26 entrevista.qxd 09-06-2009 12:57 Page 26 ENTREVISTA A agenda mediática em período eleitoral Que influência junto do público? No âmbito do mestrado em Política Comparada do Instituto de Ciências Sociais, José Santana Pereira, de 26 anos, defendeu, em Abril de 2008, a tese “O Poder da Imprensa – Agenda Setting no Contexto das Legislativas de 2005”. Uma análise que lhe permitiu chegar a conclusões inesperadas e até desconcertantes. Texto Helena de Sousa Freitas Fotografias Luís Humberto Teixeira 26 |Abr/Jun 2009|JJ 26 entrevista.qxd 09-06-2009 ENTREVISTA 12:57 Page 28 J o s é S a n t a n a Pe r e i r a dissertação de José Santana Pereira levou-o a investigar os efeitos do agendamento mediático durante três meses – entre 6 de Fevereiro (início da campanha) e 8 de Maio (data da última entrevista realizada no contexto do inquérito de opinião) – e a recuperar linhas de pensamento de alguns dos principais teóricos neste campo. A JJ – Nos anos 60, Bernard Cohen afirmou que “a imprensa pode não ter êxito em dizer às pessoas o que pensar, mas é espantosamente bem sucedida em dizer-lhes sobre o que pensar” e, na década seguinte, Sidney Kraus e Dennis Davis defenderam que as pessoas ficavam a saber que importância dar a um assunto ao observarem que saliência os media lhe concediam. À luz dos resultados que obteve, perguntava-lhe: somos tão directamente influenciáveis? Será que não reparamos na abordagem mediática de um tema por já ter- Jornalismo & Jornalistas – Há um século, o público era visto mos nele um interesse prévio? como uma audiência vasta, cativa e facilmente sugestioná- JSP – Esses autores pronunciavam-se sobre um efeito cognitivo (logo, não persuasivo) muito específico dos media – a agenda setting, que significa, em traços muito simples, a existência de uma relação entre o grau de atenção de que um determinado tema é alvo nos media e a importância desse mesmo tema para a opinião pública. Mas os proponentes da agenda setting não consideram que a opinião de toda a gente é influenciável desta maneira – existem características dos indivíduos (como a escolaridade, a confiança nos media, os hábitos de discussão da actualidade com outros) que fazem com que este efeito possa acontecer com maior ou menor intensidade. Além do mais, nem todos os temas têm um potencial idêntico – no caso dos temas que nos interessam ou preocupam, a sua importância na nossa “agenda pessoal” não é explicada pela intensidade da cobertura mediática, mas acima de tudo pela sua relevância no nosso quotidiano. Por exemplo, se um desempregado considera que a questão do desemprego é a mais importante, isto decorre do facto de se encontrar sem emprego, e não da quantidade de notícias que leu sobre o assunto. vel. Hoje sabemos que não é assim. A intenção de influência da comunicação social será, actualmente, dirigida a determinados sectores? José Santana Pereira – De facto, há cerca de 100 anos, o modelo de entendimento da influência dos meios de comunicação social (na época, imprensa e rádio) era o modelo de injecção hipodérmica – acreditava-se que a mera exposição à mensagem persuasiva transmitida pelos media faria com que as pessoas fossem influenciadas. Mas as ciências sociais demonstraram que isto não era verdade, nomeadamente observando “efeitos mínimos” dos media nas atitudes políticas das pessoas. Mais tarde, por volta de 1950/60, a psicologia social verificou que, a par de outros factores, as características dos leitores/ouvintes/ telespectadores podem aumentar ou diminuir o impacto dos media. Basta passar os olhos por uma banca de jornais ou fazer uma rápida comparação entre os noticiários dos três canais generalistas para entender que o público-alvo não é o mesmo – no primeiro caso, existem jornais considerados “de referência” e jornais “populares”; no segundo, existe também informação televisiva dirigida a sectores particulares. Esta tentativa de chegar, A agenda setting principalmente, a determisignifica, em traços nadas camadas da popumuito simples, a lação tem, na sua base, a existência de uma noção do senso comum – relação entre o grau suportada por investigação de atenção de que um científica – de que não determinado tema é existe um público, mas alvo nos media e a públicos. No entanto, esta importância desse “especialização” dos media mesmo tema para a não me parece derivada de opinião pública. um desejo de melhor influenciar as audiências, mas sim de fortalecer e fidelizar um público específico, ofertando-lhe aquilo que se percebe que este necessita ou procura. Aliás, o desejo de influência da opinião pública não é, na minha