Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia - PPGECT
Utilizando portfólio didático como estratégia
de ensino de Biologia numa perspectiva CTS
Denise do Carmo Farago Zanotto
Nilcéia Aparecida Maciel Pinheiro
Rosemari Monteiro Castilho Foggiatto Silveira
André Koscianski
Márcia Regina Carletto
Resumo
Vivemos numa sociedade influenciada por avanços científicos e
tecnológicos e, não sabemos até que ponto o homem detém o controle de toda
essa tecnologia. Todavia, sabemos que existe uma imbricação entre a ciência,
tecnologia e sociedade. A LDB aponta a necessidade de se trabalhar com essa
imbricação no ensino fundamental e médio possibilitando a formação de cidadãos
crítico-reflexivos capazes de transformar a realidade onde estão inseridos. Neste
sentido, o presente artigo busca definir, situar e caracterizar o movimento CTS,
bem como apresentar uma proposta de trabalho realizada com alunos da 3ª série
de Biologia do ensino médio em que utilizamos a modalidade de portfólio didático
dos meios de comunicação, a qual permite que diversos conceitos científicos
sejam trabalhados de forma interdisciplinar numa perspectiva CTS.
Palavras-chave: ensino de biologia, portfólio didático, CTS.
Abstract
Using didatic portfolio
perspective CTS
as a strategy for teaching biology in a
We live in a society influenced by scientific and technological advances,
and do not know how far the man has control of all this technology. However ,
we know that there is an overlap between science, technology and society. LDB
points out the need to work with that overlap in elementary school and high
school to be become possible the formation of critical-reflexive citizens who will
be able to transforming reality where they are inserted. In this sense, this article
seeks to define, locate and characterize the movement CTS, as well to show a
proposal of work done with 3rd grade Biology high school students where we use
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07 a 09 de outubro de 2010
Artigo número: 18
ISSN: 2178-6135
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the mode of media didactic portfolio, which allows various scientific concepts
been worked in a interdisciplinary way in STS perspective.
Keywords: biology teaching, didatic portfolio, STS.
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Introdução
A tecnologia se faz presente na vida das pessoas nos mais variados setores. Vivemos,
portanto, numa sociedade cada vez mais tecnologizada e repleta de avanços científicos visando o
bem-estar do homem contemporâneo. Entretanto, o que se observa é que os problemas sociais
se agravam a cada dia e as conquistas tecnológicas e científicas são desfrutadas apenas por uma
pequena parcela da população, ou seja, na maioria das vezes, os conhecimentos científicos e
tecnológicos são elitizados. Muitas vezes os avanços tecnológicos contribuem mais para gerar
contradições do que solucioná-las.
Neste cenário percebe-se que há uma falta de sintonia da tecnologia com o aspecto
humano (Motoyama, 1985). E foi com o intuito de tornar óbvio essa dissonância que surgiu o
movimento CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) que possibilitou aos cidadãos uma maior
reflexão acerca dos benefícios e malefícios da tecnologia na sociedade atual.
Devido ao fato de a ciência e a tecnologia estarem cada vez mais formatando nossa
sociedade no sentido de causarem tanto benefício quanto malefício é importante que a escola
possa agregar ao seu currículo tais questões, pois nota-se que reflexões sobre os avanços
científicos e tecnológicos ocupam pouco ou nenhum espaço nas aulas de Biologia.
A atual conjectura necessita de professores com uma postura diferente de décadas atrás e
a sociedade de hoje exige um aluno - futuro profissional - com habilidades e competências que
lhe permitam desenvolver-se como cidadãos adequados às novas exigências sociais e de trabalho.
Assim, ensinar conteúdos
de
Biologia, principalmente
aqueles que
envolvem
conhecimentos das novas biotecnologias, exige alterações, inclusões nos programas de ensino e
nas atividades pedagógicas.
E o que nós educadores podemos fazer para facilitar o entendimento da ciência e da
tecnologia e suas inter-relações com o contexto social no qual estamos inseridos?
Com tantos avanços é papel do professor oportunizar aos alunos momentos de reflexão e
discussão dessas questões.
Cabe ressaltar que não existem receitas prontas, nem tão pouco fórmulas mágicas no
sentido de se coadunar as contribuições das ciências humanas e sociais à ciência e tecnologia no
contexto educacional.
