UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
MARIA HELENA SATO
EFEITOS DA MIDIATIZAÇÃO EM PROCESSOS DE
LIDERANÇA CORPORATIVA
SÃO PAULO
2011
MARIA HELENA SATO
EFEITOS DA MIDIATIZAÇÃO EM PROCESSOS DE
LIDERANÇA CORPORATIVA
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre do Programa de
Mestrado em Comunicação, área de concentração
em Comunicação Contemporânea, da Universidade
Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr.
Gelson Santana
SÃO PAULO
2011
FICHA CATALOGRÁFICA
S266e
Sato, Maria Helena
Efeitos da midiatização em processos de liderança
corporativa / Maria Helena Sato. – 2011.
107f.: il.; 30 cm.
Orientador: Gelson Santana.
Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade
Anhembi Morumbi, São Paulo, 2011.
Bibliografia: f.100-104.
1. Comunicação. 2. Liderança. 3. CEO. 4. Midiatização.
5. Performance. I. Título.
CDD 302.2
MARIA HELENA SATO
EFEITOS DA MIDIATIZAÇÃO EM PROCESSOS DE
LIDERANÇA CORPORATIVA
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre do
Programa de
Mestrado em Comunicação, área de concentração
em Comunicação Contemporânea, da Universidade
Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr.
Gelson Santana
Aprovado em ___/___/___
Prof. Dr. Gelson Santana
Profa. Dra. Maria Bernadette Cunha de Lyra
Prof. Dr. Jacques Marcovitch
RESUMO
A presente pesquisa investiga a liderança empresarial enquanto performance
resultante
dos
processos
de
midiatização
dos
territórios
corporativos
contemporâneos. Trabalha a partir da observação de estratégias usadas para a
circulação nas mídias de três CEOs para os quais existem produções audiovisuais
disponíveis. São eles os norte-americanos Steve Jobs e Bill Gates, da Apple e da
Microsoft, respectivamente, e o indiano Lakshmi Mittall, da siderúrgica mundial
ArcelorMittal. Antes de observar as estratégias de performance dos CEOs nas
mídias, esta dissertação trata de dois temas decisivos na evolução dos processos
corporativos: os modos como as estratégias de midiatização configuram uma
estética organizacional, e as formas do imaginário social que tornam estas
configurações efeitos. Isso permite refletir sobre os modos como a imagem das
empresas se conforma no espaço das mídias a partir de seus líderes. Esta
conformação impregna a figura do CEO com o simbolismo do herói, que é visto aqui
a partir da conceituação que Joseph Campbell faz dele. Observe-se que o ponto de
convergência das imagens da liderança empresarial está nas mídias, ou seja, na
maneira como os meios de comunicação configuram a representação do CEO.
Como resultado, esta configuração mapeia o território organizacional a partir do
efeito que a figura do líder constitui midiaticamente. Por fim, nos processos de
liderança contemporânea, resultante de um conjunto de estratégias de midiatização,
a figura do CEO de uma empresa se apresenta enquanto efeito das performances
que ele desenha no espaço midiático.
Palavras chave: Performance; Herói; Midiatização; Efeitos; Processos de liderança.
ABSTRACT
The subject of this research is the organizational leadership as a performance
generated by mediatization processes within contemporary corporate organizations.
Therefore it is based on the observation of strategies for the mediatic presence of
three CEOs for whom there are audiovisual productions available: the NorthAmericans Steve Jobs and Bill Gates, from Apple and Microsoft, respectively, and
the Indian Lakshmi Mittal, from worldwide steelmaker ArcelorMittal.Before observing
the media performance strategies of those CEOs, this research considers two
decisive topics in shaping the evolution of corporate processes: the way
mediatization strategies shape organizational aesthetics, as well as the shapes of
social imaginary that turn those configurations into effects. That allows a further
reflection on the shaping of corporate images in the mediatic space occupied by their
respective leaders. Such configuration conveys the hero symbolism to the image of
the CEO, as per Joseph Campbell‘s ‗hero‘ concept. It becomes evident that the
media is the place where corporate leadership images converge, i.e., CEOs can be
analysed in consonance with their respective images shaped by communication
vehicles. Consequently, the image created by the effects of the CEO image in the
media also impacts on the organization trends. Finally, in contemporary leadership
processes, which result from mediatization strategies, the corporate CEO image
evolves from his performance in the media arena.
Key-words: Performance. Hero. Mediatization. Effects. Leadership processes.
LISTA DE FIGURAS
Pág.
Figura 1..........................................................................................................
76
Figura 2..........................................................................................................
77
Figura 3..........................................................................................................
78
Figura 4..........................................................................................................
80
Figura 5..........................................................................................................
81
LISTA DE QUADROS
Pág.
Quadro 1.........................................................................................................
46
Quadro 2.........................................................................................................
46
Quadro 3.........................................................................................................
46
Quadro 4.........................................................................................................
47
Quadro 5.........................................................................................................
47
Quadro 6.........................................................................................................
47
Quadro 7.........................................................................................................
47
Quadro 8.........................................................................................................
48
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .....................................................................................................
12
Capítulo 1 – Contextualização do objeto: conceitos fundamentais ...................
19
1.1.Território corporativo/empresa enquanto processo ...............................
19
1.2. Abordagens descritivas das organizações ...........................................
21
1.3. Contextualização do objeto ..................................................................
25
1.4.Heroi .....................................................................................................
26
1.4.1. Heroi tradicional .......................................................................... 27
1.4.2. Heroi modernizador ...................................................................
30
1.4.3. Heroi corporativo – CEO ...........................................................
32
1.4.4. Performance consciente do CEO ..............................................
33
1.4.5. CEOs e oráculos, ícones corporativos ........................................
35
Capítulo 2 - Narrativa global e estética organizacional: Cenários ..................... 51
2.1. Imaginários e narrativas.......................................................................
51
2.2. Estética organizacional .......................................................................
53
2.2.1. O novo capitalismo .....................................................................
53
2.2.2. Comunicação na era do novo capitalismo .................................. 53
2.2.3. Tecnologia da comunicação .......................................................
57
2.2.4. Responsabilidade social corporativa ..........................................
58
2.2.5. A nova estética organizacional ...................................................
63
Capítulo 3 - Processos midiáticos do CEO ........................................................
69
3.1. Midiatização da performance dos protagonistas ................................
70
3.1.1. Herois, celebridades e espetáculos ...........................................
70
3.1.2. As boas histórias ........................................................................
73
3.2. As histórias de Bill Gates, Steve Jobs e Lakshmi Mitall .....................
74
3.2.1. Steve Jobs .................................................................................
74
3.2.2. Bill Gates ....................................................................................
76
3.2.3. Lakshmi Mittal ............................................................................
77
3.3. Estrutura dos audiovisuais .................................................................
78
Conclusão ..........................................................................................................
95
Referência bibliográfica ................................................................................... 100
Filmografia ........................................................................................................ 105
12
INTRODUÇÃO
Surgiu durante uma conferência sobre Comunicação empresarial uma
questão: o que falta hoje, para que tenhamos herois reconhecidos universalmente?
Respondi algo que eu não poderia justificar: Faltam mitos.
O mediador me
questionou ainda: e como tais mitos se constituem?
Ainda fazem parte do atual cenário econômico os primeiros grandes
empresários da modernidade e pioneiros da indústria brasileira, autores das bases
do desenvolvimento industrial e comercial. Suas iniciativas repercutem ainda de
modo importante e decisivo no avanço tecnológico e industrial do Brasil, pelos
empreendimentos que fundaram e que, transformados ou renovados, encontram-se
presentes no cenário econômico atual. O outro lado da moeda é que seus nomes se
esbateram com o tempo e saíram dos jornais. As marcas que sobrevivem (e são
muitas) nem sempre trazem impregnadas o nome do fundador, herói de outrora, que
não compartilhou a era da conectividade pela internet. Hoje, esses pioneiros
ganham voz, em três volumes intitulados Pioneiros e Empreendedores, publicados
por Jacques Marcovitch (2003, 2005 e 2007) e acabam de ganhar um portal virtual e
espaço no Museu Histórico Nacional, com a exposição museológica mais completa
já realizada sobre as suas obras e a época em que viveram. Estarão esses
protagonistas do desenvolvimento brasileiro consolidados como grandes mitos da
industrialização do Brasil, ou permanecerão suas histórias restritas a meios
acadêmicos e familiares?
O mediador da conferência ainda acrescentou: se um dia você descobrir, não
se esqueça de me dizer. E percebi que esse era também um questionamento
coletivo, porque a maioria dos presentes manifestou a mesma percepção da
ausência de nomes brasileiros contemporâneos que fossem considerados mitos no
mundo corporativo. Que empresários brasileiros, além de Eike Batista, Washington
Olivetto, Antonio Ermírio de Moraes, Abílio Diniz e, talvez, Samuel Klein – para só
falar dos que são donos do seu próprio negócio – seriam reconhecidos de imediato
pelos públicos das mídias atuais como líderes no setor de negócios que dominam?
Por outro lado, que empreendedores renomados no território corporativo global
seriam reconhecidos instantaneamente pelo público brasileiro? A resposta imediata
13
nos vem com os nomes de Steve Jobs, da Apple, e de Bill Gates, da Microsoft. A
eles, poderão juntar-se outros também reconhecidos, dependendo do público. Por
exemplo, no mesmo meio da tecnologia da informação, provavelmente se
reconheceria Carly Fiorina, não por seu nome apenas, mas, sobretudo, pelo impacto
que a sua demissão da Hewlett-Packard representou em 2005; e o de Lakshmi
Mittal, tampouco por seu nome propriamente, mas pelo império que fundou, a
Arcelor-Mittal. No entanto, a figura de Mittal vem ganhando espaço e formas nas
mídias. E esta reflexão vem ganhando peso, na busca de protagonistas que têm
traçado um caminho mítico contemporâneo. Esse rol de empreendedores de
reconhecimento mundial poderia ainda ser completado com outros nomes mais
recentemente ligados às redes sociais, como Larry Page e Sergey Brin, criadores da
Google em 2001, e Mark Zuckerberg, o jovem que em 2004 criou o Facebook.
Ficou também evidente que uma pesquisa sobre o atual tema do mito
contemporâneo haveria de considerar a mitologia de um passado remoto. As marcas
da Antiguidade ainda circulam na mídia do século XXI, em mitos que se retomam
continuamente. Quando o filme Matrix (1999, Larry e Andy Wachowski, EUA),
aponta para o mundo do simulacro, atualiza também a alegoria da caverna, de
Platão. Ao mesmo tempo, traça o futuro da humanidade com base em profecias e
também espera um ser iluminado que represente a salvação. No decorrer de todo o
filme, os arquétipos da mitologia clássica se articulam como realidade ainda
presente.
Também são revisitados e fortalecidos hoje os símbolos da ficção que por
séculos tem embalado gerações. O cineasta norteamericano Tim Burton (1958-)
encarregou-se de restaurar ―Alice no País das Maravilhas” (EUA, 2010).
Paralelamente, outras produções cinematográficas, como ―Peixe Grande‖ (EUA,
2003), por coincidência também de Tim Burton, possuem o dom de mostrar o poder
da boa história em criar uma nova realidade, semelhante aos jogos que nos
permitem criar novas identidades virtuais.
A psicanalista mexicana-canadense Clarissa Pínkola Estés escreveu em 1992
a obra ―Mulheres que correm com os lobos”, demonstrando a universalidade e a
atemporalidade de histórias e arquétipos femininos. E ainda lemos as lendas de
Esopo, realinhadas ao mundo contemporâneo, porém, imutáveis em seus
14
significados, como se pode verificar em ―Fábulas para Executivos‖, que Alexandre
Rangel lançou em 2006, parte da literatura empresarial de hoje.
Nessa mescla de realidade e imaginário, o que tem sobrado do mundo
corporativo, além de marcas, discursos, produtos e prognósticos feitos por gurus
empresariais? Na realidade dos territórios corporativos, o que é permanente, não
apenas na memória, mas na contribuição e permanente atualização perante o porvir
global?
Se, por um lado, faz-se necessário que haja uma narrativa que sirva de pano
de fundo à evolução dos territórios corporativos, as sociedades atuais, marcadas
tanto por consumismo quanto pelo apelo ao consumo responsável, e ainda pela
busca da prosperidade e luta contra a miséria, por outro lado se desenvolvem ao
redor do eixo que aquela narrativa constroi. Essa adaptação do empreendedorismo
à exigência dos seus públicos é vital à sua sobrevivência. Em compensação, os
territórios do empreendedorismo possuem uma função inegável na lapidação da
sociedade. Tal dialética entre construir e ser construído se conforma midiaticamente,
uma vez que os territórios corporativos e seus públicos alimentam-se mutuamente
pelos meios de comunicação. Os processos que dão forma ao conceito de liderança
são midiatizados. A imagem de um CEO1, ou presidente, encontra-se na mídia: na
imagem pessoal ou corporativa, ou ainda em cada novo produto oferecido ao
mercado. A capacidade de atender às exigências desses públicos e à formação de
imagem e reputação é determinante para a conquista do sucesso. O sucesso,
entretanto, transcende o momento atual e ocupa o imaginário de modo decisivo
quando a atuação do CEO é regida por uma estratégia que permita a esse líder ser
reconhecido como mito no contexto das organizações.
Na busca de uma resposta ao propósito que estabelecemos inicialmente,
essa constatação nos leva a outra questão: no mundo globalizado e conectado, em
que tudo se transforma em informação, que estratégia é adotada pelos grandes
empresários que se consagram perante o público e podem tornar-se herois? O que
é que lhes permite entrar no imaginário popular e depois ser reconhecidos como
mitos?
1
CEO – Chief Executive officer – Executivo responsável pelas operações de uma organização.
Designado também como Presidente ou Diretor Presidente. Cumpre também a função de líder da
empresa (Alfred P. Sloan Jr, 1963) e deve garantir a confiança sustentável da sociedade na
organização (Arthur Page Society, 2004).
15
Esse algo mais, que alguns representantes de grandes territórios corporativos
aparentemente possuem, poderia estar na prioridade que concedem à sua
visibilidade midiática. Mas isso se revela insuficiente. Há ainda uma exigência para
essa performance pública: ela deverá também estar alinhada aos sonhos da
contemporaneidade. Isso explicaria, a nosso ver, a grande repercussão midiática de
certos líderes. Assumimos que os líderes de maior visibilidade constituem a marca
percebida dos grandes territórios corporativos contemporâneos e que essa
percepção se dá a partir da sintonia entre o discurso desses líderes e aquilo que os
públicos do nosso momento histórico e social desejam e procuram: as narrativas
predominantes em cada geração, que, no nosso caso, graças à globalização,
confluem para a expressão das mesmas necessidades, expectativas e sonhos.
Porém, isso ainda não bastava para criar mitos. E decidimos avançar na
pesquisa.
Quando, no filme ―Uma Mente Brilhante‖ (2001, Jon Howard, EUA), o
matemático John Nash declara: ―Adam Smith precisa ser revisado. Não se deve
fazer o que é bom para cada um, mas o que é bom para o grupo‖, ele lança um
desafio não apenas ao mundo científico, mas ao indivíduo e aos territórios
corporativos contemporâneos. E temos a resposta para isso evidente nos rumos das
estruturas dos países contemporâneos. Na verdade, a ciência, apoiada por
interesses coletivos, vem fazendo brotar na sociedade vocações expressas em
novos cursos universitários, como os de Engenharia Ambiental (inaugurado no Brasil
nos anos 90, pela Universidade Luterana), e os de Ecologia, Engenharia Florestal e
Gestão Ambiental. As ciências da Saúde ganharam novo alento, com pesquisas
mais relevantes em prol da saúde e do bem-estar individual e coletivo, priorizando o
direito público à saúde e invadindo a rotina diária dos indivíduos, com
recomendações em prol da saúde e do bem-estar, ou transformando fórmulas
industriais, visando amenizar desequilíbrios de consumo e de hábitos facilitadores
de moléstias comuns, como hipertensão arterial, obesidade e diabetes. As artes
plásticas e corporais, que antes pertenciam preferivelmente ao âmbito artístico e
lúdico, passaram a fazer parte de um leque de terapias oferecidas a pacientes de
males psicossomáticos, como é o caso de pintura, escultura, dança e até mesmo
modalidades da equitação.
16
Não poderiam eximir-se desse pendor e, mais ainda, dessa responsabilidade,
as principais organizações, ou territórios corporativos da contemporaneidade, que
vêm expressando midiaticamente seus objetivos com direcionamento a ações que
suplantam a simples expansão de mercados e lucros, para abranger, de forma
deliberada e estratégica, iniciativas de responsabilidade social. Por sua vez, a noção
de responsabilidade social corporativa evoluiu: se antes se conformava em obedecer
às leis e aos estatutos das organizações, passou a incorporar um olhar sobre o
futuro e a prevenir a sustentabilidade dos recursos da natureza. Abrange,
atualmente, uma dimensão política e social que transcende a filantropia, visando
estrategicamente, como essência e missão das organizações a realização do bem
comunitário. Em alguns desses territórios corporativos, esse conceito permeou os
negócios e transformou o ambiente, os objetivos e o modo de trabalhar na
organização. E nada disso tem sido apenas o despertar de altruísmo, nem é um
vetor surgido por acaso. O movimento que se verifica é a conscientização de um
novo modo de viver, obrigatório e plantado no cenário de ação dos protagonistas de
uma nova narrativa global. E esse novo olhar também está no modo como se
comportam os territórios corporativos.
Acompanhando essas transformações, ou esse modo de viver que, para
Nash, se resume em não fazer o que é bom para o indivíduo, mas para a sociedade,
podemos identificar hoje a cobrança social (na voz de clientes, consumidores,
órgãos não governamentais, institutos, universidades e associações), feita aos
territórios corporativos, por uma postura correta perante a sustentabilidade global,
em seu tripé essencial: econômico, social e ambiental. A imposição dessa nova
temática tornou imperiosa a mudança de atitudes e discursos corporativos e
mercadológicos das organizações empenhadas em preservar ou construir uma
reputação positiva. Em decorrência disso, gerou-se um novo modo de fazer negócio,
que acompanha a inclusão social, o combate à fome e à pobreza, e o
desenvolvimento das nações menos favorecidas, seja em riquezas naturais, em
tecnologia, em capacitação profissional ou ainda outras manifestações que
demandem inclusão e progresso. Tudo isso vem sendo acompanhado de crescente
população mundial, com escassez de recursos naturais e um jogo econômico
adequado ao convívio com essa nova realidade.
17
Nesse avanço gradual, muitas organizações corporativas de natureza
comercial já aderiram às Metas do Milênio estabelecidas pela Organização das
Nações Unidas. São elas: (1) Acabar com a fome e a miséria; 2) Proporcionar
educação de qualidade para todos; (3) Concretizar a igualdade entre sexos e a
valorização da mulher; (4) Reduzir a mortalidade infantil; (5) Melhorar a saúde das
gestantes; (6) Combater a Aids, a malária e outras doenças; (7) Proporcionar
qualidade de vida e respeito ao meio ambiente e (8) Promover o trabalho de todos
pelo desenvolvimento.
Essa autêntica transformação no imaginário social tem afetado decisivamente
os ambientes corporativos. Isso é visível no processo de comunicação de líderes, ou
CEOs que, por meio dos recursos tecnológicos disponíveis, tratam de corresponder
às exigências dos públicos diversos que formam a comunidade passível de ser de
afetada pelos negócios das empresas que representam.
Assim, as últimas décadas do século XX presenciaram ao despontar de uma
reconfiguração dos territórios corporativos, atendendo a regras que conferem
caráter contemporâneo à organização e a inserem nas atuais narrativas universais.
De tal modo essa consolidação vem ocorrendo que essas convicções sociais (ou
narrativas), antes classificadas como pertinentes à área social, perpassam hoje,
também, os contextos econômico e ambiental. No limiar da nova economia, a
empresa moderna é aquela capaz de criar valor conjuntamente com seus diversos
públicos e com eles dividir esse valor agregado aos negócios, incluindo-se nesse
valor uma contribuição ambiental significativa para a preservação do futuro
planetário. Em suma, nos negócios da atualidade, a validação provém não apenas
de resultados lucrativos, mas, também, de contribuição para o desenvolvimento e da
sustentabilidade em geral.
Esse pensamento da criação e do compartilhamento de valor vem ganhando
esferas organizacionais cada vez mais amplas. Impõe-se a necessidade de
compromisso e de mudança, o que, de certo modo, também nos remete à década
1980, quando, perante os conceitos de qualidade e de reengenharia, houve
premência pela transformação empresarial. Podemos reaplicar à imperativa
transformação organizacional que hoje se verifica a metáfora criada nos anos de
1980, que confronta o sapo que pula quando colocado repentinamente em água
quente, com outro sapo que morre porque está dentro de água fria e se adapta ao
18
seu aquecimento gradual, até ferver junto com ela. O segundo caso é o da
organização que se acomoda, sem perceber as mudanças no ambiente. Tal como o
sapo, a empresa precisa pular. Mudar é a escolha para a organização que deseja
sobreviver.
Desse modo, a observação dos processos de comunicação de CEOs e as
relações míticas que estabelecem com sua performance midiática tornaram-se o
foco da presente dissertação, para a qual contamos com a importante contribuição
de teóricos como Joseph Campbell e sua teoria sobre mitos universais, Richard
Sennett e a nova economia, e Antonio Strati, que inova ao trazer o conceito de
estética para o mundo empresarial. Dividimos o presente estudo em três capítulos:
contextualização do objeto, narrativa global e estética organizacional e, finalmente,
processos midiáticos do CEO, que também apresenta as conclusões para a
presente proposta. Entretanto, nada poderíamos comprovar, sem os subsídios para
a boa história que Robert McKee nos oferece e que permitem situar a performance
midiática dos CEOs na categoria de novos mitos de territórios corporativos.
19
Capítulo 1
Contextualização do objeto: conceitos fundamentais
1.1.
Território corporativo/empresa enquanto processo
Declara Idalberto Chiavenato (2006, p. 615): ―A organização é uma
organização que organiza a organização necessária à sua própria organização”.
Consistente com o conceito de empresa autopoiética (a partir da autopoiesis,
definida por Humberto Maturana (2002, p.26-27) como o ato de gerar com
autonomia, circularidade e autoreferência), Chiavenato refere-se à natureza ativa da
organização, que provê e consome energia (inclusive para se regenerar) e é,
simultaneamente, marcada por entropia (a degradação de seu próprio sistema).
Nesse sentido, a organização empresarial, ou território corporativo, é um processo
permanente de reorganização e auto-reorganização, complexa a ponto de ser capaz
de reagir ao tempo e se transformar. Para Rosabeth Kanter, professora da Harvard
University (CHIAVENATO 2006: p. 615), as empresas do novo milênio devem
cumprir cinco Fs: ―fast, focused, flexible, friendly, fun‖ (veloz, focada, flexível,
amigável e divertida).
A organização moderna, autopoiética, alcança a dinâmica desse perfil. Na
verdade, o território corporativo, ou empresa, é uma estrutura social governada por
racionalidade técnica e também um meio cultural que funciona e concretiza suas
iniciativas pela ação dos seus dirigentes e funcionários. Para Roberto Ziemer (1996,
p. 14), ainda, os significados de uma organização não podem ser compreendidos na
trajetória linear e racional, mas também pelos símbolos, mitos, ritos, cerimônias e
histórias que no dia a dia encerra.
Esse sistema social é movido por objetivos comuns de elevar resultados
comerciais e, cada vez mais, promover melhorias sociais nas comunidades em que
se localiza. Com o tempo, a memória das experiências gera a história e a identidade
da organização, a qual se torna, também, veículo para construir cultura e formar
pessoas. No conceito mais atual de empresa, deverá ainda criar e compartilhar valor
com a sociedade. Desse modo, adquire papel relevante como agente, meio e objeto
da realidade contemporânea, pelo crescente número de pessoas que por ela
circulam, pela representatividade social e política que possui, ao criar receita,
20
oferecer empregos e proporcionar mudança na gestão financeira, ambiental e social
da comunidade. Constitui em si um processo, na interação que estabelece entre
vários elementos da sociedade e nas suas tentativas de se adaptar a diferentes
públicos.
Entre as forças transformadoras das tendências mundiais, destaca-se o papel
preponderante dos territórios corporativos. A matéria de capa da revista ―Exame‖ de
3 de novembro de 2010 (p. 32-47) menciona que o setor privado, mais do que o
governo, é o motor da prosperidade. Partindo da declaração de David Audretsch, do
Instituto para Estratégias de Desenvolvimento da Universidade de Indiana e uma
das maiores autoridades mundiais em estudos sobre empreendedorismo, de que
―Quanto mais empreendedor for um país, melhor será seu desempenho em termos
de crescimento sustentável e geração de empregos‖, a referida matéria cita as mais
de mil reformas econômicas feitas em países emergentes desde 2004 com o
objetivo de incentivar o empreendedorismo e o apoio oferecido a tais iniciativas pelo
presidente americano Barack Obama.
