Seminário internacional “ Herança, identidade, educação e cultura: gestão dos sítios e lugares de memória ligados ao tráfico negreiro e à escravidão.” Palestra: Apresentação da experiência do Complexo Histórico do Cais do Valongo (RJ) Palestrante: Drª Tânia Lima, professora Museu Nacional/(UFRJ), Dr. Milton Guran/ Universidade Federal Fluminense/ (UFF), Drª Hebe Mattos, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Fabiana de Melo de Oliveira/ coordenadora geral de segmentação do Ministério do Turismo. Mediadora: Maria Elisa Velásquez, presidente do comitê científico do projeto “A Rota do Escravo Internacional”. Data: 20/ 08/12 – 17:00 Maria Elisa Velásquez abriu a mesa dando boas vindas ao público e aos organizadores do evento. A palestrante Tânia Lima inicia sua fala explicando que em decorrência da futura realização de mega eventos esportivos no Rio de Janeiro (Copa do Mundo e Olimpíadas), e por causa de reformas urbanas de grande porte em trâmite, existe a necessidade de estudos das zonas afetadas, entre elas, o da zona portuária da capital fluminense. O Complexo do Valongo foi o maior mercado de tráfico de escravos nas Américas, localizado na zona portuária do Rio, operante até a segunda metade do século XIX. A partir das escavações arqueológicas, encontrou­se no local, uma ampla gama de objetos de escravos oriundos de variados pontos da África (principalmente da parte central do continente). Destacam­se entre os artefatos encontrados até o momento, os de uso ritual de matriz africana. Em cima do mercado Valongo construiu­se por volta de 1843, o Cais da Imperatriz, para recepcionar Teresa Cristina, futura esposa de Dom Pedro II. Apesar da superposição, os artefatos escavados no Valongo, encontram­se menos danificadas do que as do Cais da Imperatriz.
Essas encontradas foram cachimbos, anéis, enfeites com fibras de piaçaba, miçangas, estojos de metal, amuletos, entre outros. Dentro do acervo levantado, alguns deles eram ligados a práticas de feitiçaria e de ritos religiosos de matriz africana. Cada peça catalogada recebeu determinada técnica de preservação de acordo com sua natureza. Apesar do silenciamento histórico em torno do Valongo, os objetos coletados falam das angústias, dos desesperos, e das estratégias de proteção (corporal, espiritual, cosmológico) dos escravos. Tais objetos funcionavam como uma “pele social”, ou seja, de identidade étnica e cultural, além de marcar o pertencimento a grupos particulares. A Carta de Valongo foi firmada em 2011, e contou com a participação de diferentes setores da sociedade civil, principalmente das organizações afro­ brasileiras. Segundo Tânia Lima, uma das metas é o processo de empoderamento da comunidade negra para a realização de políticas públicas. Desde a divulgação dos resultados iniciais da pesquisa, uma série de eventos realizaram­se no local. Ela destacou, entre outros, a cerimônia religiosa organizada em homenagem ao intelectual e ativista do movimento negro Abdias Nascimento, falecido em 2011. Em decorrência do arcabouço cristão da equipe, lideranças de comunidades de terreiros foram chamadas para ensinar o significado dos objetos encontrados. Visitas de escolas, de artistas, e de pesquisadores de distintos países foram organizadas para divulgação da importância do Valongo. Segundo palestrante Milton Gurán A equipe da pesquisa elaborou o primeiro inventário no país de 100 sítios de relevância histórica correspondentes à escravidão no Brasil. Com o apoio do laboratório de história oral e imagem da UFF, e para visibilizar a memória da diáspora africana no país, gerou­se uma rede de especialista no tema e de membros da sociedade civil convocados a atuar a partir de um site. Nele, a bibliografia está disponibilizada para quem queira consultar as fontes da pesquisa.