opinião, decorrente dos media per si, mas principalmente dos detentores de poder que os utilizam para passar as suas mensagens – políticos, partidos, grupos económicos, celebridades, etc. 28 |Abr/Jun 2009|JJ JJ – Então, que características tornam um tema mais propenso ao agendamento? JSP – A investigação sobre o impacto moderador das características dos temas refere quatro tipos de assuntos relativamente aos quais a agenda setting pode ocorrer de forma mais intensa – temas pouco envolventes (ou seja, pouco ligados ao quotidiano dos indivíduos), assuntos cuja incidência geográfica é nacional ou supranacional (ou seja, menos próximos da experiência dos indivíduos do que os temas locais), temas obscuros (aqueles de que a opinião pública só toma conhecimento devido à exposição por parte dos media) e temas plausíveis, ou seja, que têm potencial para serem considerados como alguns dos problemas mais importantes do país. MODUS OPERANDI DO FENÓMENO JJ – Os efeitos de agenda setting devem-se ao facto de os eleitores preferirem seguir os temas que os media elegem em vez de realizarem análises próprias mais complexas e críticas? JSP – A resposta simples é sim. A agenda setting acontece 26 entrevista.qxd 09-06-2009 12:57 Page 29 porque, num contexto complexo, e não possuindo os recursos para efectuar uma análise exaustiva de toda a informação necessária, as pessoas optam por recorrer a pistas ou atalhos para formar uma determinada opinião. No entanto, afirmar que as pessoas “preferem” fazê-lo é assumir que o efeito de agenda setting acontece de forma consciente. A verdade é que a investigação científica ainda não chegou a uma conclusão a este respeito – alguns autores consideram que as pessoas usam conscientemente a pista da frequência com que os temas são debatidos para formarem as suas agendas; outros acreditam que elas são quase “vítimas” dos seus processos cognitivos inconscientes. JJ – Países com clivagens partidárias fortes, acesso a diferentes fontes de informação, equilíbrio da cobertura mediática e clareza quanto às alternativas políticas tendem a registar um menor efeito de agenda setting. Em Portugal ocorrem algumas destas características? JSP – Destas quatro variáveis, aquelas que se verificam em Portugal de forma inequívoca são o acesso a diferentes fontes de informação e a clareza quanto às alternativas políticas. Em Portugal, existem canais televisivos públicos e privados, vários títulos de imprensa detidos por diferentes sectores e um panorama radiofónico também diversificado, bem como facilidade em aceder à imprensa e a noticiários internacionais. Em segundo lugar, em mais de 30 anos de democracia, os portugueses já viram governar – em maioria, minoria ou coligação – três dos partidos actualmente representados no Parlamento, pelo que as alternativas políticas são claras. Quanto ao equilíbrio na cobertura mediática, é uma questão sempre complexa e muito controversa – veja-se a polémica em torno da ausência de Garcia Pereira nos debates televisivos em 2005. No entanto, olhando para o caso da campanha desse ano, a verdade é que os líderes dos partidos mais pequenos obtiveram bastante mais espaço na imprensa e televisão (cerca de 40%) do que percentagem de votos nas urnas (aproximadamente 20%), o que denota uma tendência para os jornais cobrirem as actividades dos principais protagonistas de forma relativamente equilibrada. Agora, as clivagens partidárias em Portugal não são muito fortes, uma vez que os dois principais partidos são de centro-esquerda e de centro-direita, posicionando-se muito perto no espectro ideológico. JJ – Um estudo da ERC realizado no último quadrimestre de 2007 revelou que, nos noticiários televisivos das emissoras públicas, havia uma sub-representação do principal partido da oposição e uma sobre-representação do Governo. Isto poderá dever-se a uma melhor estratégia de comunicação do poder face aos media? JSP – De facto, a ERC observou uma ligeira sobre-representação do Governo e do PS, principalmente nos canais de acesso generalizado (RTP1 e RTP2), mas não na RTPN. É também de salientar que a sub-representação do PSD se deve não apenas à sobre-representação do Governo e do PS, mas também ao facto de PCP/PEV e CDS-PP terem recebido mais atenção nos noticiários da televisão pública do que era suposto, tendo em conta as quotas definidas pela entidade reguladora. Dito isto, não sei se este fenómeno se deverá a uma melhor estratégia de comunicação do poder face aos media – até porque o PSD foi poder durante o tempo suficiente para ser um mestre nesta arte, e se o factor crucial fosse