A INTERNET VAI À ESCOLA! BONILLA, Maria Helena Silveira(784) Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ RESUMO O objetivo desta pesquisa foi o de identificar e analisar os fatores favoráveis ou que se constituem em barreiras para a implementação da Internet nas escolas. Em particular, este estudo se concentrou em entender melhor como os professores se posicionam frente ao uso de redes de computador e oferecer subsídios para seu uso em sala de aula. Em vista disso, a pesquisa analisa a forma como um grupo de professores se posicionou diante desta inovação, porque eles queriam trabalhar com a rede e o que esperavam dela e, ainda, quais as possibilidades e dificuldades encontradas ao explorarem este recurso. Oferece também algumas reflexões sobre a relação Educação-Internet e analisa algumas formas de como a Internet está sendo e/ou poderá ser utilizada na escola. Os resultados do trabalho mostram que, em geral, a Internet está entrando na escola sem uma proposta gerada a partir de uma discussão sistemática e fundamentada por parte dos professores de sala de aula; que as expectativas que os professores tinham ao iniciar o trabalho não se concretizaram, frente à série de dificuldades por eles enfrentadas quando exploraram a rede; que é possível utilizar essa tecnologia na escola, desde que os caminhos apontados levem em consideração as dificuldades enfrentadas pelos professores e desde que esses caminhos sejam muito bem analisados, discutidos e planejados por equipes de professores interessadas e engajadas no processo, em suas respectivas escolas. O que motivou a escolha do tema de pesquisa, cujo resultado é a dissertação - A Internet vai à escola! -, foi o fato de que, em 1995, quando a rede internacional de informação - Internet - chegou à nossa região, com a instalação de um roteador na UNIJUÍ, as direções de algumas escolas começaram imediatamente a se movimentar no sentido de ligarem-se a ela. Entretanto, como vem acontecendo com todo o processo de uso da informática na educação, os professores não foram envolvidos. Eles não pararam para pensar e discutir como e com que finalidade a Internet seria utilizada, a forma como iriam se apropriar dessa nova tecnologia ( rede de computadores (, quando ainda nem haviam se apropriado da anterior ( computador isolado. De um modo geral, a informática está entrando nas escolas por uma decisão de suas direções ou dos órgãos governamentais, os quais equipam laboratórios com computadores e selecionam algumas pessoas para trabalhar com os alunos normalmente um técnico em informática ou algum professor da escola que se disponha a enfrentar o desafio. Entretanto, não lhes é oportunizado um embasamento teórico, técnico e pedagógico adequado para que possam utilizar o computador no processo ensino-aprendizagem. Os demais professores das escolas estavam e estão à margem do processo. Em virtude disso, optei pela realização desta pesquisa, a qual teve por objetivo verificar como um grupo de professores de 1º e 2º graus, selecionados em três escolas particulares do município de Ijuí-RS, se posicionou diante desta inovação, porque eles queriam trabalhar com a rede e o que esperavam dela e, ainda, quais as possibilidades e dificuldades encontradas ao explorarem este recurso. Como no início da pesquisa a Internet ainda não era uma realidade nas escolas de Ijuí, os professores foram selecionados nas escolas que já estavam utilizando a Informática na Educação e que estavam em fase de negociação para ligarem-se à rede Internet. Para preservar a privacidade dos professores e atender a um acordo estabelecido entre eu e os mesmos, os professores serão identificados apenas por siglas - IEA, PLA, MTB, QBC. Esta pesquisa teve por objetivo, também, oferecer à comunidade algumas reflexões sobre a relação Educação-Internet, que pudessem servir de suporte teóricometodológico aos professores na construção de um projeto pedagógico de escola; um projeto que leve tanto alunos quanto professores a aproveitar as possibilidades da tecnologia, sem se anular frente a mesma. Esses subsídios foram elaborados em conjunto com o grupo de professores, com base no levantamento e na análise das possibilidades e dificuldades com que esses professores se defrontaram quando exploraram a Internet. Para atender tais objetivos, utilizei a metodologia qualitativa, mais especificamente o estudo de caso, por ser