Paralelamente,
entrevista
alguns
empreendedores
representativos
da
atualidade brasileira, os quais ocupam a cadeira da presidência (CEOs) das
respectivas organizações. Entre eles, Luiz Seabra (Natura), Luiza Helena Trajano
(Magazine Luiza), Laércio Cosentino (TOTUS). Na avaliação que fazem da atual
conjuntura econômica brasileira, são unânimes ao relatar situações críticas que
dificultam as atividades do empreendedor. Fazem notar, por exemplo, que as
dificuldades encontradas no Brasil não se repetem em outros países em
desenvolvimento, como a China, que investe em novas tecnologias, ou a Índia, que
além de se concentrar em tecnologia de informação também prioriza os setores
automotivo e farmacêutico. Tampouco se contam tais situações na Coreia, em que o
Estado beneficia o empreendedorismo desde os anos 70, mediante reformas de
incentivo à diversificação da produção e ao impulso de pequenas e médias
empresas, elevando o BIP em mais de 10% ao ano, entre 1972 e 1976. Além disso,
o governo coreano favoreceu atividades de pesquisa e desenvolvimento, o que
posicionou
a
Coreia
entre
os
principais
mercados
de
eletroeletrônicos,
telecomunicações, petroquímica e tecnologia digital. Finalmente, a revista ―Exame‖
conclui que uma legislação clara é o fundamento de uma economia saudável e que
parte do descaso verificado no Brasil com relação à regulamentação no meio
21
corporativo tem origem cultural na época colonial, quando a obtenção de renda
estava associada à exploração humana (p. 39). Essa tônica cultural talvez tenha
sido uma das causas pelas quais apenas recentemente passamos a contar com
uma literatura dedicada aos fundadores das primeiras grandes empresas brasileiras,
na pena de Jacques Marcovitch.
Assim tornada mais visível a empresa, no seu funcionamento não apenas
como sistema em si, mas também parte de um sistema mais amplo, de natureza
social, política, cultural e ambiental, ela passa a ser vista como um organismo em
constante entropia e regeneração, reorganizando-se como qualquer outro processo.
E é precisamente essa característica que torna possível comparar a atuação de
diferentes organizações e seus CEOs, permitindo, também, perceber a correlação
entre os territórios corporativos e as narrativas, ou tensões, da época histórica na
qual se inscrevem.
Desse modo, a interdependência dos diferentes processos e seus atores
define os parâmetros que caracterizam a organização enquanto protagonista da sua
história, levando em conta consumidores, órgãos regulatórios, fornecedores,
tendências de mercado, clientes e os objetivos sociais, políticos e culturais de cada
geração – as grandes narrativas, ou meganarrativas.
A consciência de empresa enquanto processo de adaptação constante
destaca-se nas declarações dos presidentes entrevistados pela revista Exame,
principalmente ao relacionarem os diferentes aspectos da empresa integrados às
contingências externas. Por esse caráter sistemático, a organização adota, para
funcionar, estatutos e diretrizes e elege a figura do presidente (ou CEO) como
representante máximo que aglutina esforços para alcançar objetivos previamente
estabelecidos para toda a organização.
1.2.
Abordagens descritivas das organizações enquanto parte da
narrativa social
De forma geral, as declarações dos executivos citadas anteriormente
retomam o efeito Penrose, de Edith Penrose, que declarou em 1959: ―Uma empresa
é impedida de crescer tão aceleradamente quanto deseja porque o crescimento
rápido tem um custo muito específico (GABOR, p. 319). Esse custo, hoje, aplica-se
22
tanto ao investimento interno quanto à adaptação externa necessária para que a
organização se coadune às exigências dos seus diversos públicos. Foi essa
necessidade de adaptação que permitiu a contribuição determinante de Frederick
Winslow Taylor (1856-1915) para a gestão científica das organizações, resultando
em maior produtividade industrial. As inovações nesse campo continuaram; seja nas
teorias humanistas de Elton Mayo (1880-1849) e Abraham Maslow (1856-1917), ou
no conceito de Reengenharia introduzido por Michael Hammer e James Champy na
década de 1990 e que depois evoluiu, culminando mais recentemente no Lean
Thinking, criado no Japão pela empresa Toyota. Esses modos de pensar e agir na
organização têm por objetivo o incremento da produtividade. O Lean Thinking
propõe simplificar ao máximo os processos de trabalho, da produção à logística, nos
campos industrial e administrativo. Para o processo Lean, tudo o que não agrega
valor ao resultado do trabalho deve ser eliminado. Nesse procedimento de ―limpar‖
os processos em curso, grandes benefícios tem sido encontrados no tocante à
redução de prazos de produção e de entrega.
As dominantes humanista e científica têm elaborado abordagens diferentes
na análise dos territórios corporativos, oscilando entre uma visão democrática da
empresa, responsável por indivíduos inseridos em processos de trabalho e funções
inter relacionadas e distintas, e outra, científica, de cunho utilitário, para a qual o
resultado (lucro) é o único interesse. Andrea Gabor (2001) define como filósofos do
capitalismo os teóricos desse campo de conhecimento. A maioria deles tem
observado os territórios corporativos com um olhar externo. Outros, entretanto,
encontram-se integrados ao funcionamento daquelas organizações. Entre eles,
contam-se empresários ou presidentes de empresas, como Alfred Sloan (18751966), CEO da empresa General Motors, Pierre DuPont (1870-1954), CEO da
Dupont, Henry Ford (1863-1947) e Robert McNamara (1916-2009), ambos CEOs da
Ford, Peter Drucker (1909-2005) e Jack Welch (1935-), da (General Electric).
Nos anos 60, Alfred Chandler (1918-2007) viria a tornar-se o principal
estudioso da mudança estratégica e da tomada de decisões em grandes empresas.
O grande foco do seu trabalho era saber ―como as coisas eram feitas em certo
momento, como eram feitas mais tarde e o que provocara a mudança‖ (GABOR p.
303). Essa curiosidade levou-o a aprofundar a observação das estruturas
organizacionais. Com elos familiares que lhe permitiram pleno acesso à
23
documentação das empresas Dupont e Sandard & Poor’s Corporation, além da
aproximação com Alfred Sloan, então CEO da General Motors, Chandler teve
contato com mais documentos sobre a empresa do que o próprio Peter Drucker.
Dedicou-se ao estudo da indústria e da grande empresa americana, assumindo uma
abordagem econômica influenciada, também, por aspectos sociológicos e
relacionais das organizações. Deteve-se sobre a análise dos processos de tomada
de decisões. Reconheceu que os empregados anônimos desempenhavam papel
crucial na tomada de decisões. Essa mudança, para ele, levaria a uma nova
estrutura, pois a integração vertical das organizações derivava de sistemas
centralizados (as empresas em ―U‖). Além disso, com os avanços tecnológicos da
época (o motor da combustão interna e o motor elétrico, os quais estimulariam
Taylor a promover uma produção racional), o modo de decidir também se
transformava. Chandler identificou, nas mudanças que se davam nas companhias
GM, DuPont, Standard Oil e Sears, Roebuch, um novo formato de organização, em
―M‖, isto é, empresas multidivisionais, com estrutura administrativa descentralizada.
Observou que as mudanças confluíam para o mesmo formato, em organizações
diferentes, sem que para isso houvesse acordo entre os respectivos gestores. Nesse
contexto, a estratégia era impulsionada por mudanças dinâmicas na competitividade
dos negócios, na tecnologia e na economia nacional. Mais ainda, Chandler percebeu
que a empresa próspera tem vocação a continuar investindo em produtos e
mercados novos e que essa diversificação também se torna fonte de tensão para os
gestores. Sob esse aspecto, percebe que as crises são necessárias para que se
perceba a necessidade de reestruturação e conclui que o crescimento deve ser
acompanhado de ajuste estrutural.
A atuação de Sloan, sob o olhar de Chandler, revela o papel decisivo do CEO
na trajetória das organizações. No entanto, além dessa atuação, outro componente
marca essa trajetória: a narrativa da época, ou o conjunto de valores vigente,
mediado pela tecnologia disponível.
Os executivos analisados no presente trabalho, Bill Gates, Lakshmi Mittal e
Steve Jobs, oferecem ao mundo tecnologia transformadora não apenas da
economia mundial, mas também do modo de funcionamento das organizações. Um
dos nossos objetivos no presente estudo consiste, precisamente, em mostrar de que
forma a abordagem do território empresarial, pela sua comunicação midiática, foi
24
transformada pela tecnologia e pela narrativa contida no ambiente global. Sem a
tecnologia, a imagem dos líderes não teria o mesmo impacto sobre os públicos. Sem
corresponder à narrativa, tampouco seria eficiente a comunicação. Por outro lado,
essas empresas, em seus processos evolutivos, também determinaram mudanças
radicais no ambiente global. Interessa-nos no presente estudo a organização
enquanto sujeito, também, da narrativa moderna, papel representado por seus
principais representantes, ou CEOs.
As narrativas nas quais se inserem as ações dos territórios corporativos têm
apresentado nas últimas décadas grandes inovações que refletem preocupações
globais. Mudanças levadas a cabo pelas empresas têm sido favorecidas pela
velocidade de avanços tecnológicos e de capacitação profissional, aliados à
demanda de um consumidor cada vez mais atento e exigente. As soluções que as
empresas oferecem devem alinhar-se às necessidades globais de consumo, aos pré
requisitos da sustentabilidade, às políticas inclusivas, a novas regras globais de
procedimento, incluindo a veiculação de marcas e produtos. Além disso, surge
frequentemente a necessidade de adaptação cultural para corresponder a desafios
impostos por fusões e aquisições. Os pilares corporativos (social, ambiental e
econômico) determinam, consequentemente, novos modelos de gestão, um novo
perfil de líder e de trabalhador, e uma comunicação também renovada, a qual é
regida pela tecnologia da comunicação, dentro e fora das organizações. A isso se
acresce o fim da centralidade da empresa no discurso sobre seus processos,
produtos e serviços. Conscientemente, a empresa desloca-se para o social, que
passa a determinar e integrar a estratégia e a identidade do território corporativo.
A
comunicação
dessa
identidade
corporativa
apresenta,
além
das
constatações de ordem objetivas de ordem interna e externa, blocos da história
organizacional à qual Chandler se debruçou, uma vertente lendária, ou mitológica.
Presenciamos essa realidade, por exemplo, nas empresas Votorantim, fundada em
1918, representada pelo seu dirigente entre 1973 e 1993, José Ermírio de Moraes
Filho; e Droga Raia, na pessoa de João Baptista Raia, que a fundou em 1905. A
história desses dois indivíduos, contada, respectivamente, nos livros ―José, um
homem do seu tempo‖ e ―Droga Raia – 100 anos – uma história de confiança e
respeito‖, permite verificar sua relação com o pensamento (a narrativa) da época em
que viveram e o modo como esses dois ambientes corporativos reafirmam seus
25
valores e crenças. Se ainda acrescentarmos a esses livros um capítulo ainda não
escrito, mas visível pela atuação dessas organizações nas últimas décadas,
verificaremos o processo de autopoiésis constante em uma e outra, modernizandoas e fazendo delas empresas do tempo atual. Assim, o discurso institucional que
define a identidade também é um processo em evolução. Sua eficiência depende
dos meios de que se serve para aparecer; sua eficácia, da congruência que possa
estabelecer entre a performance real e as demandas da narrativa de cada época.
1.3.
Contextualização do objeto
Se as narrativas modulam o discurso corporativo, este encontra seu maior
arauto na figura do CEO. Por outro lado, as atuais organizações e seus CEOs se
dão a conhecer, primordialmente, pela mídia.
Sob esse aspecto, tomamos os mesmos exemplos da Votorantim e da Droga
Raia:
Em sua imagem midiática atual, Antonio Ermírio de Moraes dá continuidade
aos valores sólidos que viram surgir a Votorantim tradicional, fazendo prevalecer a
inovação constante, e por esse motivo representa legitimamente o sistema
autopoiético de organização empresarial. Ermírio de Moraes expressa essa
identidade em discursos empresariais, atitudes e fatos pessoais veiculados nos
meios massivos de comunicação. Até mesmo quando se exime de se manifestar,
esse silêncio adquire significado, pois tudo isso é revelado midiaticamente.
Por outro lado, a Droga Raia também apresenta uma trajetória autopoiética e
inovadora da Droga Raia, exercendo sua comunicação entre os públicos de
interesse, mas não se expande nas mídias sociais. Se Antonio Ermírio de Moraes
existe como imagem pública, o dirigente da Droga Raia, qualquer que seja sua
identidade pessoal, é referência pública esporádica, sem uma imagem pessoal
apresentada midiaticamente, embora também seja representante de uma grande e
centenária companhia brasileira, ainda pertencente e gerida pela família do
fundador, e detenha o controle de uma rede ampla e inovadora de farmácias, a
primeira a oferecer ao público brasileiro o serviço de 24 horas e que, em 2005, já
possuía 132 lojas em todo o País.
26
Observando esses contextos, e diante da perene necessidade humana de
encontrar modelos a seguir, chegamos à indagação sobre as características que
fariam do representante corporativo um heroi – ou mito.
1.4.
Heroi
Para Campbell, contamos histórias para tentar entrar em acordo com o
mundo e assim harmonizar nossas vidas com a realidade. Os arquétipos
representados por personagens mitológicas constituem uma essência comum aos
seres humanos. Dessa forma, o que se revela nos mitos são histórias da busca pela
verdade, pela compreensão do misterioso e pela descoberta do que somos. Com
isso, o que procuramos é, mais do que um sentido para a vida, uma experiência de
estar vivo, ―(...) e realmente sintamos o enlevo de estar vivos‖ (CAMPBELL, 2007, p.
5).
A pujança da mitologia universal torna-se assim responsável pela formação
humana, com rituais que estabelecem o ethos e o caráter, mais fortemente do que a
imposição da lei. O heroi mitológico é aquele que possui a sabedoria de viver. O
mito torna-se elemento que unifica culturas e povos, na simbologia de lições de vida
que transcendem a diversidade.
De temática universal e atemporal, o mito apresenta protagonistas a quem se
atribuem papéis relevantes, por sua integridade como representantes de princípios e
valores universais. São herois, distintos de simples celebridades. O heroi dos mitos
sacrifica desejos pessoais e possibilidades de vida em nome da salvação da
coletividade e conduz a sociedade à consciência de valores que modulam o caráter.
Esse modelo ressurge no cenário competitivo atual, quando comparamos
vencedores e perdedores. Para Sennett (2008a: p. 142-143), o fracasso pode
acontecer se o intuito é o progresso almejado é unicamente comercial e sob esse
aspecto ilimitado. A necessidade de criar uma trajetória própria e distinta leva o
vencedor (heroi hodierno) a extrapolar o domínio mercadológico e também buscar a
realização de um objetivo que dê sentido à sua experiência. A realização de uma
obra que transcenda os deveres capitalistas do território corporativo e, ao mesmo
tempo, proporcione o cumprimento de uma ética benéfica à coletividade, revela-se,
nestes dias, a autocura do capitalismo. O grande capital amplia seu significado.
27
Extrai, mas devolve. Convida ao consumo, mas compartilha. Essa atitude
socialmente responsável encontra justificativa em Emmanuel Levinas (SENNETT,
2008a, p. 173-174), que traduz essa fidelidade a propósitos humanitários como
―disposição de virtudes baseadas na honestidade consigo mesmo‖. A dimensão
social contida nessa atitude vem sendo gradualmente adotada como propulsora de
estratégias organizacionais.
Por outro lado, as narrativas sobre mitos fundamentam-se em contextos que
permeiam cada época, correspondentes aos que Gisela Taschner (1999, p. 13-15)
considera imprescindíveis à construção de valores comuns para sedimentar sonhos
e desejos. Assim, quando indivíduos tornam-se exemplares perante a sociedade, no
contexto da narrativa de cada época, alçam por vezes a reverência devida aos
mitos.
Os representantes de territórios corporativos que hoje vão se conformando
como mitos no ambiente corporativo e, sobretudo, nos meios de comunicação
massiva, impõem-se pelo exemplo, pelas conquistas e pela capacidade de atrair e
mobilizar seguidores. Tais protagonistas, modernos, constituem o objeto deste
estudo. A esses, os públicos concedem aura de herois revestidos de humanidade,
distintos dos antigos mitos, de natureza sobrenatural. Entretanto, tal como em Roma
e na Grécia antigas, convivem com os anti-herois, que também pela mídia forjam
sua imagem. A ascensão e a queda dos anti-herois formaria um capítulo à parte,
que não nos cumpre abarcar. Basta-nos, para os propósitos que adotamos,
evidenciar sua presença e marcas deixadas, em testemunho à força da tecnologia
de comunicação massiva.
1.4.1 Heroi tradicional
Alinhados ao conceito de arquétipos, enquanto estruturas inatas na psique
humana e formadores de padrões e tendências inconscientes, alguns seres
humanos, inseridos em narrativas que lhes fornecem campo adequado ao
protagonismo, escolhem empreender missões desafiadoras na sociedade. Cumprir
com êxito determinada missão representa a vitória, reconhecida pela sociedade,
que, para nós, adquire dimensão global. Esse aspecto universal de heroísmo,
centrado no indivíduo, cria um modelo de vida. O sucesso assim concretizado, com
28
base em conhecimentos e capacidades, performance e poder para decidir e agir,
promove um encontro com o restante do mundo, marcado pela transcendência da
própria dimensão humana, que o protagonista passa a representar. É o ser comum
que deixa de fazer parte apenas do cotidiano e se aglutina à posteridade. E, já que
não existem modelos novos da mitologia, esse ser novo repete o arquétipo criado na
mente das civilizações: ―As ideias elementares são constantes, elas permanecem,
permanecem, permanecem‖. (Campbell 1999, p.243). Por essa repetição dos
arquétipos, pode-se ver a eternidade nessa continuidade de protagonistas de caráter
heroico.
Se, antes da era dominada pela Tecnologia da Informação, existia uma ordem
no mundo empresarial global definida por burocracia e controles da liberdade de
criação e da autonomia individual, hoje o foco é a criatividade para enfrentar a
realidade cambiante dos mercados com avanços sempre aprimorados, tanto
tecnologicamente quanto sob os aspectos de comunicação, mercadológico,
econômico e ambiental. A qualidade de vida do indivíduo e das organizações exige
essas mudanças, que se refletem na adoção de códigos éticos e de
responsabilidade social de cada organização. O trabalhador de hoje, descrito por
Sennett nas obras referidas neste texto, não se limita à execução de um conjunto de
tarefas repetitivas, mas à habilidade interpessoal de comunicação e colaboração
para os objetivos gerais da organização. A administração que centralizava o pensar
e o planejar de toda a estratégia, hoje convida a todos à descoberta de modos
aprimorados
para
realizar
tarefas
rotineiras.
A
atualização
constante
de
conhecimento e da tecnologia se impõe, assim como a familiaridade com negócios
globais e o acompanhamento das tendências de mercado. A tudo isso se acresce a
função que o trabalhador em gerenciar sua carreira e desenvolver seus dotes de
líder, independentemente da atitude da organização a cujo quadro de profissionais
pertence. Encontramos raízes desse modo de pensar em líderes como Alfred Sloan
Jr. (1921-1955).
A General Motors (GM), criada em 1910 por William C. Durant, era composta
de empreendimentos menores, adquiridos juntamente com a atuação dos antigos
proprietários de cada antiga empresa. Esses antigos proprietários continuavam à
frente dos respectivos negócios que correspondiam a divisões da GM. No ano de
29
1921, a GM2 vinha tentando manter-se em atividade, afetada pela concorrência da
Ford, cujo sucesso se apoiava em outro modelo de organização, centralizador e
autoritário. À frente da GM nessa época, Sloan adotou como solução dividir a
empresa em divisões, que passaram a ser administradas por gestores profissionais.
E, se a Ford fazia sucesso com seu modelo T, a GM passou a oferecer a cada tipo
de consumidor um veículo apropriado ao seu poder aquisitivo e à sua necessidade e
logo se tornou a primeira indústria automobilística americana.
Substituir a velha burocracia pela liberdade de ação das divisões operacionais
permitiu a Sloan concentrar-se em temas estratégicos e adotar um estilo de
liderança para resultados, com vantagens na rapidez nas decisões, ausência de
conflito entre divisões e alta administração, equidade de direitos entre os executivos,
informalidade e democratização organizacional, visualização dos resultados da
divisões semi-independentes que passaram a concorrer entre si, e ainda poucos
níveis hierárquicos, que promoveram maior aproximação entre o nível decisório e
demais funcionários. Essa experiência é relatada por Peter Drucker em Concept of
Corporation (1946) e por Alfred Sloan Jr., em Meus Anos com a General Motors
(1963), ambos citados por Chiavenato (2004, p. 164-166), e pode ser acompanhada
também em documentário de 2009 sobre Henry Ford. O heroísmo de Ford caía por
terra. Para o surgimento da GM como território corporativo heroico, foi decisivo o
atendimento às expectativas internas e externas, com os atributos da modernidade,
tanto no que diz respeito à gestão de pessoal quanto da estrutura organizacional.
Esse exemplo evidencia a necessidade de inovação e é com esse novo
modelo inovador e revolucionário que o heroi de hoje dialoga, enquanto conserva os
modelos éticos de superação individual e da conquista do bem-estar coletivo
colhidos entre os arquétipos universais. Não é por acaso que Bill Gates declara, a
respeito de Meus anos com a General Motors, que essa é ―provavelmente a melhor
escolha, se você quiser ler somente um livro sobre negócios‖ (SLOAN, 2001, p.7).
2
General Motors
30
1.4.2.
Heroi modernizador
Segundo Campbell (2007a, p. 143), a saga do heroi tem evoluído à medida
que o contexto cultural da humanidade também progride. Porém, é sempre moldada
por três movimentos: partida, realização e retorno.
Enquanto o heroi das culturas primitivas matava monstros, herois de outras
realidades se afirmaram por discursos e ações em prol da comunidade à qual
pertenceram. É o caso de Perseu, que mata o Minotauro de Creta e assim liberta a
juventude da ilha da condenação a servir de alimento ao monstro. São herois da
Antiguidade, que complementam, com a missão transcendente que abraçam, o rol
de personalidades extraterrestres ou de poder sobrenatural que povoam o
imaginário da humanidade.
No entanto, o heroi moderno é, para Campbell, aquele que se delineia após
Dom Quixote, (2007a, p.138-145), o último heroi medieval, que lutou contra moinhos
de vento, enquanto buscava gigantes. Dom Quixote representa ainda o heroi que
lutava contra um mundo endurecido que não correspondia à sua realidade.
Posteriormente, essa situação evoluiu para um mundo de reações humanas
previsíveis, movidas por estímulos, obedecendo a uma lógica científica, mas sem a
liberdade que permite dar voz às aspirações humanas mais profundas. No entanto, o
ser humano de hoje busca um heroi que saiba externar esses anseios.
Assim, o heroi passa a ser aquele que, como os gregos, partiu em expedição,
viveu aventuras surpreendentes e depois fundou, por exemplo, uma cidade. Esse
heroi mítico, arquétipo, que se torna lenda, está presente na atualidade. Moderno,
ele resgata o modelo clássico de heroi e o reintegra ao seu tempo. Assim
procederam: Juscelino Kubitschek, que fundou Brasília em moldes inovadores e
impulsionou o avanço industrial, concretizando o sonho do desenvolvimento
nacional; Bill Gates e Steve Jobs, que desafiaram obstáculos e deram a conhecer
inovações decisivas para a evolução da ciência da informática, ou Lakshmi Mittal,
fundador do maior império do aço no mundo e que tem sido o salvador de muitos
seres humanos que viviam em condições miseráveis, na Índia, seu país natal.
Contamos também entre tais herois os pioneiros do desenvolvimento industrial e
comercial do Brasil. São transformadores da sociedade com base em inovação em
prol do ambiente social e econômico do País. Constituem herois modernizadores,
pertencentes a um contexto que encara o desenvolvimento tecnológico com todas
31
as suas motivações políticas, econômicas e sociais, além do seu impacto sobre a
diversidade de saberes, (ciência, economia, política, história e comunicação),
conectando-os pelo elo da tecnologia. Por isso, saíram pelo mundo em busca de
conhecimento e de recursos tecnológicos que lhes permitissem lançar bases
inovadoras no Brasil.
Essa busca pelo novo, que carrega o esforço pessoal em prol da comunidade,
hoje ainda se amplia na conectividade imediata que derruba barreiras geográficas. A
consciência dessas realizações gera no protagonista o objetivo de melhorar as
condições de vida de uma coletividade. É nesse ponto que encontramos as raízes
para o heroísmo moderno.