A proposta apresentada à Fundação Palmares e a Sepir resultou, após um ano de sugestões recebidas, na seleção de um número determinado de sítios paradigmáticos ao tráfico negreiro. Hebe Mattos Em sua fala, ela dá ênfase no processo da produção do inventário e nos resultados finais. No Brasil há inúmeros sítios históricos que salientam a ancestralidade africana e o tráfico negreiro. No entanto, enumeraram­se certos critérios para formatar os dados de maneira mais precisa, entre eles destacam­se: 1) Os portos de entrada de africanos 2) Locais de cultos de religiões de matriz africana 3) Locais de trabalho, encontro e de revoltas de africanos 4) Marcos da presença africana na cultura material e imaterial. Fabiana Melo de Oliveira. Discorreu sobre o turismo cultural e de memória a partir da lente institucional do Ministério do Turismo. Em sua apresentação, levanta três aspectos: a abordagem ministerial, as principais ações e as perspectivas para o tema. A lei 11.771/2008 regulamenta a política nacional do turismo. A partir dela estabeleceu­se um marco legal para tratar de temas como patrimônio cultural e natural da sociedade brasileira. Os roteiros turísticos são elaborados de acordo com a característica da oferta destinada a certos grupos sociais. Nesse escopo, idosos e portadores de necessidades especiais, por exemplo, teriam um tratamento diferenciado. A abordagem destinada às comunidades tradicionais se encaixa no turismo étnico. Segundo Fabiana, tal vertente visa trabalhar a experiência direta com grupos que representam o rico mosaico brasileiro. Europeus, asiáticos, ou mesmo quilombolas seriam envolvidos no turismo de memória e cultural.
DEBATES: Valdicéia. Assessora do deputado federal Rodolfo Fonseca. Ela direcionou seu comentário, principalmente à pesquisa em andamento no mercado Valongo e do inventário. Felicitou a apresentação e o fato da equipe ser cristã e ter respeitado as religiões de matriz africana durante o processo. Colocou ainda que embora o ex­presidente Lula tenha sancionado a lei 16.039/03, que inclui no currículo escolar a história africana, ainda falta muito para que seja plenamente cumprida. Paulo Roberto Santos. Presidente Conselho do Negro e Assessor do Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro. Ele frisou que quando se iniciou as escavações no Cais Imperatriz, a equipe da Drª Tânia persistiu na escavação do sítio encontrando os vestígios do mercado Valongo, sendo assim, convidou mais pessoas a vivenciar aquele momento. Ele foi uma das pessoas que pode ver as peças, o que lhe deixou emocionado. José Serafim Mozart. Gestor e produtor cultural no Espírito Santo. Parabenizou a pesquisa do inventário, todavia acrescentou que em seu Estado (ES) é rico em história sobre a escravidão. Cita igrejas, quilombos, portos e a presença majoritária de negros na região como um ponto a ser melhor pesquisado. Vera Baroni. Coordenação da rede de mulheres de terreiro de Pernambuco. Para ela o inventário necessita visibilizar as mulheres negras, citando o exemplo do terreiro de pai Adão, fundado por uma negra. Ela questionou o conceito de turismo étnico, e perguntou a partir de qual parâmetro foi fundamentado. Marta Almeida. Movimento Negro Unificado (MNU) Pernambuco. Ela perguntou como fazer para inserir na agenda política governamental a preservação dos sítios históricos relacionados à escravidão no atual estágio de
desenvolvimento econômico brasileiro, que vem passando por cima de comunidades tradicionais. Respostas finais. Milton Guran. Ele sintetizou colocando que motivação do inventário dos lugares de memória relacionados à escravidão e ao tráfico negreiro no Brasil é apenas um pontapé para pesquisas futuras. Tânia Lima Salientou que o inventário foi feito com incentivo da Unesco. Ela espera que a pesquisa seja publicada, e que os 100 sítios levantados inicialmente, de maneira conjunta com outros estudiosos e membros da sociedade civil, rendam bons frutos subsidiando a produção de políticas públicas e pesquisas acadêmicas. Fabiana Melo de Oliveira. Ela afirmou que desde 2003 se vem discutindo o turismo étnico. Segundo ela, para construção de tal conceito, debates com diversas instâncias desde a academia ao terceiro setor foram realizados para delimitar políticas públicas com enfoque em comunidades tradicionais. Por fim, ela colocou que o turismo étnico visa experienciar de maneira autêntica com comunidades asiáticas, europeias, quilombolas, e outros grupos referidos como étnicos, a diversidade do país.
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Segunda sessão – Palestra 3 - Fundação Cultural Palmares