VI Encontro Nacional da ANPPAS
18 a 21 de setembro de 2012
Belém – Pará – Brasil
ANÁLISE DE UMA TRAGÉDIA AMBIENTAL E A PARTICIPAÇÃO DA
POPULAÇÃO NO EQUACIONAMENTO DOS PROBLEMAS DE MORADIA:
UM ESTUDO DE CASO DA TRAGÉDIA NA REGIÃO SERRANA DO RIO
DE JANEIRO
Lucas Valério de Castilho ( UNIFAE )
Advogado, Presidente da 107ª Subseção da OAB/MG, Professor de Direito da FUMESC,
Pós graduado em direito público e direito do trabalho, Mestrando em desenvolvimento
sustentável e qualidade de vida.
[email protected]
Priscila Magalhães de Carli Oliveira ( UNIFAE )
Administradora, MBA em Gestão empresarial pela FGV, Coordenadora pedagógica e
professora dos cursos de Administração e Gestão de Recursos Humanos da FUMESC,
Mestranda em Desenvolvimento sustentável e qualidade de vida.
[email protected]
Carmen Beatriz Fabriani ( UNIFAE )
Pró-reitora de graduação - PROGRAD, Arquiteta, Psicóloga, Professora e pesquisadora
do mestrado em desenvolvimento sustentável e qualidade de vida/UNIFAE, Mestra pela
Coppe/UFRJ e Doutora pela USP.
[email protected]
Resumo
Neste artigo temos o objetivo de analisar a participação da população no equacionamento dos
problemas de moradia a partir do estudo de caso de uma tragédia na região Serrana do Rio de
Janeiro. Os desastres naturais que ocorreram na região merecem análise aprofundada, não só
técnica como também da falta de gestão política e social. O evento constitui-se como uma das
maiores tragédias climáticas do país, e torna-se necessário discutirmos sobre a importância das
medidas de prevenção contra acidentes e do monitoramento de risco nas encostas da Região
Serrana e de outras áreas do país, que podem poupar vidas e reduzir os danos provocados pelos
deslizamentos. A partir da análise do Manual de Planejamento da Defesa Civil que trata
detalhadamente de planos de contingências, socorro evacuação e assistência às populações em
risco, e afetadas em desastres, reabilitação de cenários, isolamento de áreas de risco entre tantos
outros assuntos pertinentes a defesa publica e que ficam engavetadas em departamentos
públicos pouco eficientes e sem “titular” ou responsáveis pelo gerenciamento destas ações em
momentos de crise. Torna-se necessário entender melhor a vida destas pessoas, seus rituais e
seu cotidiano para refazer o elo desgastado com o abandono e descaso e conquistar a confiança
destas comunidades para termos o poder de convencimento necessário para tirar estas famílias
de áreas de risco. Pensa-se muito na segurança individual em detrimento da segurança no
contexto de riscos imensuráveis. Conclui-se que malgrado haver uma aparente omissão estatal,
mesmo que os governos atuem de forma mais presente e ativa como forma de mitigar as
consequências dos desastres naturais, torna-se indispensável uma efetiva participação popular,
mobilizando-se e atuando em prol do coletivo, porquanto o povo é o personagem principal em
situações como tais e o verdadeiro potencial e poder de mudança da realidade atual repousa em
suas mãos.
Palavras -chave:
Defesa Civil, desenvolvimento sustentável, risco, políticas públicas, cidadania.
1 Introdução
Desastres naturais, quando atingem áreas povoadas, sempre provocam grande comoção,
todavia abrem a oportunidade para reflexão com relação ao que poderia ter sido feito pelos atores
envolvidos, como forma de evitar ou ao menos mitigar as consequências danosas do evento. Os
fenômenos naturais que ocorreram em janeiro de 2011 na região serrana do Rio de Janeiro e que
culminaram na morte de mais de novecentas pessoas, resultaram em uma tragédia que merece
uma análise mais aprofundada, tanto do ponto de vista técnico, quanto político e social. Este
artigo procura analisar, de forma exploratória, a participação da população (cidadania) no
equacionamento dos problemas de moradia a partir da análise do estudo de caso de uma tragédia
na região Serrana do Rio de Janeiro.