este, não apresentaria decerto os níveis de sub-representação observados. Muito provavelmente, isto deve-se a um genuíno e compreensíA agenda setting vel interesse das redacacontece porque, num ções pelas actividades contexto complexo, e do Governo, pela polítinão possuindo os ca de facto – com o deserecursos para efectuar jo de manter as pessoas uma análise exaustiva informadas sobre aquilo de toda a informação que o Governo está e necessária, as pessoas não está a fazer – o que optam por recorrer a gera, necessariamente, pistas ou atalhos para um menor espaço para a formar uma determinada cobertura das activiopinião dades da oposição. Agora, o facto de a taxa de cobertura do PSD ser mais próxima das dos outros partidos de oposição do que da sua percentagem de votos em 2005 sugere que as redacções podem estar a tentar um equilíbrio distinto do instituído pela ERC – em vez de conceder espaço de antena em função da percentagem de votos de cada partido, há quase uma tendência para atribuir aos partidos de oposição um espaço similar. JJ – Alguns investigadores defendem que a cobertura de determinados acontecimentos pelos media pode, inclusivamente, influenciar o sentido de voto. Quais os mecanismos deste processo? JSP – As ciências sociais demonstraram que a influência directa dos meios de comunicação social no voto é muito ténue. No entanto, é possível considerar a existência de uma influência mais alargada, ainda que indirecta, através de dois passos sequenciais. O primeiro é a passagem da agenda setting ao priming – estabelecidos quais os temas mais importantes, estes passam a ser critério de avaliação dos protagonistas políticos. Isto é, se devido à influência dos media eu acredito que o ambiente é o tema mais relevante, a minha avaliação do desempenho de José Sócrates nesta área será muito mais importante do que qualquer outro factor para a minha opinião global sobre ele. O segundo passo é o efeito da opinião sobre os líderes no comportamento de voto, que está documentado na literatura científica há vários anos. No entanto, este modelo JJ|Abr/Jun 2009|29 26 entrevista.qxd 09-06-2009 12:57 Page 31 indirecto praticamente não foi ainda estudado pelas ciências sociais, o que é pena. JJ – Em relação ao papel dos conhecimentos políticos dos cidadãos, não parece haver consenso: alguns autores alegam que um bom nível de conhecimentos políticos reduz a susceptibilidade aos efeitos do agendamento mediático, enquanto outros defendem o contrário. Qual a sua opinião? JSP – Eu posiciono-me junto destes últimos. Em primeiro lugar, porque foi este fenómeno que observei com o meu estudo do caso da A influência campanha de 2005 – em directa dos meios quatro dos jornais analisade comunicação social dos (DN, JN, Público e no voto é muito ténue. Expresso), a agenda setNo entanto, é possível ting só se observou entre considerar a existência os eleitores com um elevade uma influência mais do grau de conhecimentos alargada, ainda políticos. Mas a chave que indirecta desta questão poderá estar na forma como este conceito de “conhecimento político” é medido. É bem possível que exista uma relação em forma de U invertido entre o grau de conhecimentos políticos e a susceptibilidade à agenda setting – a susceptibilidade é menor entre aqueles que não possuem quaisquer conhecimentos políticos (porque se desinteressam pelo tema ou não conseguem captar as pistas fornecidas pela imprensa) e entre os indivíduos sofisticadíssimos (porque o seu grau de conhecimento político torna-os imunes, uma vez que conseguem desconstruir a informação veiculada pelos media). No meu estudo, e em outros, muito provavelmente não se conseguiu captar estes indivíduos altamente sofisticados, mas apenas indivíduos relativamente sofisticados; já Shanto Iyengar, que é quem alega que um elevado nível de conhecimentos políticos reduz a susceptibilidade aos efeitos do agendamento mediático, terá podido fazê-lo. CONCLUSÕES IMPREVISÍVEIS JJ – No seu estudo notou que o segundo e o terceiro temas mais noticiados (religião e conflitos inter e intra-partidários) não foram referidos por nenhum entrevistado no inquérito pós-eleitoral de 2005 (ICS-UL), a que recorreu para a tese. Já o quarto tema mais noticiado durante a campanha (desemprego), teve uma taxa de referência por parte dos inquiridos 10 vezes superior ao número de notícias que motivara. Como se explica isto? Podemos dizer que, neste caso, a agenda setting falhou? JSP – Tendo em conta os pressupostos teóricos da agenda setting, não se espera que haja uma correspondência total entre o grau de importância conferido