Isabel Pedro, uma Voluntária com espírito de Missão
“Recebo muito mais do
que aquilo que dou”
Administrativa numa empresa familiar, Isabel Pedro viu-se repentinamente sem emprego depois de mudanças
organizacionais que decorreram como consequência do negócio ter sido vendido a uma multinacional. Seguiu-se
uma depressão. Antes, já uma doença grave a tinha retirado do ativo por um longo período de dez meses. Acontecimentos que a obrigaram a reequacionar prioridades e a “olhar para a vida” de outra forma. Mas não baixou os
braços. Levantou-se. Sem filhos, porque simplesmente “não aconteceu”, decidiu fazer voluntariado com crianças.
Soube da CEBI através de uma amiga. Hoje sente-se realizada, ajuda na coordenação do Voluntariado do Departamento de Emergência Social (DES) e garante que não o vai deixar nos tempos mais próximos.
TEXTO NUNO LOPES
Despertar - Como é que decorreu o seu Pro-
pergunto-lhes como correu a Escola e falo com
mais a ela. Tento, no entanto, partilhar os afe-
cesso de Seleção para integrar a Equipa do
eles sobre o dia. Também participo nos banhos
tos por todos. Sinto sempre a minha consciên-
DES?
e na alimentação. Quando chega uma criança
cia tranquila, pois considero que fiz aquilo que
Isabel Pedro - Em primeiro lugar, tive uma entre-
nova, tento sempre recebê-la, perguntando-lhe
conseguia.
vista com uma das Técnicas do DES, onde me
o nome. É muito importante. Não faço é ques-
fizeram algumas perguntas relativamente ao
tão de saber o seu histórico.
Sente-se responsável por tornar a vida destas
crianças um pouco melhor?
meu percurso de vida. Adicionalmente pediram-me o Registo Criminal. Eu indiquei qual a
Sente receio de ficar impressionada?
Sim. Eu costumo dizer que quando comecei a
minha disponibilidade, pois na altura também
Não é tanto por aí. Acho que não devo saber.
fazer Voluntariado no DES, era para colmatar
queria aproveitar o tempo com outras coisas
São informações que estão no Processo da
uma falta que eu sentia por não ter tido filhos.
que não tinha oportunidade de fazer quando
criança e quanto menos souber, menos pro-
Neste momento, venho ao DES porque gosto
trabalhava. Cerca de três meses depois liga-
babilidade tenho de divulgar algo, mesmo que
verdadeiramente daquilo que estou a fazer,
ram-me a confirmar se o meu interesse ainda
inadvertidamente. Às vezes, com a minha famí-
porque sinto que faço bem a estas crianças e
se mantinha.
lia é inevitável falar sobre as crianças, mas
porque tenho este amor para partilhar. Eu digo
tenho sempre o cuidado de não mencionar os
muitas vezes que eu ofereço alguma coisa,
Como é o seu dia-a-dia com as crianças?
seus nomes e informações que não devem ser
mas recebo muito mais em troca!
Geralmente dedico-me mais aos bebés.
partilhadas.
Acaba por ter aqui muitos “filhos”...
Quando chego brinco com as crianças mais
pequenas que não vão para a Creche. Faço
E como é que é repartir a sua atenção por tan-
Sim, é verdade. Poderia ter adotado mas na
brincadeiras com os sons e cores e depois
tas crianças?
altura em que estava a trabalhar, devido à
acompanho-os quando começam a conseguir
Nunca se consegue chegar a todo o lado. Se
rotina do dia-a-dia, acabei por deixar passar
brincar. Quando os mais crescidos chegam da
eu percebo que, naquele dia, há uma criança
o tempo. Quando falava do assunto ao meu
Escola, recebo-os, como se fosse a “Mãe” que
que está mais rabugenta, mais sensível ou que
marido, ele também não estava muito recep-
está à espera deles. Dou-lhes um miminho,
precisa de mais atenção, dedico-me um pouco
tivo e está cada vez menos, porque a idade
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vai avançando. A parte financeira também não
ajuda. Eu continuo desempregada há cinco
anos. Neste momento, considero que consigo
ter uma boa qualidade de vida a nível psicológico, principalmente, por estar muito preenchida com o que faço. Não pretendo deixar o
DES, mesmo que arranje emprego.
Como é ser confidente deles?
Já aconteceu com algumas crianças. Percebo
que querem falar porque vêm ter comigo e
começam a fazer-me perguntas. Eu respondo
às perguntas, mediante a sua idade. Se quiIsabel Pedro já
acompanhou
largas dezenas
de crianças que
passaram pelo
DES
serem falar, muito bem, mas geralmente não
promovo os assuntos, a não ser que a criança
demonstre, de facto, interesse. Tenho conhecimento de alguns casos difíceis e graves,
porque surgem às vezes em conversa, mas
raramente tenho informações particulares de
rio. A ideia que eu tenho é que o lugar destas
alguma criança. Esse é o meu maior medo,
cada criança.
crianças é numa família. Se os pais não têm
pois sinto-me responsável pelo bem-estar
condições, por qualquer motivo, as crianças
deles. Com os mais velhos, o meu receio é
Como se lida com a “perda” das crianças que
continuam a ter o Direito a pertencer a uma
com as crianças que são muito revoltas. Temos
seguem para Adoção ou mudam para outras
família. E se há uma família que tem disponi-
casos de crianças que têm acessos de raiva,
instituições?
bilidade para lhes dar amor, carinho, Educação
difíceis de controlar. Já vivi situações assim.
A primeira vez que vim para cá, encontrei uma
é aí que elas têm de estar. E portanto, é esse
menina com cerca de 8 meses. Estabeleci
o caminho.
E qual o maior desafio que sente ao trabalhar
aqui?
uma ligação forte com ela porque não tenho
filhos e na altura não tinha grande contacto
Qual a importância que o Voluntariado assume
O principal desafio é o de transmitir valores:
com crianças pequenas. Foi a primeira paixão
nestas “Casas”?
ser Educado, ser amável. Muitas crianças tra-
e custou-me muito quando saiu. Mas este
São muito importantes porque as pessoas que
zem essas necessidades. Tentar incutir regras
não é o lugar destas crianças. O lugar destas
trabalham nestas Instituições têm muito amor
e limites também é muito importante.
crianças é numa família. Esta minha primeira
por estas crianças, mas têm também uma
paixão, a “minha menina”, como eu a conti-
rotina muito rígida e, por vezes, não dispõem
Se tivesse que deixar uma mensagem a todos
nuo a chamar, tinha 18 meses quando se foi
de tempo para dedicar às crianças, tal como
aqueles que já pensaram em ter uma ativi-
embora. Foi para uma família e, por acaso, eu
um Pai ou uma Mãe teriam. Os Voluntários
dade Voluntária com crianças, que diria?
sei onde ela está. Não a voltei a ver, tanto por
acabam por colmatar um pouco desta lacuna,
Venham porque podem dar um bocadinho, mas
ela como por mim.
dando um pouco do tempo e atenção que as
recebem muito mais. Estas crianças, apesar
crianças precisam.
dos problemas e dificuldades por que passam,
Essa sua “primeira paixão” fê-la ter algumas
são muito meigas e carinhosas, e transmitem-
reservas quanto ao seu relacionamento futuro
Enquanto Voluntária, quais são os seus maio-
-nos muitas coisas boas. Pelo menos é isso
com outras crianças?
res receios?
que eu sinto, e é isso que faz querer continuar
Não. Não me fez voltar atrás, muito pelo contrá-
O meu maior receio é ter algum acidente com
a fazer o que faço.
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“Recebo muito mais do que aquilo que dou”