Entrevista Maria Helena Santana Maria Helena Santana Maria Helena Santana foi Diretora e depois Presidente da CVM. E estava na presidência exatamente quando da implantação das normas internacionais de contabilidade no Brasil. Deu total apoio a essa implantação e fez com que o órgão que dirigia, e o Conselho Federal de Contabilidade, fossem o sustentáculo do início dessa nova fase do nosso país. O mundo da contabilidade, os administradores das companhias abertas, os usuários todos, investidores e credores, devem, e muito, à sua atitude firme e à sua coragem o ingresso do Brasil nesse selecionado rol dos países que fizeram a completa implantação de tais normas. Folhapress A Sra. era Presidente da CVM quando foram implantadas as Normas Internacionais de Contabilidade (IFRSs) no Brasil, estava no olho do furacão nesse momento. Sentiu receio de que tão grandes mudanças pudessem vir a ser um fracasso? Na verdade, não. Acho que não apenas eu, mas a Diretoria da CVM e sua área de Normas Contábeis, sabíamos que era a coisa certa a fazer. Um país como o Brasil não poderia pretender utilizar uma linguagem contábil própria e ainda assim garantir competitividade para suas empresas no acesso a capital. Portanto, diante de mudanças inevitáveis, toda nossa energia se voltou para a solução de problemas e contenção de riscos, sem muito tempo para pensar em fracasso. Chegou a pensar se poderia vir a ocorrer uma grande frustração se, alguns anos depois, o IASB perdesse credibilidade e adesão mundial por conta, por exemplo, da não convergência dos norte-americanos ou qualquer outra razão? Algo que nós tínhamos claro naquele momento é que passávamos - o Brasil - a fazer parte do problema e da solução. O caminho REVISTA Vol. 2, novembro/2014 6 Entrevista que havia sido escolhido e inserido na legislação, de adoção das normas internacionais, demandaria grau muito maior do nosso envolvimento nos processos do IASB, na governança em torno do funcionamento e da manutenção do IASB. Certamente é um cenário mais complicado do que lidar com a elaboração de normas em nível local, adaptadas às nossas características mais particulares, e por conta de um organismo sobre o qual fosse possível ter maior controle. Mas essa opção não seria capaz de atender às necessidades da nossa economia, no mundo atual. Na sua opinião, valeu a pena tão grande esforço não só por parte da CVM, mas também por parte das empresas, auditores, analistas e não só as abertas? Na visão de regulador, a Sra. acredita que tenha mesmo havido melhoria na informação contábil? Não creio que eu seja a melhor pessoa para lhe dar esta resposta, mesmo porque já deixei de ser reguladora há mais de 2 anos. Mas minha impressão pessoal é de que houve melhorias, que para mim são muito expressivas. O que vejo hoje, nas empresas em que atuo, são discussões para identificar a essência de determinados fatos econômicos, discussões aprofundadas e não cumprimento mecânico de regrinhas. Nem sempre se acerta, num ambiente como esse, mas esse é um risco que se pode ir mitigando com o tempo, o treinamento e educação e com a fiscalização pelo regulador e pelo mercado. Maria Helena Santana Qual a sua reação “Auditores, os que prepamediante o volume das publicaram as demonstrações fições que cresceu assustadoramennanceiras, muitas vezes te? Esse aumento de tamanho das os advogados das compademonstrações contábeis, na sua nhias, podem e têm exageopinião, implicou em efetivo aumenrado no volume de informato de qualidade da informação para ções por receio de serem o mercado? Acho que devemos sealvo de questionamento parar duas coisas aqui: o que é depor parte de reguladores e manda direta das normas e o que é de investidores. “ motivado pelo desejo de proteger os envolvidos de qualquer problema. Auditores, os de convergência mundial às que preparam as demonstrações IFRSs? A IOSCO tem hoje um financeiras, muitas vezes os ad- memorando de entendimentos vogados das companhias, podem com o IASB/IFRS Foundation em e têm exagerado no volume de que as duas entidades se comproinformações por receio de serem metem a trabalhar pela aplicação alvo de questionamento por parte uniforme das IFRS em todas as de reguladores e de investidores. jurisdições em que elas são adotaHoje temos visto um movimen- das. Dessa forma, os reguladores to de reação a isso, liderado pelo de mercado reunidos na IOSCO CPC e pelo próprio IASB, buscan- têm se engajado no esforço pela do resgatar o que é essencial e re- convergência de verdade, na aplilevante nas divulgações e libertar cação, dado o seu papel no eno mercado desses volumes enor- forcement de normas. Os grupos mes de informações pouco úteis. técnicos da IOSCO que discutem Tomara que dê frutos. Isso não contabilidade e temas de disclosuquer dizer, no entanto, que não re, a propósito, foram fundamenhaja exageros e falta de proporção tais para fomentar a adoção dos nas próprias normas, mas