Muito tem se falado das carências e deficiências de ações na gestão das questões
públicas neste caso. Muito já se estudou a partir de acidentes como estes que ocorreram nos
últimos anos neste mesmo estado e ultimamente a midia estão repleta de casos de insucessos de
gestão pública. Mas, por que ainda se sofre tanto com este tipo de situação? Quantas mais
tragédias como essa, que se viu no Rio de Janeiro, serão necessárias para promover uma
transformação na forma das pessoas reagirem frente a situações de risco?
Aliás, reflexão interessante é definir se um evento como tal realmente é uma tragédia ou
um drama. Com efeito, remontando à mitologia grega, as tragédias se caracterizam como
acontecimentos inevitáveis e independentes da vontade de seus personagens, sendo ilustrativo o
exemplo de Édipo e Jocasta. Porém, o que se tem verificado no noticiário, a bem da verdade, são
quadros de “dramas” urbanos, ou seja, fenômenos que não obstante sejam identificados como de
grande sofrimento humano, não se traduzem em tragédias, na verdadeira acepção do vocábulo,
porquanto suas conseqüências danosas poderiam, sim, ser evitadas ou mesmo amenizadas de
diversas formas. (LIEBER et al 2002)
Talvez, até possam ser percebidas como tragédias sob o enfoque das pessoas envolvidas,
que na maioria das vezes não se percebem como agentes de mudança nem empreendem
iniciativas de prevenção da tragédia ou de suas consequências mais cruéis.
2 – Tragédia Climática da Região Serrana do Rio de Janeiro
Este desastre climático foi considerado o maior da historia do país, afetando diretamente
20 municípios e 90 mil pessoas. Foram 30 mil desabrigados e desalojados, bem como 916 vítimas
fatais de enchentes, deslizamentos e desabamentos ocorridos entre 11 e 12 de janeiro de 2011.
Bandeira et al. (2011) Na figura 1, observa-se a região afetada, sendo que o município de Nova
Friburgo teve
o maior número de vítimas: 389. Em Teresópolis, foram contabilizadas 324
mortes ,em Petrópolis 65 e mais de 30 mortos em Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto e
Bom Jardim. Cerca de 20 mil pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas nos municípios da
serra fluminense. (Santo, 2011)
Quando se depara com um problema da magnitude deste narrado na região serrana do
Rio de Janeiro, envolvendo três municípios e seus distritos, surgem diversos questionamentos, em
especial no que tange a saber quem é o responsável por um quadro de tamanha destruição, isto
é, o ente estatal ou a população? Ou ambos na medida de suas atribuições?
Figura 1: Informações referentes aos Municípios de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo.
O sistema normativo brasileiro possui sua efetiva base estrutural na legislação escrita, a
qual, por sua vez, legitima e estimula, na maioria das vezes, a ação dos governos e da população.
Segundo Bandeira 2011, os atores envolvidos na operação humanitária em resposta ao
desastre das enchentes na região serrana fluminense foram: o governo do estado, as prefeituras
das cidades atingidas, a Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro, a Força Nacional de
Segurança, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, a Marinha e a Aeronáutica
e Exército Brasileiro, além de ONGs. Estes órgãos de apoio foram gerenciados pelo Centro de
Gerenciamento de Crises, entidade do Sistema Nacional de Defesa Civil.
Pois bem, sobre o tema, FABRIANI (1991), analisando os desastres naturais que
acometeram a cidade de Petrópolis, RJ em fevereiro de 1988, já asseverou que a existência de
leis urbanas de proteção ambiental não foi suficiente para impedir que a cidade enfrentasse
problemas quanto aos serviços públicos, estrangulamento do sistema viário, precariedade do
serviço de transportes e a falta de alternativas para a expansão residencial. A questão é que não
obstante haver uma legislação verificou-se faltar a assimilação pelos poderes públicos estadual e
municipal no sentido de promover os investimentos necessários para se ajustar ao crescimento
populacional enfrentado pela cidade, mormente a partir da década de 1950.