Assim sendo por meio desse artigo objetiva-se expor uma alternativa de trabalho num
enfoque CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) nessa disciplina fazendo uso da modalidade
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portfólio didático dos meios de comunicação numa tentativa de formar cidadãos cientificamente
e tecnologicamente alfabetizados capazes de entender e transformar a realidade onde estão
inseridos.
1. Movimento CTS
O acrônimo CTS compreende os estudos sobre Ciência, Sociedade e Tecnologia. Podemos
definir esse movimento como uma análise crítica e transdisciplinar da Ciência e Tecnologia num
determinado contexto social.
De acordo com Pinheiro (2005) os estudos CTS baseiam-se na busca do entendimento dos
aspectos sociais do desenvolvimento técnico-científico, tanto com relação aos benefícios como
consequências danosas que o mesmo venha provocar.
Esse movimento surge por volta das décadas de 60 a 70 em decorrência de uma crítica ao
modelo econômico desenvolvimentista visto que o desenvolvimento científico e tecnológico não
estava proporcionando o bem-estar social. Além disso, a degradação ambiental, a fabricação de
bombas bem como a publicação das obras “A estrutura das revoluções científicas” de Thomas
Kuhn e “Silent spring” de autoria de Rachel Carsons (ambas em 1962) também contribuíram para
o seu surgimento. Assim se alastrou por vários países objetivando refletir criticamente sobre a
relação entre a Ciência, Tecnologia e suas imbricações sócio-culturais (Cruz; Zilbersztajn, 2001).
Na explicação de Walks (1990 apud Santos, 2008) esse movimento foi defendido por teses
anti-tecnocráticas, elaboradas e divulgadas por educadores liberais e de esquerda preocupados
com questões ambientais e com receio de uma possível guerra nuclear.
Para Fourez (1997) o referido movimento não seria contrário à tecnologia, mas contra um
modelo particular de desenvolvimento tecnológico capaz de trazer muito mais problemas do que
soluções.
Como se constata existe mais de uma explicação para o surgimento do movimento CTS,
fato que leva a divergências e congruências do ensino de Ciências (Química, Física e Biologia)
nessa perspectiva.
De acordo com González García, López Cerezo e Luján López (apud Bazzo, p. 220-221, 1998)
há duas correntes de CTS: a corrente européia que está centrada na Ciência como um processo a
qual enfatiza a dimensão social que antecede os desenvolvimentos científico-tecnológicos e
estuda a origem das teorias científicas e a corrente americana que enfatiza as conseqüências
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sociais das inovações tecnológicas, sua influência sobre nossa forma de vida e nossas instituições
valorizando o caráter humanístico.
Dada a importância do enfoque CTS ele foi direcionado para várias áreas como a
Computação, Genética, Automação e isto vem contribuindo para despertar o interesse público
sobre esses assuntos (Valério; Bazzo, 2006 apud Bonett et al., 2008) visando a superação de
problemas cotidianos.
De acordo com Walks (1990), questões relacionadas à qualidade de vida da sociedade
industrializada, à necessidade da participação da comunidade nas decisões de ordem pública, a
sensibilização de intelectuais como Layton (1994), Santos (2000 apud Santos, 2008), Mortimer e
Santos (2002), Santos e Schnltezler (1997), Aikenhead (1994) e Freire (1996) com relação às
questões éticas e, sobretudo, o medo e a frustração decorrentes dos excessos tecnológicos
propiciaram as condições para o surgimento de propostas de ensino num enfoque CTS.
De acordo com Pinheiro (2005) apesar desse movimento não ter tido sua origem no
contexto educacional as reflexões nessa área vêm aumentando de maneira significativa.
Como uma necessidade de formar cidadãos crítico-reflexivos com relação à tecnologia
surge a necessidade da reformulação dos currículos acadêmicos de ciências no ensino médio e
fundamental no qual possa ser contemplado o enfoque CTS.
1.1 CTS e o Ensino de Ciências
O ensino de Ciências é referido por Solomon e Aikenhead (1994) como uma forma de
conduzir o aluno à compreensão das experiências do dia a dia por meio da integração de
conhecimentos do ambiente social, tecnológico e natural. Todavia é preocupante como o ensino
de Ciências e, particularmente o de Biologia nem sempre tem acompanhado o desenvolvimento
científico e tecnológico. Isso deve-se em parte a grande quantidade de conteúdos presentes nas
matrizes curriculares.