aos temas e a taxa JJ|Abr/Jun 2009|31 26 entrevista.qxd 09-06-2009 ENTREVISTA 12:57 Page 32 J o s é S a n t a n a Pe r e i r a de cobertura na imprensa – espera-se que haja uma tendência para que o primeiro acompanhe a segunda. E, olhando para mais do que apenas os “dez mais” de cada área, verifica-se que isto acontece – com maior ou menor intensidade – na maioria dos jornais analisados. O facto de não haver uma grande semelhança entre a taxa de cobertura mediática e a importância atribuída aos três temas indicados deve-se à natureza dos mesmos. Em primeiro lugar, a religião não tem potencial para ser um tema relevante em Portugal, tendo sido fortemente noticiado no período em causa em grande parte devido ao falecimento da irmã Lúcia e às reacções a este acontecimento por parte dos líderes partidários; em segundo lugar, A confiança na os conflitos inter e intrafonte de informação é partidários não possuem uma condição essencial também este potencial – para que ocorra especialmente quando diinfluência, uma vez que, zem respeito, como no se a fonte não for digna caso de 2005, a boatos e tride confiança, cas internas de importâna informação que cia secundária: por exemfornece é entendida plo, o facto de Manuel como não sendo Monteiro acusar Francisco credível. Contudo, entre Louçã de o não ter cumprios leitores do Jornal de mentado quando as suas Notícias e do Expresso acções de campanha se verifica-se exactamente cruzaram nas ruas de o contrário. Santarém. Por fim, o desemprego é um tema cujo potencial de relevância – ou seja, cuja probabilidade de ser considerado o mais importante tema da actualidade – é enorme, especialmente em conjunturas de crise e independentemente do grau de cobertura mediática. JJ – Verificou também que a importância concedida pelos leitores a certos temas (como o desempenho do Governo) foi inversamente proporcional à divulgação dos mesmos pelos media. É uma conclusão inesperada, não? Será que a insistência num assunto por parte da comunicação social conduz ao desinteresse do público pelo mesmo? JSP – Depende do tema e do grau de insistência, mas também do contexto político. Nestes casos extremos, a verdade é que a cobertura mediática funciona como redutor da importância percebida do tema. No caso do desempenho do Governo, podemos imaginar que, num contexto em que o primeiro-ministro e o Governo em funções eram criticados abertamente por vários quadrantes da sociedade, pode ter-se gerado um cansaço em relação ao tema e/ou a sensação de que os jornais exageraram nas críticas entabuladas ao Executivo – posição que o próprio Santana Lopes advogou durante a campanha –, factores que podem ter levado os inquiridos a considerar o tema 32 |Abr/Jun 2009|JJ como pouco importante. JJ – Na dissertação afirma que, no caso do Expresso e do JN, a agenda setting funcionou apenas junto dos leitores que desconfiam da isenção destes dois jornais. Há alguma explicação para este fenómeno? JSP – Esse foi, de facto, um dos resultados mais intrigantes do estudo. A literatura considera que a confiança na fonte de informação é uma condição essencial para que ocorra influência, uma vez que, se a fonte não for digna de confiança, a informação que fornece é entendida como não sendo credível. Contudo, entre os leitores do Jornal de Notícias e do Expresso verifica-se exactamente o contrário. Se a expressão de desconfiança na isenção da publicação mais consumida já é incongruente (afinal, porquê privilegiar um jornal que não é isento, consumindo-o com frequência?), o facto de se ser influenciado por um jornal considerado enviesado na forma como trata os protagonistas da actualidade política é ainda mais inesperado. O que provavelmente acontece é que, por motivos que desconheço, nestes grupos a agenda setting é, de facto, um processo automático (e não uma aprendizagem consciente), pelo que os leitores destes jornais não conseguem evitar ser influenciados apesar de desconfiarem da credibilidade das publicações. Estes leitores serão assim, nas palavras de Iyengar, “vítimas” do processo. Este fenómeno deverá ser explorado em estudos futuros. JJ – No caso de dois órgãos bastante distintos – o 24 Horas e a Visão – não se observou nunca o efeito de agenda setting. Já no Público, Expresso e Correio da Manhã há efeitos de agendamento mesmo nos casos de uma reduzida exposição dos leitores aos órgãos. A que se deve esta ocorrência? JSP – Acredito que resulta, essencialmente, das características específicas destes dois órgãos. Analisei a possibilidade de isto se dever a uma esmagadora maioria dos leitores do 24 Horas e da Visão