esta, segundo Menga Lüdke (1986:18), rica em dados descritivos, ter um plano aberto e flexível e focalizar a realidade de forma complexa e contextualizada, sendo portanto, a mais adequada para fornecer os subsídios necessários ao estudo proposto. A investigação desenvolveu-se ao longo de 19 sessões de trabalho, com duração de 3h cada. Durante as sessões acompanhei e observei as atividades de exploração da rede, a elaboração e testagem de uma miniproposta para o uso da mesma, e cujo tema foi "O lixo", bem como as discussões sobre essas atividades e sua relação com a escola. Os resultados do trabalho, descritos na dissertação, mostram que a Internet está entrando na escola sem uma proposta gerada a partir de uma discussão sistemática e fundamentada. Diante disso, como os professores farão uso deste novo recurso? Considero que as opções de cada um dependem de sua bagagem teórico-ideológica, e indico três possíveis formas de uso: Reforçar o modelo educacional tradicional Neste modelo, o professor é tido como o detentor do conhecimento que deve ser transmitido ao aluno, o qual, por sua vez, é considerado apenas como um receptáculo de informações estabelecidas "a priori" e que devem ser assimiladas da forma como foram concebidas externamente, sem qualquer participação sua, ou mesmo do professor, no processo de construção desse conhecimento. O professor que se fundamenta nesse modelo, ao usar a Internet, indicará ao aluno os endereços que deve acessar. O aluno então acessa o endereço indicado, procura as informações que necessita e que já sabe estarem ali, prontas, passando a orientar-se por elas. O professor poderá também usar a Internet como um substituto dele mesmo: não mais o professor transmitirá as informações aos alunos, e sim a rede. Para o grupo, o professor mais tradicional é o que vai tentar usar a Internet em primeiro lugar, pois, com ela, "não precisa mais dar aula" (IEA), pode transferir essa função à máquina, cabendo a ele a função de selecionar previamente, na rede, o que é "adequado" aos alunos. De qualquer uma das formas, a "verdade" continua na mão do professor, é ele quem tem o controle, quem determina todos os passos que devem ser seguidos pelos alunos. Os professores participantes da pesquisa demonstraram estar bastante presos a este modelo. Por terem se constituído e trabalharem dentro dessa lógica, é nela que demonstram segurança. Fora dela sentem-se perdidos, não conseguem se organizar. Preparar o indivíduo para exercer as funções impostas pela atual sociedade neoliberal De acordo com Gaudêncio Frigotto (1995:69-78), o emprego dos avanços da ciência e da tecnologia no processo produtivo faz com que a mercadoria força de trabalho seja cada vez mais desnecessária e exige uma elevada qualificação e capacidade de abstração dos trabalhadores estáveis, aos quais se atribui cada vez mais a tarefa de supervisionar o sistema de máquinas informatizadas, altamente integradas. Segundo o modelo neoliberal, para viver nessa sociedade o indivíduo precisa ser mais autônomo, mais dinâmico, com capacidade de aprender novas habilidades, de assimilar novos conceitos, de propor e avaliar situações novas, de lidar com o inesperado. Nesse modelo, a cidadania está vinculada à capacidade do indivíduo de utilizar a informática, sendo considerado cidadão aquele que está bem informado, atualizado. Em virtude disso, grandes excedentes da população, despreparados para lidar com a tecnologia, são excluídos do processo produtivo, tornando-se marginais na sociedade. Passa-se então a usar estratégias para adaptar a educação e a qualificação profissional aos interesses desse modelo. Uma dessas estratégias é a informatização das escolas de 1º e 2º graus (muitas escolas particulares possuem laboratório de computador, com conexão Internet e também o MEC e as Secretarias de Estado da Educação estão implementando programas de Informática na Educação). O paradoxo dessa estratégia está no fato de que, enquanto por um lado, com a introdução das inovações tecnológicas na escola, busca-se formar uma cultura informática, onde todos tenham acesso às inovações, sejam impregnados pelos ideais de modernidade e preparem-se para o mercado de trabalho, por outro lado, esse modelo econômico comporta apenas uma pequena parcela da população. De acordo com Hugo Assmann (1996:162), "novos vetores tecnológicos criam um capitalismo poupador de mão de obra; aumentam