AGROECOLOGIA: O RESPEITO À AGROCOMPLEXIDADE Agroecology: Respecting Agrocomplexity Ricardo Serra Borsatto1; Nilce Nazareno da Fonte1; Aurélio Vinicius Borsato1; Edmilson Cezar Paglia1; Silvana Cássia Hoeller1; Neide Aparecida da Silva2 Beraldo. 1 Integrantes do Programa de Pós-graduação em Agronomia – Produção Vegetal da Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Agrárias, Dep. de Fitotecnia e Fitossanitarismo. R. dos Funcionários, 1540 - 80035050 - Curitiba, PR, BR – Tel.: (41) 3505601 - e-mail: [email protected] 2 Mestranda em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul RESUMO Neste ensaio realiza-se uma abordagem teórica questionando a eficácia do modelo científico atual na proposição de soluções sustentáveis para o meio agrário. Propõe a utilização da teoria da complexidade como método para abordá-lo e a agroecologia como ciência para mostrar o caminho a ser percorrido, pode contribuir na construção de novas propostas que sejam mais abertas, racionais, críticas, reflexivas, autocríticas e aptas a se auto-reformarem. O objetivo maior deste ensaio é contribuir na construção de uma base epistemológica e teórica que auxilie o desenvolvimento da ciência agroecológica, utilizando para tanto, a teoria da complexidade. Palavras-chave: complexidade, transdisciplinaridade, agroecologia. ABSTRACT In this essay, a theoretical approach is fulfilled, by questioning the effectiveness of the current scientific model when proposing sustainable solutions for the agrarian environment. It considers that the use of the complexity theory, as a method to approach the agrarian environment and agroecology as a science for future indication, can contribute to the construction of new proposals that are more open, rational, critical, reflexive, self-critical and, thus, apt to remodel themselves when necessary. Hence, the main objective of this essay is to contribute to the construction of an epistemological and theoretical basis to assist the development of agroecological science, with the contribution of the complexity theory. Keywords: complexity, transdisciplinarity, agroecology. INTRODUÇÃO O meio agrário brasileiro é extremamente complexo, onde é possível verificar a coexistência de diversas realidades diferentes e interdependentes, que interferem e são interferidas por fatores econômicos, políticos, sociológicos, psicológicos, naturais, ecológicos, antropológicos, entre outros. Diante deste quadro, a preocupação central do Núcleo de Pesquisas Agroecológicas e Transdisciplinares da UFPR é elaborar sustentação teórica para pensar esta complexidade do meio rural. Costa Gomes e Guasp (1998) citam que existe uma lista de assuntos que a ciência tecnicista não tem conseguido resolver, entre eles: viabilizar a agricultura familiar, do ponto de vista socioeconômico, ambiental e cultural. Sendo assim, se faz necessário o desenvolvimento de estudos a partir de perspectivas transdisciplinares que contemplam a complexidade destas situações concretas. Edgar Morin (2001a), o preconizador da teoria do pensamento complexo, alerta para a importância de se ter uma visão e consciência mais sistêmica e totalizadora dos acontecimentos e não somente uma visão simplista que não consegue enxergar as conseqüências das atitudes tomadas. O objetivo deste ensaio é contribuir na construção de uma base epistemológica e teórica da ciência agroecológica, a partir da teoria da complexidade. DESENVOLVIMENTO a) Teoria da complexidade como “pano de fundo” - No último século a pesquisa científica no setor agrícola tem gerado resultados surpreendentes no aumento da produção de alimentos e na geração de riquezas, contudo estas pesquisas focam-se quase que exclusivamente à máxima produtividade de culturas exportáveis, geradoras de divisas, produzidas em grandes áreas. Não considera a importância dos aspectos antropológicos, sociais e ecológicos presentes no setor agrícola, acarretando assim um sério desequilíbrio no setor, com dimensões ecológicas, demográficas, econômicas e sociais. Atualmente, as pesquisas agropecuárias têm demonstrado pouca capacidade de resposta a este tipo problemas. (Almeida et al., 1998). A base da ciência moderna tem sua origem metodológica nas quatro regras propostas por René Descartes em 1637, onde em sua segunda regra ele preconiza que se deve dividir cada problema encontrado em tantas pequenas partes quanto fosse possível e necessário para melhor resolvê-lo, isto é a redução do todo a suas partes, como postura