Os herois mais visíveis de hoje encontram-se concretamente envolvidos no
desenvolvimento dos processos sociais, com iniciativas inovadoras, na defesa de
direitos humanos e na preservação do meio ambiente enquanto provedora de vida,
preocupações que adquiriram uma dimensão urgente frente ao avanço tecnológico
da humanidade, que permite cada vez mais conexões, visibilidade, simultaneidade e
globalização de notícias e transparência nos atos de cada país, organização e
indivíduos de performance midiática. Esses avanços de ordem diversa se unem no
confronto às ameaças de pobreza e escassez de recursos naturais que o mundo
registra.
Herois de hoje precisam ter voz e recursos. A mídia é sua voz. Os recursos
são próprios ou advindos de patrocínios. Alguns desses herois serão, talvez,
ativistas. Outros, líderes políticos. Mas os que nos interessam neste estudo são
empresários, com suas narrativas corporativas, imagem e reputação a zelar, além do
contínuo e sustentável sucesso das organizações que representam, com seus
trabalhadores e as sociedades com as quais interagem. O heroi é o líder servidor,
preconizado por James Hunter, (2007, p.26), i.e., o indivíduo ―da submissão
autoconquistada‖. Além disso, ele se torna o grande inovador quando, como Steve
Jobs, Bill Gates ou Lakshmi Mittal, decide mudar o curso dos fatos no mundo.
Pelo impacto das decisões empresariais no mundo atual, o líder empresarial
de hoje constitui, ao lado do líder político, o grande heroi modernizador, que pode
investir na transformação de processos produtivos, na geração de empregos, em
inovação tecnológica e na criatividade empreendedora. Assim, considerando o poder
32
de influenciar os cenários mundiais que as empresas hoje detêm, o heroi
modernizador é, muitas vezes, o heroi corporativo.
1.4.3. Heroi Corporativo - CEO
Uma declaração de Campbell (2007b, p.27-28) nos parece fundamental para
acompanharmos a jornada do heroi: ―O sonho é o mito personalizado e o mito é o
sonho despersonalizado‖. Enquanto o sonho distorce as formas pela psique do
sonhador, o mito as universaliza, tornando a mensagem universalmente válida. Essa
afirmação da universalidade do mito é decisiva, porquanto o arquétipo adentra todas
as culturas e sistemas, entre os quais contamos o território corporativo. Neste, o
heroi é, antes de tudo, alguém que venceu barreiras e limitações para alcançar a
superação que lhe permite determinar modos de sonhar, deliberar e agir válidos
para toda a humanidade. A preocupação do heroi está, neste caso, direcionada às
fontes universais de vida e ao desenvolvimento da humanidade; o ensinamento que
ele deixará como legado será o seu exemplo, além das transformações que tiver
determinado. Ele exerce essa missão didática trazendo o que aprendeu na região de
prodígios sobrenaturais (ou desconhecidos, ou mágicos) que visitou e de onde
hauriu forças e vitórias. Ao retornar, passa a ser respeitado e admirado no meio em
que vive. Exatamente por ser reconhecido, exerce uma liderança natural. Além dos
brasileiros referidos por Marcovitch (2001, 2003, 2005), contamos Heinrich
Meyerfreund, imigrante alemão que em 1929 fundou a Chocolates Garoto e que,
tendo estabelecido as bases da sua indústria, retornou ao país natal para trazer a
tecnologia necessária (Chocolates Garoto 80 anos: Uma história de sucesso, 2009,
p.72).
Se os arquétipos se repetem em culturas e épocas distintas, faz-se entretanto
necessário verificar de que modo a jornada do heroi se dá nos dias atuais. Em
primeiro lugar nos parece oportuno ampliar o palco da construção e da divulgação
dessa imagem, que passa a ocupar o espaço global e a adotar a tecnologia dos
meios massivos de comunicação, sem os quais um círculo limitado teria acesso ao
conhecimento do protagonista. O heroi de hoje precisa transmitir ao maior número
possível de públicos as competências adquiridas, estar em todos os meios globais
de comunicação e falar a todos os públicos com a mesma autoridade que a
condição de heroi lhe granjeou. Terá de ser exemplo e instigar naturalmente à
33
imitação. Enquanto líder, terá discípulos. Seu discurso e sua atuação devem
adequar-se às preocupações mundiais da atualidade. Terá respostas ou, pelo
menos, opiniões próprias, para responder às dúvidas e às perturbações da
humanidade. Deverá saber interagir com meios culturais reais e virtuais de origens
diversas. Será quase ubíquo, porque tampouco haverá para ele barreiras
geográficas. Ele pertence a um tempo, a uma história, a um sonho – mais do que a
um país, uma comunidade, uma família. O heroi é igualmente inteiro para todos
quantos o seguem ou admiram. Ele jamais se mostra fragmentado e torna-se um
modelo, também, de coerência e de valores. Muitos representantes do território
corporativo tentam ser herois. Alguns o conseguem, conscientemente. E essa
integridade, que se resume na conjunção de todas as forças do heroi para vencer o
adversário, não é algo novo no século XXI, pois já havia sido enunciada pelo poeta
Fernando Pessoa (Ricardo Reis) e convertida em provérbio de domínio popular: Põe
quanto és no mínimo que fazes.
1.4.4. Performance consciente do CEO
Uma série de aparatos recorrentes comprova a consciência dos principais
protagonistas dos documentários na formação da imagem que desejam. Também
explicam os discursos e a performance que esses indivíduos adotaram para
aparecer publicamente.
A performance midiática permite reforçar aquilo que se deseja mostrar. Cria a
impessoalidade autoral, isto é, a ausência do autor, com ação direta do protagonista,
que apresenta a história diretamente ao público, com a vivacidade dramática que a
mídia contém. Mostrar é contar a história. A leitura desse comportamento também se
torna mais vívida, porque fica registrada em meios eletrônicos. É passível de
reprodução infinita. Todos os detalhes dessa apresentação, do ambiente à
indumentária, passando pelos recursos sensoriais (voz, cores, gestos, ritmo, luz – e,
se ao vivo, odor também), revelam as intenções da narrativa maior que o impulsiona.
Na produção feita para a mídia, a projeção do heroi se confunde com a marca da
organização que ele representa. Ao mesmo tempo, sua performance reforça as
características dos símbolos da empresa à qual pertence – ou que lhe pertence. O
heroi é a empresa e nessa atuação também deixa marcas no social, sob forma de
uma imagem, que molda a sua reputação e da sua organização.
34
Assim como a urgência em registrar a sua história levou Zeus a pedir à deusa
Mnemôsine que lavrasse seus feitos heróicos, ou a urgência em solucionar uma
catástrofe social fez surgir um heroi humano, como foi o caso de Sérgio Vieira de
Melo (1948-2003), que deu a vida a uma missão social no Iraque, também o sistema
empresarial permite que o seu dirigente, ou CEO, adquira a condição de heroi,
sempre que realizações incomuns sejam atingidas como parte de objetivos pessoais
ou da organização.
Localizar herois corporativos atuais exige, assim, a descoberta de um cenário
de inovação fora do comum, criado por um protagonista, e no qual se possa ancorar
a evolução do desenvolvimento e a formação das novas gerações.
A abertura da exposição Pioneiros & Empreendedores, sob curadoria de
Jacques Marcovitch, apresentou no dia 28 de setembro de 2010, no Museu Histórico
Nacional (RJ) material audiovisual sobre vários dos pioneiros da indústria brasileira,
compilados no acervo da Cinemateca Brasileira. Trata-se de trechos sobre a vida ou
o trabalho, a indústria ou o contexto histórico da época dos empresários
contemplados, entre os quais estão Luiz de Queiroz, Samuel Benchimol, Nami Jafet,
Francisco Matarazzo, Roberto Marinho, Attilio Fontana e Valentim dos Santos Diniz,
entre outros. Além disso, o mesmo projeto museológico lançou um portal na internet
sobre
os
27
pioneiros
que
compõem
a
pauta
dessa
exposição
www.pioneiroseempreendedores.com.br.
A vida de alguns outros líderes da economia nacional tem sido narrada em
livro, como é o caso de Samuel Klein e de Abílio Diniz. No entanto, a história
videográfica de líderes modernos da história corporativa nacional apresenta ainda
escasso material audiovisual. Podemos registrar um vídeo produzido com os
principais ensinamentos de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, e algumas
entrevistas, registros no Youtube e blogs, sobretudo a respeito de Abílio Diniz, do
Pão de Açúcar, e Eike Baptista, do Grupo EBX. Filmes ou documentários,
entretanto, não estão acessíveis ao público.
Consequentemente, a fim de realizarmos este estudo, foi necessário partir
para outros CEOs, entre os quais destacamos três grandes empreendedores. A vida
e a obra de cada um deles vem sendo documentada amplamente, formando uma
35
imagem disponível em qualquer parte do mundo, seja com material audiovisual,
livros e profusamente em todas as mídias. São eles dois grandes nomes da
tecnologia da informação, Bill Gates (fundador da Microsoft) e Steve Jobs (fundador
da Apple), e o Lakshmi Mittal, dono da Arcelor-Mittal, maior empresa da indústria
siderúrgica global.
Para o presente estudo, consideramos a relevância de certos aspectos: a
narrativa na qual se insere a história da empresa e a manifestação da persona
pública do seu CEO, formatada pela mídia. Essa conformação inclui a maneira como
o CEO, enquanto protagonista, apresenta também sua própria narrativa pessoal.
A interseção de narrativas pessoal e histórica, aliada à atuação corporativa,
favorece a construção dos mitos corporativos que temos por objeto analisar.
1.4.5. CEOs e oráculos, ícones corporativos
A história da empresa, ou sua narrativa, pressupõe a adoção de estratégia,
definida pelo Professor Uberaldo Fernandes (Fundação Dom Cabral) como ―a
capacidade da empresa de atuar de forma integrada, para se antecipar às
necessidades do mercado e do negócio‖ (DOM, 2008, p.102). Estabelecer
estratégias exige, assim, três características básicas: (1) a capacidade de olhar
continuamente para o ambiente externo, (2) a instalação de um modelo de gestão
capaz de desenvolver equipes e gerar impacto positivo no planejamento e nos
resultados do negócio e (3) a capacidade de gerar resultados para os públicos da
organização, com transparência e com visão do futuro.
Pressupõe, em nível mais abrangente, uma outra narrativa, ou contexto,
formado por preocupações sociais, valores e tecnologia disponível. A cargo da
elaboração de estratégias e tendências empresariais, encontram-se executivos e
empresas que analisam constantemente as conjunturas econômica, social e política
e as respectivas influências no poder e no curso das organizações. São indicadores
de tendências e, por esse olhar abrangente e pelo papel de oráculo que ocupam,
merecem ser considerados entre os grandes atores corporativos midiáticos da
atualidade.
Nesse sentido, e porque oráculos corporativos tendem a possuir uma voz
universal, gostaríamos de resgatar alguns nomes de renomados indivíduos e
36
empresas oráculo – ou consultores, como são normalmente designados, cuja
opinião tem sido marcante no mundo dos negócios:
A empresa americana de consultoria Accenture promove periodicamente uma
pesquisa entre executivos de companhias mundiais e entidades públicas, para
levantar as questões fundamentais relativas aos negócios. Em 2003, a Accenture
distribuiu às empresas participantes da pesquisa a lista das soluções encontradas
para a situação que se desenhava mundialmente, quando se anunciava o término do
auge da expansão das empresas ponto.com, o declínio da exuberância do mercado
de ações e os escândalos corporativos. A pesquisa concluiu que a incerteza é o
novo padrão de normalidade nos negócios, recomendando encará-la como desafio.
Esse esforço exigiria reduzir custos e agregar valor, com adoção da tecnologia de
informação; tirar vantagem do relacionamento com os clientes, sem deixar de lhes
dar a atenção devida; melhorar o desempenho das equipes de trabalho.
No livro Futuros Imaginários, de Richard Barbrook, consultorias e auditorias
são apresentadas entre os instrumentos de controle, com menção específica à
empresa McKinsey, que tem contado com a confiabilidade por parte de grandes
territórios corporativos da atualidade e faz publicações periódicas não apenas lidas
mas até copiadas na prática. Esse aspecto de controle está presente também no
pensamento de David Rothkopf, quando declara, em Superclasse, que a vida de
milhões de pessoas no mundo é influenciada por uma elite mista de políticos e
industriais, cujos pontos de vista semelhantes determinam as tendências do
desenvolvimento mundial ( 2008, p. 237-247).
Entre os indivíduos oráculo, alguns CEOs representativos das áreas em que
atuam foram convidados em dezembro de 2005, pela revista ―Pequenas Empresas &
Grandes Negócios‖, a declarar suas fórmulas de sucesso. Eis algumas respostas
obtidas na pesquisa:
Abílio Diniz (Grupo Pão de Açúcar): ―Seja humilde e mantenha a mente e os
ouvidos abertos. Estude a concorrência, descubra os diferenciais do negócio e
invista em seus pontos fortes‖.
Emílio Odebrecht (Grupo Odebrecht): ―Tenha clareza em relação aos rumos
que deseja tomar‖.
37
Antônio Ermírio de Moraes (Grupo Votorantim): ―Estude muito e trabalhe
pensando no Brasil‖.
Paulo Bellini (Marcopolo): ―Trate bem os funcionários e leve em conta suas
sugestões‖.
Miguel Krigsner (O Boticário): ―Invista nas relações com clientes e
fornecedores. O cliente não busca apenas objetos ou serviços – busca
relacionamentos‖.
Hugo Marques da Rosa (Método Engenharia): ―Não desanime com as
dificuldades de percurso‖.
Aleksandar Mandic (Mandic:mail): ―Pense grande e vá em frente com seus
projetos‖.
Roberto Duailibi (fundador da DPZ): ―Cultive a ética e a moral nos negócios‖.
Sonia Regina de Souza (Dudalina):
―Encare as turbulências como
oportunidades‖.
Ozires Silva (fundador da Embraer e presidente do conselho de administração
da Pele Nova Biotecnologia): ―Acredite no seu sonho e lute para concretizá-lo‖.
Alberto Saraiva (Habib‘s): ―Pratique a política do menor preço possível‖.
Sérgio Habib (Citroën do Brasil): ―Seja um eterno insatisfeito com o seu
desempenho. Você precisa ser agressivo e proativo em relação ao mercado‖.
Laércio Cosentino (Grupo TOTVS, holding que controla a Microsiga, a
Logocenter e a BMI): ―Aposte na sua equipe para crescer e prosperar‖.
Poderíamos transferir essas sugestões para o ano de 2011 e elas
permaneceriam atuais. Embora o espaço de seis anos possa parecer insignificante,
a história empresarial de hoje não comunga dessa constatação, pelo rápido avanço
tecnológico e sua execução nos meios de comunicação e pelas grandes mudanças
ocorridas a cada ano no contexto climático e de sustentabilidade planetária.
38
Assim, considerando o ambiente em que vivemos, de incertezas, de
construção de redes de relacionamento, de lutas com relação à preservação do
planeta e dos negócios, dos níveis empregabilidade a conquistar, da necessidade de
inovar e recriar constantemente, haveria lugar para as mesmas palavras desses
líderes, proferidas em 2005. O tempo cronológico é breve, mas a realidade poderia
ser outra, dada a fluidez da realidade atual e a visão de curto prazo que nos
caracteriza. Por isso, torna-se interessante constatar que, apesar da visão de curto
prazo e do imediatismo que caracterizam o cenário empresarial de hoje, o sucesso
pessoal e corporativo continua tomando por base valores semelhantes aos que
permitiram o desenvolvimento individual e coletivo de empresas centenárias como o
Grupo Votorantim e a Droga Raia, e, mais recentemente, os CEOs entrevistados
acima referidos.
Dessa forma, muitos CEOs oriundos de territórios corporativos assumem,
também, a postura de oráculos, tanto ao aconselhar, quanto ao prever as tendências
de mercados setoriais e globais. Essa tem sido a função das empresas de
consultoria empenhadas em elaborar pesquisas para delas fazer derivar soluções
em áreas diversas de atuação dos territórios corporativos, entre as quais contam-se
liderança, gestão de projetos, desenvolvimento de recursos humanos, reputação
corporativa, gerenciamento de custos, comunicação, fidelização do consumidor e
simplificação de sistemas e prestação de serviços. Para cada área das
organizações, têm surgido propostas diversas.
Outra empresa de consultoria internacionalmente respeitada é a Ernst &
Young, que em junho de 2010 anunciou pelo sétimo ano consecutivo, no Principado
de Mônaco, a seleção dos melhores empreendedores do mundo. Os candidatos ao
prêmio são indicados pela consultoria Ernst & Young e por membros de órgãos
governamentais, escritórios jurídicos e comunidades de investidores. A seleção
baseia-se na análise da trajetória profissional dos candidatos. Os critérios para a
avaliação são inovação, impacto global dos negócios, desempenho financeiro e
direcionamento estratégico, além de espírito empreendedor e integridade. Outras
competências, como poder de liderança e motivação, além das perspectivas da
organização para os anos vindouros, também contam.
39
O conjunto de 52 finalistas deste ano não surpreendeu ao incluir o nome de
empreendedores de países emergentes. Entre eles, o brasileiro Marcelo Alecrim, da
empresa AleSat, proprietária dos postos de combustível ALE. O que impediu a
surpresa foi, precisamente, o foco atual sobre um novo capitalismo, que passa a
apresentar atrativos de investimento maior no sul e no leste, ao contrário dos usuais
e lucrativos mercados do norte e do ocidente. Alecrim declara que o negócio
transparente e a atitude humilde têm garantido seu sucesso.
Apesar da expectativa de que houvesse também vencedores originários de
países emergentes, o primeiro lugar coube ao inglês Michael Spencer, da ICAP,
corretora de valores. O grande trunfo de Spencer foi, precisamente, operar a
empresa com admiriável transparência. Michael Spencer lembra em parte a história
do filme À Procura da Felicidade (2006, Gabriel Muccino, EUA), estrelado por Will
Smith, que protagoniza um jovem dedicado e persistente que inicia a carreira
trabalhando em algumas corretoras até abrir seu próprio negócio, tendo para isso de
superar inúmeras e intensas crises. Spencer perfaz uma jornada heroica e surge
também como um vencedor, ao estilo do sonho americano.
A premiação dos vencedores não é tangível. Os candidatos buscam
reconhecimento, selando com prestígio e confiança o sucesso material que já
conquistaram. Esse prestígio reverte em orgulho dos colaboradores das empresas
que dirigem. Estas, por sua vez, buscam também nesse reconhecimento garantir um
melhor clima de trabalho e, por decorrência, melhor produtividade.
A história de Diane Foreman, empreendedora da Nova Zelândia, eleita
também entre os melhores, é igualmente de vencedora. Sem educação formal,
torna-se empreendedora por força das circunstâncias, quando, para ajudar o marido
doente, assume a direção de uma empresa da família. Vende posteriormente a
empresa a um grupo norte-americano. Em seguida, cria uma holding, o Emerald
Group, composto pelas empresas Emerald Foods (fabricante de sorvetes adquirida
da Nestlé), Healthcare Holdings (rede de clínicas e hospitais particulares) e Emerald
Recuitment (consultoria de seleção de executivos). Foreman declara que a essência
do seu negócio consiste em fazer aquisições, desenvolver o patrimônio adquirido e
depois vendê-lo.
40
Importante, no contexto econômico internacional, é ressaltar a presença de
todos os países do grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) entre os melhores
empreendedores avaliados. Esse fato corrobora o grande interesse que o novo olhar
da economia global coloca sobre os países emergentes. Aliás, a importância do
CEO e do tema empreendedorismo torna-se cada dia maior. O Museum of American
Finance, em Nova York, que em www.moaf.org./index destaca a formação de
empreendedores como um dos seus pilares. Com treinamentos dirigidos à formação
de empreendedores, o Museu tem por objetivo permitir a jovens estudantes
compreender o papel do empreendedor na economia, identificar características para
o sucesso, aprender métodos de investimento e avaliar correlações entre riscos e
recompensas daquela área de atuação.
Ao traçar as características primordiais do empreendedor de sucesso, o
material de treinamento publicado por esse Museu cita: persistência, criatividade,
sabedoria para aproveitar oportunidades, espírito de iniciativa, paixão pelo sucesso,
foco na realidade e a busca constante para corresponder aos desejos do cliente e
proteger-se contra a concorrência. Essas características também foram identificadas
nos vencedores da pesquisa da Ernst & Young.
O website desse museu disponibiliza ainda diálogos gravados com mais de
15 personalidades de negócios, que relatam as estratégias adotadas por suas
organizações.
Entre
os
motivos
que
levam
indivíduos
a
se
tornarem
empreendedores, o Museu cita desde a emoção de correr riscos até a vontade de
melhorar o lugar onde se vive, passando pelo desejo de liberdade em relação a um
empregador e pela possibilidade de criar, pensar grande e enfrentar desafios.
A Ernst & Young (Escócia/EUA), como outras consultorias, vem preenchendo
esse espaço de profeta empresarial ao apresentar atitudes consideradas
necessárias ao convívio harmonioso entre as gerações X e Y. Outras têm alertado
os líderes sobre métodos de superação de crise, com a abordagem de temas que
vão da melhoria da produtividade ao desenvolvimento de pessoas. Contam-se, entre
outras empresas internacionais igualmente influentes no meio empresarial, Deloitte
(Reino Unido), PricewaterhouseCoopers (Reino Unido) e KPMG (Suíça).
41
Tal como na Grécia, ser oráculo hoje é, portanto, privilégio de alguns que
respeitam ritos e transmitem credibilidade. Para tanto, precisam também ter
entusiasmo, capacidade de aconselhamento e boa reputação no meio em que
atuam.
Também indivíduos oráculos comandam o mundo da economia. Um deles é o
empresário Warren Buffett (1930-). Recomenda investir com segurança apenas em
empresas de excelente reputação e bem administradas. Ele se dedica ao que faz,
conhece profundamente seu métier, ri de pormenores de sua própria vida e faz do
seu aparente desleixo com relação aos bens materiais um contraponto de sua
genialidade em matéria de investimento. O carisma de Buffett, que concilia geração
de riqueza e um estilo de vida simples e transparente, com renomados
investimentos em causas sociais, gera a credibilidade dos públicos.
Poderíamos citar inúmeros oráculos, líderes reconhecidos de áreas distintas.
Peter Drucker (1909-2005) e C.K.Prahalad (1941-2010) são mundialmente
reconhecidos. Drucker, considerado o pai da administração moderna, apontou
caminhos apoiados em métodos de gestão, ética e responsabilidade social das
organizações, convidando a inventar o futuro com uma nova liderança.
J.K. Prahalad pertencia ao mundo acadêmico e prestava consultoria à cúpula
de diversas organizações multinacionais em todos os continentes. Em 2009, foi
considerado o homem mais influente no círculo empresarial. A obra dele dedicou-se
a reabilitar a condição das classes sociais menos favorecidas enquanto constituintes
de um mercado que precisa de produtos oferecidos a condições especiais e a
defender, para as organizações, a postura de oferecer experiências de vida, e não
simplesmente produtos. Prahalad dirigiu-se amplamente à base da pirâmide,
expressão utilizada pela primeira vez pelo presidente Franklin Roosevelt, em
discurso
de
1932,
sob
o
título
de
O
homem
esquecido.
http://newdeal.feri.org/speeches/1932c.htm. O guru costumava falar dos bilhões de
seres humanos que em 1988 sobreviviam com menos de dois dólares por dia. A
proposta de seus livros e palestras é que negócios, governos e instituições
beneficentes parem de pensar no pobre como vítima e comecem a ver nele um
empreendedor resiliente e criativo, e um consumidor que exige a presença de valor
agregado nas mercadorias que lhe são oferecidas. A temática de Prahalad
reconhece que existe uma efetiva oportunidade de negócios quando as empresas
42
oferecem aos mercados de baixa renda aquilo que corresponde à sua real demanda.
Vê nas classes da base da pirâmide a futura classe média. Aconselha as grandes
organizações a trabalhar junto à sociedade civil e ao governo local, a fim de criar
novos modelos de negócios e inovar para o desenvolvimento e o exercício da
responsabilidade social corporativa.
No campo de futuro e tendências, destacamos ainda Muhammad Yunus
(1940-), criador do microcrédito em Bangladesh e Nobel da Paz em 2006. De certa
forma, a obra de Prahalad complementa a iniciativa de Yunus, que declara a
confiança na base da pirâmide ao instituir um novo sistema bancário, destinado a
pessoas que necessitam do crédito sem comprovação de que poderão vir a pagar o
valor solicitado. Em entrevista concedida à HSM em 2008, Yunus apresenta as
bases do seu trabalho, cujo modelo se estende pelo mundo e que acaba de ser
lançado no Brasil (2011), pelo banco espanhol Santander, em parceria com o
Grameen Trust, do Bangladesh e irmã do Grameen Bank fundado por Yunus.
Jack Welch (1935-) é outro guru entre os mais respeitados no mundo
corporativo. Foi CEO da General Electric por 20 anos e aposentou-se em 2001.