O fato é que mesmo havendo legislação municipal tratando do tema, muitas vezes o
legislador não enfrenta a questão de forma adequada, ignorando a realidade vivida por grande
parte da população local. Tal situação reflete, portanto, a baixa representatividade das lideranças
comunitárias no processo de produção legislativa (FABRIANI, 1991).
O que se observa é que o problema ainda não encontrou o devido equacionamento, seja
legal, seja prático, tanto é que diversos jornais noticiaram novas consequências das chuvas,
envolvendo desabrigados, mortes e deslizamentos de terra em Teresópolis e Nova Friburgo, RJ,
no dia 06 de abril de 2012.
Conforme Costa e Ferreira 2011, essas tragédias devem ser interpretadas, globalmente,
como catástrofes naturalmente políticas; e o Estado brasileiro, junto à população inerte, caminha,
passo a passo, para o purgatório, ao tratar o planejamento urbano e a gestão ambiental dos riscos
de maneira dissociada e com medidas paliativas.
Prova disto podemos citar como exemplo, a cidade de Nova Friburgo, onde os rastros de
destruição ainda fazem parte do cenário da cidade, um ano depois da tragédia. Pontos turísticos
da cidade, ainda estão destruídos e com muita lama, como é o caso da Capela de São Antônio.
Figura 2: A capela atingida pela chuva há um ano e em 2012. Fonte: www.google.com – acessado em 10 de
março de 2012.
3 – A constituição social do Risco
O enfrentamento do problema inevitavelmente passa pela análise do conceito de risco, de
suas variáveis e consequências.
Para Beck, o conceito de risco está diretamente relacionado ao conceito de modernidade
reflexiva. “Qualquer um que conceba a modernização como um processo de inovação autônoma
deve contar até mesmo com a obsolescência da sociedade industrial. O outro lado dessa
obsolescência é a emergência da sociedade de risco. Este conceito designa uma fase no
desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, econômicos e
individuais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle e a proteção da
sociedade industrial. ”(BECK, 1997: 15)
Com efeito, o Estado possui acesso às pesquisas capazes de gerar um desenvolvimento
de segurança, porém, não faz uso de todo esse conhecimento em prol da população. Como
destaca Beck quem acaba por dominar tal realidade é a sociedade industrial, dos
empreendimentos capitalistas e a sub-política desenvolvida por grupos mais ou menos
institucionalizados e que criam o espaço e as redes de convívio.
O mundo atual, portanto, é moldado pela lógica do ganho imediato. Sendo assim, a
ocupação do solo se faz em prol do lucro, reservando-se as melhores áreas, mais seguras e
economicamente viáveis às corporações, incorporadores que as exploram através de loteamentos
e condomínios. Já a população trabalhadora, assalariada, ocupa as regiões à margem daquelas
reservadas à sociedade industrial.
Vive-se, portanto, uma cultura do risco. E o Estado, infelizmente, acaba por perder a
legitimidade de defender a população no sentido de lhe promover uma cultura de segurança.
Logo, todo o avanço tecnológico que se vê atualmente, não tem sido revertido a serviço do
bem estar, da qualidade de vida. Há, portanto, um aparente bem estar, uma aparente qualidade
de vida, eis que os moradores das encostas possuem modernos aparelhos eletrônicos, acesso a
televisão por assinatura, ar condicionado e até mesmo internet. Porém, o bem primário que é a
vida não está garantido em hipótese alguma.
O capitalismo lucra com o risco. Vende uma suposta proteção ao risco. E até pode-se dizer
que vende um bem estar momentâneo, mas que não afasta o latente risco à vida.