metodológica, sendo umas das mais caras tradições do pensamento científico atual. (Descartes, 2002). Enquanto, a teoria da complexidade - pensamento complexo - não é algo concreto ou palpável, não traz uma fórmula e muito menos propõe uma técnica. O mérito do pensamento complexo consiste no fato de priorizar o enfoque interdisciplinar para abordar e propor estratégias para o meio agrário, portanto, não é um pacote de intervenções, mas um conjunto de reflexões elaboradas a partir de múltiplas dimensões. Pascal (1976, citado por Morin 2001b) cita que é impossível conhecer o todo sem conhecer as partes, tampouco não se conhece as partes se não conhecer o todo. Ao utilizar a teoria da complexidade para dar sustentação teórica nas propostas de intervenções no meio rural, propõe-se seguir os seguintes passos: compreender o contexto de cada região produtora, entender as relações globais, ter uma abordagem multidimensional, entender a complexidade onde todos os fatores constituintes e constituídos pelo produtor agrícola possuem grande relevância. b) Agroecologia como caminho - O poder imperativo e proibitivo trazido pelo paradigma da “revolução verde” determinou estereótipos cognitivos tão fortes, que atualmente a grande maioria das pessoas ligadas à produção agrícola acredita que qualquer processo produtivo que não seja de grande escala, e que não faça uso de fertilizantes solúveis e agrotóxicos é um processo produtivo fadado ao fracasso, com baixa produtividade e gerador de pobreza. Para o desenvolvimento de estudos que contribuam de forma significativa para a melhoria das realidades do meio agrário, temas como: poluição, biodiversidade, exploração de recursos naturais e efeitos climáticos, devem ser relacionados, tanto para análise quanto para a implementação de soluções, ao desemprego, pobreza e riqueza, inovações tecnológicas, valores culturais, organização política e organização social. (CAPRA, 1997). Concordamos com Caporal e Costabeber (2002) ao conceber a agroecologia como uma ciência, um campo de conhecimento de caráter multidisciplinar e interdisciplinar que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias, que permitem estudar, analisar, dirigir, redesenhar e avaliar os agroecossistemas. Por esta razão, agroecologia se apresenta como um caminho que considera os diversos contextos, realidades e interações que existem no agroecossistema e aborda interações que não são considerados nas pesquisas em laboratório ou em estações experimentais. Caporal e Costabeber (2002) citam também que em essência, o enfoque agroecológico corresponde à aplicação de conceitos e princípios da Ecologia, da Agronomia, da Sociologia, da Antropologia, da ciência da Comunicação, da Economia Ecológica e de tantas outras áreas do conhecimento, no redesenho e no manejo de agroecossistemas. CONCLUSÕES A pertinência de abordar a agroecologia a partir da teoria da complexidade consiste no fato de que os objetos desta ciência são na sua essência complexos. A agroecologia como ciência propõe que se deve considerar e respeitar toda a complexidade existente dentro de um agroecossistema e do meio agrário, para que se abra espaço para a formulação de novas propostas de desenvolvimento. Propostas estas que sejam mais abertas, racionais, críticas, reflexivas, autocríticas e aptas a se auto-reformarem. LITERATURA CITADA ALMEIDA, D.L.; GUERRA, J.G.M.; RIBEIRO, R.L.D.; ABBOUD, A.C.S., CARVALHO S.R.; FEIDEN, A. - Uma proposta de pesquisa em sistemas de produção: - o sistema integrado de produção agroecológica “fazendinha agroecológica km 47” . Anais. III Encontro da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção. Florianópolis, 1998. CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia. Enfoque científico e estratégico. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 3, n. 2, p. 13-16, abr/jun. 2002. CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1997. 256P. COSTA GOMES, J.C; GUASP, J.T. - Interdisciplinariedad y democratización en la investigación y en el desarrollo agrario. Anais. III Encontro da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção. Florianópolis, 1998. DESCARTES, R. - Discurso do método: para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências. São Paulo: Paulus, 2002. 159p. MORIN, E. - Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2001a. 177 p. ______. - Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 4. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001b. 116 p.