros conteúdos,
esses sim apresentados como relevantes, perdem o interesse, o que acaba
por dificultar sua efetiva aprendizagem.
Como se pode apreender na leitura do Plano Tecnológico9, nem todos
os conhecimentos escolares têm igual valor. A proposta de um ensino básico
de elevada qualidade tem como disciplina central Ciências, acompanhada do
Português, Matemática e Inglês (Plano Tecnológico). Cabe, uma vez mais,
indagar a qualidade buscada quando se relegam a segundo plano Geografia,
História, outras Línguas Estrangeiras, Estudo do Meio, Educação Artística e
Educação Física. Não se pode deixar de referir a centralidade da perspectiva
de neutralidade e objetividade da ciência, cujo desenvolvimento se articula ao
progresso, dentro de um conjunto de ações que propõem um sujeito sem raiz,
sem história, sem cultura, desterritorializado e fragmentado. Expressão da
conformação do currículo escolar à racionalidade moderna. Tal
enquadramento também contribui com a produção do insucesso escolar por
representar a negação de linguagens, discursos, processos cognitivos,
comportamentos, enfim, conhecimentos diferentes dos que estão impressos
na cultura hegemônica.
A natureza processual e ambivalente do confronto e exclusão,
configurados nas fronteiras institucionais e discursivas, se enuncia, por
exemplo, na constatação de que a "retenção parece preceder o abandono
escolar" (Ministério da Educação/Ministério da Segurança Social e do
Trabalho, 2004: 49 — em destaque no original). Ocorre um longo e complexo
processo de desejo e repulsa na relação recíproca entre a escola e
determinados grupos de estudantes, bem como destes com o conhecimento
escolar, vivido como fortalecimento e negação.
Assumir o conhecimento como neutro e objetivo indica a
aprendizagem como um processo harmônico e ordenado. Conhecer,
entretanto, envolve tensão, desordem, caos, conflito, luta. O conhecimento,
como produção humana, se constitui no âmbito de lutas que se travam em sua
produção, manutenção, validade e socialização; lutas que constroem e
destroem possibilidades diferentes; lutas que afirmam e subalternizam. O
conhecimento expõe, explica, oculta, confunde. Nesse mesmo registro
podem-se entender os processos de aprendizagem. O conhecimento é plural,
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 21
do mesmo modo que a aprendizagem, ambos são freqüentemente expostos
a relações tensas na interação da vida escolar cotidiana com os contextos em
que se insere.
A ênfase na perspectiva economicista sublinha as dimensões de
atraso e progresso como contraditórias e excludentes. A atribuição de valores
opostos a essas duas dimensões nega a relação dialógica e de
complementaridade existente entre elas, o que impede a percepção de um
conflito entre significados diferentes para a escolarização produzidos em
marcos culturais distintos, que também vai se plasmar nas relações dos
sujeitos com a escola e com os demais âmbitos da vida cotidiana, como a
família e o trabalho. Embora os diferentes significados tenham legitimidade
nos contextos em que se produzem, aqueles que entram em conflito com o
discurso socialmente dominante sobre a relevância da escola, que exige a
submissão às suas normas, são deslegitimados, passando a constituir um
alvo a se combater.
A dimensão social do conhecimento e da aprendizagem traz a polifonia
como uma de suas principais características, porém, essas múltiplas
possibilidades são negadas por um discurso uniforme e normalizador que faz
da experiência diferente uma falta, dos vários significados erros, do conflito
um processo a ser banido do cotidiano escolar, da incerteza uma fragilidade,
do caos uma enfermidade, enfim, das diferentes formas de expressão e
experimentação da diferença um distúrbio que deve ser controlado. O
discurso unívoco sobre os conteúdos e processos da aprendizagem escolar,
sobre seus patamares e valores, sobre suas causas e efeitos, que se
evidencia na enunciação da medida como elemento regulador e mobilizador
da qualidade, não autoriza a criação a participar do elenco de processos
aceitos e estimulados na escola comprometida com desempenho,
competitividade e eficiência.