Observamos que há um descompasso em termos de conteúdo do atual currículo de
Biologia e o que o aluno acompanha diariamente pela mídia escrita e falada concernentes aos
avanços e descobertas científicas e tecnológicas no campo da Biologia.
O enfoque CTS no contexto educacional, segundo Aikenhead (2003) surgiu em fins dos anos
70 e início dos anos 80 do século XX quando se estabeleceu um consenso entre os educadores de
Ciências em relação à necessidade de inovações na área em decorrência da necessidade
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emergente de uma educação política voltada para a ação e uma busca por abordagens
interdisciplinares capazes de promover uma alfabetização tecnológica numa sociedade
impregnada de Ciência e Tecnologia.
Assim o enfoque CTS fez-se presente nos currículos em face à necessidade de alfabetizar
cientificamente os alunos o que não vinha acontecendo com o ensino tradicional.
Desta forma, percebe-se que o ensino de Ciências num enfoque CTS deixa de ser
essencialmente memorístico, fragmentado e descontextualizado.
Segundo Silveira (2006) é preciso oportunizar ao aluno momentos de se contraporem à
visão determinista tecnológica e ao modelo de decisões tecnocráticas proporcionando situações
de debates reflexivos que conduzam a um consenso sobre a necessidade de se acabar ou ao
menos reduzir a dicotomia entre desenvolvimento humano X desenvolvimento tecnológico. Daí a
necessidade de se incluir temas com enfoque CTS no ensino de Ciências.
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases) cita em vários artigos o incentivo a abordagem CTS, tanto
para a educação básica como para o Ensino Médio. No artigo 35 e 36, por exemplo, fica
evidenciada essa preocupação.
Art.35. O ensino médio terá como finalidades:
“[...] II- a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação
ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana,
incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,
relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.” (BRASIL, 1999).
Art.36. O currículo do ensino médio observará também:
“I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das
letras e das artes; o processo histórico da transformação da sociedade e da cultura; a língua
portuguesa como instrumento de comunicação; acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;
II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes.”
Em conformidade com esses artigos é que Pinheiro, Silveira e Bazzo (2007) enfatizam a
quebra de fronteiras rígidas e excludentes entre os saberes.
E se consta na LDB a necessidade de se trabalhar os conteúdos de Ciências num enfoque
CTS por que isso nem sempre vem sendo feito?
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Essa indagação é respondida por autores como Alves et al. (2009), segundo os quais a
primeira coisa a ser feita é a mudança de concepções dos professores de Ciências e Biologia, o
que nem sempre é fácil devido a formação acadêmica inicial dos mesmos que, embora tentando
mudar tais concepções ainda trabalham os conteúdos como se o aluno fosse um mero
receptáculo de conhecimentos.
Além desse fator limitante outros ainda se somam para dificultar ainda mais o trabalho
num enfoque CTS. Na visão de Echeverría e Soares (2007) o próprio contexto sócio-econômico e
cultural dificulta as mudanças: salários baixos, falta de tempo para interação entre professores da
mesma escola bem como duplas ou triplas jornadas de trabalho.
Autores como Auler (2002) e Trivelato (2000) realizaram investigações nessa área e seus
estudos revelaram que muitos professores tentam trabalhar com esse enfoque, mas que na
prática os temas por eles selecionados não envolvem os alunos em discussões e avaliações de
diferentes pontos de vista. Eles justificam esse fato no sentido de que os professores sentem-se
presos a estruturas curriculares tradicionais.
Por isso, autores como Mortimer e Santos (2002) acreditam que a simples inserção de
temas sociais no currículo não funciona se não houver mudanças nas práticas e concepções
pedagógicas.
Analisando-se os diferentes pontos de vista dos autores supracitados fica claro que não
existem receitas prontas de como incluir o enfoque CTS em Ciências e Biologia, mas o importante
é que os professores estejam empenhados em querer mudar suas concepções que muito
auxiliarão a preencher as lacunas de sua formação inicial bem como a busca constante de
alternativas que subsidiem seu trabalho.
Neste sentido, o presente artigo apresenta dados de um trabalho já realizado na disciplina
de Biologia com alunos da terceira série do Ensino Médio de uma escola pública do estado do
Paraná, utilizando-se da modalidade de portfólio didático dos meios de comunicação.
2. Portfólio didático dos meios de comunicação
De acordo com Marulanda, Jaramillo e Restrepo (2008) uma das formas de se trabalhar
com CTS no ensino é a modalidade de portfólio didático.