Hoje, é personalidade requisitada em seminários empresariais, autor de livros e de
palestras de impacto mundial. Provocador, prevê a necessidade de atender à
longevidade crescente do ser humano, vaticina o desastre da empresa e do
indivíduo que não trabalhe sob o imperativo da qualidade e defende o pensamento
empreendedor como fator de sucesso dos países do grupo BRIC, em especial o
Brasil. Um dos bordões de Welch é: Faça bem feito e faça agora!
Citamos ainda um guru que saiu do governo norte-americano, o político
norteamericano e ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani (1944-), cujo sucesso
na administração da cidade após 11 de setembro de 2001 se destacou por sua
liderança serena e eficaz. Giuliani recebeu diversos títulos, como o de Consultor do
Ano, em 2009. Para liderar na solução de problemas estratégicos, adotou os
princípios
de
integridade,
otimismo,
coragem,
preparo,
comunicação
e
responsabilidade.
Finalmente, gostaríamos ainda de citar três gurus de administração e
marketing, cuja importância global os recomenda:
43
Philip Kotler, (1931-), que define o mundo atual dos negócios como uma arena de
luta livre e cria um modelo para a gestão no caos, objeto não somente no livro
Vencer no caos (KOTLER e CASLIONE, 2009, p.71-101), no qual preconiza:
Definir a questão-chave a ser respondida pela análise de cenários;
Determinar o escopo e o prazo dessa análise;
Identificar as partes interessadas;
Mapear as influências básicas, as turbulências e forças caóticas
resultantes;
Identificar as principais incertezas que geram o caos;
Definir os principais cenários (político, econômico e social);
Avaliar os cenários mais prováveis;
Concentrar o foco em cenários de decisões, com estratégias para
enfrentar eventuais casos extremos.
Em conclusão, Kotler recomenda aos líderes de negócios que o mais importante na
gestão atual é construir cenários e estratégias para lidar com riscos previstos e
instilar novos comportamentos estratégicos e novas disciplinas na organização.
Segundo ele, quando esses novos comportamentos se instalam, a cultura
organizacional se fortalece para superar sistematicamente o caos, além de vencer
rotineiramente a concorrência. Tais empresas garantiriam, a seu ver, o sucesso,
apesar dos vendavais (Kotler e Caslione, 2009, p.71-101).
A abrangência de temáticas apresentadas pelos oráculos empresariais de
hoje mostra que eles não se limitam a um campo fechado de ação, mas integram-se
ao global e falam da conjuntura mundial sob os aspectos econômico, social/humano
e ambiental. Trazem componentes obrigatórios para as organizações, a fim de que
estas permaneçam sintonizadas com o tempo atual, isto é, com a narrativa do
momento presente. Ditam, enfim, os elementos primordiais do discurso empresarial,
que não deve restringir-se à busca de resultados financeiros nem a estratégias de
interesses exclusivamente privados.
O segundo guru a que nos referimos é Stephen Covey (1932-), que em livros
e palestras vem alertando para a necessidade de se adotar princípios corretos que
44
permitam obter benefícios e bons resultados e que sejam também motivação e
compromisso para aumentar a produtividade. Direcionado para obter eficácia nas
atividades profissionais, o discurso de Covey em palestra proferida em São Paulo a
convite da HSM, em 06/11/2006, abordou o tema da liderança, apontando atitudes
fundamentais do líder moderno:
Encontrar sua própria voz e ajudar os outros a fazê-lo;
Construir confiança, inspirar vontade de trabalhar, inovar;
Desenvolver comunicação eficiente e trabalhar o potencial das pessoas;
Contribuir para o desenvolvimento da atual era do conhecimento;
Ver a liderança como escolha e não como posição hierárquica;
Transformar objetivos em ações.
Podemos comparar essas recomendações com as lições da Apple formuladas
em 2007 (Exame.com, 28.6.2007):
Não deixe a burocracia matar o sonho;
Aposte em inovação de resultados;
Não reinvente a roda – melhore;
Blinde-se contra a concorrência;
Destrua seu negócio ou reinvente-o;
Tenha um bom garoto propaganda.
Em suma, trata-se ainda do mesmo apelo à comunicação, aos resultados, à
inovação e às precauções contra os concorrentes, que encontramos em 17
empresários brasileiros entrevistados em 2005 por Pequenas Empresas & Grandes
Negócios (Anexo I).
Por último, trazemos um guru que no seu próprio estilo de apresentação já
inova constantemente, com visual distinto nos slides que mostra ao público e, mais
recentemente, também em livros, como o mais recente, “Reimagine!” (Saraiva,
2009), com proliferação de figuras, símbolos e muito humor. Trata-se de Tom Peters.
―Reimagine!‖ adota o estilo colorido e lúdico das apresentações. É dividido em
texto principal e margens. Como diz o autor, o texto principal contém a essência
45
lógica de cada capítulo, mas ele prefere as bordas, que são exemplos e
observações que dão vida ao texto principal. Peters se define em palestras como
alguém fora do contexto empresarial mais comum, que deseja criar controvérsias.
Para contatos com o público, possui um blog e um arquivo de apresentações ao qual
sempre o conteúdo das suas 80 palestras anuais feitas em diversos países.
Em 23.8.10, Tom Peters proferiu palestra em São Paulo, a convite da
empresa HSM. Com ênfase no papel da comunicação como fator de sucesso em
qualquer atividade, logo no início declara que ―tudo o que existe é percepção, a
realidade em si não existe‖. Seguem-se outras constatações, como a de que o
problema raramente é o problema. A resposta ao problema é que constitui o
verdadeiro problema. Basta ver, acrescenta o guru, o que aconteceu depois que
Richard Nixon e Bill Clinton reagiram aos escândalos anunciados pela mídia. Com
isso, Peters reforça que o modo como os protagonistas foram percebidos pelo
público é o que importa. Reforçando essa tese, cita que em pesquisa feita junto a
alguns hospitais, constatou-se que a insatisfação do paciente estava ligada a fatos
não diretamente relacionados à obtenção ou não da cura durante o tratamento, mas
a atitudes de funcionários do hospital. Enaltecendo as relações humanas e a
diplomacia internacional, Tom Peters fala dos tópicos do livro ―Imagine!‖ e recapitula
seu livro de 1982, ―À procura da excelência‖, declarando: ―Estou aqui por causa
desse livro‖. Ele aplica a si mesmo a teoria da visibilidade e da aceitação pública
para obter sucesso. Ainda revelando seu pensamento mais atual, ―Reimagine!‖
aborda a temática do novo negócio, recomendando esquecer velhas regras,
adaptar-se à fluidez do presente, descobrir valor, ativos e agarrá-los, encontrar uma
inovação em meio ao caos das mensagens que proliferam, aproveitar a desordem,
fracassar mais rápido para ter sucesso mais cedo. A partir dessas recomendações,
avança para estudar o novo contexto, a nova tecnologia, o novo valor, a nova marca,
os novos mercados, o novo trabalho, as novas pessoas e o novo líder. Este,
obrigatoriamente, deve saber pensar à luz de contextos inusitados. Criando uma
visão de futuro, Peters começa por relembrar oito princípios básicos da excelência,
preconizados na obra anterior (―À procura da excelência‖) e encerra ―Reimagine!‖,
justificando esse título, ao imaginar o futuro das organizações, que, como oráculo,
ele projeta. Peters deseja atualizar esses princípios, e também traçá-los na linha do
tempo. Escolhe 1982 por marco (ano de lançamento de ―À procura da excelência‖) e
46
considera 20 anos antes e 20 depois, incluindo ainda o que ele considera divagação,
concretizada na projeção desses princípios para 2022. Assim se resume a proposta
de Peters, em suas considerações alinhadas à evolução temporal, estabelecendo
uma Linha do Tempo da Excelência:
Princípios básicos
Quadro 1 – Tendência à ação
1962
Tendência ao planejamento
1982
Tendência à ação
2002
Tendência à loucura
2022
Tendência a... Sabe Deus o quê?
Fonte: Tom Peters, 2009, p. 307-317
Quadro 2 – Proximidade do cliente
1962
Pesquisar o cliente
1982
Aproximar-se do cliente
2002
Tornando-se um com o cliente
2022
Inseparável do cliente
Fonte: Tom Peters, 2009, p. 307-317
Quadro 3 - Autonomia e empreendedorismo
1962
Conglomerado e gestão
1982
Autonomia e empreendedorismo
2002
Terceirização e gestão de rede
2022
Transitoriedade e mais transitoriedade
Fonte: Tom Peters, 2009, p. 307-317
47
Quadro 4 - Produtividade por meio das pessoas
1962
Empregados como partes intercambiáveis
1982
Produtividade por meio das pessoas
2002
Empregados como... talento!
2022
Produtividade sem pessoas
Fonte: Tom Peters, 2009, p. 307-317
Quadro 5 - Mão à massa, voltado para o valor
1962
Segundo os números, segundo o livro
1982
Mão à massa, voltado para o valor
2002
Coisas ―impalpáveis‖, capital intelectual
2022
Por um triz (cenários futuros de domínio da vida pelo computador)
Fonte: Tom Peters, 2009, p. 307-317
Quadro 6 - Ater-se às competências essenciais
1962
O complexo de deus (poder para tudo)
1982
Ater-se às competências essenciais
2002
Qual é a ―sua coisa‖? (aquilo em que você é bom)
2022
Minha nossa! Como é complexo!
Fonte: Tom Peters, 2009, p. 307-317
Quadro 7 - Formato simples, quadro funcional enxuto
1962
O quartel-general sabe mais (jovens com diploma vs trabalhadores
experientes sem diploma)
1982
Formato simples, quadro funcional enxuto
2002
Um mundo sem fricção
2022
Um mundo sem pessoas?
Fonte: Tom Peters, 2009, p. 307-317
48
Quadro 8 - Propriedades de coesão e liberdade simultâneas
1962
Leia o manual de política. Siga as regras.
1982
Propriedades de coesão e liberdade simultâneas
2002
Modelos de negócios vêm. Modelos de negócios se vão.
2022
A maior parte dos modelos de negócios ―se vai‖.
Fonte: Tom Peters, 2009, p. 307-317
Peters chega à conclusão de que é difícil definir excelência e escreve:
―Um estranho mundo nos aguarda. Um mundo em que definir
excelência – sem mencionar buscar excelência (e sem mesmo falar
em realizá-la!) – será ainda mais ilusório. E muito, muito mais
empolgante. Que assustador! Que legal! Você está disposto a isso?‖
(2009, p.317)
O tema da liderança como invenção do futuro, é comum a Jack Welch, para
quem, apesar de toda a premência de crises que requerem solução imediata, o líder
deve dedicar no máximo 80% do seu tempo aos desafios de hoje, deixando sempre
espaço para pensar no amanhã.
Ao mesmo tempo, autores como Scott A. Shane, PhD, EUA, chegam como
oráculos que tentam desencantar um mundo apresentado como mágico na
concretização de sonhos. É o que ele diz na obra ―The costly myths that
entrepreneurs, investors, and policy makers live by‖ (2008, ainda não traduzido para
o vernáculo). Tivemos acesso apenas a artigos e comentários sobre esse livro.
Shane coloca-se na posição de oráculo do empreendedorismo e apresenta uma
abordagem estatística que abrange itens tais como: o que torna algumas localidades
mais propícias ao empreendedorismo do que outras? Quais as principais
características do empreendedor? Que estratégias contribuem para o sucesso e a
lucratividade de longo prazo dos novos negócios? Tendo números por fundamento
das respostas que traz, o autor abrange também outras questões, como: O que leva
alguém a montar um negócio? Que áreas de investimento são mais atrativas para o
início de um negócio?
Mais recentemente, em abril de 2010, a revista Exame publicou matéria sobre
esse autor, abordando o conteúdo do livro ―Born entrepreneurs, born leaders: how
your genes affect your work life‖ (Empreendedores natos, líderes natos: como seus
49
genes afetam sua vida profissional), em que Shane considera que a vida
profissional, inclusive a capacidade de empreender e de liderar, está ligada à
predisposição genética individual.
Shane é especialista em empreendedorismo, matéria em que é professor na
Universidade de Case Western Reserve, nos EUA. Para Joseph Campbell
... o princípio do ego domina a sociedade, i.e., os desejos (impulsos)
subconscientes se relacionam com as demandas sociais (deveres).
O indivíduo decide sua própria vida com base na liberdade de
consciência e na responsabilidade individual. (2006, p. 71-89).
Nesse contexto, os oráculos se situam, não apenas para orientar os impulsos
mercadológicos frente às demandas sociais, mas também para anunciar tendências.
Preenchem a lacuna da incerteza, com nova inspiração. Os gurus de hoje
substituem oráculos e deuses da mitologia, no seu papel de executores e também
de mediadores entre o trabalhador comum e os seus objetivos (sucesso, realização,
felicidade, riqueza, gestão na turbulência, superação de crise e muitos outros). Essa
conexão com o desconhecido permite que tenham sucesso e carisma, despertando
a curiosidade dos demais, ávidos por alcançar as mesmas competências ou os
mesmos resultados. Como o Oráculo de Delfos, o empresário de sucesso responde
a dúvidas pessoais ou coletivas, cria cenários futuros do ambiente corporativo,
aconselha em épocas de crise e desenvolve a empresa de modo a navegar com
sucesso em meio às tempestades.
Entre todos os sinais que levam os oráculos a profetizar, contam-se hoje as
mudanças climáticas, que têm modelado os bastidores das elites econômicas,
políticas, militares e culturais, levando-as à redefinição do poder. Esses bastidores
das modernas profecias se expandem, de modo oficial, em diversos encontros de
líderes políticos e empresariais de todos os continentes. David Rothkopf,
pesquisador que foi subsecretário das relações internacionais no governo de Bill
Clinton, analisa a dinâmica e os participantes dos mais relevantes encontros globais.
A conclusão de Rothkopf é que apenas 6 mil pessoas são responsáveis pelas
decisões planetárias que dizem respeito a 6 bilhões habitantes. Já na capa do livro,
surgem alguns representantes desse poder decisório, entre os quais se misturam
celebridades e líderes políticos e religiosos, como Dalai Lama, Hugo Chávez,
Angelina Jolie, Osama Bin Laden, Pelé, Paulo Coelho, Bill Clinton, Nelson Mandela
50
e o Presidente Lula, além de Barak Obama, o Papa Bento XVI e o cantor Bono, lado
a lado com diversos empresários, como Bill Gates e Steve Jobs.
A análise de Rothkopf declara que o poder dos indivíduos componentes
dessa elite decisória provém, essencialmente, de conexões sociais. Essa nova elite
forma a Superclasse e perfaz o papel que sempre pertenceu à aristocracia, à
riqueza ou ao poder militar, indo além, por ser mais global. O item mais valioso
nessa estrutura é a conectividade de cada um dos seus representantes, que leva à
capacidade de influenciar pessoas e organizações.
O importante encontro anual de Davos, citado por Rothkopf, é organizado
pelo World Economic Forum (WEF), fundação sem fins lucrativos que nessa reunião
congrega líderes de negócios e políticos, intelectuais e jornalistas do mundo inteiro,
para discutir os problemas mais prementes da humanidade. O WEF também
organiza reuniões regionais na Ásia, na Europa, na África e na América Latina. Além
de promover esses debates e relatar os resultados às esferas sociais envolvidas, o
WEF funciona também como oráculo, ao publicar cenários futuros – fruto de análises
elaboradas durante os encontros regionais – como um que foi publicado em 2006
como expectativa da realidade em 2025, a partir de uma visão da China e do resto
do mundo.
O grande leitmotif para as inovações que se fazem necessárias hoje é, na
visão do WEF, a mudança climática.
As principais discussões de hoje evidenciam que as alterações climáticas têm
afetado cada vez mais o modus operandi das organizações, na busca de soluções
para melhor enfrentar os desafios e riscos que se apresentam e também conquistar
novas oportunidades. Esse é um grande desafio que se impõe ao CEO: como dar
continuidade à produtividade, consertando simultaneamente tudo o que foi deixado
de lado no campo da sustentabilidade planetária, promovendo simultaneamente
inovação tecnológica e investimentos em prol das cadeias de valor de produtos, das
comunidades e em especial do consumidor?
Cumprir essa tarefa está entre as vitórias que o heroi corporativo de hoje
deverá concretizar.
51
Capítulo 2
Narrativa global e estética organizacional: cenários
2.1.
Imaginários e narrativas
Partimos do princípio de que existe um ambiente externo que permite à
performance das organizações criar histórias que se conformem ao imaginário de
cada época. Esse ambiente permitiria realizar o sentido da existência buscado em
todos os mitos e o sentido do trabalho, procurado por indivíduos e organizações.
Somente assim tais organizações e seus representantes podem modular e divulgar
uma imagem que também faça embarcar no mesmo significado todos os seus
parceiros de negócios (ou “stakeholders”) – do acionista ao consumidor final. Essa
imagem midiática passa a fazer parte do imaginário da época à qual corresponde.
Aposta no poder das histórias sobre a organização. É reconhecida e concede
identidade corporativa, podendo gerar o desejo de ser copiada e seguida, se
efetivamente dialogar com os seus diferentes públicos.
Desse modo, além da estratégia e da adequação às demandas econômicas,
tecnológicas e sociais, a história da empresa se solidifica quando sintonizada,
também, com uma narrativa maior, ou mega-narrativa, característica do seu tempo
histórico, formada pelo conjunto das preocupações e valores vigentes.
Esses dois componentes, estratégia e mega-narrativa, constituem pilares
fundamentais da formação midiática da imagem de CEOs, e para isso basta
acompanhar a projeção dos representantes corporativos que se projetam
globalmente pelo seu envolvimento com as mais recentes preocupações, como a
escassez de recursos, as mudanças climáticas e a erradicação da pobreza no
mundo.
Assim, após a breve visão do poder midiático de CEOs e oráculos
corporativos, passaremos a verificar de que forma, também midiática, as meganarrativas da atualidade se impõem na evolução dos processos corporativos.
52
As grandes narrativas atuais encontram-se sintetizadas nas já citadas Metas
do Milênio, estabelecidas pela ONU3. Poderíamos resumir esses objetivos como
incentivo
à
promoção
da
condição
humana,
da
sustentabilidade
e
do
desenvolvimento. Esses grandes temas têm sido adotados também pelos territórios
corporativos e seus representantes. Alguns, como o indiano Lakshmi Mittal, elevam
a qualidade de vida de algumas regiões da Índia, proporcionando saúde e educação,
além da contribuição econômica que seus empreendimentos geram naturalmente.
Steve Jobs vem se dedicando nos últimos anos à redução da emissão de carbono
da sua indústria tecnológica. Bill Gates é um grande combatente contra a malária.
Peter Brabeck-Letmathe, da Nestlé, defende a preservação das águas planetárias,
argumentando sua escassez iminente e sua dupla função de nutrir e permitir o
processamento e o preparo final de alimentos. Prahalad incentivava a criação de
modelos industriais e comerciais destinados às classes da base da pirâmide social e
que já vêm sendo amplamente adotados. Mark Kramer (1945-) e Michael Porter
(1947-), professores em Harvard, defendem a criação de valor compartilhado (criar
valor em conjunto com os “stakeholders” e compartilhar com toda a sociedade os
resultados gerados) como única solução para a sobrevivência empresarial. Outras
grandes organizações brasileiras têm declaradamente adotado causas sociais, como
sustentabilidade (Vale, Petrobrás, Bradesco) ou da educação (Grupos Abril e
Gerdau). As ações dessas companhias têm sido amplamente divulgadas, não
apenas na mídia social e na imprensa, mas também em eventos específicos, cuja
divulgação garante a visibilidade e o apoio esperam continuar recebendo da
sociedade. Em dezembro de 2010, o Grupo Gerdau reuniu no auditório do MAM, no
Ibirapuera, um público oriundo de indústrias e de órgãos governamentais, ao qual
apresentou ações de educação realizadas no decorrer do ano e lançou desafios aos
quais planeja corresponder futuramente.
Muitas vezes, aderir às narrativas de um tempo equivale a contrapor um pólo
positivo às ações de certas indústrias depredadoras de recursos ambientais. Essa
foi, entretanto, uma percepção já ultrapassada das exigências sociais dos territórios
corporativos. Assim foi em épocas nas quais grandes empresários tentavam,
mediante ações filantrópicas, compensar a sociedade pela devastação exercida,
3
ONU – Organização das Nações Unidas
53
fosse à natureza ou qualquer outra derivada da natureza capitalista das suas
iniciativas.
Hoje, esse modelo mental e de atuação não prevalece. Na adequação à nova
economia, a filantropia cede lugar à responsabilidade social corporativa, marca
também de um novo capitalismo.
2.2.
Estética organizacional
2.2.1. O novo capitalismo
Capitalismo e bem estar social implicam o mais conspícuo e o mais alto
binômio formado por capitalismo e responsabilidade social. Isso se concretiza dentro
de uma democracia, mas não pode ser imposto por ela, porque tal imposição feriria
os princípios democráticos e econômicos da livre iniciativa e do livre comércio.
Portanto, a junção que hoje se dá entre capitalismo e responsabilidade social é uma
imposição que transcende a sociedade enquanto reguladora, mas decorre da
narrativa social e política do presente século, quando todos os órgãos
governamentais clamam pelos mesmos interesses de desenvolvimento e igualdades
divulgados pela ONU, às quais os territórios corporativos mais expressivos também
aderem publicamente. A Nestlé, por exemplo, inclui em seus princípios corporativos
a adoção das Metas do Milênio.
Desse modo, o novo capitalismo, cujos objetivos vão além do lucro, incorpora
à sua estratégia a complexidade social. Essa exigência de coadunar organizações à
nova economia (ou novo capitalismo) vem gerando um modo inovador de fazer
negócios, do qual decorre, também, uma nova estética organizacional.
2.2.2. Comunicação na era do novo capitalismo
A sociedade pós-industrial (séc. XIX) e a modernidade (primeira metade do
século XX) surgem como possibilidades geradas por novos processos de trabalho.
As características inerentes à sociedade produtiva evoluem à medida que se
desenvolve um mercado de massas e estilos de vida padronizados. O trabalho
subordinado ao capital, conjugado ao crescimento e à atuação das empresas, cria a
sociedade burguesa e a produção capitalista.
54
A estrutura urbana torna-se permeada pelo comércio, desenvolve-se a
comunicação mercadológica e com ela o ser humano é moldado segundo o novo
contexto. A Escola de Frankfurt (1924) faz surgir a cultura de massas, ou indústria
cultural, situada entre as esferas erudita e popular da sociedade, com vocação
global e marcada por interesses que transcendem a disseminação cultural em si.
Coloca-se a serviço do comércio de nações e de outros grupos de poder,
transformando a sociedade, ao romper padrões, influenciando e se impondo às
massas. A sociedade produtiva é, também, uma sociedade manipulada pelo poder,
sobre o qual declara Walter Benjamin: ―Também quem se distrai pode criar hábitos‖.
(BENJAMIN, 1955, p. 20). Importante é frisar que a comunicação da sociedade
produtiva não discrimina. Ela fala igualmente a todas as classes sociais e nisso
conquista também poder.
A referência à indústria cultural prevalece até o surgimento dos estudos
culturais, que Stuart Hall (1932-) abordou, ao integrar novos símbolos e signos à
comunicação e considerar a autonomia relativa do receptor na interpretação do que
lhe é apresentado.
Na década de 1970 têm início as teorias sobre a pós-modernidade, mas é em
1980 que os primeiros lampejos dessa tendência despontam, primeiramente na
Europa e nos Estados Unidos da América do Norte.
Mediante observação da reprodutibilidade aplicada à arte, Walter Benjamin
estabelece uma teoria sobre a aura, a autenticidade e a autoridade da obra artística,
especialmente do cinema:
―Assim, para o homem contemporâneo, a representação
cinematográfica da realidade é a de maior significado porque o
aspecto da realidade isento de equipamento, que a obra de arte lhe
dá o direito de exigir, é garantido, exatamente através de uma
intervenção mais intensiva com aquele equipamento‖ (Walter
Benjamin, 1955, cap. XI, p. 14)).
Tais manifestações se dão pela internacionalização das normas sociais
(econômica, financeira, cultural e política), pela descentralização de processos
(industriais, população urbana) e pelo aumento da classe de serviços. Jean
Baudrillard (1929-2007) analisa profundamente os sintomas prevalecentes na pósmodernidade: mídia, consumo, e, mais do que produção, a reprodução da totalidade
social. Esses aspectos marcam a passagem da produção e da modernidade
(capitalismo, produção, tecnologia comercial e mercantilização) para uma fase pós-
55
industrial, com novas tecnologias, nova cultura e também uma sociedade diferente.