Sem criação — divergente por princípio — não há produção de (novos)
conhecimentos, não há aprendizagem em seu sentido profundo; há
meramente apropriação superficial e mecânica de conteúdos escolares,
freqüentemente fragmentados e desvitalizados. Porém, conhecimento e
aprendizagem são produções sociais e conflituosas e essas dimensões
rasuradas não deixam de existir e se manifestam de muitas formas, que vão
das possibilidades dos sujeitos atribuírem significado à dinâmica escolar e das
22 Maria Teresa Esteban
negociações que fazem, muitas vezes passando pela escola sem se deixar
afetar muito por ela, até o abandono escolar, o insucesso e o caos produzido
por muitos dos que permanecem no sistema educacional. Ambos os
movimentos se colocam contra a homogeneidade de parâmetros que sustenta
a hierarquia escolar.
A heterogeneidade se mantém como uma das características centrais
do cotidiano escolar e também se manifesta por atos realizados por sujeitos
desqualificados e expostos em sua negatividade; atos que podem ser
traduzidos como expressão da desqualificação e da negatividade que vêm
tomando conta da escola como instituição social, gerando dificuldades para
sua consolidação como espaço democrático de produção e difusão de
conhecimentos e de convivência solidária entre sujeitos diferentes: em seus
processos, em suas expectativas, em seus projetos, em seus saberes, em
seus pontos de partida e de chegada. Atos que mostram a persistência da
diferença no cotidiano escolar, ainda que nas margens do processo
pedagógico e pouco utilizada em um sentido favorável a todos. Atos
praticados pelos sujeitos que vindos de diferentes contextos e situações
sociais são amalgamados nas categorias sujeitos de risco e grupos
marginalizados e que justificam o lugar de exclusão que as classes populares
continuam ocupando.
Estes não deveriam ser aspectos considerados na reflexão sobre as
causas do abandono e do insucesso escolar? Que qualidade se produz
quando o êxito é alcançado pela redução do valor da diferença e pela
competição, uma vez que é orientado por uma inserção desigual nas
hierarquias escolar e social? Que democracia se tece quando o conhecimento
se torna instrumento de desqualificação do sujeito e desarticulação da
alteridade, sustentando relações de subalternidade e de exercício colonial do
poder?
Essas interrogações encontram uma boa perspectiva de discussão
com a incorporação da proposição de Boaventura Sousa Santos sobre as
"cinco formas sociais de não-existência: o ignorante, o residual, o inferior, o
local e o improdutivo" (2006: 97). A validação de uma única racionalidade,
vinculada à ciência moderna, atua no sentido de tornar invisível e
incompreensível as formas de viver que não se inscrevem nessa
perspectiva10. Essas formas são a parte desqualificada dos modos de existir
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 23
aos quais se atribui relevância social e se constituem no âmbito de uma razão
indolente que não vê alternativas ao modelo atual.
A definição dominante de qualidade da educação e as propostas para
o cotidiano escolar dela decorrentes se inscrevem nesse processo de
construção de existências compatíveis com a globalização neoliberal.
Portanto, iluminam as realidades que adquirem importância social (científicas,
avançadas, superiores, globais ou produtivas (cf. Sousa Santos, 2006) como
articuladoras do processo educacional e horizonte a ser alcançado pelos
indivíduos através da escolarização e buscam eliminar os entraves que a nãoexistência representa. Os processos escolares cotidianos e os exames
externos, em suas diferentes modalidades, cumprem relevante papel no
apagamento da não-existência como confirmação do que existe, localizando
nos indivíduos ou nos grupos que se mostram ignorantes, residuais,
inferiores, locais e improdutivos a responsabilidade por sua própria inserção
social degradada. Através desse procedimento, se oculta a estreita relação
entre os dois conjuntos de realidades e como sua configuração resulta de
processos sociais caracterizados por um profundo desperdício da experiência
humana.
Nesse contexto, o vínculo entre a escolarização e as demandas do
capitalismo se reveste de positividade por mobilizar as realidades válidas e
oferecer as condições para que os indivíduos participem delas. O resultado
depende das ações individualizadas, sendo a não-existência apresentada
como efeito das impossibilidades dos próprios sujeitos. Os resultados e
processos que se diferenciam do conjunto válido não são vistos como
portadores de alternativas credíveis às experiências hegemônicas.
