Mídia, comunidade e cidadania:
conceitos e preconceitos ns sala de aula
Neusa Maria Bongiovanni Ribeiro
Este texto pretende refletir sobre alguns aspectos da compreensão do conceito de
comunicação comunitária e o pleno exercício da cidadania, quando o assunto é colocado
em discussão em espaços de sala-de-aula para acadêmicos do Curso de Comunicação
Social.
Durante o tempo de trabalho como professora da disciplina em dois cursos
universitários, no Rio Grande do Sul, de 2001 até o momento em que elabora esses
pensamentos – outubro de 2005, a autora tem sido responsável pelo desenvolvimento de
conteúdos que suscitam nos estudantes, desde incompreensões, questionamentos até a
alteração de posturas diante de preconceitos que são constatados em relação ao tema central
– a Comunicação Comunitária - que se vai discutindo semanalmente.
Ao se associar o conteúdo programático a uma prática que envolve exercícios de
rádio, elaboração de textos e de um projeto final no semestre, pretende-se empreender uma
reflexão para o que seja realmente o papel do comunicador nos dias atuais, que deve aliar
ao exercício de sua cidadania a sua prática profissional, diante de um mundo globalizado,
onde as grandes redes tecnológicas despontam como as principais referências hegemônicas
na atualidade.
No mínimo o assunto causa curiosidade, inicialmente, entre os estudantes. E na
clássica pergunta para se localizar porque vieram cursar a disciplina de Comunicação
Comunitária, que faz parte de um currículo que forma para “o Mercado” , as respostas
sempre vêm na direção de que não tinham nenhuma outra opção e resolveram cumprir com
os créditos opcionais que faltavam... São poucas as colocações em relação ao conhecimento
do conteúdo da disciplina e o que pode representar no acréscimo de um conhecimento que
vem sendo direcionado para determinadas ênfases profissionais.
A constatação já não preocupa tanto a professora, que prefere encarar a realidade da
formação acadêmica com um entendimento de que as mudanças globalizantes, por mais
que sejam da ordem de uma generalização do conhecimento, não conseguem ainda
sucumbir o que resta para a valorização das questões locais. Assim, o tema vai sendo
colocado inicialmente pela discussão dos conceitos, embasados nos autores que mais têm
trabalhado na América Latina e no Brasil, como Maria Cristina Mata, Jesús MartínBarbero, Nestor García Canclíni, Cicília Maria K. Peruzzo Denise Maria Cogo, Carlos
Montaño, John Downing, entre outros.
Há, certamente, algumas diferenças que observamos entre as realidades vividas nos
dois cursos que tratam da Comunicação Comunitária, como um conhecimento necessário
na formação acadêmica.
No currículo do Centro Universitário Feevale1, por exemplo, inicialmente a
disciplina foi introduzida com a característica de “obrigatória” aos estudantes de
Jornalismo, e aí ela se fez presente no aprendizado, pelo menos, da primeira turma de
formandos. Já na adaptação do currículo, realizada recentemente, ela foi colocada como
uma disciplina “opcional”, podendo ser oferecida ou não aos estudantes. Vale destacar que
o curso de Relações Públicas da Feevale, também tem uma disciplina de Comunicação
Comunitária, voltada para a realização de ações que se vinculam a eventos e atividades
comunicacionais, diversas das realizadas pelos estudantes de Jornalismo.
Já no Curso de Comunicação Social da Unisinos2, está sendo oferecida aos
estudantes dos três cursos - Propaganda e Publicidade, Relações Públicas e Jornalismo que participam na mesma sala-de-aula, e têm um tronco comum de algumas disciplinas.
Na nossa experiência da sala-de-aula, ser professora significa aproveitar todo o
aprendizado da experiência profissional de mais de quase quinze anos como jornalista em
diferentes atividades, em meios de comunicação da chamada grande imprensa, como rádio,
televisão e jornais, não só no Rio Grande do Sul, mas incluindo uma passagem por jornais e
uma rádio de São Paulo, contratada e também como free-lancer. Posteriormente, durante 12
anos, localizamos nossas atividades em assessoria de imprensa para o movimento sindical,
e outras instituições sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – Regional Sul 3, e em campanhas eleitorais
como a da Prefeitura de Porto Alegre, entre 1989 e 1990, com a eleição do prefeito Tarso
Genro.
Trabalhamos também nas assessorias de imprensa do governo municipal de Porto
Alegre, na administração de 1992 a 1994, e no governo estadual, na administração de 1999
a 2003.
A partir de 2001, com a aprovação no Mestrado em Ciências da Comunicação, as
atividades de professora têm dominado as atividades jornalísticas, o que nos afastou
temporariamente daquele fazer profissional. No entanto, o que vale reforçar é que toda a
experiência, o aprendizado vivenciado nos diferentes setores da Comunicação Social tem
contribuído juntamente com outras experiências fora do campo acadêmico para a troca do
conhecimento em sala-de-aula. E é, sem dúvida, o que se coloca para os estudantes: o
conhecimento do ser humano não é fragmentado como o seu aprendizado, e esse resultado
aparece quando se exerce uma profissão com consciência, responsabilidade e gosto pelo
que se faz. Na seqüência, abordamos outras diferenças presentes no aprendizado da
disciplina de Comunicação Comunitária, e o que se observa de mudanças na compreensão
dos estudantes.