Neste diapasão, a situação daqueles moradores da região serrana do Rio de Janeiro se
assemelha ao drama narrado por Goethe na situação enfrentada por Fausto que celebra um pacto
com o demônio Mefistófeles em prol de prazeres momentâneos.
Aliás, o que se vê na sociedade atual, em especial no que tange aos conceitos adstritos à
sustentabilidade, tem profunda relação com o poema de Goethe, porquanto não se tem voltado à
atenção para elementos duradouros, que garantam o socialmente justo e ambientalmente correto.
Pelo contrário, em prol de uma modernidade líquida e ilusória, tem se vivido como se não
houvesse o amanhã.
A equação lógica de se morar numa encosta não conduz a um resultado que seja diverso
do desastre. Tal conclusão é oriunda da racionalidade que se traduz num caminho trilhado a partir
da argumentação lógica, com base em premissas verídicas, possíveis e razoáveis, ou seja, capaz
de ser comprovada. Ocorre que em contraposição à racionalidade há a racionalização ou,
segundo Beck, a racionalidade instrumental que se fulcra em premissas falsas. Portanto, o
caminho utilizado pela sociedade industrial, conforme ressalta Fabriani, é a racionalização que se
apresenta com argumentos aparentemente lógicos, mas partindo de premissas falsas, isto é, a
existência de um conforto momentâneo e passageiro, decorrente de bens de consumo, afasta
ilusoriamente a sensação da premissa verídica consistente na certeza de que em algum momento
haverá um deslizamento de terra.
Tal conclusão foi muito bem traduzia por Beck ao dizer que “na sociedade industrial, a
ordem social civil e, particularmente, o welfare s .llai/
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articulada e consciente vinha de uma Brigada de Voluntários, que dispunham de algum
conhecimento prévio e de um plano de operações e do Corpo de Bombeiros, órgão tecnicamente
preparado para este tipo de situação, mas que mesmo assim, bombeiros foram soterrados e
mortos, talvez por despreparo emocional perante um desastre desta proporção.
Segundo o Manual de Planejamento de Defesa Civil (1999) “Denomina-se de contingência
a uma situação de incerteza, quanto a um determinado evento, fenômeno ou acidente, que pode
se concretizar ou não, durante um período de tempo determinado. Plano de contingência é o
planejamento tático que é elaborado a partir de uma determinada hipótese de desastre.” (p3, V2)
Não foi aplicado nenhum plano de contingência nesta ocasião. Observa-se ainda, que foram feitas
apenas 3.000 cópias deste Manual, ou seja, insuficiente para a totalidade de municípios
brasileiros nesta ocasião, confirmando a não operacionalização do documento
A população deveria ter sido previamente alertada, evacuada para locais seguros que
pudessem abrigá-la. Já que no capítulo 3 do Manual de planejamento de Defesa Civil (1999) diz
que “as operações de evacuação devem ser planejadas com grande antecipação, evitando-se
perigosos improvisos durante as operações de socorro”. Nada disso aconteceu. E o que dizer
então da aplicabilidade do manual de Planejamento de Defesa Civil, tão detalhadamente
formulado e com tão pouca funcionalidade.
Ainda segundo o Manual de Defesa Civil “O Coordenador da Defesa Civil local orienta o
grupo sobre os prazos de planejamento e para que as adaptações do Plano de Contingência
sejam mínimas e justificáveis, em função da situação real. É designada uma equipe avançada ou
equipe precursora que se desloca para a área de desastres, no mais curto prazo possível.”.
Analisando as imagens e pesquisas sobre a região serrana, dentre as quais a de Fabriani
(1991) percebe-se que não era possível evitar os escorregamentos e os deslizamentos. Mas, a
tragédia, sim, poderia ter sido evitada. Faltou entendimento, educação e política pública que se
responsabilizasse pela coordenação dos resgates. Pode-se dizer que a gravidade dos desastres
naturais no Estado do Rio de Janeiro é obra de uma perigosa relação e infelizmente muito comum
no Brasil, entre à ocupação irregular do solo e a falta de fiscalização e monitoramento dessas
regiões, cuja obrigação reside nas mãos do Estado, ou seja, a ocupação segundo a lógica da
sociedade industrial.