Esse modo de compreensão do mundo e de organização das
experiências está presente nos documentos oficiais e também está
entranhado ao cotidiano escolar. A não-existência funciona permanentemente
como uma "ameaça" e a realização ordenada do percurso escolar como a
única possibilidade de inscrição em quadros existentes. O insucesso escolar
liga-se à não-existência. Observa-se que as duas categorias apresentadas
anteriormente que enquadram os sujeitos relacionados ao fracasso escolar
estão marcadas claramente pelas idéias de ignorância, vinculada à
monocultura do saber e do rigor do saber; de inferioridade, decorrência da
lógica da classificação social, projetada a partir da monocultura da
24 Maria Teresa Esteban
naturalização das diferenças; e improdutividade, constituída pela lógica
produtivista, referenciada na monocultura dos critérios de produtividade
capitalistas. De maneira menos evidente, o residual e o local, como
características negativas, também atravessam os enquadramentos dos
sujeitos: a primeira assenta na monocultura do tempo linear, que faz dos
conhecimentos, modos de vida e instituições dominantes nos países centrais
a norma que representa o avanço, narrando como atrasado e
subdesenvolvido o que não acompanha o padrão; a segunda característica
deriva da lógica da escala dominante, em que o global e o universal são as
formas centrais da escala válida, de modo que o particular e o local são
desqualificados na produção de alternativas.
Entendo que o diálogo com os documentos estudados, a partir da
perspectiva aqui apresentada, proporciona mais uma possibilidade de
compreensão dos percursos através dos quais diferentes práticas escolares e
educacionais se articulam aos processos sociais de produção e manutenção
da colonialidade do saber como estratégia da consolidação da colonialidade
do poder.
Sujeitos híbridos, cotidianos marginais: novos territórios?
O projeto educacional em que qualidade se confunde com
desempenho cria constrangimentos para a amplificação dos procedimentos
escolares comprometidos com sua efetivação como espaço em que os
saberes são compartilhados e confrontados, produzindo aprendizagens
múltiplas, impossíveis de serem padronizadas, medidas e hierarquizadas.
Espaço em que a diferença não seja anúncio e justificativa da desigualdade.
Espaço de fortalecimento das classes populares pela aquisição de
conhecimentos relevantes para sua histórica luta pela emancipação.
A universalização do acesso à escola no Ensino Básico e a elevação
do tempo médio de escolaridade não têm se mostrado suficientes para
garantir a todos o conhecimento socialmente relevante, sequer tem
conseguido que a maioria dos estudantes alcancem os níveis médios de
rendimento, dentro do padrão de conteúdos e desempenho apresentados
como desejáveis. Tais resultados não são interpretados pelos que formulam
as políticas como insucesso, ou ao menos insuficiência, da própria proposta.
Portanto, seguem-se diversos projetos de reformulação de aspectos do
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 25
currículo escolar, buscando-se novas formas de encaminhar a mesma
proposição. Esse processo fortalece a dimensão técnica da dinâmica ensinoaprendizagem, desenvolvendo formas contemporâneas de realização da
educação bancária, denunciada por Paulo Freire por reduzir as
potencialidades do processo pedagógico e por atuar de modo especialmente
desfavorável aos sujeitos subalternos, freqüentemente híbridos e instaurados
nas margens sociais.
A transformação dos procedimentos escolares tem produzido formas
renovadas de insucesso escolar, de tal modo que os avanços obtidos no
sentido da universalização do acesso no período de escolaridade obrigatória,
a ampliação do tempo médio de escolarização e a expressiva redução das
taxas de abandono precoce não são percebidos como conquistas. Sem
dúvida são insuficientes, especialmente por não conseguirem desvincular a
escola dos processos de exclusão. No entanto, não reconhecer sua
positividade em função de novos patamares propostos torna invisível a
capacidade de criação e de produção dos sujeitos envolvidos em seu
cotidiano, silenciando suas reivindicações no sentido de ampliar a
democratização da escola e colocando na sombra os movimentos com a
finalidade de articulá-la mais fortemente ao processo de emancipação social.