Essa nova fase, regida por simulacros e pelo convívio com a hiper-realidade,
caracteriza-se pela ausência de fronteiras entre culturas, entre ficção e realidade,
entre possibilidades e simulações. A mesma transformação indicaria ainda, segundo
Baudrillard, o fim do positivismo, das grandes narrativas (consensos coletivos) e do
significado geral da história. A vida adquire uma superficialidade caracterizada pela
ausência de significados. No entanto, a essa superficialidade pós-moderna se
contrapõe à ideia de continuidade da Modernidade que, segundo Douglas Kellner,
corresponde ao período em que Karl Marx (1818-1883) e Sigmund Freud (18561939) transportam essa reflexão para a economia e para a psicologia, evidenciando
a tendência de se analisar o profundo, para compreender a aparência.
Por outro lado, perante a visibilidade e a transparência, característica da Pósmodernidade, Baudrillard detecta e declara o interesse das massas pelo resultado,
pela imagem, ou espetáculo, deixando de lado o sentido mais profundo das coisas.
Desse modo, a Pós-modernidade acarreta o fim das crenças coletivas, da confiança
na ciência ou em qualquer outro tipo de convenção social – na revolução, inclusive.
Portanto, a Pós-modernidade, opondo-se à racionalização, à fragmentação social e
à alienação, próprias da modernidade, representa um período de uniformização das
diferenças estabelecidas durante a modernidade. Para Baudrillard, essa implosão de
fronteiras equaliza as massas, que passam a compartilhar a superficialidade de uma
nova era. Mas, ironicamente, esse momento de hegemonia do social marca também
o seu declínio. O social torna-se anônimo e passa a significar ―as massas‖. A
maioria, indiferente e silenciosa, deixa de dar sentido ao político e ao social. E para
Baudrillard essa maioria silenciosa é uma simulação de que o social se esvaziou.
Se a massa não se exprime, o político também se exime da função de falar em seu
nome. Essa superficialidade, sintoma da indiferença, é oriunda da política, jogo feito
de simulações cujo sucesso não envolve a verdade (social, psicológica ou histórica),
mas virtuosismo. No entanto, para Baudrillard, o objetivo de qualquer informação
consiste em encontrar um sentido, mesmo que isso seja impossível enquanto as
massas se mostrarem interessadas apenas no espetáculo (BEAUDRILLARD, 1991,
p. 8-79). A Pós-modernidade é vista então como ruptura em relação ao
desenvolvimento social anterior, mas toma por referência o consenso coletivo do
marxismo. A grande mudança no pós-moderno seria, então, a influência do
56
capitalismo sobre a cultura, não só atribuindo uma função social à cultura, mas
também diluindo sua autonomia do campo cultural.
Essa função social do capitalismo também sobre a cultura nos permite dar
continuidade a esta análise das bases da comunicação no contexto do novo
capitalismo, caracterizado por transformações inclusive dentro das organizações,
que assumem uma função também social, não apenas no tocante a processos
sociais e culturais, mas também em sua comunicação. Nos livros de Richard Sennet,
assistimos a essas mudanças na história das empresas.
Por outro lado, Gisela Taschner (USP,1999, p.42) considera que precisamos
de uma grande narrativa, ou teoria, e que é necessário entender a pós-modernidade
através da sociologia, partindo do conceito de que a pós-modernidade, que vai além
da cultura, abrange o efeito social das mudanças da passagem de uma sociedade
industrial para outra de informação.
A existência dessa grande narrativa é imprescindível para a construção do
sonho e do mito da atualidade, constituindo a substância a partir da qual a mitologia
corporativa moderna pode ganhar corpo. Tal é a função de duas narrativas atuais, já
referidas: a necessária conquista da sustentabilidade planetária e a justa promoção
humana, pela luta contra a pobreza e pelo reconhecimento de direitos humanos para
todos.
No entanto, o terreno em que se localiza a mitologia corporativa e seus
herois, como todos os territórios do contemporâneo, às vezes parece irreal,
movediço, inatingível e utópico. Baudrillard (1991, p.9-15) declara que simulações e
simulacros estão presentes, também, na ordem social da pós-modernidade. Isso
significa que os modelos são estabelecidos primeiro virtualmente (em plano não
real) e depois copiados pela realidade. Essa é também a ideia de Pierre Lévy (2007,
p. 17) que, em ―O que é o virtual?‖ responde a esse título explicando que a realidade
é simplesmente a atualização do virtual. Os simulacros são cópias de fatos ou de
objetos, que se transformam em espetáculos.
Destaca-se então, novamente, o que pode ser reproduzido, ou o que está
sendo reproduzido, isto é, o exemplo que deve ser admirado e seguido. As grandes
narrativas são crenças ou histórias que se tornam universais por comunicarem
valores,
princípios
e
sonhos
compartilhados
globalmente.
Representam
57
preocupações e ansiedades de cada época da humanidade e servem para preservar
sentidos para o mundo. Assim também, em terreno por vezes quase ficcional,
podemos encontrar indivíduos que se tornam produtos desejados coletivamente e
cumprem o papel de protagonistas da mitologia empresarial contemporânea
marcada por uma nova economia e por fluidez nos relacionamentos, os quais são
estruturados pela tecnologia. Essa capacidade de influenciar pessoas reside hoje na
conectividade, que Rothkopf menciona como um dos vetores da (2008, p.113). Esse
é o modo pelo qual as grandes narrativas penetram no imaginário social e
transformam CEOs em herois.
Nesse movimento de um mundo visível e superficial, em constante desafio de
limites e exposto ao risco, a tecnologia permite que alguns indivíduos sejam
admirados e desejados, pela atração que exercem. Muitos deles são oriundos do
meio empresarial e, segundo SENNETT (2008a, p.94), ―vão a Davos abrir mão do
passado e habitar a desordem‖. O heroi, no sentido em que Campbell considera o
libertador da comunidade ou empreendedor de grandes feitos, é hoje muito mais
aquele cuja existência midiática aparece em constante exposição. Ele pode se
destacar por superar dificuldades pessoais ou corporativas, expandir seu poder na
geração de valor para a sociedade de maneira transformadora e inovadora, e
sempre incorpora a imagem de realização pessoal e de felicidade. A comunicação
dessa imagem é permitida pela tecnologia da comunicação e seus avanços
contínuos e transformadores do relacionamento em todos os círculos sociais
hodiernos.
2.2.3. Tecnologia da comunicação
Esse avanço da tecnologia da comunicação garantiu a simultaneidade de
informações em âmbito global, a constituição de redes de comunicação, a realização
de operações comerciais intercontinentais, imprimindo velocidade às decisões e
reduzindo mediações. Por outro lado, a automação transformou a estrutura
organizacional, ao reduzir a base da pirâmide burocrática. Inovações como os
códigos de barra, as tecnologias de identificação da voz, escaneadores de objetos
tridimensionais e micromáquinas passaram a fazer o trabalho das mãos humanas.
Houve economia nos sistemas funcionais. E a capacitação humana começou a ter
uma demanda cada vez mais exigente.
58
Paradoxalmente, o desenvolvimento tecnológico desestabilizou o humanismo
da modernidade, ao valorizar uma visão de curto prazo e pragmática e deixar de
lado a prospecção de um futuro de felicidade universal. Ao mesmo tempo, a mídia
de massa levou a todos a informação, a multiplicação das mensagens e a
possibilidade de se gerar informação a qualquer momento em inúmeras vozes. O
saber que a modernidade propunha, com uma cultura do novo levada a todos,
deixou de ter sentido. A vida deixou de ser considerada como arte a ser imitada. A
valorização da imagem, do superficial e do fluido (a temporalidade, o não-lugar)
reforçou o valor do simulacro e permitiu que a vida passasse a imitar a arte. O
mundo aprendeu a reinventar as instituições, numa busca de possibilidades que
nem sempre refletem a realidade, mas ficam à tona, no entusiasmo da superfície.
Também, ao mesmo tempo, o poder pareceu diluir-se entre todas as camadas
sociais, enquanto, na realidade, uma transparência apenas parcial escondeu
aspectos estáveis que têm garantido sua permanência. Um desses aspectos é a
democratização da informação, que também é uma forma de poder. A tecnologia
pactua com as especificidades do mundo regido pela nova economia e, ao mesmo
tempo, esse novo capitalismo a permeia e torna possível. Uma não sobreviveria sem
a outra. Mas ambas precisam de uma dimensão maior que lhes permita circular
globalmente sem ameaçar as sociedades.
2.2.4. Responsabilidade social corporativa
O conceito de Responsabilidade Social Corporativa (RSC) surgiu na década
de 1960. Sua explosão recente confirma a previsão de Adam Smith, há 200 anos.
Se, para Smith, o modelo econômico clássico dos negócios prevalecia,
devendo as empresas atender aos desejos da sociedade, ao mesmo tempo, os
participantes do mercado (empresa e demais parceiros de negócios) deveriam agir
com equidade e honestidade, a fim de alcançarem os ideais da livre negociação.
No século seguinte, a Revolução Industrial contribuiu para transformar o
pensamento de Smith, principalmente a Europa e os Estados Unidos. A tecnologia
permitiu maior eficiência na produção de mercadorias e na oferta de serviços.
Milhões de pessoas obtiveram salários mais elevados do que seus antecessores. O
59
padrão de vida se elevou. Grandes organizações cresceram, ampliando a riqueza e
o poder de seus acionistas. No final do século XIX, o darwinismo social levou as
empresas à exploração do ser humano, até que no início do século XX surgiram os
movimentos sindicalistas. Assim se desenvolveu o mundo corporativo até que, entre
1900 e 1960, novas responsabilidades lhe sobrevieram, além de fazer lucro e
obedecer às leis.
Nas décadas de 1960 e 1970, as expectativas da sociedade com relação à
atuação das empresas mudaram significativamente. O grande argumento se
baseava em que os mais poderosos também detinham maior responsabilidade. A
partir de então, a responsabilidade das empresas estendeu-se gradualmente à
sustentabilidade ambiental, à participação na solução de problemas sociais e à
proteção dos empregados, proporcionando-lhes melhores condições de segurança
no trabalho e igualdade de direitos para seguir carreira nas organizações.
A responsabilidade social corporativa (RSC) foi definida por Carrol e
Buchholtz (2003, p.36) como ―o conjunto de expectativas econômicas, legais, éticas
e sociais que a sociedade nutre com relação às organizações empresariais, em
determinado momento histórico‖. Tais expectativas nos remetem, imediatamente,
à(s) grande(s) narrativa(s) característica(s) de cada época, pois, mais do que
expectativa, existe um conjunto de ações e reações que dão forma ao social e, logo,
aos territórios corporativos. O surgimento e o fortalecimento do conceito de
Responsabilidade Social Corporativa e sua prática nas empresas de todos os
setores da economia vem transformando a dinâmica e a estética das organizações
modernas, cuja atuação não pode limitar-se a obter lucros para os acionistas nem
oferecer vantagens apenas ao cliente. Hoje, a RSC4 tem em vista atender
coletivamente todos os “stakeholders” da organização, bem como às gerações
futuras. A RSC enveredou ainda por uma escolha social no tocante à inclusão das
classes.
RSC não é filantropia. As ações que determina não são uma escolha livre –
elas cumprem uma função específica na sociedade global, que as determina. Outra
característica é que não devem mais atender a necessidades pontuais, mas criar
4
RSC – Responsabilidade Social Corporativa
60
sustentabilidade social, econômica e ambiental. Isso significa que, no mundo fluido e
com visão de curto prazo pela urgência de resultados, algo se impõe como
esperança
de
permanência
para
o
futuro.
Essa
garantia
se
forma
de
sustentabilidade planetária, do ser humano e das próprias organizações enquanto
provedoras de trabalho, significado, recursos, produtos, ética, valores e relações.
Tampouco se configura a RSC como ética. A ética é parte da RSC, na medida
em que abrange julgamentos morais e comportamento individual e coletivo nas
organizações. No entanto, a RSC engloba responsabilidades econômicas, legais,
éticas e sociais.
As responsabilidades econômicas dizem respeito a produtos ou serviços
fornecidos pelas empresas, os quais devem corresponder às necessidades ou ao
desejo do consumidor ao qual se destinam. Atendendo a essa condição, deverão
ainda ser acessíveis em termos de disponibilidade e de preços. Diversas
organizações, como Unilever, Philips, Nestlé e Pepsico, têm diversificado seu
portfolio
com
produtos
específicos,
obtidos
em
fábricas
localizadas
estrategicamente, com centros de distribuição concebidos em condições ótimas de
funcionamento em prol da redução do custo final dos produtos, e utilizando
embalagens econômicas. Alguns produtos chegam a ser feitos especificamente para
a região – é o fenômeno da Regionalização – como é o caso de leite em pó
enriquecido especialmente para populações em áreas que pesquisas apontam como
carentes de certos nutrientes. O leite ―Ideal‖, da Nestlé, cumpre esse papel, no
Nordeste brasileiro. Dessa forma, a RSC permeia o negócio e todos os públicos
ganham (acionista, consumidor e demais envolvidos nos processos produtivos).
Outro exemplo é a Philips, que passou a produzir itens a preços mais vantajosos
para o cliente de países emergentes. Assim, enquanto reagia à competição chinesa,
também passou a proporcionar àqueles mercados produtos de qualidade
reconhecida. No campo jurídico, espera-se que as organizações cumpram a
legislação local e global, incluindo as regras de justa competitividade nos mercados.
Do ponto de vista da ética, a RSC transcende a lei e deve ser exercida com justiça,
promovendo uma sociedade humana justa e igualitária. Socialmente, isto é, sob o
aspecto da RSC, espera-se que as empresas não apenas cumpram deveres de
cidadania mas participem do crescimento da comunidade que as abriga.
61
Essa transformação do conceito de RSC no imaginário coletivo deu-se
gradativamente. Os diversos públicos, por sua vez, passaram a exigir que as
empresas cumprissem as novas responsabilidades impostas por essa evolução.
Foi nesse contexto que chamou nossa atenção a capa da revista ―Exame‖,
em 30 de março de 2005, ao anunciar ―Vergonha do Lucro‖: uma pesquisa exclusiva
elaborada havia revelado que, no Brasil, 93% do público entrevistado encara como
missão das empresas a geração de emprego e o apoio a projetos sociais. O lucro
permanecia fora de questão, abrindo-se assim um fosso com relação à expectativa
das mesmas organizações, das quais 89%, embora não ostensivamente, mostravam
que a geração de lucro vinha em primeiro lugar entre os demais objetivos. Esse
papel prioritariamente social da empresa defendido publicamente levou o
economista Eduardo Giannetti da Fonseca a mostrar a inversão de papéis que se dá
entre o Estado e os territórios corporativos, no que tange a proporcionar
infraestrutura social às populações brasileiras.
Se, por um lado, o forte vínculo social enaltece a imagem da empresa, existe
o perigo de se perceber equivocadamente o papel do Estado e do mundo
corporativo, conforme analisa Eduardo Giannetti da Fonseca. Isso levaria o
consumidor a pagar duas vezes, uma vez que o Estado já está equipado para prover
o social. é esse também o posicionamento do economista britânico David
Henderson, da Universidade de Westminster, citado na mesma matéria. No entanto,
mesmo para as empresas, é velada a declaração da prioridade pelos resultados
comerciais.
Para André Lahóz, autor do artigo ―Sobre lucros e deveres‖, na mesma edição
de Exame, é imprescindível ter o lucro como obrigação, na vigência do capitalismo.
O lucro, motor do capitalismo, é a base da engrenagem que move empresas,
trabalhadores, consumidores e demais grupos afetados pelas atividades de uma
organização.
Entre esses vários “stakeholders”, um se destaca. Está inserido nos Objetivos
do Milênio, nas políticas de inclusão social e nos parâmetros da democracia. Tratase base da pirâmide, isto é, o conjunto das classes sociais menos privilegiadas
economicamente – ―C‖, ―D‖ e ―E‖. Elas têm sido eleitas para capas de revistas, tema
de seminários e debates. Têm constituído a principal força motora de políticas
mundiais estabelecidas por órgãos como a Organização das Nações Unidas
62
(Objetivos do Milênio e Pacto Global), ou governos, como o do Brasil, que em 2001
instituiu o Programa Fome Zero, e impregnam a atuação de um número crescente
de companhias globais, como, por exemplo, a Philips e a Nestlé. Inúmeros artigos
na imprensa internacional analisam sutilezas da vida da nova classe média que
atualmente constitui o maior alvo das organizações. Essa preocupação global deriva
de dois fatores: a descoberta de um nicho de mercado cujo poder aquisitivo
encontra-se em ascensão e a atual ênfase sobre a responsabilidade social
organizacional.
Podemos resumir esse novo cenário que se constrói hoje na declaração que o
publicitário Nisan Guanaes fez em sua coluna quinzenal publicada no jornal Folha de
São Paulo:
No mundo em que nasci, responsabilidade social era vista como
caridade. No mundo de Bill Gates, Warren Bufett e Michael
Bloomberg, é inadmissível que alguém que tenha tido algum sucesso
não se motive apaixonadamente para incluir socialmente mais
pessoas, para fazer a diferença e deixar um legado social.
(EDITORIA MERCADO de 10.8.2010).
Existe grande diferença entre a vergonha do lucro que ainda prevalecia em
2005 e a consciência do novo capitalismo que acompanha a transformação da
filantropia em ação de criação de valor compartilhado, como nova forma de
Responsabilidade Social Corporativa.
O forte apelo à prática da RSC foi objeto de estudo de Mark Kramer e Michael
Porter, cuja divulgação foi premiada como o melhor artigo publicado pela revista
Harvard Business Review em 2006. A importância desse artigo advém da sua
função de introduzir uma abordagem moderna da RSC, evidenciando elos entre a
geração de vantagem competitiva e as atividades de responsabilidade social
corporativa das organizações. Em janeiro de 2011, novamente Kramer e Porter
trouxeram esse tema à luz, na mesma revista, atualizando sua aplicação no mundo
corporativo atual.
Segundo Kramer e Porter, a RSC no atual formato de criação de valor
compartilhado teria surgido por uma necessidade de despertar as organizações para
o papel público que cada uma desempenha na evolução social. Esta influência
social constitui, em si, uma vantagem competitiva, já que levou as companhias a
identificar problemas sociais e corresponder a eles, com soluções que redundam em
fatores de sucesso, também, para as mesmas empresas. Esse lugar de chegada no
63
caminho trilhado pela RSC determinou uma nova estética organizacional no final do
século XX e início do século XXI.
2.2.5. A nova estética organizacional
Poderá parecer fora de contexto, ao se tratar de organizações racionalmente
concebidas e regidas, falar em estética organizacional. Essa aparente divergência
se resolve, se considerarmos a raiz da palavra estética, do grego aisthésis, que
significa percepção ou sensação. Logo, a definição de Estética, enquanto ramo da
filosofia dedicado ao estudo da natureza do belo e dos fundamentos da arte, parte
do princípio de que o belo é apreendido por meio de percepções individuais.
Antonio Strati atualiza o conceito de Estética, ampliando-o, para abranger
também o conhecimento advindo da percepção sensorial aliado à capacidade de
elaborar um julgamento estético (STRATI, 2007, p.9-21). Reconhece, desse modo, a
importância da percepção sensorial na formação do julgamento intuitivo elaborado
pelo sujeito. Desse juízo resulta a estética organizacional percebida no ambiente
empresarial.
A nova estética surge como um movimento organizacional derivado de duas
tendências mundiais, ou narrativas: a busca de igualdade em direitos sociais e de
oportunidades profissionais, e a luta contra a escassez de recursos planetários,
mediante a utilização e o consumo consciente e inclusivo desses recursos, evitando
o descarte excessivo e o desperdício.
Com base nessa premissa, o que conta nas organizações transcende o
âmbito de discursos e princípios corporativos, para originar a corporeidade de uma
realidade percebida entre o formal e o informal, entre o tácito e o declarado, entre o
que se pode alterar ou o que não depende do indivíduo mudar. A estética
organizacional também depende da interpretação de símbolos por funcionários,
clientes, visitantes e outros parceiros de trabalho, representantes da mídia e outros
públicos. Desse modo, a arquitetura física e o organograma organizacional, além de
todos os detalhes de suas instalações, misturam-se aos seus conceitos, valores e
produtos para conformar uma imagem midiática da empresa, sua filosofia, eixos de
desenvolvimento e objetivos. É a imagem pública da organização que prevalece e
hoje os meios massivos de comunicação estão disponíveis para a construção dessa
imagem global.
64
O conceito recente de estética organizacional (até meados da década de
1970, as organizações declaravam possuir uma natureza puramente racional,
gerando uma descrição irreal do ambiente das organizações) representa um corte
no cartesianismo adotado pelas antigas organizações (penso, logo existo) e destaca
o aspecto sensorial que também se estende ao corpo dos indivíduos. Com isso, o
corpo passou a ter representatividade e valorização cada vez maiores, também, em
todas as esferas midiáticas. Não é menos relevante na apresentação de herois
corporativos, fato que nos vem da antiga mitologia, feita de deuses sempre
retratados em formas humanas ideais. A aparência física e a performance são itens
sobre os quais muitos representantes corporativos admitem publicamente valorizar
na imagem pessoal. Por isso, outro aspecto impactante da narrativa é a imagem
pública do protagonista. Não basta ser o representante de uma organização. O CEO
também deve ter sua história e ser um símbolo da organização que representa.
Roberto Justus já confirmou ter passado por tratamentos estéticos, por exemplo.
Cultivar a imagem exterior é condizente com a função de um apresentador de
televisão. Igualmente, durante as eleições presidenciais de 2010, assistimos a
transformações emblemáticas na aparência de alguns candidatos. Destacam-se
Dilma Rousseff, considerada campeã da mudança nas eleições de 2010 (cirurgia
plástica, nova cor dos cabelos, lentes de contato e maquiagem constantemente
retocada), Marina Silva (mudança no guarda-roupa) e um José Serra mais sorridente
e jovial. Para o cientista político Antonio Lavareda (2010, p.10-11), as apostas na
aparência e a amenização do discurso são simpáticos ao eleitorado. Para Lavareda
que o candidato em campanha é pessoa jurídica e torna-se importante mostrá-lo
como pessoa capaz de mudar. O ex-presidente Lula surge, então, como exemplo de
mudança no visual de um bem sucedido homem público.
Esse culto à imagem confirma que a percepção do público vai além do que o
candidato ou o empresário diz, pensa, escreve ou faz. Ele é, também, o que parece
ser e o que outros dizem sobre esse modo aparente de ser. Transpondo esse
conceito para a empresa, a postura de Strati faz considerar que o conhecimento que
se tem de uma organização só é completo quando consegue mesclar o formal e o
informal, com todas as suas nuances – bom e ruim, bonito e feio, agradável e
incômodo. A estética também se percebe em símbolos – logotipo, espaços
ocupados, design de salas e cadeiras ou quaisquer outros padrões adotados. Todos
65
possuem um significado e são percebidos pelos públicos de forma empática ou não,
muito mais do que racionalmente. Assim, a arquitetura da empresa, sua
comunicação, a configuração do ambiente físico no qual ela existe, suas políticas e
métodos de atuação, constituem escolhas e causam percepções que vão dando
identidade à organização. Sendo subjetivas, essas percepções são também juízos
estéticos (e não apenas juízos factuais). O conjunto das percepções em torno de
uma organização determina a sua estética. A sua validade perante as narrativas
coletivas valida a empresa enquanto protagonista do seu tempo. Mas em tudo isso o
fundamental, para nós, é perceber que a narrativa e a estética se interligam,
determinando a atuação do CEO e sendo também por ela modulada.
Assim, enquanto parte do sistema organizacional, no qual atua no processo
de criar uma história e uma identidade (pessoal e da organização), o CEO deve
repensar os demais processos internos. A Nestlé no Brasil, por exemplo, vem
realizando feiras de inovação com seus fornecedores de embalagens, na tentativa
de buscar alternativas verdes para oferta dos seus produtos ao consumidor
contemporâneo. Ao mesmo tempo, tem desenvolvido junto a prestadores de
serviços soluções para resíduos sólidos de embalagens de produtos que oferece ao
mercado. Porém, antes disso, já havia começado a prestar assistência técnica a
produtores de leite, cuidando assim da cadeia de produção a fim de garantir a
qualidade da matéria prima que chegará ao produto final dentro de especificações
determinadas a atender seus requisitos de contribuir para a nutrição, a saúde e o
bem estar do consumidor. Cabe lembrar a iniciativa recente, já citada, do Banco
Santander, empresa espanhola radicada no Brasil desde 1982, que em 2011
começa a desenvolver um banco popular destinado ao microcrédito para camadas
específicas da população. A rede Boticário de cosméticos lançará também este ano
uma nova marca específica para vendas pelo sistema porta a porta. Enfim, são
inúmeras as iniciativas, em setores de serviços e produtos diversos.