inexoravelmente as 'massas humanas descartáveis' no contexto de uma economia obsessionada pelo crescimento econômico seletivo" não tendo espaço para todos no atual processo produtivo. Torna-se necessário então, preparar muito bem uma pequena elite que vai se incorporar ao sistema, ficando os demais à margem. O grande objetivo do projeto neoliberal é, portanto, o crescimento econômico. Para conseguir isso busca a modernização de todos os setores da sociedade, usando como estratégia o uso e a difusão das tecnologias de ponta, com especial destaque para as redes de comunicação que, por seu caráter instantâneo, comprime tempo-espaço, tornando-se fator decisivo para as decisões econômico-financeiras. A introdução dessa tecnologia nas escolas tem a finalidade de preparar a criança para essa nova cultura, essa nova sociedade, a sociedade digital. No entanto, as escolas em geral estão colocando em prática a proposta neoliberal sem refletir sobre os objetivos e os paradoxos dessa estratégia. Os educadores ainda não perceberam que a informatização na escola, sem o devido embasamento teórico-metodológico, é uma forma de selecionar os mais aptos e marginalizar a grande maioria. Isto porque somente aqueles que já são dinâmicos e autônomos conseguem se adaptar à inovação sem uma proposta pedagógica que lhe dê sustentação. Como uma oportunidade de repensar a educação e buscar um caminho alternativo Muitos autores estão centralizando o enfoque dado à educação na formação de alunos capazes de conduzir e construir sua própria aprendizagem, já que cada indivíduo pode, via computador, escolher e obter o que for de seu interesse. De acordo com Brasilina Passarelli são decisivas hoje as possibilidades de interação entre as tecnologias da comunicação e a educação tomada em sua preocupação central que é o pensar humano ativo, que possa delegar aos computadores o registro e a recuperação das informações, a memória dos fatos. A hipermídia permite a cada qual tornar-se construtor de suas aprendizagens no mundo complexo de hoje, através do acesso fácil a vastos volumes de informação, que possam ser exploradas seletivamente, conforme os interesses dos usuários (1993:62). Essa contribuição é inegável, porém, muitos adeptos dessa concepção não relacionam tal contribuição a uma prática onde as relações sociais sejam priorizadas e o indivíduo esteja vinculado à vida real, à comunidade onde se insere. Com a Internet, a tendência é que as pessoas se isolem do seu grupo de convivência na comunidade, passando a se comunicar com outras, distantes fisicamente, sem o contato direto, sensorial. Logo, corre-se o risco de uma vez mais incentivarmos o isolamento e o individualismo, uma vez que o aluno teria contato apenas com a máquina, ficando as relações sociais em segundo plano e o indivíduo cada vez mais afastado da vida real, da comunidade onde deveria estar inserido. Além de propiciar o isolamento social, o computador pode relegar a um segundo plano a corporeidade, pois, "preso" frente à máquina, o indivíduo tende a esquecer que tem um corpo que necessita e é capaz de expressão, de movimento, de relações. Para Jean Chesneaux (1995:119), com a informática, o ser humano está sofrendo uma "mutação regressiva" ao se isolar do contexto social. Em todas as áreas de atuação humanas, as ligações concretas, a corporeidade, estão sendo substituídas por hologramas fora da realidade. Diz o autor: Desde sempre, os seres humanos se comunicaram entre si por uma comunicação sutil de relações, utilizando-se dos olhos, do toque, do ouvido, do gesto e mesmo do odor... Mas a comunicação telemática, cuja onipresença se divulga como instantânea, só se utiliza dos olhos, mesmo que reduza seu campo de visão a um sistema de sinais elementares de uma só cor. Que paradoxo que a 'privação sensorial', utilizada como última arma contra a capacidade de resistência humana nas superprisões de Stammheim (Alemanha) ou das Ilhas Lipari, seja repentinamente investida de um sinal positivo, ao se associar aos computadores!" (p.119). Diante desse quadro, qual o enfoque que deve ser dado à educação, de modo que possamos fazer uso das conquistas tecnológicas sem corrermos o risco de transformar os alunos em autômatos? Partindo do pressuposto de que o conhecimento nunca está pronto e acabado, não pode ser meramente transmitido de um indivíduo a outro, ou de um meio eletrônico a um indivíduo; que