Entende-se por portfólio didático dos meios de comunicação a maneira de aproveitar as
notícias que são veiculadas nos meios de comunicação, com uma estrutura baseada
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principalmente na construção social do conhecimento, nas consequências da ciência e da
tecnologia bem como o controle social da ciência e tecnologia.
Em revisão bibliográfica sobre o tema CTS, Auler (1998) constatou que não há uma
compreensão e um discurso consensual com relação aos objetivos, conteúdos, abrangências e
modalidades de implementações. Para ele é necessário uma fundamentação teóricometodológica alicerçada em três eixos baseados nas configurações curriculares mediante a
abordagem de temas de relevância social, interdisciplinaridade e democratização dos processos
de tomada de decisão em temas envolvendo ciência e tecnologia.
O portfólio apresenta como vantagens o caráter de atualidade e a facilidade de se trabalhar
com diferentes pontos de vista numa mesma notícia ou reportagem. Tem como objetivo geral
utilizar a informação científica veiculada pela mídia num enfoque CTS.
De acordo com Marulanda, Jaramillo e Restrepo (2008) os objetivos específicos dessa
modalidade de ensino num enfoque CTS são:
- mostrar que os meios de divulgação científica são acessíveis e significativos para a
alfabetização tecnológica e científica dos cidadãos;
- contribuir para a compreensão dos problemas éticos, culturais e humanos
relacionados com a informação contidas nas notícias de divulgação de ciência e
tecnologia;
- fomentar a divulgação tecnológica e científica por meio de novas tecnologias de
informação e comunicação, fazendo um uso responsável da mesma.
Com isso propõe-se atividades que contribuam para que os educandos sejam capazes de
fazer uma análise crítica do material de divulgação científica, bem como suas implicações sociais
em determinado contexto e valorização da aprendizagem dos conteúdos tecnocientíficos. Para
tanto, escolhe-se um tema atual controverso para ser analisado e posteriormente faz-se, por
exemplo, um debate considerando-se aspectos conceituais e de valores humanos.
Pode-se adotar como instrumentos de avaliação os debates, os júris simulados, as resenhas
críticas, a elaboração e apresentação de peças teatrais, entre outros.
O importante é sempre lembrar que para se trabalhar numa perspectiva CTS é interessante
escolher temas atuais, controversos, que favoreçam a interdisciplinaridade, que exerçam impacto
direto sobre o grupo social com o qual estamos trabalhando e que estimule o debate e análise.
(Marulanda, Jaramillo e Restrepo, 2008)
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3. Apresentação de uma proposta de trabalho numa
perspectiva CTS na disciplina de Biologia do Ensino Médio
Esse trabalho foi realizado com os alunos da 3ª série do Ensino Médio de um colégio
estadual intitulado: Portfólio didático sobre a questão da imortalidade.
Neste portfólio foi abordado o tema: o uso da biotecnologia visando a imortalidade.
Para se trabalhar o referido portfólio foi escolhido a reportagem “Você pode ser imortal”,
de autoria de João Vito Cinquepalmi, publicada na revista Superinteressante de fevereiro de 2010
(Cinquepalmi, 2010).
O objetivo geral da análise dessa reportagem foi refletir até que ponto a biotecnologia
pode propiciar a imortalidade ao homem bem como as implicações positivas e negativas que isso
poderia trazer para a sociedade contemporânea e futura.
Considerando-se que uma das características do enfoque CTS é a interdisciplinaridade,
nesse trabalho foi priorizado a disciplina de Biologia e seu imbricamento com as áreas de
conhecimento de Química e Informática. Para tal análise e discussão do tema foram elaborados
objetivos específicos dessas três áreas de conhecimento.
Cita-se como objetivos específicos de Biologia a serem contemplados:
- refletir sobre a questão da imortalidade considerando-se os aspectos positivos e
negativos da questão.
- discutir com os colegas sobre as implicações bioquímicas, éticas, políticas,
econômicas, tecnológicas e sociais decorrentes da imortalidade.
Para a área de conhecimento de informática objetivou-se:
- aumentar a percepção sobre a importância da segurança no desenvolvimento de
softwares voltados para a saúde.
Com a relação à Química o objetivo específico foi o de:
- analisar quais os conteúdos da Química estudados no ensino médio estão
claramente presentes nos avanços tecnológicos apresentados no texto.