Portanto, cabe à empresa atual repensar as estratégias industriais,
ambientais, econômicas e ainda relativas ao desenvolvimento humano e profissional
da sua equipe de trabalhadores. Nesse movimento, ela cria novos nichos de
mercado, favorece a obtenção de lucros, oferece soluções mercadológicas à
sociedade e ainda, por decorrência, promove o desenvolvimento local. É não apenas
a chamada gestão responsável (LAVILLE, 2009, p. 348) que hoje se estende a todos
66
os continentes, estabelecendo urgência em mudar métodos e propósitos de
trabalho. É, também, criar e compartilhar valor. Registrar essa evolução faz-se
necessário, para dar continuidade à história corporativa, que, segundo Chandler,
deve constantemente responder à questão: ―Como as coisas eram feitas em certo
momento, como eram feitas mais tarde e o que provocou a mudança?‖ (GABOR,
2001, p. 302).
Aliás, as conclusões a que chegou Chandler foram determinantes para o
estudo da história organizacional. Ele realiza uma teoria histórica da grande
empresa, a partir do exame de centenas de indústrias europeias e estadunidenses.
Conclui que grandes empresas e indústrias se concentram em ramos de atividade
que apresentem processos produtivos de alta tecnologia, para explorar vantagens
de custo das economias de escala. Depois, à medida que crescem em escala e
complexidade, essas empresas investem em distribuição própria, para, finalmente,
criar uma estrutura adequada ao planejamento de uma empresa de grande porte.
Alfred Sloan Jr., CEO da GM, comentou sua atuação na década de 1920,
afirmando jamais ter minimizado o poder administrativo do cargo que ocupava.
Acrescenta que teve sucesso vendendo suas ideias, mais do que mandando.
Reconheceu também que o fato de ter negado o lançamento de uma ideia
revolucionária que levaria ao carro com ar condicionado foi um ponto negativo em
sua trajetória, levando-o a concluir que às vezes ―a lógica da mente e a lógica da
história‖ não caminham juntas. Entretanto, defende que o poder deve permanecer
nas mãos do executivo chefe. (GABOR, p. 315)
Essa ênfase no modo como se faz a organização é a base da conceituação a
estética das organizações por Antonio Strati, em 1999. No final do século XX, com
as mudanças estruturais, a hierarquia tradicional passou a ser vista como algo
ultrapassado. Optou-se por estruturas enxutas, privilegiando o horizontal, em
detrimento do vertical. Ao perceber que a força competitiva das empresas está em
capacidades específicas do produto, Chandler antecipa o pensamento de gurus
como Prahalad e Gary Hamel (considerado em 2010 por Wall Street Journal como o
pensador mais influente estrategista de negócios). As referidas capacidades do
produto ultrapassam o próprio produto e perfazem o que Prahalad definia como uma
67
experiência de vida a ser proporcionada ao consumidor (palestra em S.Paulo, em
2008).
Outro sintoma da nova estética organizacional são as mudanças recentes na
estrutura antes piramidal de empresas, cedendo lugar a estruturas horizontais, com
poucos níveis hierárquicos. A nova estrutura significa maior poder decisório de cada
núcleo, promovendo velocidade e eficiência de uma arquitetura inovadora que se faz
acompanhar da independência de resultados de cada núcleo como contribuição para
os objetivos traçados para toda a organização. Não há complacência com relação às
metas não atingidas.
Em agosto de 2010 ano, no Simpósio de Biodiversidade realizado pela
Editora Abril em conjunto com o CEBDS, o fotógrafo Joel Sartore (1962-) da
National Geographic declarou:
A revista não publica justificativas pela dificuldade em se produzir
uma imagem. Ela publica fotos. E, se você não conseguir uma
determinada foto, porque o ambiente é perigoso ou o acesso difícil,
outro profissional a fará.
Esse testemunho que anotamos durante o evento, proporcionado por um
experiente fotógrafo, como é o caso de Sartore, representa a mesma atitude de não
complacência das organizações com relação às falhas do seu pessoal.
O ambiente competitivo determina que a medida da eficiência nas
organizações seja equivalente aos resultados obtidos com sucesso no menor tempo
possível. A nova arquitetura cria nas empresas condições de velocidade e
autonomia capazes de acompanhar a fluidez da comunicação e da tecnologia. O
CEO permanece no comando enquanto faz resultados, imagem e reputação para a
empresa. Ele é o centro da organização, porque tudo gira em torno da estratégia
que ele determinou ou validou. É a urgência do curto prazo que, no entanto, deve
conviver, no tempo da insustentabilidade planetária, com objetivos de longo prazo
também, como mostram as referências anteriores a empresários ou oráculos que
dão ênfase à importância da performance do CEO para os rumos das organizações
e do mundo. Pelos inúmeros CEOs que participam dos mais relevantes encontros
mundiais (ROTHKOPF, 2008), é evidente que eles constituem grande parte da elite
que influencia a vida da humanidade.
68
A estética das organizações contemporâneas é, portanto, também, fruto da
evolução do papel do CEO e das contínuas transformações verificadas nas áreas de
comunicação e tecnologia, partes do sistema dinâmico que move os processos
evolutivos internos e externos das organizações.
69
Capítulo 3
Processos midiáticos do CEO
Para Roland Barthes, o mito, longe de ser objeto ou conceito, é em si um
modo de significação, ou forma. Essa noção corrobora o valor da estética
organizacional enquanto significado, mais do que conceito. Permeada por relações
midiáticas, a história do CEO encontra forte apoio na estética organizacional para
ganhar significado. Além disso, filtrada pelo imaginário, torna-se capaz de interferir
na vida de indivíduos e coletividades, fugindo à simples racionalização.
É desse modo que a história, perenizada quando alcança o patamar mítico,
identifica uma verdade interna e forte, independente de regras ou conceitos, e
baseada naquilo que se percebe como real. Seu protagonista se expõe
publicamente segundo um formato, ou performance, que se apresenta como sua
imagem verdadeira, a qual transcende até mesmo a sua imagem real, percebida fora
dos meios massivos de comunicação. Gates, Jobs e Mittal são as personalidades
que vemos em programas de televisão, vídeos, inserções na mídia eletrônica, filmes
e documentários. A persona deles está contida nesses meios e a imagem pública de
cada um se forma a partir desses subsídios midiáticos.
Na busca por modelos inspiradores que formam os mitos, Jobs, Mittal e Gates
nos chegam então com o mesmo perfil das histórias da vida humana que, em todas
as épocas, têm lapidado o imaginário humano e servido como referência à
construção de identidades, valores e princípios. Cada mito possui um heroi,
realizador de feitos extraordinários ou admiráveis, que expressa o sonho humano de
realização interior. Tomemos o caso de Homero, suposto autor dos poemas épicos
Ilíada e Odisseia. Porém, mais do que isso, Homero torna-se também uma lenda. Se
aparentemente concretiza o estro poético no relato de feitos extraordinários, também
cria uma identidade cuja autenticidade jamais se comprovou. É um grande poeta,
um personagem mítico, um coadjuvante de poemas escritos por vários autores? Até
mesmo desconhecendo se ele realmente existiu, os séculos tecem e preservam a
sua identidade, a ponto de torná-lo real.
70
Por outro lado, tal como os mitos coletivos orientam a vida de uma cultura, os
organizacionais atribuem significado às ações e aos fatos no seio de empresas e
corporações. Os mitos organizacionais também se constroem sobre histórias como
mecanismos de compreensão de uma trajetória e de uma identidade. Normalmente,
as grandes histórias de protagonistas trazem a reboque uma marca. É o caso de
Apple, encarnada na figura de Jobs e vice-versa. Este não surge sozinho, sem
evocar a marca, e vice-versa. O mesmo se dá com relação a outros líderes
empresariais, como é o caso de Gates/Microsoft e também de Mittal/ArcelorMittal.
Partimos, assim, do pressuposto de que também existe uma performance das
organizações que lhes permite criar histórias que construam, no imaginário dos
públicos a elas relacionados, uma imagem estrategicamente criada. Desse modo, o
objetivo dessa história será a modulação da imagem corporativa.
3.1.
Midiatização da performance dos protagonistas
Coexistem na mídia sucessos de vária natureza. O sucesso enquanto
episódio rápido e pontual de visibilidade midiática, que caracteriza determinadas
celebridades, é distinto do sucesso sustentável de indivíduos que atingem resultados
estabelecidos e apresentam suas vitórias destacáveis, duradouras e inspiradoras à
comunidade. Os últimos alçam o patamar de herois.
3.1.1. Herois, celebridades e espetáculo
Os herois repetem a jornada realizada pelos mitos das culturas antigas, que
também originaram arquétipos que permanecem aplicáveis ao pensamento atual.
Cabe aos mitos concretizar quatro funções (CAMPBELL,2006, p.31): A primeira
consiste em conscientizar os indivíduos com relação a uma dimensão que, embora
desconhecida, é passível de ser vivenciada. A segunda é apresentar uma imagem
de universo que ligue o transcendente à experiência cotidiana. A terceira função
consiste em mostrar uma ordem social pela qual as pessoas possam estar
associadas a esse objetivo ainda distante. Finalmente, a quarta função do mito é
conduzir o indivíduo ao longo de sua vida, fazendo com que ele encontre um sentido
pelo qual viver. Esse caminho é, também, aquele do heroi, que se torna elo entre o
71
visível e o invisível, entre o presente e o futuro, e por seu exemplo lidera e é
admirado e desejado.
A grande distinção entre os mitos de hoje e os da Antiguidade, além da sua
natureza (semideuses ou humanos especialmente protegidos por deuses, na
Antiguidade, em oposição aos seres humanos de hoje) é a velocidade da
comunicação dos seus feitos, graças à atual exposição midiática e global, mesmo no
atual contexto em que o novo praticamente desapareceu, cedendo lugar às
novidades fluidas, passageiras, reproduzíveis e pertencentes ao plano do simulacro
e do espetáculo. Além disso, os mitos hodiernos dividem o palco com pessoas
comuns que se distinguem por notoriedade geralmente fortuita. Nesse amplo
universo de personalidades, entretanto, recortamos aquelas cuja trajetória de vida
tem sido guiada pela marca de heroísmo e que, pela condição moderna, não apenas
e transpõem conflitos, mas, segundo Bauman (2001, p.59), também calculam perdas
e danos e desejam recompensa, mas, conforme relata Campbell, os frutos buscados
se traduzem em poder e prazer (CAMPBELL, 2008, p.86).
Ora, o heroísmo corporativo cresce em visibilidade e em importância global,
face ao destaque que vem sendo concedido à atuação das empresas (na pessoa de
seus CEOs) em prol do desenvolvimento das nações. Contamos com narrativas em
cenários globais que tacitamente obrigam os territórios corporativos a repartir com as
comunidades seus frutos, justificando assim a sua presença na sociedade. No
momento em que o objetivo único de obter lucro é transcendido (pela ação social,
que deixa de ser filantropia para consistir em gerar e compartilhar valor), a empresa
molda uma reputação compatível com as narrativas do nosso tempo. Desse modo, o
CEO que mais se destaca é aquele capaz de criar e compartilhar valor que se
traduza em poder e prazer, de transformar o mundo e apresentar, também como
indivíduo, as características que no imaginário coletivo os transforme em modelos a
seguir e objeto de desejo.
Tal indivíduo é, para Campbell (2007a, p. 143), o heroi cuja saga é feita de
partida, realização e retorno. Sua identidade advém dessa jornada. Ele dá voz às
aspirações profundas da sua alma e também de uma coletividade, como é o caso de
Nelson Mandela; ou pode ser o fundador de uma cidade, como Juscelino
Kubitschek; ou mesmo alguém que lutou pela paz até o fim, como Gandhi; ou ainda
optou por negócios criativos a partir dos quais impulsionou o progresso global,
72
proporcionando poder e prazer: neste último caso estão nossos eleitos, Lakshmi
Mittal, Steve Jobs e Bill Gates – herois modernizadores.
Já as celebridades, figuras também destacáveis na sociedade líquidomoderna5, são pessoas conhecidas por serem bem conhecidas (Bauman, 2001,
p.68), sem compromisso duradouro ou permanente com a sociedade. São regidas
por algo que não lhes é inerente, mas que se concretiza e se desfaz de forma tão
fluida quanto o momento atual. Porque, se até meados do século XX, o indivíduo era
regido por algo inerente a ele, que o fazia ser o que ele era, após a II Guerra
Mundial (1944-1948) a força interna que o regia afastou-se e ele passou a ser a
imagem de sua identidade pública, mais preocupado em parecer ser do que em ser.
Com essa desintegração entre imagem e sujeito, a pessoa pública pode
desvincular-se do arquétipo que representa, criar novos modelos e se adequar a
eles, descartando-os quando desejar, assumindo várias imagens e substituíveis – tal
como qualquer outro produto de consumo.
Michael Jackson e Madona (KELLNER, 2001, p. 335-364) são exemplos
desse esvaziamento pessoal do artista contemporâneo. O imaginário e o real
tornam-se uma única imagem, manipulada pela indústria midiática. Esse conceito
está ligado ao espetáculo e não é novo. Na literatura, Joseph Conrad (1857-1924) já
dizia que (...) os outros apenas veem o espetáculo, sem nunca saber qual é o real
significado dele (CONRAD, 2002, p.55). A celebridade, portanto, está ligada ao
conceito de espetáculo, mas falta-lhe o caráter do heroi para que adquira o
significado universal que o mito deve apresentar. É o indivíduo que tem seus
seguidores, mas não exclusivos. O fã de Madona pode ser também aquele de
Michael Jackson, mas o seguidor de Steve Jobs é distinto daquele que vai atrás do
seu concorrente, Bill Gates, por mais amigos que possam ser esses dois herois da
tecnologia da comunicação.
Um exemplo de celebridade no ambiente empresarial foi Thomas Lipton
(Escócia, 1848-1931). Barão do chá, dono e fundador da marca que leva seu nome
5
Sociedade líquido-moderna – ―Sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros
mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas,
das formas de agir‖. (BAUMAN, 2005)
73
e também proprietário de supermercados, Lipton foi o primeiro empresário a tornarse celebridade. Fez da fama parte da estratégia empresarial, dando destaque a
golpes publicitários. Nos primeiros 30 anos de atuação empresarial, seu foco esteve
na obtenção de lucros. Foi bem sucedido. No entanto, nos 30 anos seguintes,
deslocou o seu interesse para tentativas contínuas de vencer a regata de iatismo
America‘s Cup. Com desempenho ruim, viu-se expulso da companhia em 1927.
Finalmente, o seu legado desmoronou quando, em 1980, quando a Unilever adquiriu
as operações Lipton.
O CEO Thomas Lipton reúne em sua história os papeis de inovador,
celebridade, pioneiro na arte da performance social e do marketing de marca,
tornando-se precursor dos empresários que hoje se tornam donos de equipes
esportivas. Ao criar uma imagem facilmente reconhecível com apelo popular e
direcionar o marketing aos esportes de forma inédita, explorou sua imagem
publicamente. No entanto, o seu sucesso foi engolido pela excessiva busca pela
fama, que o caracterizou enquanto celebridade. Lipton passou. Resta a marca,
porque foi adquirida por uma organização mais poderosa. Thomas Lipton foi uma
celebridade do início do século XX e não persiste na memória coletiva.
Outros grandes empresários célebres que se tornam ícones da tecnologia ou
dos diversos ramos da indústria ou do comércio também têm sua imagem pública
fabricada, preparada para construir uma reputação almejada, mesmo que isso venha
a ocultar o seu Eu real. O espetáculo preparado cumpre sua função. No entanto,
entre todos os que possuem a aura de celebridade e carregam uma história, há
aqueles que efetivamente percorreram a jornada heroica que os distingue e cujas
histórias justificam sua condição de heroi.
3.1.2. As boas histórias
Aristóteles já considerava que nossa missão diária é buscar uma resposta
para uma simples questão: como deve um ser humano viver sua vida? (MCKEE,
2006, p.24). Nossa inspiração para a vida está nas histórias. Se a vida imita a arte
no contemporâneo, também ―a ficção dá à vida sua forma‖ (MCKEE, 2006, p.25). A
história fortalece o público, ao qual atribui um significado afetivo e incentiva a buscar
74
o sentido da existência. As boas histórias devem conter o amor pelo que é dramático
e verdadeiro, humanitário, perfeito, singular e sonho realizado. Às personagens,
cabe ser extraordinárias e habitar um mundo que elas mesmos dirigem com paixão,
coragem e criatividade. Além disso, a história deve ser bem contada e mesclar ficção
e realidade (MCKEE, 2006, p.50-51). Se o protagonista da boa história atual deve
dirigir sua vida, isso marca uma grande diferença com relação às narrativas da
Antiguidade, contadas por terceiros. O heroi, assim como a celebridade atual, tem
performance midiática e está presente no palco global, representando perante a
mais potente mediação com o público a imagem pela qual deseja ser reconhecido.
3.2.
As histórias de Bill Gates, Steve Jobs e Lakshmi Mittal
A trajetória dos empresários Bill Gates e Steve Jobs, em ―Biografia de Bill
Gates‖ e em ―Os Piratas do Vale do Silício‖, bem como a de Lakshmi Mittal, em O rei
do aço, é movida por escolhas de protagonistas da sua própria existência, podendo
assim inspirar a quem procura um sentido na existência.
A dinâmica que propele as histórias elabora também a imagem que cada um
deles construiu (e continua construindo) de si mesmo. Torna-se necessário lembrar
que o que se vê é o que se entende, isto é, a realidade de cada um é aquilo que ele
mostra midiaticamente, à luz da interpretação coletiva contextualizada pelas
narrativas contemporâneas.
3.2.1. Steve Jobs
O sucesso de Jobs representa a transformação das dificuldades iniciais (falta
de recursos e abandono prematuro dos estudos) em sucesso (aplicação de
genialidade com coragem na conquista de objetivos traçados e transformadores do
mundo). Isso se realiza pela persistência de Jobs em seguir o sonho de criar
tecnologia que faça a diferença. Nessa jornada, Jobs também evolui: de
protagonista cínico, egoísta e tirano, torna-se maduro, amável, compreensivo e com
a capacidade de tocar a mente e os sentimentos do público.
No entanto, ao alcançar imenso sucesso como empresário e criador de
tecnologia, Jobs perde a saúde. É o sacrifício que ele faz pela humanidade, como os
75
herois antigos. Assim ele se redime da indiferença que tinha pelo outro. Passa a dar
valor aos trabalhadores da Apple, sua empresa. Sua sensibilidade é ainda mais
despertada depois que recebe de um doador um rim, em transplante. Os discursos
de Steve Jobs mostrados na internet testemunham essa transformação. Ele
comenta duas constatações: ―A busca pelos valores contemporâneos – sucesso,
fortuna, fama, sexo, poder – vai destruí-lo‖, à qual faz a ressalva ―mas, se você
enxergar essa verdade a tempo, e jogar fora sua obsessão, você pode se redimir‖
(MCKEE 2006, p.127); e ainda a segunda constatação, de que ―se você se apega à
sua obsessão, sua busca cruel atingirá seu propósito, e então o destruirá‖ (MCKEE
2006, p. 129).
Jobs é o herói que venceu dificuldades desde que nasceu, mas não deixou
que se esvaísse o sonho de um mundo impulsionado pela tecnologia, que convive
naturalmente com a busca constante por ideais. É um herói incorrupto pela riqueza
ou pela fama. É um velho hippie que ainda recomenda aos alunos da universidade
de Stanford, em discurso de 2005: ―Stay hunger. Stay foolish‖.
Recentemente, sua saída da Apple, temporária, para tratamento médico, foi
acompanhada pela mídia e pelos mercados, com queda no valor das ações daquela
companhia. Jobs é a Apple e está no mundo inteiro. E, no início de março, ao lançar
nova versão do seu equipamento I-Pad 2, a Apple precisou trazer novamente ao
palco Steve Jobs, que reafirmou o seu empenho pessoal no desenvolvimento do
novo modelo e deixou de lado a sua debilidade física para se concentrar no poder da
tecnologia e da sua imagem.
76
Figura 1
Fonte: Google Imagens
3.2.2. Bill Gates
O sucesso inovador e comercial de Gates e sua ação humanitária, mediante a
fundação e manutenção da Fundação Melinda e Bill Gates, é um valor positivo que
resgata e justifica socialmente a continuidade da milionária organização que é a
Microsoft mas também o integra na grande narrativa de combate à pobreza e à
doença. Gates apresenta um arco de transformação muito simples entre sua
imagem atual e a que ele tinha originalmente, porque já recebeu da família o
exemplo da benemerência social e porque jamais se distanciou dos valores de
caráter equilibrado e tolerante que manifestou desde os tempos de estudante. Com
o sucesso, ele não se deixa corromper pelo poder. Gates revela uma trajetória
otimista, com apoio da família. No entanto, para alcançar essa imagem, enfrentou
também obstáculos. Precisou duelar com interlocutores de negócios, a fim de impor
sua genialidade e iniciativas. Mas, entre todos, o seu maior problema foi Steve Jobs,
simultaneamente colega, amigo e concorrente. Outro obstáculo transposto foi o
desejo da família de que ele continuasse os estudos, quando já se sentia pronto
para seguir carreira como empresário de tecnologia. Sobretudo, sua vitória provém
da sua genialidade e do seu espírito de inovação, que se uniram para, como Steve
Jobs, imprimir mudanças ímpares nos rumos da tecnologia da comunicação. O
caráter que não se corrompe e ainda parece conceder maior valor ao social do que
ao privado fazem completam seu perfil de heroi. Bill Gates é um herói do seu tempo,
que tem sabido coadunar a riqueza às exigências do novo capitalismo, vem
77
alcançando resultados exponenciais em seus empreendimentos e dividindo esses
valores com populações carentes.
Figura 2
Fonte: Google Imagens
3.2.3. Lakshmi Mittal
O clímax do documentário O rei do aço, representado pelas manifestações
populares perante a presença de Mittal e suas obras sociais, revela a sua opção
pela ajuda humanitária e identificação com as camadas mais pobres da população
indiana. O arco de sua evolução apresenta transformações sociais (externas), mais
do que internas, fazendo pressupor um caráter que também não se corrompeu e
que, fiel às suas origens, atende hoje às necessidades de desenvolvimento do seu
povo. Desse modo, a dimensão global do lucro obtido pelo império do aço de Mittal
junta-se ao seu papel de agente do desenvolvimento da Índia. O reconhecimento
desse heroísmo provém dos seus conterrâneos, juntando estima ao seu já grande
renome global e fazendo dele um ícone e uma esperança para muitas populações.
Mittal torna-se heroi, porque venceu à custa de estratégias para superar obstáculos
e porque sabe compartilhar. Possui uma trajetória otimista, desde o momento em
que superou o maior obstáculo, que era uma condição financeira instável. Depois
encontrou outros, como a incredulidade do mundo empresarial perante suas
iniciativas. Ele também é o heroi que alimenta o imaginário da realização pessoal à
custa de um sonho original acompanhado de esforço e dedicação pessoal,
acompanhado de ações sociais sintonizadas com o seu tempo.
78
Figura 3
Fonte: Google Imagens
3.3.
Estrutura dos audiovisuais
O modo de trazer a público a história, ou mito, estabelece um espetáculo
midiático, lugar onde o poder se exerce, não apenas para atingir as massas mas
também para, com entretenimento, seduzir e doutrinar o público.
Considerando
que
abordaremos
diferentes
gêneros
cinematográficos,
notamos também que o da biografia exige que a personagem seja protagonista de
sua história, enquanto o documentário exige a verdade. No drama biográfico, como
é o caso de Piratas do vale do Silício, prevalece a expectativa de se verificar a
reação das personagens perante as pressões que enfrentam, precisamente para
que o público possa tomar partido por uma ou outra – neste caso, Gates ou Jobs.
Assim, no aspecto estrutural do audiovisual, consideraremos alguns tópicos
fundamentais:
c.1 - Arquitrama enquanto estrutura da boa história
c.2 - Ideia governante da história
c.3 - Cenário: narrativa social e estética corporativa
c.4 - Performance
c.5 - Caráter do protagonista e jornada do herói
79
c.1 - Arquitrama como estrutura da boa história
Dissecando a história, McKee identifica as várias partes que a compõem (atos
e trama com clímax) que podem ser apresentados sob forma de arquitrama,
minitrama e antitrama, sendo o primeiro desses modelos de estrutura eleito para a
boa história, por corresponder ao modelo clássico de narrativas bem sucedidas. A
trama gira ao redor de um protagonista que luta contra forças antagônicas externas
para perseguir o seu desejo e apresenta um final sempre fechado, isto é, absoluto e
irreversível. Sem entrar em detalhes quanto aos demais modelos, convém entretanto
comentar que a minitrama adota uma trama minimalista e apresenta final aberto, isto
é, passível de várias interpretações, enquanto a antitrama é uma estrutura que se
opõe à arquitrama e constroi a história sobre coincidências, apresentando fatos em
sucessão de forma inconsistente e em tempo não linear, partindo com frequência
para a extravagância e o exagero, levando à falta de sentido, a qual seria impossível
como conclusão de uma jornada heroica. A causalidade que a arquitrama
estabelece é fundamental para que se perceba o sentido da busca. Além disso, o
final fechado da arquitrama apresenta um clímax que soluciona as questões
levantadas ao longo da história e assim satisfaz as emoções despertadas no
público. Também se distingue a arquitrama pela ênfase que dá a conflitos externos,
embora as personagens também lidem com seus conflitos internos, geralmente
envolvendo relacionamentos interpessoais e instituições sociais.
