E STA D O D E M I N A S ● S E G U N D A - F E I R A , 20 7 D E N O V E M B R O D E 2 0 1 1 21 GERAIS A VIDA NO Passageiros passam até 30 dias por ano dentro de ônibus e sistema ainda responde por 87% do transporte na capital APERTO SOBRE RODAS Os dedos doloridos e os músculos dos braços rígidos, agarrados aos balaústres, resistem ao balanço, arranques e freadas do ônibus lotado. Depois de trabalhar o dia inteiro, o taxista Josué Gonçalves da Rocha, de 41 anos, precisa de resistência no ônibus na volta para casa, no Conjunto Zilah Spósito, Região Norte de Belo Horizonte. O drama é o mesmo da vendedora Jordana Rodrigues da Costa, de 28, que enfrenta o aperto no coletivo e tem de encontrar espaço para trazer, espremidas entre os passageiros, as compras de casa. Nos corredores dos ônibus das linhas da BHTrans e pelo Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), os passageiros em pé se comprimem num confinamento que causa desgaste físico e mental. Depois de mostrar ontem como passageiros se apertam no metrô, o Estado de Minas verificou as condições dos ônibus da capital e Grande BH e constatou lotação acima do que os rodoviários consideram “limite do conforto”, que é de 33 pessoas em pé, média de cinco por metro quadrado. No espaço para 33 pessoas, por exemplo, se apertavam até 69 no fim da tarde de quinta-feira num ônibus da linha 5534 (Zilah Spósito), com oito pessoas por metro quadrado. “É muito cansativo. A gente tenta fazer força para não empurrar as pessoas, mas com o tempo desiste”, desabafa o taxista Josué. Com as duas horas por dia para ir e voltar nessa rotina, ele fica confinado cerca de 720 horas anuais dentro do coletivo. É como se, todo ano, o taxista passasse 30 dias com os braços para o alto e se equilibrando para não cair. O martírio de quem precisa viajar de ônibus não se resume ao desconforto. Os pontos também ficam lotados. ESTUDANTES Um dos pontos da linha 3503 com maior concentração fica na Rua Walter Iannes, em frente à PUC Minas São Gabriel, na Região Nordeste de BH. O aperto é grande na calçada e o teto dos dois abrigos é muito estreito. Sob o sol quente, estudantes não conseguem lugar debaixo da estrutura. É nessas condições que as colegas do curso de administração Juliana Cristiane Almeida, de 21, e Priscila Santos, de 19, esperam o ônibus para o Centro. “Na saída da aula, o ponto fica cheio demais”, afirma Juliana. A jornada do empresário Daniel Luiz dos Santos, de 34 anos, é mais curta, porém não menos estafante, já que ele leva 40 minutos de casa, no São Gabriel, até o Centro. "Você já está cansado, cheio de problemas. Aí, toma coragem, fôlego e encara o corredor cheio de gente se espremendo", desabafa, enquanto se esti- Em horário de pico, passageiros sofrem no Centro da capital para pegar ônibus da linha 3503, o de maior demanda na cidade, com mais 509 mil usuários por mês e que circula por três universidades TRANSPORTE PÚBLICO NA GRANDE BH FOTOS: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS MATEUS PARREIRAS SEM CONFORTO A capital é refém do transportecoletivoporônibuse,segundo o presidente da BHTrans, Ramon Victor Cezar, mesmo com o sistema de BRT (trânsito rápido por ônibus, previsto para 2013), e o metrô, que não será ampliado atéaCopa’2014,acidadecontinuarásujeita ao problema. Mensalmente, os ônibus levam 61.828.982 (87%) dos 71.441.334 passageirosdetodosostiposdetransporte de BH – táxis, metrô e suplementares. Para verificar a acessibilidade dos passageiros, o EM escolheu as linhas 3503 (Santa Terezinha/São Gabriel), do sistema municipal, com 509.420 usuários por mês, e a metropolitana 4988 (Sabará/BH), que leva 306.350. O problema fica pior com os pontos imundos, telefones quebrados, comércio distante, iluminação precária, calçadas estreitos e