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4. Procedimentos metodológicos
Considerando-se que o currículo de Biologia é bastante extenso em termos de conceitos
científicos, percebemos que o mesmo suscita de uma metodologia que permita ao professor
trabalhar esses conceitos de uma maneira que torne o aluno capaz de compreendê-los de uma
forma contextualizada, crítica e reflexiva.
Neste sentido, percebemos a importância de trazer para a disciplina de Biologia o enfoque
CTS para capacitar os educandos a discutir, analisar e compreender os problemas que permeiam a
sociedade contemporânea.
Assim sendo, a forma escolhida para trazer o enfoque CTS para a disciplina de Biologia foi o
uso de portfólio didático dos meios de comunicação proposto por Marulanda, Jaramillo e
Restrepo (2008).
Neste trabalho utilizamos uma metodologia qualitativa de natureza interpretativa, com
observação participante. A coleta de dados deu-se por meio das respostas orais e escritas por
parte dos alunos às questões previamente elaboradas pelo professor, nas dúvidas e
argumentações levantadas nos debates e nas resenhas críticas.
4.1 Amostra da pesquisa
A amostra que proporcionou essa atividade envolveu 19 estudantes, com idade entre 16 a
18 anos, cursando a 3ª série do Ensino Médio de um Colégio Estadual do município de São João
do Triunfo- PR na disciplina de Biologia relacionando conceitos de Biologia, Química e Informática.
Para garantir o anonimato dos alunos, os nomes foram substituídos por letras seguidas de
números (A1, A2, A3,...).
4.2 Atividade inicial
Num
primeiro
momento
selecionamos
a
reportagem
veiculada
pela
revista
Superinteressante de fevereiro de 2010 intitulada “Você pode ser imortal” e elaboramos um texto
com os fragmentos que consideramos mais relevantes para atingirmos os objetivos a que nos
propusemos.
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Logo em seguida, levando em consideração a questão da interdisciplinaridade envolvendo
conceitos de Biologia, Química e Informática organizamos algumas questões para serem
discutidas com os alunos.
Na sequência estabelecemos o número de aulas necessárias para a realização da atividade,
bem como a forma de implementação e avaliação dessa estratégia de ensino com enfoque CTS.
4.3 Aplicação da atividade
Inicialmente explicamos aos alunos a metodologia da atividade, os objetivos da mesma e a
forma como seria feita a avaliação.
Logo em seguida solicitamos aos alunos que, individualmente, realizassem em casa uma
leitura prévia do texto e anotassem aquilo que considerassem mais relevante para discussão em
sala de aula.
Na sala de aula, os educandos foram reunidos em equipes de 4 componentes para que
pudessem refletir, trocar ideias e responder às seguintes questões:
1) Trace um paralelo entre a busca da imortalidade na época dos alquimistas e na nossa
sociedade contemporânea. Os objetivos da busca da imortalidade são os mesmos?
2) Quais são os aspectos positivos e negativos que a imortalidade traria para o ser humano ,
analisando-se os seguintes aspectos?
- biológicos
- psicológicos
- éticos
- sociais
- políticos
- econômicos
3) Comente sobre as situações abaixo:
a) Segundo estatísticas de pesquisas aposentar-se por idade no Brasil significa descansar só
nos últimos 10% da vida em média. Se o ser humano chegar até aos 300 anos de idade, a labuta
irá até os 270 anos aproximadamente. Isso se o governo quiser e puder pagar a aposentadoria.
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Afinal o ser humano continuará jovem e produtivo o suficiente para trabalhar. E o tédio de
trabalhar na mesma coisa? Será possível ter mais de uma carreira profissional? E a
superpopulação e a sustentabilidade no planeta? Já pensou nisso? Expresse sua opinião sobre
esses questionamentos.
b) De acordo com o texto lido no mundo dos imortais só se morrerá por acidentes muito
graves e quando os órgãos não puderem ser consertados a tempo. Por isso as famílias irão
crescer. Será possível convivermos até com nossos tataravôs. As famílias irão ficar enormes, até
porque as pessoas terão mais casamentos (ou não?).
Segundo pesquisas atualmente os casais brasileiros ficam casados 11 anos em média; um
novo casamento ocorre cerca de 3 anos depois da separação. Nesse ritmo chegaríamos aos 500
anos com uns 32 casamentos. Dê sua opinião sobre o exposto acima.
4) Se os cientistas descobrirem a fórmula da imortalidade você acha que toda a população
do planeta vai ser imortal? Por quê?