A concepção produtivista de escola produz análises através de
relações lineares que apartam em pólos positivo ou negativo os opostos que
conformam sua existência, dificultando a percepção da ambivalência do
sentido da escola e das diferentes práticas pedagógicas. Tal percepção
mostra-se especialmente relevante quando a diferença cultural é
sistematicamente enunciada como causa de fracasso e abandono escolar. As
soluções se referem prioritariamente à unificação de padrões e
aprofundamento dos vínculos entre escolarização e formação/qualificação
para o mercado de trabalho. Os processos de produção cultural, como
processos heterogêneos, não são convocados no momento de construção de
propostas para a superação dos "problemas" diagnosticados, o que
supostamente conduziria a uma interrogação do próprio sentido de
problemas.
O discurso hegemônico sobre a qualidade da escola e os percursos
propostos para uma escola de qualidade trabalham, cada vez mais, com a
configuração de instrumentos e procedimentos que permitem olhares sobre a
26 Maria Teresa Esteban
escola, reduzindo as poucas instâncias de participação dos sujeitos que
produzem seu cotidiano na reflexão sobre os processos pedagógicos e
elaboração de projetos de ação, potencialmente criadores de discursos da
escola. O afastamento dos espaços de elaboração dos projetos educacionais
dos cotidianos e dos sujeitos que coletivamente vivem a experiência de
escolarização impede um conhecimento da realidade escolar, especialmente
da que se insere nos espaços marginais, onde se concentram as classes
populares, constituídas por sujeitos híbridos que convivem em situação de
subalternidade, espaços sociais em que o êxito escolar se mostra
constantemente como uma distante promessa.
A aproximação que se faz necessária não é simples, demanda
transformações profundas, não meras redefinições procedimentais. No
movimento de produção de alternativas, a sociologia das ausências (Sousa
Santos, 2006) se apresenta como uma possibilidade interessante, na medida
em que busca identificar as experiências produzidas como ausentes, tanto na
esfera dos saberes quanto na das práticas, tornando-as presentes e
colocando em discussão a concepção de totalidade que as sustenta e as
monoculturas que as organizam. Esse processo não será aqui aprofundado,
no entanto me parece relevante indicar a existência de outras possibilidades
de encaminhamento dos estudos, debates e ações visando à produção de
alternativas11.
Continuar trabalhando no sentido de uma escola pública de qualidade
para todos, fundamentada na permanente busca de novos e mais profundos
conhecimentos e não no mero alcance de determinados níveis de
desempenho, é preciso. A despeito dos discursos oficiais, amparados na
generalização conduzida pela universalização de parâmetros, os sujeitos que
fracassam se apropriam de conhecimentos, bem como os produzem; as
escolas onde o insucesso se expressa também são espaços de produção de
conhecimentos em sua multiplicidade. Talvez o problema central não esteja
nos processos e resultados efetivamente vivenciados nos cotidianos
escolares, mas nas escalas através dos quais são medidos e nos
fundamentos do discurso que os narra. Para potencializar a dimensão
emancipatória das práticas e conteúdos escolares é preciso conhecer seu
cotidiano, conhecer que existências produzem o que se traduz como nãoexistência, que conhecimentos sustentam o que se percebe como insucesso,
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 27
que sujeitos se constituem nesse processo marcado por silêncio e
invisibilidade.
Notas
1
Trabalho realizado a partir de pesquisa financiada pelo CNPq/Brasil.
2
Os dados que expressam desempenho insuficiente e abandono precoce são
relativos aos contextos sociais em que se produzem. Não obstante a variedade de
situações que podem denotá-los, ambos se constituem como indicadores de
insucesso escolar para diferentes países.
3
TIMSS (Third International Mathematics and Science Study); IAEP (International
Assessment of Educational Progress) e PISA (Program for International Student
Assessment).
4
Embora essa questão mereça ser aprofundada, neste artigo se apresenta apenas
uma observação inicial, com o objetivo de chamar a atenção a uma discussão
relevante que atravessa este estudo.
5
Sobre as relações entre avaliação e exame ver Díaz Barriga (2001).
6
Marginal aqui se refere ao que ocupa as margens: sociais, culturais e escolares.
7
Ministério da Educação/Ministério da Segurança Social e do Trabalho.
8
Para Mignolo (2003), o fim do período colonial como relação política não
representou o fim do colonialismo como relação social, mantendo relações de
colonialidade: do poder, do conhecer e do ser.