esburacadas. Esses elementos são essenciais para acomodar com dignidade os passageiros, garante o professor de transportes do Departamento Engenharia Civil e Ambiental Paulo César Marques da Silva, da Universidade de Brasília (UnB). “A viagem deve ser entendida desde quando se sai da casa até o destino e a volta. O desgaste do transporte se dá em todo o processo. É preciso um mínimo de conforto”, diz. RENATO WEIL/EM/D.A PRESS Latas de sardinha Passageiros por mês Ônibus municipais Ônibus metropolitanos Metrô Táxi Linhas suplementares Linhas de vilas e favelas Táxi metropolitano 36.928.982 24.900.000 5.000.000 1.700.000 2.356.480 500.672 55.200 Total: 71.441.334 Total Ônibus: 61.828.982 87% Ônibus municipais Ônibus metropolitanos DEMANDA MENSAL DE PASSAGEIROS O mais lotado da cidade ca para alcançar o balaústre. Estudantes avançam até a rua para pegar o ônibus, prejudicando idosos. “Sinto um desgaste muito grande, pois fico quatro horas dentro de ônibus todos os dias e outras duas nos pontos”, desabafa o estudante de jogos digitais Edney Carlos Teixeira, de 28, do Bairro Padre Eustáquio. A linha 3503 passa por três câmpus universitários – UFMG, PUC Minas e Newton Paiva –, mas não são os universitários que sofrem em pontos lotados. PALAVRA DE ESPECIALISTA NILSON TADEU NUNES, CHEFE DO DEPARTAMENTO DETRANSPORTES E GEOTECNIA DA ESCOLA DE ENGENHARIA DA UFMG Contrato prevê lotação máxima “Sem outras opções de transporte público, Belo Horizonte vive um drama muito difícil de ser resolvido. Para reduzir a lotação dos ônibus, só com mais carros. Isso refletiria diretamente num aumento das passagens, o que é indesejado. Assim, não há outra solução, se não a adoção de uma rede transportes ligando ônibus, transporte rápido sobre trens (BLT) e veículo leve sobre trilhos (VLT). O contrato com as empresas de ônibus prevê uma lotação máxima que chega a cinco pessoas por metro quadrado em BH. Parece baixo, perto do padrão imposto pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ANNT), de seis pessoas por metro quadrado, parece muito bom, mas o limite de conforto mundial é de 4 a 4,5 pessoas em pé num metro quadrado. Em algumas linhas, número de passageiros em pé chega a oito por metro quadrado em horário de pico A viagem deve ser entendida desde quando se sai da casa até o destino e a volta. O desgaste do transporte se dá em todo o processo ■ Paulo César Marques da Silva, professor da UnB O avanço do ônibus 3503, tentando uma brecha para retornar à faixa da direita, entre filas de carros e motos na direita da Avenida Dom Pedro II, obriga passageiros a se equilibrarem dando passos curtos e rápidos no caminho até a roleta. O aviso é claro: são permitidos 37 pessoas sentadas e 33 em pé. O número de pessoas não sentadas corresponde à razão de cinco por metro quadrado, determinada por legislação municipal. A regra nacional permite até seis por metro quadrado. O Estado de Minas contou até 49 pessoas num dos ônibus, o que dá sete por metro quadrado. Como a linha que mais transporta pessoas na cidade, o ônibus recebe também diferentes tipos de gente. Nesse aperto para se acomodar num assento qualquer ou no local com mais pontos de apoio, o fotógrafo Vanderlei Araújo, de 43 anos, deu sorte e logo se sentou com uma mochila grande repleta de equipamentos e outra bolsa de lentes e objetos. “Não é sempre que a gente dá sorte e consegue um lugar. O ônibus já sai do ponto final quase lotado”, afirma. Menos sorte teve a técnica em segurança do trabalho Edilaine Cristina Mendes, de 28. Com sua motocicleta no conserto, ela teve de encarar um dos motivos que a fizeram comprar a moto: o aperto dos ônibus. Enquanto o coletivo se inclina para fazer as sucessivas curvas da avenida, Edilaine ergue a mochila e a apoia sobre a roleta. Entra