é sempre o resultado de uma construção coletiva de sujeitos pertencentes a um determinado grupo social, com a Internet, esse processo se complexifica, pois, via e-mail é possível estabelecer trocas e discussões com pessoas pertencentes aos mais diferentes grupos sociais, interessados num mesmo tema. Entretanto, como cada uma delas estará falando de um "lugar" diferente, analisando o fato com uma visão impregnada de uma cultura própria, para que o sujeito não fique exposto a pressões e ideologias externas e para que sua cultura não se fragmente frente a essas diferentes visões, torna-se fundamental analisar os diferentes pontos de vista postos à luz de uma mesma cultura. Por isso, na escola, as informações coletadas na Internet, precisam ser analisadas pelos alunos pertencentes a um mesmo grupo, a fim de que estas possam ser interpretadas e organizadas à luz dos referenciais desse grupo. O fato de ser possível colocar na rede qualquer informação, pode levar à destruição da identidade sociocultural, porque um aluno, sozinho, tenderá a ficar perdido, emaranhado no caos de informações que chega, por não ter um "par" com quem discutir e contrapor a interpretação que está fazendo dos dados. Sozinho, ele tenderia a absorver todas as informações a que tivesse acesso, sem fazer a devida análise crítica das mesmas. De acordo com Mário Osorio Marques, mesmo informações tidas como "objetivas" precisam ser analisadas e interpretadas pelo coletivo dos indivíduos de uma determinada comunidade, à luz do contexto sócio-histórico da mesma. Para o autor, a objetividade não exclui o sujeito, a cultura, a sociedade, mobiliza-os antes e exige seu controle mútuo permanente. É impossível, a nível de cada indivíduo isolado, distinga ele o que percebe e o que imagina perceber; a verificação, ou a falsificação, só é possível através da comunicação intersubjetiva para estabelecer-se a objetividade do que é percebido (1990:34). Desta forma, as informações obtidas via Internet podem ser utilizadas como forma de construção de conhecimento, numa perspectiva de busca da emancipação humana, desde que se tomem os devidos cuidados para que os indivíduos não se isolem da comunidade onde vivem. Pelo contrário, que a análise e interpretação dessas informações sirvam para que o aluno entre em contato com o conhecimento acumulado ao longo da história da humanidade e adquira conceitos sobre o mundo que o rodeia. Os professores, apesar de estarem bastante presos ao modelo tradicional de educação, perceberam que a Internet pode provocar a superação desse modelo, à medida que, frente à rede, tanto alunos quanto professores não conseguem ficar passivos e resignados a uma única informação. A estrutura própria da rede mostra aos usuários a necessidade de navegar livremente em busca de informações. Perceberam também ser necessário propiciar um ambiente em sala de aula onde essa multiplicidade de informações coletadas possam ser socializadas, analisadas e organizadas, de forma que novos conhecimentos possam ser elaborados. Para tanto, educador e educandos nunca podem ser vistos só como indivíduos que se encontram, ou o educador como o repassador de conteúdos, mas ambos como membros de comunidades humanas, isto é, como agentes sociais. A Internet pode facilitar esse processo à medida que, frente à rede, o professor deixa de ser visto como o detentor do conhecimento. Em muitas ocasiões ele vai demonstrar insegurança, seja para operar a máquina, seja com uma língua estrangeira, ou ainda diante de uma nova informação. Portanto, querendo usar a rede, precisará se colocar também no papel de aprendiz, compartilhando suas dúvidas e aprendendo junto com seus alunos. No que se refere mais especificamente à relação estabelecida entre os professores e a Internet, constatei o seguinte: As primeiras manifestações dos professores diante do computador ao acessar a rede foram de deslumbramento e entusiasmo: "Que legal! Cruzes, como eu nunca vi uma coisas dessas!" (PLA); "Como é bom, que interessante" (MTB). Também demonstraram entusiasmo com a possibilidade de alguém distante e desconhecido receber suas mensagens e responder. A expectativa pela resposta da primeira mensagem enviada fascinou-os. Eles iniciaram o trabalho com uma série de expectativas a respeito da rede, expectativas oriundas do marketing feito pela imprensa. Entretanto, à medida que começaram a interagir com