9
"Uma das apostas estratégicas do XVII Governo Constitucional para promover o
desenvolvimento sustentado em Portugal é o Plano Tecnológico. O Plano
Tecnológico não é mais um diagnóstico. É um plano de acção para levar à prática
um conjunto articulado de políticas que visam estimular a criação, difusão, absorção
e uso do conhecimento, como alavanca para transformar Portugal numa economia
dinâmica e capaz de se afirmar na economia global" (Ministério da Educação
(s/d):6).
10 O autor distingue cinco lógicas ou modos de produção da não-existência:
monocultura do saber e do rigor do saber; monocultura do tempo linear; lógica da
classificação social; lógica da escala dominante e lógica produtivista (Sousa
Santos, 2006: 95-97).
11 Remeto para outro momento a discussão, numa relação mais direta com o cotidiano
escolar, recuperando o ainda-não-saber, que desenvolvi em outros lugares,
redimensionado pelo diálogo com a apropriação que Boaventura Sousa Santos faz
do conceito de ainda-não proposto por Ernest Bloch.
Referências
AFONSO, Almerindo J. (1999). Estado, mercado, comunidade e avaliação: esboço para
uma rearticulação crítica. Educação e Sociedade, n°69, pp. 139-164.
28 Maria Teresa Esteban
ANDRÉ, Marli & PASSOS, Laurizete (1997). Para além do fracasso escolar: uma
redefinição das práticas avaliativas. In J. G. Aquino (Org.), Erro e Fracasso na
Escola — Alternativas Teóricas e Práticas. São Paulo: Summus, pp. 111-123.
BHABHA, Homi (1998). O Local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG.
CERTEAU, Michel de (2002). A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes.
CORTESÃO, Luiza (1993). Avaliação Formativa. Que desafios? Porto: Asa.
COLLARES, Cecília & MOYSÉS, Maria Aparecida (1996). Preconceitos no Cotidiano
Escolar. Ensino e Medicalização. São Paulo: Cortez.
COMMISSION OF THE EUROPEAN COMMUNITIES (2005). Modernising Education
and Training: a Vital Contribution to Prosperity and Social Cohesion in Europe.
Draft 2006 Joint Progress Report of the Council and the Commission on the
Implementation of the "Education & Training 2010 Work Programme". Brussels:
European Community.
Despacho n° 2351/2007 de 14 de Fevereiro de 2007. Diário da República. 2ª série, N°
32 de 14 de Fevereiro de 2007.
DÍAZ BARRIGA, Angel (2006). Las pruebas masivas. análisis de sus diferencias
técnicas. Revista Mexicana de Investigación Educativa, n° 29, pp. 583-615.
DÍAZ BARRIGA, Angel (2001). Uma polémica em relação ao exame. In M. T. Esteban
(Org.), Avaliação: uma Prática em Busca de Novos Sentidos. Rio de Janeiro:
DP&A, pp. 51-92.
ESTEBAN, Maria Teresa (Org.) (2001). Avaliação: uma Prática em Busca de Novos
Sentidos. Rio de Janeiro: DP&A.
ESTEBAN, Maria Teresa (2002). O Que Sabe Quem Erra? Reflexões sobre Avaliação
e Fracasso Escolar. Rio de Janeiro: DP&A.
FERNANDES, Domingos (2007). Algumas reflexões acerca dos saberes dos alunos em
Portugal. Mimeo.
FERNANDES, Domingos (2006). Para uma teoria da avaliação formativa. Revista
Portuguesa de Educação, n°19(2), pp. 21-50.
FOUCAULT, Michel (1979). Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal.
GIMENO SACRISTÁN, José (1997). La Pedagogía por Objetivos: Obsesión por la
Eficiencia. Madrid: Morata.
GINZBURG, Carlo (1991). Mitos, Emblemas e Sinais. Morfologia e História. São Paulo:
Companhia das Letras.
ME.IGE. Ministério da Educação. Inspeção-Geral da Educação (2006). Desempenho
Escolar dos Alunos — Nota prévia. [Em linha] [Acedido em 20 de Outubro de
2007, disponível em http://www.ige.min-edu.pt/site_actividadev2/].