A grande questão neste aspecto é que a estrutura estatal tem se olvidado do que
preceitua o Art. 3º da Constituição da República, no sentido de que constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros, garantir o desenvolvimento
nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais
e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação. Observa-se que em 2010 foi realizada a 1ª Conferência
Nacional de Defesa Civil e Assistência Humanitária com o patrocínio do Ministério da
Integração Nacional e apoiada pela UFSC, mas que ainda não havia sido incorporado às
práticas institucionais.
Ora, faltam, e muito, políticas públicas no sentido de reduzir as desigualdades sociais e
regionais, inserindo-se neste aspecto, a quase inexistência de projetos visando à proteção de
regiões expostas a risco. Tal quadro viola a dignidade da pessoa humana. Onde está a promoção
do bem comum?
Inclusive, a Constituição Federal possui uma cláusula geral de proteção à dignidade
humana, estampada no Art. 1º, III, ao elencá-la como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil.
A dignidade da pessoa humana é a força matriz e motriz de todo o ordenamento jurídico
pátrio, eis que dela surgem os demais princípios legais, bem como o desenvolvimento de todo o
sistema passa a depender da proteção a tal dignidade. Trata-se, portanto, de um vetor capaz de
iluminar todos os demais regramentos legais.
Ponto interessante a se tocar é que em 11 de abril de 2012, ou seja, após novas mortes na
região serrana do Rio de Janeiro, finalmente se publicou a Lei Federal nº 12.608 que institui a
Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC). Tal norma aborda uma série de diretrizes
que garantem um norte para os governos e sociedade civil.
Dentre diversos outros, o artigo 5º da aludida lei destaca como objetivos da PNPDEC:
reduzir os riscos de desastres, prestar socorro e assistência às populações atingidas, promover a
continuidade das ações de defesa civil, estimular iniciativas que resultem na destinação de
moradia em local seguro e orientar as comunidades a adotar comportamentos adequados de
prevenção e de resposta em situação de desastre e promover a autoproteção.
Logo, do ponto de vista legal já está formalizado o respectivo planejamento para que o
governo local possa mitigar futuras consequências dos desastres naturais, mormente em áreas de
risco, falta a sociedade civil cobrar isso e a respectiva ação executiva nesse sentido.
Os acontecimentos climáticos enfrentados pela região serrana carioca em janeiro de 2011
caracterizaram-se como uma das maiores tragédias naturais do país. Sendo assim, é
imprescindível reconhecer a importância das medidas de prevenção contra acidentes e a
necessidade de monitoramento de risco nas encostas da Região Serrana e de outras áreas do
país, que podem poupar vidas e reduzir os danos provocados pelos deslizamentos.
A Lei Federal nº 12.608/12 se deu posteriormente aos fatos, merecendo enfatizar que à
época dos desastres aplicava-se o aludido Manual de Planejamento da Defesa Civil que trata
detalhamento de planos de contingências, socorro as populações de risco, assistência a
populações afetadas em desastres, reabilitação de cenários, isolamento de áreas de risco e
evacuação da população em risco dentre tantos outros assuntos pertinentes à defesa publica e
que ficam engavetadas em departamentos públicos pouco eficientes e sem “titular” ou
responsáveis pelo gerenciamento destas ações em momentos de crise.