Ao observarmos algumas diferenças entre os dois cursos universitários que têm a
disciplina de Comunicação Comunitária em seus currículos, notamos entre outras, embora
os cursos estejam na mesma região geográfica – o Vale do Rio dos Sinos – que a Unisinos,
situada em São Leopoldo, ainda recebe mais estudantes da capital do que o Centro
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Centro Universitário localizado na cidade gaúcha de Novo Hamburgo
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, localizado na cidade gaúcha de São Leopoldo
Universitário Feevale, localizado em Novo Hamburgo, até por estar mais próxima desse
principal centro urbano do Estado, que a outra.
Isto representa uma diferença significativa, por que no caso dos estudantes da
Feevale nota-se uma ‘sabedoria’ mais interiorana, com valores adquiridos em famílias,
muitas vezes constituídas por pais com origens agrícolas e que se localizaram na região,
pela subsistência nas fábricas de calçados, durante muitos anos. Já no caso daqueles
estudantes que vêm de Porto Alegre, há toda uma cultura em torno do que acontece no
centro metropolitano, e propriamente nos hábitos de vida, que podem ser diferentes em
relação aos demais estudantes. Isso é apenas uma inferência, na medida em que se observa
a constituição do conhecimento e como ele é expresso entre os estudantes de um curso e de
outro.
O que notamos, no entanto, é que, na Unisinos de 2003 até outubro de 2005, 260
estudantes fizeram a disciplina, em currículo regulamentar, enquanto na Feevale, em torno
de 45 cumpriram a carga correspondente à disciplina, a partir de 2002 até outubro de 2005,
com uma turma em regime intensivo. O que se sabe é que, mesmo sendo uma disciplina
“opcional”, no curso de Comunicação Social da Unisinos, para quem está em qualquer
etapa do curso, a Comunicação Comunitária tem sido ofertada em cada semestre,
diferentemente do Centro Universitário Feevale, cuja oferta é eventual.
Outro aspecto relevante é que, ao ser ofertada em regime de curso de extensão (o
que já ocorreu durante o período de trabalho da professora) a presença de estudantes
universitários é mínima, com um ou outro interessado no assunto, enquanto a maioria tem
sido de participantes de projetos de rádios comunitárias, localizadas na própria região dos
cursos universitários citados.
No entanto, o que fica mesmo mais presente, tanto num curso quanto no outro, é o
registro inicial do desconhecimento da importância da disciplina na formação dos
acadêmicos, que a partir do entendimento do seu conteúdo, com os esclarecimentos em
relação aos conceitos e ao exercício profissional, despertam para um fazer que não está
contemplado, segundo alguns, nas disciplinas de conhecimento geral dos dois cursos, e que
deveria estar incluída nos primeiros semestres, servindo de norte com outras disciplinas,
que poderiam estar mais conectadas com a Comunicação Comunitária.
O que se trata, na essência, é de um fazer comunicacional que deve estar presente
no cotidiano dos estudantes em formação, com a perspectiva de que esse fazer deve reunir
um amplo conhecimento da realidade do país, e que o seu conhecimento deve estar voltado
para o bem comum, enquanto um agente social transformador. Isto está na raiz da palavra
comunicação, como afirma Mário Kaplún. E como reforçam outros estudiosos com os quais
trabalhamos.
Portanto, o que denotam os estudantes, através das discussões realizadas em sala-deaula, e dos exercícios de programete de rádio com uma produção onde a comunicação
comunitária é o foco, e de textos com o sentido da comunicação comunitária, onde o
principal elemento é a linguagem usada com uma determinada intencionalidade para o
conteúdo nos interesses de uma comunidade, é que isso deveria estar centrando o
aprendizado desenvolvido nos cursos de forma geral.
O que mais interessa, no entanto, para esta professora, é que haja um entendimento
por parte dos estudantes de que a Comunicação Comunitária está na base do conhecimento
geral da Comunicação Social – como a própria expressão diz – comunicação da sociedade
para a sociedade, ou seja, de um ser para o outro e de um outro para os seus pares e assim
ampliando essa troca para um conjunto de seres que formam as diferentes comunidades,
com seus interesses próprios, locais.
Dessa forma, realiza-se uma série de conexões de comunicação, partindo do ser
humano, através de diferentes instrumentos e meios, para se atingir o todo da sociedade.
Igualmente, o processo deve acontecer na maneira inversa: ao se tornar um conhecimento
amplo, de domínio de todos e para todos, deve-se valorizar o que pertence a cada
comunidade.
Assim, o profissional comunicador quebra preconceitos, e torna-se extremamente
relevante na medida em que contribui para que haja uma distribuição desse conhecimento,
juntamente com outros agentes sociais transformadores, como os educadores, os
trabalhadores em saúde, os da área da segurança pública, etc., do que é mais amplo, para o
que é mais localizado, no seu pleno exercício da cidadania, e não de um mero operador e
realizador de tarefas.
Normalmente, nos registros dos trabalhos finais dos cursos, os depoimentos
aparecem de forma estimuladora, o que não significa uma mudança total de postura para os
estudantes. Mesmo assim, entendemos que os resultados finais são valorosos, para uma
ampliação da mídia cidadã no Brasil de hoje, apesar de ainda considerarmos restritivo o
trato da Comunicação Comunitária no âmbito acadêmico.
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Mídia, comunidade e cidadania: - Universidade Metodista de São