não confiarem na sua isenção, mas isto não é verdade; outras hipóteses explicativas, ligadas às características das audiências, caíram também por terra. Assim sendo, a Visão e o 24 Horas não influenciarem as agendas dos seus leitores dever-se-á ao facto de, pelas suas características, estas publicações poderem ter um papel menos acentuado no domínio da construção da opinião sobre a realidade. Porquê? Em primeiro lugar, o tom que o 24 Horas utiliza é claramente distinto do verificado nos outros meios de comunicação estudados – estou a lembrar-me de títulos de notícias do género «Sócrates lixou-lhe os planos com o lince ibérico» ou «A culpa foi do ar condicionado», este último relativo ao problema de garganta que Jerónimo de Sousa sofreu durante um dos debates. O conteúdo das notícias é também marcado por algum humor mordaz. Quanto à Visão, parece-me que a questão central não está no tom, mas na sua condição de revista (ainda 26 entrevista.qxd 09-06-2009 12:57 Page 33 que direccionada para a informação) de periodicidade semanal, o que poderá contribuir para que tenha um efeito secundário na construção da agenda dos seus leitores. A literatura científica chama a atenção para o facto de se poder observar uma relação negativa entre a agenda setting e o facto de os participantes afirmarem recorrer aos media para descontrair e tentar escapar às preocupações do quotidiano. Na minha opinião, se a maioria dos leitores do 24 Horas e da Visão partilhar desta postura – hipótese que não pude testar por falta de dados – está encontrada a principal explicação para não se ter verificado agenda setting nestes dois grupos. JJ – E que leitura fazer do facto de o Correio da Manhã na minha opinião, a investigação futura nesta área deverá tentar verificar se a televisão portuguesa conduz a uma maior agenda setting do que a imprensa, através de um estudo comparativo do efeito da agenda dos jornais e dos noticiários televisivos na opinião sobre a importância dos temas de actualidade. No entanto, colocar esta hipótese significa considerar que a agenda televisiva é consideravelmente distinta da agenda da imprensa, o que pode ser igualmente pouco sensato, tendo em conta que os conteúdos da imprensa costumam influenciar o alinhamento dos noticiários; implica também considerar que os níveis de confiança na isenção das televisões são suficientemente elevados para permitir que esta influência ocorra. influenciar a sua audiência independentemente das caracte- JJ – No plano global, sabe-se que tipo de media tem mais rísticas desta e do tipo de tema? Estamos perante um impacto no estabelecimento de uma agenda temática junto sucesso absoluto? dos cidadãos? JSP – É um sucesso, mas débil. É um facto que o Correio da Manhã influencia a agenda da sua audiência independentemente do grau de exposição, de interesse na campanha, de confiança na isenção do jornal, de discussão interpessoal dos temas da actualidade, de escolaridade ou de conhecimento político desta. Este jornal consegue também actuar na agenda pública relativa a temas mais e menos envolventes (ainda que com maior intensidade no caso dos primeiros). No entanto, só poderíamos falar de sucesso absoluto se a agenda dos leitores deste jornal espelhasse de forma mais perfeita os conteúdos publicados – na verdade, os coeficientes estatísticos encontrados são baixos, o que significa que há uma influência de intensidade moderada por parte da publicação. JSP – A questão tem animado a literatura nas últimas décadas e ainda não se chegou a um consenso total. Alguns autores consideram que a televisão é o meio de comunicação social com maior potencial para influenciar a construção da realidade, uma vez que tende a concentrar-se num número limitado de notícias, que são reforçadas com imagens e sons que dramatizam e conferem maior peso emocional aos temas apresentados; outros destacam a superioridade da imprensa. Se aumentarmos o conjunto de media em causa, adicionando a rádio e a Internet, vemos que a literatura científica aponta para que os meios de comunicação com suporte escrito (como a Internet e os jornais) possam ter um impacto maior do que os que usam suA Visão e o 24 portes audiovisuais (teHoras não influenciarem levisão e rádio). Isto é as agendas dos seus explicado pela psicololeitores dever-se-á gia social cognitiva, que ao facto de, pelas suas estabeleceu que quanto características, maior o esforço envolviestas publicações do no processamento de poderem ter um papel uma mensagem, maior menos acentuado será o seu impacto nas no domínio da atitudes e comportaconstrução da opinião mentos. Há