Foram apontadas como causas do desastre a geologia da região, a ocupação irregular do
solo (em encostas e áreas de várzea) e as chuvas de grande intensidade concentradas em
períodos de 15 minutos. Contudo, observa-se um histórico de calamidades que ocorrem no
Estado do Rio de Janeiro todos os anos, entre os meses de novembro e abril, devido a estes
mesmos motivos. Logo, fica evidente o baixo investimento em prevenção e mitigação de
desastres no Rio de Janeiro. Em 2010, o valor investido (R$ 80 milhões) para a reconstrução de
locais atingidos pela chuva foi dez vezes superior ao valor aplicado (R$ 8 milhões) para a
prevenção de catástrofes (BANDEIRA apud Campanato, 2011).
Isto nos prova, que ações preventivas e remoção da população das áreas de risco e
destinação para novas ocupações em áreas adequadas, salvariam muitas vidas com um
investimento muito menor. Mas remediar os estragos materiais tem parecido a opção escolhida ou
priorizada pelo Estado, que se caracteriza por ações em situação de calamidade pública que
permite a realização de obras sem seguir os procedimentos institucionais e legais previstos e
esta excepcionalidade fragiliza os mecanismos de controle pelo Estado e a transparência nos
gastos públicos tão afim com a democracia. Embora sem uma análise detalhada deste aspecto
que foge ao objetivo central deste trabalho, não pode-se furtar a pensar sobre o papel da
corrupção neste setor de obras públicas como uma manifestação da subpolítica (BECK, 1997)
que articula a rede de solução em defasagem com a problemática.
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A questão é que muitos recursos financeiros foram remetidos para equacionamento dos
problemas, porém, segundo noticiado na imprensa a maior parte dos R$ 7 milhões que Petrópolis
recebeu do governo federal após as fortes chuvas de 12 de janeiro de 2011 foi destinada a ações
emergenciais, e não à reconstrução do que foi destruído, tampouco a medidas de prevenção.
Por sua vez, Teresópolis teve quase 400 mortes em bairros urbanos e rurais e coleciona
atualmente placas de obras executadas pelo Estado e que estampam cifras de milhões de
investimentos que, na prática, mostram que ainda há muito por fazer.
Em Nova Friburgo, cidade onde os primeiros deslizamentos foram registrados já na noite
de 11 de janeiro, os estragos ainda são bem visíveis em áreas da zona urbana --tão explícitos
quanto o centro turístico-- e da zona rural. O município foi o que mais sentiu os efeitos da
tragédia: só lá, foram mais de 400 pessoas mortas.
O impacto da globalização nas cidades de todo o mundo - em decorrência da "nova
pobreza" e, por que não, da nova riqueza - foi responsável por algumas mudanças no caráter da
segregação com a ocorrência das gated communities, guetos, cidadelas, condomínios fechados
(MARCUSE, 1997).
Importante ressaltar a respeito da necessidade do Estado em contribuir ativamente para as
práticas sociais, quais podem chegar a engendrar domínios de saber que não somente fazem
aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer formas
totalmente novas de sujeitos e de sujeitos de conhecimento (FOUCAULT, 2001).
Por tais formas, o Estado poderá auxiliar no empoderamento da população no que tange a
melhor compreender o uso adequado do solo urbano, destinando suas moradias para locais
seguros, sem prejuízo de também conhecer, de forma aprofundada, as técnicas mais adequadas
para alcançar uma efetiva proteção de sua integridade física caso se veja inserida em situações
de risco.
Nesse diapasão, destaca-se o Art. 8º da Lei 12.608/12 que estabelece, dentre as
competências dos Municípios, identificar e mapear as áreas de risco de desastres, promover a
fiscalização das áreas de risco de desastre e vedar novas ocupações nessas áreas, manter a
população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos, bem como no que
tange a protocolos de prevenção e alerta e sobre as ações emergenciais em circunstâncias de
desastres, bem como estimular a participação de entidades privadas para atuação conjunta com
as comunidades apoiadas.
Necessário, porém, despertar na população que o risco existe e que precisa ser
enfrentado, afastando-se, assim, posturas de negação do risco que, nos dizeres de FABRIANI
(2004) decorre da perda na capacidade de aferir a realidade devido a uma fragilidade emocional
do eu consciente racional em enfrentar a ameaça de aniquilamento do eu e, portanto, uma fuga
para um mundo imaginário mais ameno.
