ARTIGOS TÉCNICOS – 03/2007
Fernando Furtado Velloso
Médico Veterinário
Coordenador do Programa Carne Angus
Associação Brasileira de Angus
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Programa Carne Angus, muito mais que certificação de carne de qualidade.
As associações de raças, na sua grande maioria, limitam sua atuação ao registro genealógico dos
animais e as exposições e leilões. Este modelo está ultrapassado há bastante tempo, pois atende
muito limitadamente aos objetivos dos pecuaristas, mesmo dos dedicados à produção de
genética. O Programa Carne Angus Certificada surgiu pela necessidade de romper com esta
situação. A raça Aberdeen Angus é líder nos principais países produtores de carne vermelha do
mundo e cumpre com as atribuições desta liderança, ampliando cada vez mais o seu papel e
participando cada vez mais das diversas esferas da cadeia da carne.
O Angus está presente no Brasil há muito tempo e em 2006 comemoramos os 100 anos de
ingresso da raça no país e da abertura do livro de registros. Não é preciso gastar muito tempo e
linhas para esclarecer que a carne Angus é considerada a melhor carne do mundo, pois esta
questão é praticamente consenso entre produtores, indústria e culinaristas. O Angus vem sendo
selecionado ao longo da sua história, para ser eficiente para o produtor, produzir carcaças
rentáveis para indústria e carne que atenda as expectativas mais exigentes dos consumidores –
com maciez, suculência e sabor inigualáveis. O que faltava para o Brasil era o adequado
direcionamento deste produto. O Programa Carne Angus veio para facilitar e dinamizar esta
truncada relação produtor:indústria:varejo.
Austrália, Estados Unidos e Argentina já exploram o mercado da carne de qualidade (ou
carne Angus) com muita eficiência e todos os elos da cadeia tem obtido resultados positivos com
isto. O produtor obtém melhores preços para os animais de qualidade, a indústria volume e
constância que podem ser negociados com valores superiores e o varejo dispõe de produto que
atende as exigências de quem manda em toda esta conversa: o consumidor.
O controle da carne Angus no Brasil iniciou em 2001, quando a Associação Brasileira de
Angus (ABA) firmou um convênio com o Frigorífico Mercosul no RS. Nos primeiros dois anos
somente foi realizado um acompanhamento da disponibilidade de novilhos Angus no abate do
Mercosul e as “possibilidades comerciais” deste disponível. A conclusão foi de que o disponível
era muito limitado e se fazia premente a realização de muito fomento para o direcionamento de
animais Angus para esta indústria, que no período já despontava como o principal frigorífico
gaúcho. Em 2003, a ABA colocou o Programa Carne Angus como seu “carro- chefe” e este se
tornou prioridade número 1 da entidade. Surgia mais um desafio que era identificar que varejo
teria interesse em apostar em um programa deste perfil e a escolha lógica foi a Cia Zaffari, pois
é reconhecida a qualidade de seus produtos e serviços.
De 2003 até o fim de 2006, já foram certificados mais de 250.000 animais de
aproximadamente 270 produtores e a carne vem sendo comercializado sob a marca Zaffari-Angus
no mercado doméstico interruptamente. Com o amadurecimento de nosso trabalho e incremento
dos volumes passamos a atender contratos de exportação para a Alemanha.
Artigo publicado no Informativo Boi e Companhia n. 700 – 19/02/2007
O histórico das marcas de carne ou projetos de integração de pecuaristas nos relata que o
maior entrave para o sucesso destas iniciativas é manter qualidade e constância de produção. De
fato, este é um desafio muito grande, mas me permito a discordar que este seja o ponto mais
limitante e me explicarei mais adiante. De qualquer forma, a ABA prima por estes dois pontos,
mantendo uma equipe própria de certificação em todas as plantas industriais que opera (para
garantir que o padrão de qualidade seja respeitado) e fora do “chão de fábrica” trabalha
permanentemente para incrementar a disponibilidade de gado certificado. Os abates certificados
vêm aumentando de forma consistente e em vários meses de 2006 superamos a marca de 8.000
animais certificados. Volume que nos deixa muito orgulhosos, pois no início do programa
tínhamos meses com números inferiores a 500 animais! (confira na tabela 1).