a Internet, foram vivenciando certas dificuldades que geraram momentos de decepção, de angústia e também de reflexão sobre as possibilidades de sua utilização na escola. Os professores pensavam que a rede, por si só, teria condições de amenizar os problemas educacionais presentes no dia-a-dia de sala de aula, melhorando a qualidade do trabalho do professor e do aluno. Esperavam encontrar material que auxiliasse no desenvolvimento das aulas. Alguma coisa que estivesse ali, pronta, e fosse fácil pegar e usar. Então, quando começaram a explorá-la, perceberam que as informações contidas em muitas home-pages, tanto em quantidade quanto em qualidade, eram pobres. De um modo geral, a perspectiva de encontrar uma grande quantidade de dados sobre o tema do projeto que elaboraram não se efetivou. Essa dificuldade gerou bastante decepção e frustração nos professores, sentimentos que também eram manifestados quando, por problemas de comunicação, não conseguiam estabelecer contato com o endereço desejado ou com a rede, como mostra a expressão de um professor: "Hoje ficou a desejar. Porque aquelas porcarias daquelas máquinas não funcionaram. Aquelas tralhas, aquelas carroças!" (QBC). Também sentiram-se decepcionados com o uso do e-mail. As respostas das mensagens enviadas sobre o projeto elaborado não chegaram com a brevidade que era esperada. Somente no último encontro receberam algumas respostas, o que deu a eles a sensação de estarem apenas na fase inicial do projeto. Uma outra dificuldade encontrada e que causou medo e insegurança foi o fato de não terem familiaridade com o novo ambiente que passariam a explorar. Alguns nunca tinham trabalhado com um computador; outros haviam apenas utilizado o editor de textos. Apesar de a tecnologia informática estar presente na sociedade, ela ainda não faz parte da vida da maioria dos professores. O computador não estava presente no meio sociocultural em que nasceram e se constituíram. E essa insegurança permaneceu praticamente durante todas as sessões de trabalho do grupo, mas, à medida que foram acontecendo os encontros, foram se familiarizando um pouco mais com a máquina - mesmo assim, muito lentamente. Avanços e recuos permaneceram acontecendo ao longo dos quase 5 meses de trabalho. Isso se deve ao fato de que o acesso ao computador acontecia uma vez por semana, por um período de mais ou menos uma hora e meia. Segundo Nílson José Machado (1995:43) é muito importante que o contato com a máquina seja bastante assíduo, para que o indivíduo possa ultrapassar o estágio perceptivo e passar a compreender as relações e o dinamismo existente entre seus componentes, ou seja, atribuir significado às ações ou regras maquinais. Um outro problema enfrentado foi com a língua inglesa. Tanto no falar, quanto no escrever e no ler, a inteligibilidade sobre algo depende de um mesmo sistema de signos, mais especificamente, de uma mesma língua. Como apenas um professor do grupo tinha um bom domínio da língua inglesa, normalmente, quando o site Web acessado era nessa língua, os professores, ou o fechavam imediatamente, ou faziam uma exploração rápida e logo desistiam, buscando outro em língua portuguesa. A questão do não domínio da língua inglesa foi um obstáculo que inibiu e preocupou os professores. Eles sentiam-se impotentes diante desta dificuldade. Por terem como pressuposto o modelo educacional tradicional, para eles, a predominância da língua inglesa na Internet faz com que o trabalho do professor que não tem domínio da mesma fique praticamente inviável. Diz um professor: "Eu vejo a questão da língua, uma questão bem séria, uma questão muito forte. A mim, inviabiliza o trabalho. A mim inviabiliza" (MTB). Uma outra dificuldade foi em relação à redação das mensagens que queriam enviar via e-mail. De acordo com Nicholas Negroponte (1996:146), com as redes de computadores, o intercâmbio torna-se bem mais informal do que pelos meios convencionais. "Se não chega a ser um diálogo falado, decerto está bem mais próximo da fala do que da escrita" (p.165). Entretanto, mesmo tendo as mensagens eletrônicas essas características, segundo Mario Osorio Marques, desde pequeninos, nas escolas, à diferença da conversa falada, nos ensinaram a escrever e na lamentável forma de uma mecânica que supunha texto prévio, mensagem já elaborada. Escrevia-se o que antes se pensara. (...) Assim fomos "alfabetizados", em obediência