A partir do momento em que a população reconhecer estar inserida num ambiente de
risco, caberá à mesma, ainda, assumir uma postura ativa, cidadã e que exija do Estado uma
adequada implementação de seus direitos.
Das diversas facetas do exercício da cidadania, merece destaque aquela existente nas
Cidades-Estados na antiguidade clássica grega onde indivíduo e comunidade não se negavam
reciprocamente mas, segundo Pinsky e Pinsky (2008, p. 33), se integravam numa relação
dialética. O indivíduo, proprietário autônomo de seus meios de subsistência e de riqueza, só
existia e era possível no quadro de sua comunidade concreta.
Inclusive, os constituintes americanos relacionaram os direitos do indivíduo ao bem comum
da sociedade, conforme leciona Bobbio (1992, p. 90).
Interessante notar que o exercício da cidadania requer participação popular efetiva. É por
isso que Fabriani (1991) destaca que um elemento essencial no equacionamento dos problemas
adstritos às moradias em locais de risco se encontra inserido nos movimentos comunitários,
através das associações de moradores, um importante espaço de articulação das demandas
populares, promovendo o debate das questões locais e organizando campanhas de defesa dos
interesses daquela comunidade junto a setores do governo e grupos privados.
Esta participação poderia dar voz à cultura do local e contribuir para o tecer de novas
tradições, pois chama a atenção que um ano após a tragédia muitos tenham voltado para as
mesmas casas e locais sem que consigam criar alternativas. “A tradição é a cola que une as
ordens sociais pré-modernas”, (GIDDENS, 1997: 80) ou seja apenas a reflexão sobre o passado
pode atribuir sentido ao presente e produzir ecos no futuro..
A fala ritual é aquela da qual não faz sentido discordar nem contradizer – e por isso contém
um meio poderoso de redução da possibilidade de dissensão.”(GIDDENS, 1997: 83). Logo, é
necessário melhor entender a vida das pessoas envolvidas, seus rituais e seu cotidiano para
refazer o elo desgastado com o abandono e descaso e conquistar a confiança destas
comunidades para alcançar-se o poder de convencimento necessário para tirar estas famílias de
áreas de risco. A produção da narrativa sobre o ocorrido possibilita a produção de conhecimento
entre os flagelados, desabrigados de forma a permitir a criação de uma proposta de ação que
molde o futuro em algo mais desejável pela comunidade. É o transformar do ato em estratégia
que muda todo o sentido da ação em uma ação cidadã
A efetiva participação cidadã da sociedade será um elemento indispensável para se atingir
o bem-estar, que compreende o direito à moradia digna. A redação do artigo 182 da Constituição
vigente menciona que, para o desenvolvimento da cidade o Poder Público deverá observar as
“diretrizes gerais fixadas em lei” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).
A produção das cidades brasileiras é marcada pela desigualdade: enquanto uma parte da
cidade é produzida regularmente por proprietários e empreendedores privados, uma
(considerável) parte do tecido urbano é produzida à margem da lei e da ordem urbanística – ilegal
e irregularmente (ALFONSIN e FERNANDES, 2006). E é com relação a esta porção ilegal e
irregular que cabe à população cobrar providências visando mitigar as consequências oriundas do
risco.
Um excelente canal de defesa e comunicação acessível à população reside no Ministério
Público, que possui, dentre outras funções institucionais a de zelar pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição
Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (Art. 129, II, CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, 1988).