Com o desenvolver de nosso trabalho notamos que nossas funções deveriam ir muito além
da certificação da carne, mas sim que deveríamos ser facilitadores da integração
produtor:indústria:varejo. Ainda atuamos muito discretamente em relação ao varejo, e
consequentemente com o consumidor, mas evoluímos muito na aproximação do produtor com o
frigorífico. E bota relação complicada essa, pois a questão não é só de distanciamento, mas sim
uma relação histórica de desconfiança, de descrédito e de visão de que alguém está sendo
“passado para trás”. Não é totalmente condenável esta desconfiança do produtor, pois tivemos
inúmeros históricos de calote, má fé, etc, mas fazer nada em relação a este assunto com certeza
não é a postura mais adequada. A ABA trabalhou bastante para aproximar estas duas partes e
ficamos satisfeitos de verificar os resultados de pesquisa recente (agosto/2006) realizada com
mais de 120 produtores gaúchos. Veja o resumo do trabalho.
Os produtores concordaram fortemente com as seguintes colocações:
1. Uma maior cooperação entre os produtores de carne bovina é essencial para um futuro
próspero da cadeia produtiva da carne bovina.
2. Uma maior cooperação entre produtores e a indústria frigorífica é essencial para um
futuro próspero da cadeia produtiva da carne bovina.
3. Os produtores de carne bovina desconhecem as necessidades dos consumidores finais .
Nas afirmativas abaixo os produtores reconheceram as seguintes vantagens em participar do
programa:
Artigo publicado no Informativo Boi e Companhia n. 700 – 19/02/2007
1. O programa facilita a comercialização do meu produto ao longo da cadeia produtiva, ate
chegar ao consumidor final.
2. Com o programa eu tenho mais acesso a informações técnicas e mercadológicas.
3. O programa permite que eu obtenha um preço superior à média do mercado.
4. O programa facilita meu relacionamento com o frigorífico.
5. O programa permite que eu conheça mais as necessidades do consumidor de carne
bovina.
6. O produto do programa Angus é diferenciado em relação à “carne comum”.
Entre os diversos aspectos que mais nos chamaram atenção está o reconhecimento pelo
próprio pecuarista de que ele conhece pouco as necessidades do consumidor final. Reflexão:
como produzir algo quando desconhecemos a necessidade de quem vai comprar? Em
compensação, nos conforta ver que o produtor reconhece que a participação do Programa Carne
Angus o ajuda a conhecer melhor o consumidor. De outra parte, nos satisfaz também ouvir da
boca do produtor que ele vê o programa como um facilitador de sua relação com o frigorífico,
este antigo “inimigo”.
No RS parece que as coisas estão ficando mais claras para o pecuarista e que a
necessidade de padronização do rebanho e de cooperação dos produtores é vital para que se
explorem os mercados de carne de qualidade e para a melhor remuneração do pecuarista. A
Argentina é um exemplo próximo para o gaúcho e de lá trazemos várias experiências de como
aproveitar a virtude de um rebanho padronizado e de uma cadeia mais integrada.
Em São Paulo temos agora um novo desafio: o cruzamento industrial. Os ganhos de
produtividade decorrentes de programas de cruzamentos bem organizados são inegáveis, mas
ainda estamos “engatinhando” na comercialização deste produto. Podemos dizer que até 2006
nos omitimos na questão do gado cruza Angus ou deixamos ou mercado se auto-regular. Não
funcionou: ocorreu resistência dos frigoríficos ao gado de cruzamento por diversos motivos
(despadronização de raças, cruzas com leiteiros, falta de terminação, etc) e com isso houve um
desaquecimento do cruzamento. Hoje, temos um cenário diferente, pois nosso programa
expandiu-se para SP e vamos desenvolver a certificação da carne Angus no frigorífico Marfrig
(Promissão). Agora sim podemos dizer: cruze com Angus e obtenha os resultados a nível de campo
e na venda do boi receba os diferenciais da carne de qualidade.
Artigo publicado no Informativo Boi e Companhia n. 700 – 19/02/2007
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