REDAÇÃO VENCEDORA CATEGORIA CRÔNICA
GUSTAVO ZAMPRONI GOMES
IFES, 4º ano
Jucutuquara, Vitória-ES
Professora: Ana Maria Quirino
Raridade
Festas de aniversário são repletas de gente. Pelo menos, devem ser. Festas de
aniversário acontecem todo dia. E são todas divertidas e barulhentas e deliciosas em
tudo. O aniversariante está sempre sorrindo e não pensando em nada além de gozar dos
privilégios do seu dia. Mas existe aquele que esconde algo mais por trás do sorriso. Para
citar só um exemplo, está na História a comemoração dos noventa anos de Carlos
Lindenberg no Palácio Anchieta.
É fácil afirmar que Lindenberg estava estranho naquele dia. O sorriso, a fala
equilibrada e a simplicidade eram os de sempre durante toda a festa no Palácio. Mas
Carlos, como já dizem por aí, era alguém discreto, e, se você ainda não sabe, ser discreto
é sinônimo de ser observador, aéreo, viajante. Claro que as viagens são empreendidas
sem que ninguém perceba, caso contrário, o aéreo é apenas um distraído, mesmo. O que
não se aplica ao nosso homenageado.
Explicando melhor: Carlos estava mais discreto do que nunca no Palácio. Diante do
bolo bradando felicidades pelas nove décadas, ele viaja.
Torna aos curtos dezessete dias de campanha para o governo do Estado e ao
comício na Praça Independência, atual Costa Pereira. Sente que todo o esforço valeu a
pena para se chegar lá.
Volta, então, à realidade e vê que agora a festa toda lhe canta um viril parabéns.
No entanto, os convidados não percebem que, disfarçado de gratidão, o aniversariante
deixa o chão novamente, dessa vez para cortar no céu as nuvens da juventude num voo
distante.
As medalhas no remo, a premiação histórica no futebol. O esportista chega a se
lembrar dos tempos da gripe espanhola, doença que contraiu na época de seu auge. E,
filosofando, conclui que o tempo não devora as forças e o vigor de ninguém. Só os
transforma, em sabedoria, em experiência, em visão.
Na juventude, também estavam os irmãos, a mãe e o pai, os filhos que ele
embalava no colo, chorando com alegria o mesmo choro infante da prole toda. Lembra
que doce como os docinhos de festa era beijar as duas esposas, dois amores que a vida
colheu muito antes do que ele queria.
Depois, deixa-se voar mais uma vez, a última das vezes, sabendo da urgência que
o Presente tem em trazê-lo de volta à festa.
Para fechar a conta, Carlos não exige muito: volta ao começo da vida, aos únicos
momentos dos quais a consciência não jogou fora nem o menor detalhe, porque sabe que
eles dão prazer quando trazidos à tona, como uma joia guardada para se admirar a
raridade.
Revive, então, uma lição ministrada por sua mãe, para ele, às vésperas de seu
aniversário, na fazenda Monte Líbano, em Cachoeiro. Sorri ao vê-la de novo sentada ao
seu lado, com meia dúzia de livros de capa dura que ela usava em toda aula. Não deixa
de reparar que a mãe dividia a atenção com a janela, porque o filho escutava uma e
admirava outra. E não perde a oportunidade de olhar para o mesmo lugar que o menino: a
janela. Ela, que dava para o horizonte, um horizonte distante, do tamanho de um futuro
vasto, cheio de glórias e honrarias, e bolos de aniversário.
Carlos volta.
Encara o bolo redondo à sua frente e as pessoas ao redor da mesa. Tantos rostos,
tantas delícias, tantas linhas que o choro definhou junto da alegria a vida toda. Hoje é um
dia mais que especial, seus noventa anos completos.
Com a espátula, parte em vários pedaços o perseguido, que até o convidado mais
disperso aguarda ansioso, e, emocionado, deseja chorar, mas festas são para sorrir.
Deseja as pessoas que se foram, mas não existe essa chance. Deseja comer o bolo, e
come. Come do bolo dividido feito a vida, cada pedaço é um período dela, tamanho e
cobertura diferentes, mas recheios iguais.
Vida: bolo que não se recheia com honras, entende ele, mas com momentos, ainda
mais se eles forem raridades. Frase bonita, acha Carlos, que, quando apagou as velinhas,
quis que o mundo inteiro não se esquecesse de guardar o Presente para que, no Futuro,
dele se pudesse lembrar.
Pensa nisso e sorri, porque vida e festa são para sorrir.
Hoje, nosso discreto já não pisa mais a rodovia com seu nome nem junta o pranto
da saudade às águas do Itapemirim. Outros milhares de gentes o fazem por ele agora.
Mas perder alguém para a História é sair ganhando. É vitória. E vitória é aquilo a que o
Penedo assiste todo dia, vendo crescer novos e novos Carlos, que têm o Espírito Santo
como a Fazenda Monte Líbano, o lugar mais querido. Carlos e novos Carlos que sabem
que de raridades como grandes pessoas a mente não se esquece.
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Confira a redação do Gustavo aqui.