A estrutura da arquitrama é evidente nos filmes sobre Jobs, Gates e Mittal:
―O Rei do Aço‖
A história em torno do protagonista, Lakshmi Mittal, mostra as dificuldades
econômicas do início da sua vida e a resistência que encontra no fechamento de
negócios, já em fase madura. Ele enfrenta cada obstáculo com tenacidade. Por
tratar-se de documentário, prevalece o depoimento como garantia da verdade,
associado a cenas de celebração e de testemunho do impacto dos seus negócios e
da ação social da companhia Arcelor-Mittal, que se confunde com o próprio CEO.
―Bill Gates – Uma biografia‖
Adotando a estrutura da arquitrama, a biografia mostra a imagem de Gates
impecável perante o público. Sua história é de sucesso e de adesão a causas
80
humanitárias. Seu maior obstáculo foi o colega Steve Jobs, que segue carreira
paralela, igualmente bem sucedida. Mas Gates logra distinguir-se pelo modo que
escolheu para compartilhar com o público os resultados obtidos. Encontra nisso um
aliado, Warren Buffett, também empresário milionário que é exemplo de ações
beneméritas. O clímax dessa história é o exemplo de genialidade, heroísmo e
compartilhamento de resultados.
―Piratas do Vale do Silício―
Figura 4
Fonte: Google Imagens
Igualmente, trata-se de uma arquitrama. É um drama biográfico que
apresenta Bill Gates e Steve Jobs como protagonistas de suas vidas e
empreendedores de sucesso e de influência ímpar no desenvolvimento da indústria
da informática mundial. A trama se recheia de embates que a rivalidade entre ambos
tem gerado desde que, jovens ainda, se conheceram. Por ser documental, a peça
audiovisual apresenta dados objetivos mas, sendo também drama, busca levar o
público à escolha de um dos protagonistas como favorito e nisso, cumpre a trajetória
do bom drama biográfico. Tudo o que ocorre na vida dos dois protagonistas é
mostrado numa cadeia de causa e efeito. Como exemplo, o simples fato de aprender
caligrafia, algo aparentemente irrelevante para a vida de um jovem interessado em
tecnologia, torna-se fundamental para a elaboração do teclado que Jobs mais tarde
proporcionou aos consumidores da Apple.
81
Apresenta os conflitos com final fechado. Todas as questões levantadas,
sejam aquelas entre Jobs e Gates, ou Jobs em relação aos seus próprios
questionamentos internos ou à sua família, são solucionados e superados pela
obtenção
de
resultados
excelentes
nas
iniciativas
de
criatividade
e
de
empreendedorismo dos dois protagonistas. O público chega ao final do filme com
uma imagem definida sobre cada um deles, cuja trajetória na vida real ainda
continua.
Aliás, até mesmo em aparições públicas posteriores, Jobs dá continuidade à
arquitrama, ao mostrar a continuidade da sua luta contra os obstáculos que enfrenta
enquanto heroi. E mesmo enfrentando atualmente problemas de saúde, continua
apresentando sempre um artefato novo cuja receptividade dos seus seguidores está
expressa em números de vendas que coroam de sucesso cada nova etapa da sua
trajetória.
“Triunfo dos Nerds”
Figura 5
Fonte: Google Imagens
O documentário narra a ascensão do computador pessoal (PC) na década de
1970, abrange os anos de 1980 e 1990, marcadas pelo PC da IBM e pelo Macintosh
da Apple e termina com a grande expansão da rede mundial, que ocorre com a
chegada do Windows 95.
82
Várias entrevistas vão dando sentido às discussões apresentadas e permitem
acompanhar os principais marcos do desenvolvimento da indústria de computadores
pessoais. Nelas, podemos ouvir os maiores representantes da indústria da
informática: Steve Jobs (Apple), Bill Gates e Steve Ballmer (Microsoft) e Larry Ellison
(Oracle). Os diálogos de pessoas próximas de Gates e Jobs, e deles próprios,
apresentam a performance vitoriosa dos protagonistas no palco global. Isso
evidencia a performance midiática consciente desses líderes na construção da
imagem dos territórios corporativos que representam.
c.2 - Ideia governante da história
A ideia governante é a intenção da história e deve evidenciar os valores e as
causas das mudanças importantes na trajetória do protagonista. Interessa-nos
identificar nela a essência do heroi.
Os elementos audiovisuais considerados apresentam uma ideia governante comum:
A partir de evolução biográfica e da obra de cada um CEO analisado, este se
apresenta como protagonista de uma vida de lutas e sucesso empresarial ímpar,
pelo valor inestimável da sua contribuição para o desenvolvimento global, obtido de
forma também singular, graças a um dom (genialidade, forte capacidade
empreendedora, visão de futuro), e a qualidades (tenacidade, fidelidade aos objetivo
e caráter incorrupto, principalmente), com a superação de obstáculos pessoais,
sociais e mercadológicos.
Desse modo, podemos analisar a trajetória do heroi, que, atendendo a um
chamado ao desafio, passa por testes diversos, até alcançar o lugar da prova
definitiva, onde passa pela provação suprema e que lhe dará a recompensa pela
jornada. Então retorna ao lugar de onde partiu com aura de heroi que possui um
elixir de salvação para toda a sociedade à qual pertence.
Nos exemplos de Jobs, Mittal e Gates, concretiza-se a jornada heroica. Cada
um deles atende ao chamado, que está contido no sonho e na visão de futuro que
acalentam. Perfazem todas as etapas, transpondo obstáculos e contribuindo de
forma singular para o avanço da sociedade, seja ao promover o desenvolvimento da
tecnologia da comunicação, seja ao imprimir dinamismo ao progresso da Índia, ou
83
ainda ao contribuir para a solução de problemas sociais. A sociedade global os
reconhece como vencedores que compartilham globalmente os frutos dos seus
esforços: a inovação tecnológica, que representa o elixir que eles, vitoriosamente,
oferecem ao mundo. Em conclusão, a ideia governante desses audiovisuais destaca
a vida de jovens que se tornam herois do seu tempo.
c.3 - Cenário: A jornada do protagonista: narrativa social e estética
corporativa
Nesse contexto, torna-se fundamental observar se o cenário dos filmes condiz
com as preocupações predominantes do tempo em que vive o CEO. Essa premissa
será importante, também, para determinar a estética da organização.
Na verdade, podemos confirmar que o modo que os documentários
encontram para gerar emoção diz respeito, exatamente, à inserção das atitudes dos
CEOs nas grandes narrativas sociais hodiernas. Para Gates e Mittal, a imagem de
criativo, empresário e gênio se acresce, no próprio filme, da missão humanitária.
Esta, em Steve Jobs, aparece em sua própria transformação como indivíduo. Vale a
pena ressaltar, entretanto, que em anos mais recentes, Jobs tem veiculado
midiaticamente também a imagem de empresário adepto da responsabilidade social,
especificamente no tocante a esforços pela sustentabilidade ambiental. Reduziu a
emissão de carbono de suas indústrias e ostenta um caráter diverso do jovem
arrogante e impetuoso que aparentava ser em ―Piratas do vale do Silício‖.
Desse modo, também evolui o território corporativo sob liderança de cada um,
graças a um processo interno (a estética organizacional) modulado por interações
com o meio (a narrativa), em movimentos que por sua vez retro- alimentam essa
mesma narrativa, e sendo por ela novamente transformado.
Desse modo, a modulação desses três CEOs se desenha no espaço
midiático, criando um arquétipo ideal de CEO, incentivado a adotar por gurus (e
oráculos) do campo empresarial. Mittal, Jobs e Gates dispõem e se servem do poder
de celebridade que possuem. No entanto, eles o transcendem. Mais do que
celebridades, são herois. Mais do que herois de um tempo, adentram o espaço
mítico do desejo como objeto de consumo e como parâmetro do ideal. No
84
entrelaçamento entre estética, narrativas e sonhos, os herois dão origem a
arquétipos e tornam-se mitos.
Observando esse ciclo dinâmico, podemos afirmar que são CEOs que, além
de celebridades, tornaram-se herois e ficarão como mitos de uma era. São exemplos
dos que permanecem, em meio a um grande número de celebridades e até mesmo
de outros herois de territórios corporativos.
c.4 - Performance
Se “Piratas do vale do Silício‖ constitui uma produção hollywoodiana, os
documentários sobre a biografia de Bill Gates, sobre o triunfo dos Nerds e a vida de
Lakshmi Mittal também apresentam a performance vitoriosa dos protagonistas no
palco global.
Palco:
Todos os documentários dão grande ênfase às cenas públicas de afirmação
das vitórias dos protagonistas. Esse olhar para fora fica claro no início de cada
documentário (aplausos para Gates no início do documentário que traça sua
biografia; Steve Balmer reconhecendo o valor da obra de Jobs na cena de abertura
de Triumph of the Nerds; entusiasmo popular no contexto do documentário sobre
Lakshmi Mittal).
No entanto, os filmes também entram no íntimo dos heróis, suscitando no
público, também, reações emocionais. Esse movimento permite constatar a
humanidade de cada CEO mítico. Além disso, mostra a distância que o separa do
público: não há distância. Eles estão junto de todos, ocupando o coletivo espaço
midiático global.
Localização do protagonista no palco e intenção da performance:
Steve Jobs e Bill Gates são mostrados de muito perto, seja em Piratas do vale
do Silício quanto nos vídeos posteriores que vêm marcando cada uma das suas
aparições públicas. No entanto, não estão junto do povo. Lakshmi Mittal é visto mais
a distância e até mesmo os discursos exibidos mais são sobre ele do que proferidos
por ele. No documentário ―O rei do aço‖, outros entrevistados falam de Mittal e ele
85
raramente se pronuncia. Mas, no momento em que é preciso reafirmar sua
identidade, falar da infância e do sonho, ele surge no meio do povo, dando aval ao
que é declarado por amigos e parentes.
Entretanto, todos eles pertencem ao público. Talvez Jobs e Gates sejam mais
reconhecidos, pelo produto que operam nos mercados, mas Mittal possui uma
identificação com o próprio povo indiano e está junto dele. A imagem de Mittal sendo
carregado nos braços pelo povo pobre da sua terra natal, alcança todas as
populações e faz dele um heroi desejado por todos os que se encontrem nas
mesmas condições – em qualquer tempo. A força midiática do audiovisual também é
uma estratégia clara do território corporativo e fica evidente o seu poder de percorrer
o mundo, dentro do atual um contexto de valorização de países emergentes e da
inclusão social. As ações de Mittal o inserem nas grandes narrativas modernas de
combate à pobreza e inclusão social. O sucesso da sua performance encontra
respaldo na narrativa contemporânea e nos bons resultados comerciais, obtidos com
inovação e coragem, que inspiram à transcendência da função de CEO para
alcançar uma dimensão heroica.
O documentário sobre Bill Gates, por outro lado, é produzido para o mundo
ocidental que já o conhece enquanto personalidade pública. Visa, essencialmente,
marcar o lugar de Gates, também insubstituível no mundo da tecnologia e ator do
universo social. Evidencia as preocupações sociais daquele que já é respeitado
como poder voltado à ciência e ao empreendedorismo. Geralmente, cada aparição
pública de Bill Gates é objeto de uma encenação cuidadosa, da qual participa um
contingente encarregado de todos os detalhes. O discurso elaborado menciona
números expressivos de investimento social da Fundação Melinda e Bill Gates.
Igualmente se esculpem para o mundo as imagens de Jobs e de Gates no
filme ―Piratas do vale do Silício‖. Naturalmente, Steve Jobs alcança maior destaque,
por ser ele personalidade pop que, em sua história, resgata o passado hippie e se
transporta ao perfil de empresário de tecnologia de ponta. Talvez seja também maior
o destaque de Jobs porque, em sua origem familiar, não houve a mesma facilidade
com relação a recursos, estudos e tradição. A imagem do sacrifício e da ascensão
social é valorizada, tornando-se também uma proposta para os jovens. Por outro
lado, a genialidade que ele apresenta modula sua personalidade de indivíduo
86
batalhador e vencedor, colocando-o em patamar que também se tornou objeto de
desejo.
Esses aspectos vão conformando a imagem de herois universais dos
territórios corporativos contemporâneos. Mais do que representar, os CEOs em
destaque perfazem a jornada do heroi. No entanto, o heroi jamais se transformaria
em mito, se alguém não contasse a sua história, que deve atender a uma estratégia
pré-estabelecida, como todo planejamento organizacional. Alguns elementos
essenciais fazem parte dessa estratégia:
Protagonista:
Em comum, além de cumprirem o modelo da arquitrama, as histórias de
Mittal, Jobs e Gates os apresentam como protagonistas ativos, na busca de um
sonho de poder e conhecimento, e que por seus esforços atingem o sucesso em
níveis que transformam a realidade da qual fazem parte. São, igualmente,
respaldados por um forte trabalho de divulgação sintonizado com a exigência da
comunicação contemporânea, quando o audiovisual exerce hegemonia sobre os
demais meios, desde que conte histórias adequadamente. Mittal, Jobs e Gates
assistem às suas próprias histórias, com as quais constroem imagem e reputação
aprovadas universalmente, não apenas pela história em si, mas também pela reação
pública.
Forma:
Merece enfoque especial o capítulo em que McKee fala sobre o que chama
de ―política de design‖ da história (MCKEE 2006, p.135-175), que estabelece a
relação indissociável entre arte e política. Neste caso, interessa-nos a técnica do
audiovisual e a estética das organizações, com suas políticas de sucesso,
manifestada por premiações, lançamentos de produtos que marcam época e são
objetos de desejo coletivo (Gates e Jobs com seus equipamentos tecnológicos,
Mittal com sua inovação e ampliação da indústria do aço), ou a política da
responsabilidade social que acompanha e de certo modo redime o sucesso
comercial (Gates e Mittal no âmbito social, Jobs no ambiental). Para Steve Jobs,
existe ainda a política da luta pela sobrevivência que sustenta a imagem da força
87
interior na luta contra o câncer. O importante, em todos eles, é que as histórias de
sucesso que protagonizam são as mesmas nas quais cada um acredita. Eles
deixaram tudo para seguir esse sonho e cumpriram os objetivos traçados. Mittal
queria ser rico e ajudar o seu povo; Jobs queria fazer algo novo que transformasse o
mundo; Gates queria ter poder pela tecnologia e ter um significado social. Pelas
evidências que a mídia nos proporciona, todos eles atingiram com sucesso os
objetivos propostos.
Verificamos que em tudo o que fazem e dizem, os protagonistas assumem a
responsabilidade pelo papel que se propõem concretizar no mundo em que vivem.
Assim, apresentam uma performance responsável e autêntica, construída sobre
valores, sonhos e realidades. Seja Steve Jobs ao apresentar cada novo artefato da
Apple, seja Lakshmi Mittal ao fechar negócios para aquisições e fusões, ou Bill
Gates ao anunciar resultados da Microsoft ou falar sobre as suas ações de
compartilhar valor com a sociedade, existe uma imagem performática coerente com
tudo o que cada um sempre transmitiu midiaticamente. Essa consistência na
performance é evidente em cada um desses mitos corporativos, de tal modo que
não é a forma de apresentação que dá a performance, mas esta que impera sobre
cada forma (diálogo de Gates com Buffett, inauguração de um novo negócio por
Mittal, discursos de Jobs em universidades).
Se em ―Os piratas do vale do Silício‖ a história é conduzida por um duo de
protagonistas, que, em certos momentos, representam toda a indústria da
informática norte-americana que se cria em ambiente próspero e já vencedor, no
documentário de Mittal essa identidade torna-se mais abrangente, no compartilhar
de objetivos desenvolvimentistas entre Mittal e a Índia que desponta no mundo como
potência econômica, e na comunhão total entre Mittal e seu povo, criando um
protagonista múltiplo, reforçado, que motiva e justifica ainda mais perante o mundo a
ação desse heroi.
Lakshmi Mittal retorna à cidade natal. Esse efeito é construído pela ovação
popular. Mittal é carregado pelo povo. Antes disso, porém, o documentário preparou
um cenário global da sua atuação comercial. Depois da recepção, apresenta o
passado de Mittal e, finalmente, reforça a motivação que o move para o futuro. Mas
o que se destaca é que Mittal também representa a história do seu país. Esse
entrelaçamento de histórias também se dá em Jobs e Gates, que são a
88
personificação da história da indústria da informática global (também enriquecida
pelos criadores de Google, Larry Page e Sergei Brin e, mais recentemente, também
por Mark Zuckerberg, criador do Facebook).
Poderíamos estabelecer limites para o alcance das mensagens: as diferentes
identidades nacionais e as estruturas de poder cultural também diferentes, nas
regiões que os protagonistas geograficamente representariam. No entanto, todas as
barreiras se desmancham perante a competitividade capitalista e a performance
midiática dos executivos contemplados. O palco global comum que compartilham
permite deixar de lado quaisquer contingências culturais ou locais. E, se Mittal tem a
seu favor a origem e a história comum com o ascender da Índia, Jobs e Gates
possuem o trunfo de criar produtos que servem a todas as camadas sociais
integradas ao mundo conectado pela tecnologia da comunicação. São todos
planetários e marcam história no seu tempo.
Público:
A mensagem vai diretamente a um público que não é anônimo: ele está em
todos os lugares, é contemporâneo, interessado em desenvolvimento dos países
menos favorecidos e está em busca não só de modelos nos quais possa espelhar
seus objetivos e sua vida mas também das facilidades que a tecnologia oferece. Por
isso, os heróis apresentados são produtos que permitem ao consumidor sonhar com
realismo, dentro da narrativa em que vive. Essa relação entre sonho e realidade,
entre promessa e ponto de partida, entre sucesso e esforço, também determina a
performance dos territórios corporativos, que adotam modelos exitosos e
inspiradores. Por isso, a nova estética é simultaneamente modulada e moduladora
das narrativas e dos hábitos de consumo.
Esse público que, repetimos, não é anônimo, ganha um nome: Consumidor. É
reconhecido a razão de ser das organizações. O produto oferecido pela empresa é
condição indispensável ao avanço mundial. O consumo também. Esse produto é
material, mas também é o sonho. É a experiência que as empresas prometem e que
a imagem e a reputação empresarial garantem.
A comunicação predeterminada e lançada na presença de um público global
envolve uma encenação. O indivíduo por instantes se apaga. Jobs se veste de preto,
89
para deixar aparecer o produto. Ele é a voz de uma estratégia corporativa que
apresenta um produto que transformará o mundo. O público é grande e Jobs
responde às perguntas com declarações já preparadas. Jobs é a Apple, com sua
inovação tecnológica, encobrindo de certo modo sua adequação tardia às regras de
meio ambiente, já que apenas em 2009 a Apple alcançou um nível reconhecido
mundialmente de redução de emissão de carbono. A Apple é o símbolo escolhido
pelo seu fundador, um gênio, sonhador e trabalhador da ciência da informática, que
também se individualiza e se confunde com a marca que criou. E Steve Jobs, cuja
aparição pública se reveste de ritos (sua manifestação se assemelha a um culto,
pela criação de uma expectativa através de anúncios, pelo figurino, pela encenação
que faz ao anunciar um novo produto), interpreta aquilo que seria a voz do mercado
e do desejo de consumo do público. E, se alguém não compreende exatamente o
que ele tem a dizer, existem os que o decifram, como Carmine Gallo e Leander
Kahney, escritores que têm dedicado tempo a interpretar as apresentações de Jobs.
Bill Gates vem se apresentando nos últimos anos com freqüência ao lado de
Warren Buffett. Falam sobre fazer o bem. Mesmo que alguém receba as mensagens
subjetivamente, a subjetividade se quebra pelas repercussões do evento na mídia,
que registra os códigos percebidos coletivamente como a ideologia e a performance
de um transformador do mundo que é Bill Gates, com todo o contexto da sua história
e do papel da Microsoft.
Destacamos que a aproximação desses CEOs com o imenso público e a
convergência da performance de cada um para se transformar em mito corporativo
não se daria sem a mediação dos meios de comunicação massiva. Estes cumprem a
função de levar os produtos e imagens que nutrem o imaginário coletivo para
modular a trajetória heróica e mítica de Gates, Mittal e Jobs.
Mídia:
A performance do heroi do território corporativo carrega, antes de tudo, o
intuito de legitimar esse espaço corporativo perante os públicos com os quais
interage. Uma vez que a interlocução é concretizada pelas mídias, estas se
configuram como um dispositivo ao qual se aplicam as tecnologias e que precisa ter
o alcance social adequado, para a eficiente concretização dos propósitos de
90
informar, criar imagem e reputação. A presença midiática, estrategicamente
estruturada, representa também a conquista de espaço e tempo, obtida por
investimento pessoal e mercadológico do CEO.
Assim, a mídia é respaldo e aval à presença global de Lakshmi Mittal, Bill
Gates e Steve Jobs, alimentando expectativas a seu respeito, comunicando seus
conflitos e vitórias, enfim, criando um espaço no imaginário do consumidor com
relação a cada um deles. A mídia é também autora dessas histórias, porque são
fatos contemporâneos aos quais somente ela consegue dar cobertura imediata e
ubíqua. Portanto, a mídia permite completar os filmes que levam à descoberta de um
sentido, tanto para a existência do herói como para a do consumidor, que com ele se
identifica.
A mídia, palco global que abrange a imagem mais completa do
contemporâneo, fortalece e mantém em cena os territórios corporativos desejosos
de criar história e de evidenciar a atuação de seus CEOs. Imprescindível, entretanto,
é que a estratégia das corporações atue nessa direção. É essa exposição, originada
pela intenção e depois pela estratégia adotada pelas empresas, que permite à mídia
fazer circular globalmente os herois de hoje.
Nessa presença global que a tecnologia da comunicação viabiliza, levando o
indivíduo a vários lugares, também se forja a imagem do indivíduo. E, quando a
proliferação da sua imagem o leva a tempos e espaços vários, ele passa a pertencer
também a mundos diferentes. Terá também um hipercorpo global, sua extensão e
uma nova versão de si mesmo, em imagem pública. Trata-se do recurso ao
nomadismo, o qual permite construir uma imagem global. Os CEOs Gates, Jobs e
Mittal já o adotaram, com a comodidade de que nessa performance têm o trunfo de
fazer uma comunicação democrática: todas as platéias são tratadas de forma igual,
sem criar tensões sociais ou competitivas no campo empresarial. Reconhecemos
que essa possibilidade trabalha a favor da estratégia que modula a imagem para
obter a reputação almejada.
c.5 - Caráter do protagonista e jornada do heroi
Ser voluntarioso garante que o protagonista sustente seus sonhos ao longo
do conflito, para finalmente criar mudanças significativas e irreversíveis. Gates, Jobs
91
e Mittal dão mostras de possuir, além da força de vontade, a capacidade de buscar o
objeto de seu desejo, conscientes das mudanças que a realização dos seus
objetivos determinarão. Mittal vem seguindo seu sonho não só de prosperidade
própria mas também de transformar, pelo desenvolvimento, as condições de vida no
ambiente mais desolador da Índia. Jobs jamais desiste, mesmo quando, enfrentando
a doença, continua liderando a Apple e trazendo novidades tecnológicas que o
mundo deseja e espera. Gates não se detém em todo o sucesso comercial já obtido,
chegando a abrir mão de parte da sua fortuna para fazer doações milionárias a
obras sociais.
Outra característica importante do protagonista da história de sucesso
(MCKEE, 2006, p.140) é a empatia (podendo ou não ser simpático, ou amável, pois
isso é um item opcional na história). O empático é aquele com o qual o público se
identifica. Isso leva o público a desejar que o protagonista alcance os objetivos em
mira. Esse protagonista transforma-se em modelo.
Nos protagonistas corporativos em estudo, reconhecemos essa empatia em
cada performance pública que fazem, na expressão dos seus admiradores, pelos
depoimentos que se encontram nas biografias traçadas de Gates e Jobs, na ovação
que Mittal recebe de seus conterrâneos e na emoção que Jobs desperta em cada
aparição pública. Esse envolvimento emocional, sustentado por empatia, também
leva o público a buscar com maior estímulo a realização dos seus próprios desejos,
identificados com os do protagonista.