5) Qual sua percepção da relação entre a Química que você estuda no ensino médio e os
avanços tecnológicos apresentados no texto? Quais os conteúdos presentes?Qual a importância
de estudá-los?
6) Por que os radicais livres , citados no texto, são tão nocivos às células , ao ponto de
causarem envelhecimento precoce?
7) Considerando que os nanorrobôs citados no texto precisarão de um software para
exercerem suas funções, quais riscos estaríamos correndo em utilizá-los?
8) Como poderia ser feito um sistema de emergência caso nanorrobôs apresentassem
anomalias que pusessem em risco a vida do hospedeiro?
9) Quais os riscos que o uso de nanorrobôs nos organismos pode representar para a
sociedade?
10) Se a longevidade infinita for alcançada, que tipo de adaptações poderiam ser
necessárias nos sistemas atuais?
Depois de respondidas as questões acima, realizou-se um debate em que cada grupo expôs
seu ponto de vista e, quando surgiam divergências aproveitava-se esse momento para reflexões e
discussões sobre até que ponto o homem tem o poder sobre a tecnologia que produz.
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Após esse trabalho que durou 8 aulas foi solicitado que cada grupo produzisse uma resenha
crítica. Além disso os alunos também foram avaliados pela produção individual de um texto onde
relataram o que aprenderam com a reportagem trabalhada em sala de aula .
4.4 Análise dos resultados
Com o desenvolvimento desse projeto percebeu-se que os alunos demonstraram mais
interesse pela aula e em nenhum momento reclamaram da necessidade de terem que fazer
leitura e expressar suas ideias também por escrito, reclamações estas muito comuns durante a
realização de exercícios após explicações com aulas essencialmente expositivas.
O uso dessa modalidade de trabalho com CTS é bastante motivadora, fato evidenciado
segundo comentários por parte dos alunos 1, como por exemplo: “É uma forma mais gostosa de
aprender; você nem sente e quando vê aprendeu muitos conceitos novos” (A 2); “É um tipo de
leitura e produção de texto que não cansa” (A 8); “Você aprende lendo revistas” (A 1) e também
“Achei ótimo e gostaria que houvessem mais aulas assim” (A 12).
Por meio das respostas dos alunos, percebe-se que esse tipo de modalidade didática
propicia a aquisição de conceitos científicos de uma forma diferente da tradicional, bastante
motivadora, utilizando-se de informações científicas veiculadas pela mídia (Marulanda, Jaramillo e
Restrepo, 2008).
Ao analisarmos as respostas das questões propostas percebemos que muitas eram
semelhantes, por isso destacaremos apenas algumas opiniões dos educandos sobre o tema.
Com relação à primeira questão os alunos concluíram que a busca pela imortalidade
sempre esteve atrelada ao poder, tanto na época dos alquimistas como na atualidade, como
podemos perceber no comentário de um dos alunos: “O homem sempre quis ser imortal e
sempre vai querer porque o que ele quer é ter o poder nas mãos para sempre” (A 1).
Respondendo à segunda questão sobre os aspectos positivos e negativos que a
imortalidade traria para o ser humano nos aspectos biológicos, psicológicos, éticos, sociais,
políticos e econômicos a grande maioria acredita que, apesar de não haver mais doenças físicas,
aumentariam os distúrbios psicológicos, depressão e suicídios, conforme podemos citar: “Eu
acredito que não teriam doenças físicas, mas aumentaria o número de pessoas desequilibradas
1
Visando garantir o anonimato dos alunos pesquisados será utilizada uma identificação fictícia de A1 a A19.
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emocionalmente por não saber exatamente o que fazer com tanto tempo pela frente” (A 19), “A
ociosidade poderia levar às pessoas a praticar crimes ou suicidar-se” (A 12). Para A11: “Eu acho
que aumentaria mais ainda o número de pessoas sofrendo de depressão porque veriam muitos
amigos e parentes morrendo caso não tivessem dinheiro para comprar a fórmula da imortalidade.
Teria que ter mais médicos psiquiátricos”.
Na fala dos alunos também foi possível detectar que haveriam muito mais problemas
éticos, sociais, políticos e econômicos tendo em vista que a imortalidade não seria privilégio de
todos.
Essa modalidade de ensino permitiu aos educandos uma reflexão crítica referente às
conseqüências do avanço científico e tecnológico e suas imbricações éticas com a sociedade e de
acordo com autores como Aikenhead (1994), Freire (1996), Santos e Mortimer (2002) essa
reflexão é de fundamental importância para a formação de cidadãos capazes de transformar a
realidade em que estão inseridos.