com o corpo no vão e passa seu cartão, segurando ao mesmo tempo dois capacetes e uma bolsa. A dificuldade da mulher desperta a gentileza da cobradora, que pega os capacetes e a bolsa e a ajuda a atravessar a roleta. “Quando tive de deixar a moto na oficina, já pensei: ‘Hoje o dia vai ser daqueles, vou ter de enfrentar os ônibus cheios’”, suspirou Edilaine. Assim que a técnica se apoiou numa haste de segurança e num balaústre perto da porta de desembarque, a cobradora Cátia Silene Nascimento Silva, de 37, prendeu a respiração e partiu para uma tarefa perigosa. Ela se levantou da cadeira atrás da gaveta de trocados e se agarrou aos balaústres. Como se estivesse num brinquedo, a mulher forte se movimentou dependurada nos balaústres e passou sobre a roleta, pousando na área de assentos preferencias. Ali, ela começou a conferir quem tem cartões de gratuidade ou carteiras de identidade. Terminada a vistoria, voltou para o seu lugar. “Nunca caí, mas tenho medo. A gente podia ter uma porta que facilitasse nosso acesso até a roleta”, disse. O que ela faz é proibido, segundo o sindicato dos rodoviários, mas ocorre em vários coletivos por pressão das empresas, de acordo com os sindicalistas. MANDE SEU RELATO SOBRE APERTO NO TRANSPORTE PARA O EM.COM.BR REPERCUSSÃO LEITORES COMENTAM NO EM.COM.BR Os trens que circulam no metrô de BH (se é possível chamar de metrô) são os mesmo que rodam no subúrbio de São Paulo. Mas as autoridades de BH não andam de metrô e ônibus, fazer o quê? GERALDO TRINDADE Dentro dos vagões a falta de educação impera: celulares com todo tipo de música, pessoas nos assentos reservados fingindo que estão dormindo para não ceder lugar para idosos e grávidas. Existem formas mais inteligentes de operar o metrô. CBTU, não estamos mais na década de 80, acorda! ALEX COSTA A quem interessa matéria tão negativa? Fabricantes e vendedores de veículos individuais. Quais outros? O transporte coletivo é a solução para o caos urbano. Temos que melhorá-lo e torná-lo viável, não destruí-lo. Eu uso metrô em BH, é bom, mas há excesso no horário de pico e pouco uso nos demais. JOÃO COSTA AGUIAR FILHO DEMANDA MENSAL DE PASSAGEIROS MAIOR MENOR MAIOR MENOR 3503 - Santa Terezinha/São Gabriel (509.420) 6025 - Maria Helena B/Centro (3.040) 4988 - Sabará/BH (306.350) 7540 - Betim / Alvorada/BH (47) 1502 - Vista Alegre/Guarani (381.480) 4114 - Bonfim/ Centro (3.840) 5792 - Lagoa Santa / Lapinha/BH (68) 9250 - Caetano Furquim/Nova Cintra (359.500) 6024 - Maria Helena A/Centro (4.280) 2290 - Contagem / Bairro Naciona/BH (285.408) 1505 - Alto dos Pinheiros/Tupi (338.080) 336 - Hospital Eduardo de Menezes/Vila Bernadete (5.700) 4802A - Pindorama/Boa Vista (338.080) 642 - Venda Nova/Estação Vilarinho (8.160) 3232 - Nova Lima/BH (240.049) 3175 - Cruzeiro/BH via Campos Elíseos/PTB (99) 1270 - Ibirité / Regina/Lindéia/BH (197.126) 3115 - Conj. Olímpia Bueno Franco/BH (134) 2580 - Contagem Eldorado/BH (194.901) 4120 - Santa Luzia via Vila Olga/BH (318) LINHA MUNICIPAL MAIS CARREGADA LINHA METROPOLITANA MAIS CARREGADA 4988 - Sabará/Belo Horizonte 3503 - Santa Terezinha/São Gabriel) 77 Pontos segundo site da BHTrans 47 deles foram identificados pela reportagem 25 61% Pontos segundo site do DER-MG 41 Pontos foram identificados pela reportagem 164% COMO ESTÃO OS PONTOS IDENTIFICADOS COMO ESTÃO OS PONTOS IDENTIFICADOS 43 têm sinalização indicativa de ponto 91% 32 têm sinalização indicativa de ponto 78% 15 têm abrigo 32% 30 têm abrigos 73% 6 dos abrigos estão em más condições ou só atendem parcialmente 40% 5 dos abrigos estão em más condições ou só atendem parcialmente 17% 10 dos abrigos permitem circulação de pedestres em seu entorno 66% 28 dos abrigos permitem circulação de pedestres em seu entorno 93% 4 têm informações sobre