ainda quem sobre a realidade considere que a superioridade de um destes meios de comunicação depende de factores como a proximidade geográfica dos temas ou as características da audiência. Em suma, a resposta à pergunta é... depende! A IMPORTÂNCIA DOS SUPORTES JJ – De acordo com o inquérito pós-eleitoral de 2005 do ICSUL, apenas 65% dos portugueses afirmaram ler notícias nos jornais e revistas durante a campanha, contra 92% que assistiram aos programas noticiosos televisivos naquele período. Posto isto, faço minha uma questão que coloca: no Portugal contemporâneo, em que a exposição à imprensa é bastante mais reduzida do que à televisão, seria sensato esperar efeitos mais substanciais dos jornais nas opiniões dos indivíduos? JSP – De facto, sensato não seria. Mas também não era essa a minha hipótese de investigação. Eu calculava que a intensidade da agenda setting pela imprensa não seria muito alta em Portugal, mas acreditava também que, em determinados contextos, no caso de alguns jornais e leitores, este fenómeno poderia ser observável. E, como a ciência não vive de conjecturas, o estudo foi feito. A intensidade do efeito de agenda setting da imprensa mostrou ser, como se esperava, modesta. Esperava-se isto porque a televisão tem um papel preponderante como fonte de informação sobre a actualidade. E é por isso que, JJ – Este ano, os portugueses serão chamados às urnas diversas vezes. É expectável que o agendamento mediático funcione de igual modo nas eleições europeias, legislativas e autárquicas? E que suportes têm maior probabilidade de impacto em cada uma delas? JJ|Abr/Jun 2009|33 26 entrevista.qxd 09-06-2009 ENTREVISTA 12:57 Page 34 J o s é S a n t a n a Pe r e i r a JSP – A pergunta ainda não conheceu resposta na literatura científica, tanto quanto sei, por isso só posso dar a minha modesta opinião de curioso sobre estes temas. Em primeiro lugar, devemos lembrar-nos que se espera que a agenda setting seja mais forte entre os cidadãos que se expõem mais frequentemente aos media e que o O Correio da fazem de forma mais atenManhã influencia ta. Por outro lado, a ciência a agenda da sua política considera que, ao audiência independencontrário do que acontece temente do grau de nas eleições legislativas, as exposição, de interesse eleições locais ou eurona campanha, de peias envolvem menos os confiança na isenção do cidadãos, uma vez que jornal, de discussão nestas está em jogo algo interpessoal dos temas menos importante do que da actualidade, de o Governo do país. Estas escolaridade ou de últimas são consideradas, conhecimento político então, eleições de segunda desta. ordem, de importância secundária. Assim sendo, se considerarmos que as eleições legislativas interessam e motivam mais os cidadãos do que outras eleições, e se isto se traduzir numa maior exposição – e numa exposição mais atenta – aos meios de comunicação social durante a campanha para estas eleições (em comparação com as outras), podemos esperar uma maior intensidade do fenómeno 34 |Abr/Jun 2009|JJ de agendamento nas eleições de primeira ordem – as legislativas. No entanto, isto é apenas uma hipótese. Quanto aos suportes... penso que os padrões de consumo de televisão, imprensa, rádio e Internet não variarão substancialmente este ano, pelo que, no contexto das três campanhas, a televisão terá decerto um papel preponderante enquanto fonte de informação e, consciente ou inconscientemente, motor de influência das agendas dos cidadãos. JJ – Está a frequentar o doutoramento em Ciências Sociais e Políticas no Instituto Universitário Europeu, em Florença. Podia revelar os contornos do seu novo projecto de investigação? JSP – O meu projecto pretende levar mais adiante os trabalhos de investigação sobre agenda setting no campo da ciência política. Depois deste estudo de caso de Portugal em 2005, a minha intenção é fazer um trabalho comparativo – investigar o fenómeno de agenda setting na União Europeia, analisando a relação entre os conteúdos dos jornais e da televisão em cada um dos Estados-membros e as agendas da opinião pública. Para que a comparação seja rigorosa, o estudo será levado a cabo durante o mesmo período temporal – o da campanha para as eleições europeias. O objectivo principal deste projecto é testar o papel de variáveis do contexto nacional (ligadas, nomeadamente, às características dos sistemas de media) na intensidade da agenda setting, pressupondo que existem sistemas que, por motivos histórico-políticos (mas não só), conduzem a uma maior ou menor permeabilidade dos consumidores à influência dos órgãos de comunicação. JJ