a certos rituais. Fomos induzidos a, desde o início, escrever bonito e certo. Era preciso ter um começo, um desenvolvimento e um fim prédeterminados. Isto estragava, porque bitolava, o começo e todo o resto (1997:13). E foi por estarem impregnados dessa lógica que os professores, quando precisavam compor uma mensagem, se retraíam. A redação demorava porque demonstravam bastante insegurança para escrever, preocupados com a concordância, com a ortografia e com a pontuação. Isso não quer dizer que, ao escrever, a gramática e a ortografia não sejam importantes e fundamentais ou não devam ser consideradas. A questão é que canalizando toda a atenção da escrita para a sua forma, transformamos um ato que poderia ser gratificante e provocativo, em algo penoso e paralizante. Essa insegurança não permitiu também que usufruíssem da liberdade que o computador oferece ao ato de escrever. Com ele, pode-se escrever tudo o que vem à mente, e deixar para organizar, ajustar, fazer recortes no final. Esse bloqueio conduzia a uma pré-seleção de idéias, antes de escrevê-las, o que tornava estéril o ato de escrever. A essas dificuldades acrescia-se o medo que os professores tinham de se expor, receio do juízo que os receptores de suas mensagens ( a maioria desconhecidos ( fossem fazer do texto ou que os mesmos não o entendessem. Frente a essas dificuldades, os professores elencaram então alguns possíveis caminhos na tentativa de superá-las: A conquista de uma carga horária maior, tanto para professores quanto para alunos Maior carga horária, significa, no entender dos professores, tempo integral numa só escola, alternando períodos de aula com períodos de preparo e estudo. Como atualmente a maioria das escolas têm utilizado os recursos que dispõem para investir em equipamentos para o laboratório de informática, e não no preparo dos professores de sala de aula, a grande meta passa a ser a conquista desse tempo/espaço para planejamentos e estudos, porque somente um professor bem preparado e assessorado poderá propor uma forma de viabilizar tanto o uso da Internet na escola quanto qualquer outro tipo de trabalho pedagógico. Uma boa preparação do professor implica necessariamente numa revisão do modelo pedagógico que utiliza e das concepções de educação veiculadas na escola e na sociedade. A definição do papel dos sujeitos envolvidos no processo de implementação da Internet na escola Como na maioria das escolas os responsáveis pelo laboratório de informática estão se colocando no lugar dos professores de sala de aula, o grupo entendeu que para trabalhar com essa inovação é importante que se defina o papel de cada um dos sujeitos envolvidos. Ao definir esses papéis, o grupo aponta formas para superar a dificuldade em operar com o computador e a falta de domínio de uma língua estrangeira. Ou seja, para trabalhar com essa tecnologia, é necessário que a escola tenha à disposição um técnico em informática. Entretanto, não cabe ao técnico trabalhar com os alunos ( esta é uma tarefa do professor de sala de aula. A função do técnico é manter as máquinas em ordem, prontas para serem usadas pelos professores e pelos alunos, devendo também estar à disposição para resolver qualquer problema que surja no decorrer do trabalho. Não cabe, portanto, ao professor ter o domínio técnico da máquina; ao mesmo tempo em que o professor não pode ser um leigo no que se refere ao computador ou também a uma língua estrangeira, não precisa ter um conhecimento mais profundo de outros campos do saber, que não o seu; o que ele precisa é ter uma noção geral e estar aberto para um trabalho conjunto, onde uns vão ajudando os outros a superar suas dificuldades. A substituição da dinâmica de trabalho centrada nos conteúdos mínimos por uma centrada em projetos interdisciplinares Percebendo que precisam contar com a colaboração dos outros professores da escola para superar as dificuldades encontradas, o grupo propõe a centralização do trabalho em projetos, projetos para explorar determinados temas e que envolvam várias disciplinas. O trabalho por projetos dá aos professores a oportunidade de trocar, de discutir, de ter uma visão maior do assunto, para além daquela visão compartimentada que as disciplinas proporcionam, sem no entanto fragmentá-las. Entretanto, esse trabalho só se efetiva a partir da constituição de um grupo - o que vai além de uma mera reunião de professores. Um