linhas e horários 9% 5 têm informações sobre linhas e horários no ponto 12% 3 dispõem de baia de parada de ônibus 6% 2 dispõem de baia de parada de ônibus 5% 3 estão em locais de calçada ruim 6% 12 estão em locais de calçada ruim 29% 10 localizam-se em calçadas estreitas 26% 13 localizam-se em calçadas estreitas 32% 5 têm piso tátil 11% Nenhum tem piso tátil 0% 39 estão em locais com comércio próximo 83% 22 estão em locais com comércio próximo 54% 42 têm iluminação 89% 33 contam com iluminação no ponto 80% 47 ficam em locais com arredores iluminados 100% 31 ficam em locais com arredores iluminados 76% 16 dispõem de telefones públicos próximos 34% 11 dispõem de telefones públicos próximos 27% 16 têm lixeiras 34% 18 têm lixeiras 44% 4% 2 apresentam calçada rebaixada para acesso de pessoas com dificuldades de locomoção 5% 2 têm calçada rebaixada para acesso de pessoas com dificuldades de locomoção Fontes: DER-MG, BHTrans, reportagem Arte: Marcelo Monteiro e Paulinho Miranda Multidão se amontoa nos pontos No Centro da capital, a espera pelo ônibus da linha 4988 (Sabará/BH) é tensa em ponto da Rua Rio de Janeiro. Às 16h, os passageiros tentam se alinhar no estreito abrigo. Várias filas paralelas são organizadas, algumas tão longas que dobram quarteirão. “Prefiro perder dois ou três ônibus do que embarcar e ficar em pé”, lamenta Cristiana Oliveira, de 61 anos, que trabalha n Bairro Carmo. A cena mostra por que BH ocupa a quartaposiçãoemmobilidadeurbana,ao ladodeSalvador,deacordocompesquisa da ONG Mobilize Brasil. O motivo de a cidadenãoterumrendimentopiorsedeve ao fato de que 70% da frota têm acesso paradeficientes,comoelevadores.NaRua Rio de Janeiro, o pipoqueiro Raimundo Pena, de 54, é testemunha de muitas brigas. “Tem gente que perde 40 minutos e até uma hora. Quando a fila anda, mais pessoas compram. É triste ver todos os dias tanta gente sofrendo para voltar para casa”, disse. Dois pontos à frente, na Rua dos Caetés, tanto o 4988 quanto o 3503, já chegam com os assentos ocupados. Uma multidão corre e se aglomera nas portas dos dois veículos. A ânsia de embarcar e pegar um lugar menos congestionado dificulta o desembarque preferencial de mães com bebês de colo, grávidas, idosos e doentes. Mesmo com mais veículos nos horários de pico, a BHTrans não consegue evitar aglomerações. O trânsito intenso do horário de pico – entre as 6h30 e as 8h e das17h30às19h–nãopermitequeoscarros extras cheguem aos pontos juntos. Sembaiasoumarcaçõesdeparada,amultidãodepassageirossedesorientasemsaber onde pegar o seu ônibus. O 3503, por exemplo, só tem três baias, em seus 47 pontos,eo4988,duasnas41áreasdeembarque e desembarque, sendo que um doscoletivossimplesmenteignorouorecuo na Avenida Cristiano Machado e pa- rou para recolher passageiros no meio da via. “Esse é um instrumento importante, desegurança,paraevitarqueotrânsitoseja prejudicado pela parada do ônibus e que o passageiro precise embarcar na rua”, avalia o pelo professor Paulo César Marques da Silva, da (UnB). ABANDONO A estrutura de concreto antiga e aberta, com chão de brita e terra, numa curva da Estrada do Gaia, em Sabará, parece mais um edifício abandonado do que uma rodoviária ou estação. Não fossem os ônibus da linha 4988, que ficam estacionados ali e pegam passageiros na rua em frente, o primeiro ponto da linha que mais transporta passageiros na Grande BH, é um pouco o retrato da precariedade no Centro Histórico da cidade e no corredor da Cristiano Machado até o Centro de BH. São 306.350 pessoas, mensalmente, que se sujeitam a um serviço onde um terço das calçadas com pontos são estreitas. Num dos abrigos, antes do Bairro Nações Unidas, a reforma da MGC-262 enterrou o abrigo na brita e resíduos de asfalto revolvido. ❚ LEIA AMANHÃ: PERIGO AO FUGIR DO APERTO ❚