A discussão da terceira questão demonstrou que na opinião dos educandos seria tedioso
exercer a mesma profissão por muitos anos, sendo necessário ter mais de uma formação
profissional. A população aumentaria muito prejudicando a sustentabilidade no planeta. Com
relação aos casamentos argumentaram que não seria prudente ter muitos filhos o que poderia
ocasionar muitas implicações sociais, econômicas e ambientais o que evidenciamos com os
comentários: “Eu acho que não agüentaria exercer a mesma profissão por 200 ou 300 anos ou sei
lá quantos. Seria preciso ter mais de uma formação profissional” (A 2). “Eu nem sei se haveria a
instituição casamento, talvez tivesse um outro tipo de contrato” (A 5).
A3 complementa: “Com tantos relacionamentos haveria um aumento populacional tão
grande que o planeta não iria suportar de jeito nenhum, além do mais os problemas ambientais
seriam muito maiores do que hoje em dia”.
Caso os cientistas descubram a fórmula da imortalidade como exposto na questão quatro
todos foram unânimes em afirmar que ela seria somente para quem tivesse dinheiro. Sobre esta
questão vejamos, por exemplo, a seguinte argumentação: “A imortalidade seria só para quem
fosse rico e isso geraria mais desigualdade e discriminação social” (A 6).
Respondendo à quinta questão sobre a relação da Química com os avanços tecnológicos
apresentados no texto fica claro que esse tipo de atividade possibilita que o aluno compreenda
que a Química que ele estuda não está aquém de sua realidade. Podemos observar nas respostas:
“Com essa atividade ficou mais claro para mim alguns conceitos que eu não entendia como os
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ISSN: 2178-6135
Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia - PPGECT
radicais livres e porque nós envelhecemos” (A 7) e também “Sem você sentir está aprendendo
nesse texto o que são átomos, ligações químicas, enfim o que o professor tenta nos ensinar em
Química e achamos muito complicado.” (A 8).
Quando se fala ou pensa em envelhecimento a primeira coisa que nos vêm à mente são as
rugas e os cabelos brancos, ou seja, o aspecto externo. Dificilmente pensamos no envelhecimento
em termos bioquímicos e celulares. Na sexta questão, pudemos observar que os educandos
estabeleceram relações entre o envelhecimento e a formação de radicais livres. Para ilustrar
vejamos a resposta seguinte:
“Agora percebo a importância de você utilizar no dia-a-dia antioxidantes para combater a
formação de radicais livres porque agora entendo que quanto menos radicais livres, menos
oxidação celular e daí retardamos s envelhecimento e isso ocorre de dentro para fora” (A 9).
Quando indagados sobre os riscos do uso de softwares para o funcionamento dos
nanorrobôs a maioria não pensou apenas nos riscos biológicos, mas também nos aspectos
econômicos e éticos. Podemos verificar suas opiniões nos comentários abaixo:
Eu acho que o programa poderia falhar e os nanorrobôs executarem
uma função diferente da programada e em órgãos diferentes. Isso seria
letal. Também penso que o uso desses programas trariam riscos de se
incentivar a pirataria e logo teríamos multinacionais monopolizando o
comércio como o que ocorre atualmente com os agrotóxicos (A 3).
A14 complementa: “Seria preciso ter empresas muito sérias atuando nesse setor pra que
isso não trouxesse mais problemas ainda”.
Quando questionados sobre como poderia ser feito um sistema de emergência caso os
nanorrobôs utilizados apresentassem anomalias que colocassem em risco a vida do hospedeiro
percebemos que os mesmos encontraram mais dificuldade para responder, conforme podemos
observar nos comentários: “Não sei ao certo, talvez um programa que consertasse panes desse
tipo” (A 17) e também “Um programa em que ele se auto-corrigisse, mas não sei como explicar
direito” (A 9).
É perceptível que os softwares não são estranhos à realidade dos educandos, porém eles
não dominam conceitos intrínsecos dessa área de conhecimento, provavelmente pelo fato de
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usarem mais os computadores para acessar e-mails, Orkut, etc. e não se preocuparem em
entender seu funcionamento.