grupo reflete sobre suas práticas, suas intencionalidades, suas concepções, faz e pensa em conjunto, tem um objetivo comum. E essa é a etapa mais difícil do trabalho. Os professores acreditam, pela experiência que têm, que não é muito fácil conseguir realizar um trabalho desse tipo nas escolas, pela falta de condições para participar de reuniões, de discussões e planejamentos conjuntos, e também pelo fato de muitos professores não conseguirem se desprender das amarras de sua disciplina, de seus conteúdos. Concluindo, a imagem que os professores tinham da rede Internet, transmitida pelos meios de comunicação tradicionais, fez com que construíssem a expectativa e a esperança de que com esta inovação todos os problemas da escola seriam resolvidos. Entretanto, como toda inovação, após ser um pouco explorada, a Internet perdeu aquele fascínio, aquela aura de "salvadora da pátria", sobrando as dificuldades encontradas e alguns possíveis caminhos, precisando ainda serem muito bem analisados, discutidos e planejados. Frente aos problemas, os sentimentos demonstrados pelos professores foram do medo, insegurança, inibição, impotência, à percepção de que sim, é possível usar essa inovação na escola, desde que se tenha uma postura mais crítica a respeito da mesma, ou seja, que os professores não se deixem seduzir pela propaganda, mas que interajam com a rede e, em equipe, discutam sobre as possibilidades e dificuldades encontradas, buscando formas de superá-las. A experiência com a Internet oportunizou que os professores percebessem que: os conhecimentos não estão prontos, que encontram-se em permanente transformação; não existe verdade absoluta, que toda informação está impregnada pelas concepções de quem a veicula e que, portanto, pode ser rediscutida, cabendo ao professor organizar um ambiente de trabalho onde estas informações possam ser analisadas, validadas ou não pelo grupo, em sala de aula; frente à rede é impossível ficar passivo, satisfeito com uma única informação como acontece no modelo tradicional, onde o professor tem a informação "verdadeira" e nada mais é validado ou considerado; a estrutura da rede incita a navegar, a buscar informações sobre os mais diferentes assuntos; apesar de as pessoas terem a imagem de que através da Internet pode-se conseguir todo e qualquer tipo de informação que seja do interesse, não sendo possível conseguir as informações desejadas através do material que já está disponível na rede, não é tão certo que se consiga pedindo-as especificamente para alguém, via e-mail. Muito poucas são as pessoas que colaboram e enviam as informações ou o material pedidos; a grande maioria nem responde as mensagens; a comunicação virtual não apresenta aquela dinamicidade da interação presencial: a discussão, a troca de opiniões simultâneas, a argumentação perpassada por emoções; a Internet não pode substituir todas as demais atividades realizadas no dia-a-dia de uma escola; que a grande contribuição da rede é enriquecer, complementar as demais atividades realizadas na esfera presencial, esfera que oportuniza, efetivamente, ao grupo de iguais, selecionar, analisar, refutar ou ratificar as informações coletadas, de acordo com as concepções desse grupo. Portanto, por mais avançado que seja o aparato tecnológico, não vai substituir o face-a-face, o ouvido-a-ouvido, os gestos, a entonação, os silêncios da interação presencial; é isto que dá vida aos relacionamentos e permite que as pessoas se entendam, se gostem, se amem, se odeiem, construam conhecimentos. BIBLIOGRAFIA ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. Piracicaba : Ed. UNIMEP, 1996. CHESNEAUX, Jean. Modernidade-mundo. Petrópolis : Vozes, 1995. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo : Cortez, 1995. LÜDKE, Menga, ANDRÉ, Marli E.D.A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo : EPU, 1986. MACHADO, Nílson José. Epistemologia e didática: as concepções de conhecimento e inteligência e a prática docente. São Paulo : Cortez, 1995. MARQUES, Mario Osorio. Pedagogia: a ciência do educador. Ijuí : Ed. UNIJUÍ, 1990. (Coleção Educação, 10). Escrever é preciso. O princípio da pesquisa Ijuí : Ed. UNIJUÍ, 1997. NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo : Cia. das Letras, 1995. PASSARELLI, Brasilina. Hipermídia e a educação: algumas pesquisas e experiências. Contexto & Educação, Ijuí, n. 32, p. 62-80, out./dez. 1993.