MIGNOLO, Walter (2003). Histórias Locais/Projetos Globais. Belo Horizonte: UFMG.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (2007). 50 Medidas de Política para Melhorar a Escola
Pública. [Em linha] [Acedido em 01 de novembro de 2007, disponível em
http://www.min-edu.pt/np3content/?newsId=383&file
Name=medidas_de_politica_op.pdf].
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 29
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (s/d). Plano Tecnológico. Uma Estratégia de Crescimento
com base no Conhecimento, Tecnologia e Inovação. Documento de
Apresentação. [Em linha] [Acedido em 24 de novembro de 2007, disponível em
www.planotecnologico.pt].
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/MINISTÉRIO DA SEGURANÇA SOCIAL E DO
TRABALHO (2004). Eu não desisto! Relatório do Plano Nacional de Prevenção
do Abandono Escolar. [Em linha] [Acedido em 24 de novembro de 2007,
disponível em http://www.portugal.gov.pt/].
MORIN, Edgar (1999). Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil.
NAJMANOVICH, Denise (2001). O Sujeito Encarnado. Rio de Janeiro: DP&A.
PERRENOUD, Phillipe (2000). Pedagogia Diferenciada. Das Intenções à Ação. Porto
Alegre: Artmed.
SOUSA SANTOS, Boaventura (2006). A Gramática do Tempo. Para uma Nova Cultura
Política. Porto: Afrontamento.
30 Maria Teresa Esteban
SILENCING POLYSEMY AND MAKING THE SUBJECTS INVISIBLE: QUESTIONS
TO THE DISCOURSE ABOUT THE QUALITY OF EDUCATION
Abstract
The article starts from diagnosis on schooling failures, present in official
documents produced in Portugal and by the European Union, to discuss
silencing processes and those of invisibility production and subalternity that
cross the hegemonic discourse on quality. One of the central ideas in the
argumentation made in the article is that to legitimize a single epistemological
perspective, a single universe of knowledge, a single set of values, is a way to
disqualify what is different from the pattern. Cultural difference is
systematically enunciated as the cause of school failure. Despite the discourse
supported by the generalization conducted by the universalization of
parameters, the subjects that fail appropriate knowledge, as well as generate
them and the schools where lack of success is expressed are spaces for the
production of multiple knowledge. A public school with quality for all demands
knowledge of its day-to-day beyond that what can be perceived through
performance evaluation.
Keywords
Democratization; Evaluation; School failure; Cultural difference
Indagar o discurso sobre a qualidade da educação 31
SILENCIAR
LA
POLISEMIA
Y
TORNAR
LOS
SUJETOS
INVISIBLES:
INDAGACIONES AL DISCURSO SOBRE LA CALIDAD DE LA EDUCACIÓN
Resumen
El artículo parte de diagnósticos sobre fracaso escolar, presentes en
documentos oficiales producidos en Portugal y por la Unión Europea, para
discutir procesos de silenciamiento y producción de invisibilidad y
subalternidad que atraviesan el discurso hegemónico respecto a la calidad.
Una de las ideas centrales en la argumentación que se teje en el artículo es
que legitimar una única perspectiva epistemológica, un único universo de
conocimientos, un único conjunto de valores, es un modo de descalificar lo
que se muestra diferente del padrón. Se enuncia la diferencia cultural
sistemáticamente como causa de fracaso escolar. A pesar de los discursos
amparados en la generalización que la universalización de parámetros
conduce, los sujetos que fracasan se apropian de conocimientos y asimismo
los producen y las escuelas donde el fracaso se expresa son espacios de
conocimientos múltiples. Una escuela pública de calidad para todos demanda
conocimientos sobre su cotidianidad, más allá de lo que se puede percibir a
través de la evaluación del desempeño.
Palabras-clave
Democratización; Evaluación; Fracaso escolar; Diferencia cultural
Recebido em Dezembro, 2007
Aceite para publicação em Fevereiro, 2008
Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Maria Teresa Esteban, Praia
de Icaraí, 75/503 Bloco A, CEP: 24.230-000, Icaraí, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. e-mail:
[email protected]
Download

indagações ao discurso sobre a qualidade da educação