Com relação à nona questão os alunos acreditam que o uso dos nanorrobôs nos organismos
poderiam trazer riscos para a sociedade nos mais diversos setores, o que pode ser verificado nas
respostas seguintes: “Haveria uma busca contínua na tentativa de se fazer cópias dos programas
para comercializá-los nem que para isso fosse preciso passar por cima dos direitos do cidadão” (A
8). A2 alega que “Teríamos riscos de exploração financeira, poder. Quem tivesse acesso iria
querer dominar o mercado e essa tecnologia”. A14 argumenta: “Na minha opinião os nanorrobôs
poderiam ser usados para fazer terrorismo cibernético”.
Os alunos acreditam que se a longevidade infinita fosse alcançada seriam necessárias
muitas adaptações nos sistemas atuais, como por exemplo: “Eu acho que as religiões e a fé não
seriam mais levadas a sério” (A 6).
A15 aborda a questão dos distúrbios psicológicos: “Teria que ter muitos grupos de terapia
para tratar dos doentes de problemas ou distúrbios psicológicos”.
A11 complementa: “Teriam que se repensar questões ligadas à aposentadoria, planos de
saúde, etc.”.
Analisando as opiniões dos alunos nas resenhas críticas constatamos que a maioria deles
não gostaria de ser imortal. Podemos evidenciar isso conforme algumas respostas: “Eu não queria
ser imortal porque eu acho que eu viveria momentos de tristeza e angústia caso eu tivesse
parentes ou amigos mais pobres que não pudessem comprar essa tecnologia” (A 13).
A17 aborda a questão religiosa, “Para mim, de acordo com minhas crenças religiosas isso
seria anti-natural, anti-social. A vida tem um ciclo imposto pelo Criador que precisa ser
respeitada”.
Percebemos que por meio desta atividade os alunos tiveram a oportunidade de refletir
sobre os impactos que a tecnologia e a ciência poderiam ter sobre a sociedade atual e futura, bem
como capacitá-los para se posicionarem sobre até que ponto o homem tem ou não o poder sobre
a tecnologia por ele produzida.
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5. Considerações finais
Com base nas diversas percepções do ensino de Ciências e Biologia num enfoque CTS dos
autores que fundamentaram a elaboração desse artigo percebe-se que muito se fala e se pensa
em se trabalhar Ciências nesse enfoque mas, que na prática poucos docentes o fazem .
Sendo assim, cabe ressaltar que a partir do momento que os docentes se dispuserem a
modificar suas percepções acerca da cultura científica e tecnológica estarão muito mais
preparados para proporcionar aos seus alunos uma aprendizagem científica voltada para uma
abordagem contextualizada e social.
Para isso o professor necessita desenvolver uma postura dialógica em suas aulas,
promovendo debates em que o aluno possa tomar parte com suas ideias (Freire, 1996).
Como já foi mencionado anteriormente não há pretensões de fornecer receitas, mas uma
alternativa de metodologia para se trabalhar a Biologia numa perspectiva CTS por meio de
reportagens científicas veiculadas pela mídia impressa que possibilitem suprir uma necessidade
do mundo contemporâneo que é alfabetizar em ciência e tecnologia (Santos; Schnetzler, 1997).
Considerando a influência que a mídia exerce sobre a vida de nossos alunos, essa
modalidade de implementação de trabalho num enfoque CTS mostrou-se bastante eficiente,
principalmente pela facilidade de se encontrar material e para demonstrar que é possível a
divulgação em massa da ciência com a utilização das informações científicas e tecnológicas que
circulam na mídia. Como afirma Fourez (1995) não se trata de mostrar as maravilhas da ciência,
como a mídia faz, mas de disponibilizar as representações que permitam ao cidadão agir, tomar
decisão e compreender o que está implícito em termos de malefício ou benefício por trás de cada
descoberta científica e tecnológica.
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Autor A: Denise do Carmo Farago Zanotto: Mestranda em Ensino de Ciência e Tecnologia da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Ponta Grossa. [email protected]
Autor B: Nilcéia Aparecida Maciel Pinheiro: Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências e Tecnologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus
Ponta Grossa. [email protected]
Autor C: Rosemari Monteiro Castilho Foggiatto Silveira: Professora Doutora do Programa de PósGraduação em Ensino de Ciências e Tecnologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná,
Campus Ponta Grossa. [email protected]
Autor D: André Koscianski: Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências e Tecnologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Ponta Grossa.
[email protected]
Autor E: Márcia Regina Carletto: Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Ensino
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