A importância do Ministério Público como órgão fiscalizador capaz de equacionar o
problema também se faz presente na legislação infraconstitucional, tanto é que a Lei 12.340/10
que dispõe sobre as transferências de recursos da União aos órgãos e entidades dos Estados,
Distrito Federal e Municípios para a execução de ações de resposta e recuperação nas áreas
atingidas por desastre, e sobre o Fundo Especial para Calamidades Públicas, prevê que os
Municípios
deverão
elaborar
mapeamentos
sobre
áreas
suscetíveis
à
ocorrência
de
deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos
correlatos e encaminhar tais informações ao Ministério Público, mormente no que tange à
evolução das ocupações em áreas suscetíveis à ocorrência de tais fenômenos.
Pode-se concluir, portanto, que grande parcela da população ainda se encontra alienada e
anestesiada no que pertine a situações de risco envolvendo moradias. Pensa-se muito na
segurança individual e se esquece da segurança no contexto de riscos imensuráveis os quais
clamam por uma melhor avaliação e regulação, e a consequente contratação de especialistas e
de comissões técnicas responsáveis pela avaliação dos riscos.
5. Procedimentos Metodológicos
Para esta análise, o método de pesquisa utilizado foi de cunho qualitativo, sendo adotados
como estratégia de investigação os conceitos propostos por Gil (1996) e Vergara (1997). Podendo
classificá-la segundo dois critérios básicos: Quanto aos fins é através de pesquisa exploratória,
procurando estudar teorias sobre o assunto proposto que foram desenvolvidas por diversos
autores, reforçada com a leitura de artigos e da jurisprudência pátria sobre a matéria.E descritiva,
na busca por identificar as características de determinado fenômeno ou população, neste caso a
tragédia na região Serrana do Rio de Janeiro.
6. Considerações finais
Neste artigo fica evidente que as tragédias urbanas retratadas na região serrana do Rio de
Janeiro poderiam e deveriam ser evitadas por uma gestão pública mais comprometida com a vida
e a segurança da população. Porém, esta não é a realidade da maioria das cidades brasileiras e
mesmo com a adoção de medidas mitigadoras, desastres continuarão ocorrendo. Portanto, é
preciso que os planos diretores saiam do papel, que o planejamento urbano e a gestão do risco
sejam efetivos na administração publica para que, pelo menos, o impacto destes desastres
naturais seja amenizados para que a vida humana seja preservada.
Para isso, primeiramente, os estudos geográficos sobre ocupação da população em áreas
de risco devem levar em consideração o impacto socioambiental proveniente das alterações no
ambiente causadas pelos processos de mudanças sociais em decorrência das atividades
econômicas e ausência do poder público e também a efetiva participação popular, mobilizando-se
e atuando em prol do coletivo, porquanto o povo é o personagem principal em situações como tais
e o verdadeiro potencial e poder de mudança da realidade atual repousa em suas mãos.
Conclui-se que os desastres na região serrana do Rio de Janeiro devem ser entendidos
como uma construção social de risco, ou seja, eventos produzidos pela interferência da sociedade
no meio ambiente. As consequências e mortes ocorridas por esta tragédia são frutos inicialmente
de uma escolha política e uma ideologia capitalista, que gera uma lenta progressão na aplicação
de soluções sociais e econômicas na ocupação do território urbano.
Deve-se neste momento considerar a perspectiva paradigmática do desenvolvimento
sustentável, que de certa maneira submete a questão econômica às outras dimensões sócias,
culturais e ecológicas na tomada de decisão sobre o que fazer para quem e de que modo. A
sustentabilidade da vida nas regiões serranas precisa de uma revisão de seu paradigma para não
se ficar aprisionado em um circulo viciado onde o curto prazo e a privatização dos lucros é à custa
da socialização dos prejuízos. Faz-se necessário uma mudança do lugar que a população ocupa
neste cenário de vítima passiva para uma posição mais proativa nas decisões de consumo
consciente, na negociação de projetos sociais e de destino de ocupação dos espaços. Propõe-se
que o primeiro passo seja a criação de coletivos que abriguem a participação como processo de
emancipação. As políticas urbanas mais sustentáveis, projetos sociais mais sustentáveis ecoarão
nas gerações futuras que poderão viver em cidades mais sustentáveis.
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