eu não IAS desde a origem. saberia opinar sobre isso. A Sra. que trabalhou, desde o A Sra. participou ativamen- tempo em que era da Bovespa, te da IOSCO – Associação na análise e na implementação Internacional das Comissões de de mercados de acesso, acha que Valores Mobiliários – enquanto as novas normas contábeis realpresidente da CVM. Qual o pa- mente ajudam ou representam pel dessa entidade no processo um problema a mais a dificultar REVISTA Vol. 2, novembro/2014 7 Entrevista o acesso ao mercado de capitais? Em minha experiência, o que atrapalha o acesso ao mercado das empresas que tenham interesse e perfil não são as dificuldades, que certamente existem, na preparação de DFs, os custos com auditoria e com o cumprimento de outras normas do mercado. O que pude observar é que o custo mais relevante para o empreendedor é a diluição de sua participação no negócio que construiu. Ou seja, a precificação justa ou não das ações da empresa é o que mais ajuda ou atrapalha a ida ao mercado acionário. E com demonstrativos financeiros mais transparentes e confiáveis, com boa divulgação de informações não financeiras, é que se dá confiança aos potenciais investidores para pagarem o preço justo. Na captação que envolva dívida, obviamente, o assunto não é diferente. Maria Helena Santana como conselheira de administração em várias companhias abertas, ou no comitê de governança etc. Como a Sra. vê, também do outro lado da mesa, esse processo todo de mudanças nas normas contábeis? Acho que comentei um pouco isso ali atrás, mas vejo um processo saudável e um envolvimento maior dos executivos e conselheiros em discussões sobre contabilidade. Claro que também vejo as dificuldades, especialmente quando as companhias não sentem que as normas refletem adequadamente seus modelos de negócios. Quando isso acontece, o fato de estarmos vinculados a um processo global de elaboração de normas torna tudo ainda mais desafiador. investidores americanos, que investem montantes enormes no exterior e domesticamente em companhias que adotam o IFRS. Assim, o custo de admitir dois padrões já está em grande parte incorporado ao mercado americano. Mas é impossível antever a evolução desse processo. Na sua opinião, qual a relevância para o mundo contábil de uma convergência norte-americana com os IFRS? Essa seria a melhor opção ou é interessante haver conjuntos de normas que compitam entre si? Esta é a pergunta mais difícil. Quanto mais países estiverem envolvidos na elaboração e aprovação da mesma norma contábil, maiores serão as dificuldades para se garantir a E, fora do âmbito da contabili- melhor qualidade nesse processo. dade, como a Sra. se sente des- Há sempre o risco de se adotar o se lado da mesa, tendo atuado mínimo denominador comum ou tantos anos como reguladora do algo menos perfeito que reflita o Hoje, como Trustee da Fundação mercado? Eu estou aprendendo consenso possível. Eu, pessoalIASB, do outro lado, tendo suce- muito, é um desafio muito interes- mente, acho que não se deve busdido Pedro Malan, como olha o sante, mas não é nada confortável. car convergência a qualquer cusfuturo dessa organização e das O papel do conselheiro é bem di- to. Mas não chegaria a defender a IFRSs? É um futuro grande e am- ferente daquele do executivo, que existência de padrões concorrenbicioso, como tem sido a sua tra- faz acontecer, ou do regulador, tes, acho que o custo envolvido jetória. E por isso mesmo cheio obviamente. não é desprezível. de dificuldades, períodos de grandes avanços e outros de espera e Qual a Sra. acha que “Quanto mais países estiacumulação de forças. Quando será a posição dos USA no que diz resse tem o alcance que hoje têm as verem envolvidos na elaIFRS, muitos interesses em jogo peito às IFRSs nos próximos 5 ou 10 em tantos países, mais de 120, é boração e aprovação da Convergirão? natural que fique cada vez mais anos? difícil dar grandes saltos. E que se Adaptarão? Aceitarão mesma norma contábil, tenha que lidar com pressões. Mas como opção? Penso os avanços têm prosseguido, seja que, no futuro mais prómaiores serão as dificulximo, há uma boa chanpelo inegável sucesso do processo dades para se garantir a de convergência de importantes ce de que os Estados Unidos aceitem as IFRS normas entre o IASB e o FASB, melhor qualidade nesse seja pela crescente adoção das como opção. É muito evidente que as normas normas IFRS em novos países. processo.” internacionais são basAlém do mais, você atua hoje tante conhecidas por REVISTA Vol. 2, novembro/2014 8 DÊ O PRIMEIRO SALTO NA SUA CARREIRA Confira as turmas 2015 O início da caminhada profissional pode parecer difícil e repleto de obstáculos, mas nada que uma boa especialização não ajude quem deseja se destacar. A FIPECAFI oferece dois cursos com temas específicos e relevantes para você se aprimorar de acordo com sua área de atuação e interesses. 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