Vale observar que os filmes selecionados neste estudo poderão ser
complementados com material disponível na internet, especialmente sobre Steve
Jobs. Embora alguns momentos de ―Piratas do Vale do Silício‖ possam inspirar
antipatia do público com relação a Steve Jobs, notadamente ao maltratar
funcionários ou manifestar uma competitividade exagerada em relação a Gates, a
veiculação posterior de outros momentos desse executivo reabilitou sua imagem e
lhe granjeou empatia geral. Com o tempo, Jobs passa a revelar, em aparições
públicas e na sua atuação empresarial, um perfil modificado, que dá forma ao seu
perfil enquanto protagonista. Enquanto se transforma e ganha maior empatia do
público, também adoece, vence limites físicos, passa a tratar diferentemente as
pessoas e vem até contribuindo significativamente para reduzir a emissão de
carbono no meio ambiente. Hoje, a imagem de Jobs é a de um heroi que cumpriu
92
sua missão e volta periodicamente à cena para trazer um novo elixir que trará
soluções e dará uma dimensão ainda desconhecida à tecnologia da comunicação.
Por outro lado, Gates mantém desde o início um caráter publicamente
percebido como equilibrado, honesto e correto. Gates conquistou o sucesso e a
fortuna com naturalidade de quem seguia um caminho determinado. Depois achou
que precisava dividir o resultado, elixir de sucesso, com os mais necessitados.
Escolheu uma classe de pessoas – doentes – para ajudar, cooperando com uma
das metas do milênio traçadas pela Organização das Nações Unidas (algo que
também fará Mittal, ao promover o desenvolvimento de um país pobre). Seu elixir é
duplo: a tecnologia da comunicação e o fomento à melhoria das condições de saúde
de milhões de pessoas.
Mittal cria empatia imediata, por seu passado, sua luta individual no contexto
de um país em desenvolvimento, sua doação espontânea ao local onde nasceu, sua
bondade aclamada popularmente. Ele saiu da Índia, perfez um caminho de sucesso
e voltou, não para ficar, mas para, de tempos em tempos, reavivar a realização do
seu sonho de compartilhar sucesso com o seu povo. E, se a configuração de
magnata industrial representa uma desvantagem ética do velho capitalismo, por
outro lado, a imagem midiática de Lakshmi Mittal apresenta um indivíduo, também
contemporâneo, que enfrenta, não apenas a fluidez própria do mercado, mas
também conflitos comerciais e, apesar de previsões contrárias de outros
empresários, consegue vislumbrar e construir um império. Sua performance se
assemelha à do herói do sonho americano e à da jornada do herói estabelecida por
Campbell.
Para os três protagonistas, o sonho foi estímulo que permitiu dar forma ao
caráter de cada um, antes e durante a busca por resultados. Mittal sonhou quando
era um garoto pobre na Índia; Jobs e Gates, quando estudavam em Harvard. Todos
queriam transformar o mundo. Quando o filme ―Triumph of the Nerds‖ mostra o
momento em que Jobs contrata o ex-presidente da Pepsico, John Sculley, para
trabalhar na Apple, Jobs pergunta: ―Você quer continuar fazendo água com açúcar,
ou transformar o mundo?‖ Nessa indagação, mostrou a missão que lhe cabia dentro
dos seus objetivos. Sculley aceitou o novo desafio.
Podemos então dizer que o desejo de Mittal, de Jobs e de Gates, de criar e
fazer diferença para o mundo, já fazia parte da personalidade de cada um deles.
93
Possuidores dessa visão de futuro, puderam, graças ao caráter, estabelecer uma
relação de longo prazo com a sociedade. É também suportado por esse caráter que,
mesmo na sociedade pós-moderna, cada um desses CEOs assume compromissos
de longo prazo, utilizam o lucro para compartilhar suas realizações com a sociedade
e, ao obterem a vitória, retornam (continuamente) com elixires para melhorar as
experiências da humanidade. Esse elixir seria recebido de modo diferente se
houvesse uma história diferente, ou se o caráter do protagonista viesse a se revelar
inaceitável, por não gerar empatia no público? Certamente. Os efeitos do capitalismo
têm feito desmoronar carreiras e nomes de CEOs cujos meios foram com o tempo
sendo revelados como ilegais ou nocivos à comunidade. A flexibilidade que o
capitalismo atual permite e que transforma o trabalho em competição exige um
caráter incorrupto, aos olhos do público e apesar da fluidez de conceitos como
segurança e sucesso e da fragmentação do indivíduo e seus modos de vida. Por
isso, prosperar em meio a essas condições do contemporâneo, conciliando com
inovação e compartilhando esforços em conquistas sociais de longo prazo, sem abrir
mão do que é realmente importante para o imaginário e a realização global, são
características do caráter incorrupto que os CEOs Mittal, Jobs e Gates revelam.
Da empatia que esses três executivos constroem, também deriva o que a
história proporciona ao público, que é a oportunidade de participar virtualmente de
uma vida com renovados desejos e ideais. Uma vez mais verificamos assim essa
capacidade de se tornar perene na vida de outros, seja no espaço contemporâneo
global ou no tempo futuro, constitui, a nosso ver e à luz da natureza do herói descrito
por Campbell, a base da formação do arquétipo que transforma o heroi em mito.
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CONCLUSÃO
Parece tornar-se realidade a noção introduzida em 1999 pela pesquisadora
Katherine Hayles, do California Institute of Technology, de que os limites entre o
natural e o artificial cada vez mais tênues e determinam um novo ser humano, o póshumano, moldado pela crescente simbiose com a tecnologia. O conhecimento, as
relações e as ações do ser humano, cada vez mais permeadas pela influência
tecnológica, concedem à tecnologia o papel de agente cognitivo, que, longe de ser
passivo, como um livro ou revista, distribui cognição em toda a rede da qual
participamos.
Esse fato se evidencia na experiência hodierna, voltada para a câmera.
Nosso imaginário, marcado pela imagem mediada tecnologicamente, faz com que o
espaço midiático também seja a câmera, responsável pela imagem do indivíduo no
espaço midiático. Ter personas diferentes depende da estratégia de se construir
imagens que possam ser transpostas ao nível do imaginário social, graças aos
aparatos tecnológicos. Assim, a imagem global de Gates, Jobs e Mittal são aquela
que cada um para si criou defronte à câmera. Aplica-se a declaração de Christopher
Lash (1983, p.73):
A vida moderna é tão profundamente invadida por imagens
eletrônicas, que não podemos deixar de responder aos outros como se
suas ações – e nossas próprias – estivessem sendo registradas e
simultaneamente transmitidas a uma audiência invisível, ou
armazenadas para minucioso escrutínio posterior.
Esse recurso de substituição da presença corporal tornou-se perfeito na
formação de um imaginário global, deslocando as características do ser para o
contexto do parecer ser. Por mais incompleta que seja a imagem que temos dos três
CEOs em estudo, o que conhecemos é somente o que aparentam na mídia. O
virtual assim caminha para uma dimensão natural, mostrando um indivíduo que a si
mesmo se cria, através de um discurso veiculado midiaticamente e – vale a pena
realçar – de acordo com uma estratégia que atenda aos seus propósitos.
Conhecemos relatos do poder persuasivo do cinema. Faz-se oportuno citar o
caso relatado por Jean-Claude Carrière no texto ―Realidade em Fuga‖, no qual uma
mulher (moradora do local onde era rodado o filme e contratada para um papel
simples do diretor Ahmed Rachedi) não aceitava que outro personagem, morto na
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cena anterior do filme, estivesse novamente vivo. Ela devia refazer uma cena com
ele e o diretor precisou convencê-la a aceitar a presença do homem que, para ela,
estaria realmente morto. Embora provenha do teatro mais rudimentar, a tradição de
encenar e explorar o poder da representação continua vigente enquanto instrumento
de persuasão, capaz de despertar sentimentos e emoções e envolvendo
mecanismos cerebrais complexos.
É o que Hans Ulrich Grumbrecht denominou de materialidades de
comunicação, isto é, a criação de um efeito da materialidade do corpo na
comunicação, ou a produção de uma presença. Jobs principalmente, depois Gates e
por último Mittal, são reais globalmente e a interação com eles nos meios
tecnológicos gera emoções. Sejam documentários, filmes ou outras mídias sociais,
todos conseguem nos trazer a emoção não apenas de ver Jobs, Gates e Mittal, mas,
também, de acompanhar os caminhos da Apple, da Microsoft e da ArcelorMittal.
As constatações anteriores tornam evidente que não nos relacionamos com a
realidade exatamente, mas como o modo como ela é interpretada e organizada
pelos meios de comunicação massiva. Naturalmente, não temos essa consciência. A
mídia, que promove a mediação entre o ser humano e essa realidade criada, deixa
transparecer, na sua força sobre o imaginário, a realidade criada estrategicamente, à
qual correspondemos.
Ao mesmo tempo, essa é a forma que encontramos para descobrir sentidos –
o sentido de ser, o enlevo de ser, a que se refere Campbell em quase toda a
entrevista que concede a Bill Moyers, sob o título de ―O Poder do Mito‖ (EUA, 1988).
Um detalhe significativo é que hoje, superados os mitos religiosos e culturais do
passado, e também o mito das promessas de felicidade do modernismo, o indivíduo
sente a necessidade de criar a sua própria mitologia orientadora, a partir de recursos
próprios, internos, e com base em experiências caracterizadas por cargas
emocionais intensas, dentro de uma realidade que, simultaneamente, revela-se
transitória e fluida em suas características pós-modernas, mas promete também um
novo sonho, com modelos propostos de desenvolvimento global aliado à
sustentabilidade planetária decorrente da escassez de recursos naturais e da nova
economia dos mercados.
Torna-se então aparente a função do mito, intrinsecamente ligada à formação
de modelos de desempenho ideal do ser humano, seja na dimensão pessoal ou
96
organizacional. Essa função não é, porém, estática. Evolui, por mais que os mitos da
Antiguidade, com seus arquétipos, ainda impregnem as tradições culturais dos
povos modernos. Logo, podemos assistir a um círculo movido pela transformação
constante das experiências humanas originadas em novos objetivos, desejos e
necessidades, que mudam os mitos anteriores e criam um novo imaginário. Isso é
feito no palco midiático global.
Portanto, urge que as organizações empresariais se adaptem aos novos
modelos, ou estarão condenadas ao fracasso. E, por serem de natureza global, os
novos mitos tornam-se amplamente conhecidos e serão compartilhados pelos
múltiplos ―stakeholders‖ da organização. Por isso, o mito tem importância na
construção do mundo e não apenas de um grupo. Bill Gates e, especialmente, Steve
Jobs,
souberam
trazer
novos
modelos
de
administração,
baseados
nas
comunidades hippies com as quais conviveram. Trata-se de uma nova estrutura, que
desconstruiu hierarquias, criou espaços de lazer dentro das organizações e deu
início a uma tendência adotada posteriormente por outras empresas de tecnologia.
Podemos ver nesse movimento uma nova estética organizacional, derivando
também nos modelos de novos organogramas empresariais já citados. Esse novo
paradigma organizacional também evoluiu ao transferir a tensão individual para a
sua liberdade coletiva de expressão (anos 60) até que, na década de 1970, a
expressão da individualidade se acentuou. Essa liberdade conceitual encontrou na
tecnologia os meios que lhe permitiram criar novos modelos. É a fase atual, em que
o indivíduo se expressa livremente nas redes sociais e a ele compete, se assim o
desejar, criar conteúdo. É também a nossa era, marcada por CEOs que são a
própria marca que representam, e vice-versa. Eles têm voz própria e é a
personalidade deles que se impõe à marca da sua organização. No início de março
de 2011, Steve Jobs precisou deixar o repouso imposto pela doença para anunciar o
lançamento do I-PAD II, declarando que ele não poderia deixar de pensar na
melhoria do equipamento. É que naquele momento, sem Jobs, a Apple estaria
incompleta, e ele precisava garantir o sucesso do lançamento.
Enquanto isso, a estratégia da organização, não linear e complexa, passou a
incluir a evolução gradativa da construção da imagem de um novo heroi. Outras
vezes, entretanto, a evolução dessa imagem é veloz e os herois são reconhecidos
em breve tempo. Esse é o caso de CEOs como Steve Jobs, Lakshmi Mittall e Bill
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Gates. Mittal, por exemplo, encarna o compromisso da reconstrução da
prosperidade na Índia, por sua atuação no meio empresarial, ao qual pertence. Ao
mesmo tempo, o imaginário popular dele constroi uma imagem de salvador,
tornando-o mito popular. Importa mais o resultado das suas conquistas do que
propriamente as dificuldades que encontrou para alcançá-las. A ênfase na história
de Mittal se dá sobre o seu sucesso, com resultados compartilhados em prol do
desenvolvimento do povo indiano.
Existe, entretanto, um caminho, do heroi ao mito. Para Campbell (2008,
p.109-131), a imagem mitológica é a que coloca o consciente em contato com o
inconsciente. Se todos buscamos uma razão e um mito pelo qual viver, apenas
encontramos esse estímulo inconsciente nas coisas que nos assombram e
arrebatam com entusiasmo, que determina um novo sentido do que é existir. Essa
razão é um grande sonho individual, embora a mitologia seja a mesma para todos e
até mesmo idêntica, em culturas diferentes. Mas para entrar em contato com esse
mito, é necessário assumi-lo como nossa persona, ou papel a desempenhar
(esperado pela sociedade ou pelo indivíduo). Assim nascem novos indivíduos,
influenciados por mitos e que revelam a transcendência que o ser humano busca em
sua jornada rumo ao mito pessoal.
Desse modo, herois-mitos dos territórios corporativos organizam empresas e
corporações, justificando sua existência e atribuindo significado ao que ocorre no
ambiente de trabalho. Vão mais além e atribuem sentidos ao mundo do qual
participam. Sustentam os princípios, valores e pressupostos que formam a cultura e
a imagem da sua empresa. E, por serem dinâmicos os sistemas econômico, político,
tecnológico e social, as empresas devem necessariamente ancorar tais princípios e
valores em experiências sempre renovadas, para que possam perpetuar-se
enquanto organismos produtivos e lucrativos. Foi essa a trajetória de algumas
construtoras de templos antigos no Japão, empresas hoje centenárias, que só
puderam sobreviver porque enveredaram para outros estilos arquitetônicos.
Mitos como Jobs, Gates e Mittal, que identificam o tempo em que vivem, são
construídos midiaticamente e globalmente graças às narrativas que ocupam o
imaginário contemporâneo e à apresentação de histórias individuais moduladas
midiaticamente, de acordo com a expectativa de realização do público ao qual se
98
destinam. Objetos de admiração e também de consumo, esses CEOs são
protagonistas de um tempo e deixam marcas que transcendem os dias atuais.
Por suas trajetórias bem sucedidas, inovadoras e transformadoras, enquanto
atendem às demandas da sustentabilidade global, são também herois inspiradores,
e não apenas personagens de um tempo nem meras celebridades. Fazem a história
do mundo empresarial e transformam o mundo ao qual pertencem, do ponto de vista
social, econômico e ambiental, passando pela tecnologia que permeia e determina
novos modos de vida. São gênios do empreendedorismo e da tecnologia cuja
inovação também está a serviço das suas próprias histórias, levando-as no espaço e
no tempo e lapidando imaginários.
Essas características se aliam ao poder que cada um desses CEOs
conquistou para construir, mais do que uma página na história, uma referência
global de identidade, valores, princípios e objetivos. São ícones de um tempo que,
além de formá-los, também os transforma em mitos.
Esse modo midiático de apresentar histórias de sucesso sobre CEOs cuja
imagem mítica se constroi globalmente foi intuito do presente trabalho.
99
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104
FILMOGRAFIA
PIRATAS DO VALE DO SILÍCIO, EUA, 1999
Título Original: Pirates of Silicon Valley
Data/País de produção: 1999, E.U.A.
Gênero: Docudrama biográfico
Roteiro e direção: Martyn Burke
Edição: Richard Halsey
Produção: Martyn Burke
Resumo: Retrata o surgimento da era da informática, com base no livro Fire in the
Valley: The Making of the Personal Computer (1984) de Paul Freiberger e Michael
Swaine. A grande rivalidade entre a Apple Computer, de Steve Jobs, e a Microsoft,
de Bill Gates, é o principal enredo, ao redor do qual surgem fatos relevantes, como a
criação do computador pessoal.
Atores: Noah Wyle (Jobs) e Anthony Michael Hall (Gates)
Premiações: 2000: American Cinema Editors, USA; 1999 Emmy Awards
Trilha sonora:
Bach — "Concerto in D Minor for Two Violins Vivace" (BWV 1043)
Creedence Clearwater Revival — "I Put a Spell on You"
The Guess Who — "No Time"
Iron Butterfly – "In-A-Gadda-Da-Vida"
The James Gang — "Collage"
KC and the Sunshine Band — "Get Down Tonight"
Moody Blues — "Question", "Isn't Life Strange", and "Gemini Dream"
The Police — "Synchronicity I"
Frank Sinatra — "My Way"
Talking Heads — "Burning Down the House"
Tears for Fears — "Everybody Wants to Rule the World"
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Official website
Pirates of Silicon Valley at Allmovie
Pirates of Silicon Valley at the Internet Movie Database
"http://en.wikipedia.org/wiki/Pirates_of_Silicon_Valley"
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O REI DO AÇO (THE STEEL KING) – LAKSHMI MITTAL, India, 1999
Título Original: The Steel King
Duração: 35 minutos
Data de produção: 1999, Índia
Gênero: Documentário
Produção: Tatsuo Kobayashi, Noriyuki Kaido e Atsushi Yazima
Resumo: Aborda a trajetória de Lakshmi Mittal e da organização que fundou, a Mittal
Steel, cuja ascensão no mercado internacional destacou-se após sucessivas
aquisições, ao tornar-se, em 2006, dono do maior conglomerado do aço mundial, a
Arcelor-Mittal. Com essas iniciativas empreendedoras, Mittal mudou a indústria de
aço mundial.
O carisma de Mittal é visível neste documentário, com suas fórmulas de sucesso e a
conquista de popularidade na Índia, seu país natal, graças a investimentos
significativos em obras sociais. Essa opção pelo social não apenas consolidou seu
sonho de criança pobre que sonhava com um futuro de luxo e bem-estar, mas
também permitiu o compartilhar desses frutos com a população do seu país.
O conglomerado fundado por Lakshmi Mittal é um exemplo de fusões e aquisições
empresariais. Para compor o documentário, foram entrevistados também diversos
executivos, como Wilbur Ross, diretor da Mittal, Guy Dolle, CEO da Arcelor, Akio
Mimura, CEO da Nippon Steel, Ku-Tack Lee, CEO de Posco e Yoel Zaoui, de
Goldman Sachs.
BILL GATES “O SULTÃO DO SOFTWARE”, EUA, 2006 (Documentário)
Título Original: Bill Gates Sultan of Software
Duração: 43 minutos
Data/País de produção: 2006, EUA
Gênero: Documentário
Roteiro e direção: Margareth Murphy
Produção: Alan Goldberg e Margareth Murphy
Resumo: Trata-se da história de Bill Gates, tendo como foco seu papel de
protagonista, como cabe ao gênero biográfico. Mais do que a narração de fatos,
porém, está a busca de sentido que Gates imprime à sua trajetória.
Essa narrativa é feita de depoimentos de Bill Gates, além de entrevistas com
amigos, familiares e pessoas de sua convivência, incluindo seu colega de infância e
vicepresidente da Microsoft, Steve Ballmer. Ao mostrar a vida do fundador e o
surgimento da Microsoft, há mais de 30 anos, o documentário traça o processo
evolutivo da informática, da época do DOS, na década de 1980, ao início da Internet
que, embora tenha tido seu embrião durante a Guerra Fria dos anos de 1960,
somente se desenvolveu e se tornou um instrumento amplamente utilizado a partir
de 1990.
Gates era um estudante nerd, que acabou deixando os estudos em Harvard para
abrir a Microsoft. Hoje, é considerado um dos homens mais influentes e ricos do
mundo. À frente também da Fundação Melinda e Bill Gates, ele dá o tom de
responsabilidade social à sua obra.
A biografia do fundador e presidente da Microsoft Corporation levanta seus dados
mais relevantes: nascido em 28 de outubro de 1955, Gates cresceu em Seattle, com
106
duas irmãs. Seu pai, William H. Gates II, é advogado e a mãe foi professora da
Universidade de Washington e presidente da United Way International.
Gates frequentou o ensino fundamental público e privado Lakeside School, onde
identificou seu interesse por softwares. Aos 13 anos, estreou seus dotes de
programador de computadores.
Em 1973, entrou Harvard University como calouro, onde conheceu Steve Ballmer,
atual presidente-executivo da Microsoft. Em Harvard, Gates desenvolveu uma
versão da linguagem de programação BASIC para o primeiro microcomputador – o
MITS Altair. Abandonou os estudos no primeiro ano de Harvard, para dedicar-se à
Microsoft, empresa que havia começado em 1975 com Paulo Allen, seu amigo de
infância. Foi então que deram início ao desenvolvimento de softwares para
computadores pessoais.
TRIUMPH OF THE NERDS, Inglaterra, 1996
Data/País de produção: 1996, Inglaterra
Gênero: Documentário
Roteiro e direção: Robert X. Cringely
Produção: Martyn Burke (a partir do livro Accidental Empires, de R.X.Cringely
Resumo: O filme documenta o surgimento e a ascensão do computador pessoal
(PC), desde 1970, com Altair 8800, Apple I, Apple II e VisiCalc, seguindo com a
revolução do PC da IBM e do Mcintosh da Apple nos anos 1980 e 1990, terminando
com a explosão das empresas ponto.com, após a criação do Windows 95.
As cenas do filme são montadas sobre entrevistas que permitem acompanhar os
principais marcos do desenvolvimento da indústria de computadores pessoais.
Nelas, podemos ouvir os maiores representantes da indústria da informática: Steve
Jobs (Apple), Bill Gates e Steve Ballmer (Microsoft) e Larry Ellison (Oracle).
O PODER DO MITO – Estados Unidos, 1988
Data/País de produção: 1988, Estados Unidos
Duração: 345 min.
Gênero: Documentário
Roteiro e direção: Joseph Campbell, Bill Moyers,
Produção:
Resumo: Longe de serem apenas histórias antigas de gregos, fábulas para serem
lidas em livros velhos ou contadas à noite às crianças, os mitos são narrativas com
um extraordinário poder de penetração na psicologia humana. No trabalho de uma
vida inteira, Joseph Campbell, um dos maiores mitólogos do mundo, mostrou que as
mesmas histórias, ou os mesmos modelos básicos, em roupagens diferentes, podem
ser encontrados na cultura de todas as civilizações humanas, do Oriente ao
Ocidente, do tempo das cavernas até hoje. Nessa inebriante entrevista, conduzida
pelo jornalista Bill Moyers, transmitida para o mundo inteiro e aqui no Brasil pela TV
Cultura, Joseph Cambell fala sobre os mitos em todas as suas formas. Ele mostra,
por exemplo, que filmes como Star Wars ou fatos históricos como o assassinato do
presidente Kennedy têm uma enorme força sobre a imaginação popular porque
estão profundamente ligados a mitos ancestrais. Uma divertida viagem pela mente e
espírito de homem extraordinário que sintetizou diferentes disciplinas: História,
107
Religião, Filosofia e Cinema, e criou um dos mais importantes estudos de nossa
época
UMA VERDADE INCONVENIENTE – Estados Unidos, 2006
Data/País de produção: 2006, Estados Unidos
Duração: 96 min.
Gênero: Documentário
Roteiro e direção: Robert Zemeckis,
Produção:
Distribuição: Paramont
Resumo: O ex-vice-presidente americano Al Gore apresenta uma advertência e
impressionante visão do futuro de nosso planeta de nossa civilização, no
documentário mais importante do ano. Trata-se de um alerta que perpassa mitos e
conceitos errados, para revelar a mensagem que o superaquecimento global é um
perigo real e imediato. Uma Verdade Inconveniente traz o convincente argumento de
Gore, de que precisamos agir agora para salvar a Terra. Todos e cada um de nós
podem mudar essa situação, na maneira que vivemos nosso dia-a-dia e nos
tornarmos PARTE DA SOLUÇÃO.
HENRY FORD – Estados Unidos, 2009
Data/País de produção: Estados Unidos, 2009
Duração: 0 min.
Gênero: Documentário
Roteiro e direção:
Produção:
Distribuição: Log On Editora Multimidia
Resumo: Ele fez com que o automóvel ficasse acessível ao homem comum e o
homem comum fez dele um milionário. Henry Ford foi um dos grandes inovadores
dos nossos tempos. Quando o carro que ele inventou ficou tão popular que ele não
conseguia mais dar conta de construí-los na quantidade necessária, ele desenvolveu
a linha de montagem industrial. O resto é história. Essa produção do THE
BIOGRAPHY CHANNEL traça o perfil de um peso pesado da indústria que se
notabilizou tanto pela inventividade quanto pela intolerância. Entrevistas com exoperários e membros da família esboçam a sua carreira, desde a construção do
primeiro carro à introdução do motor V8. Esta é a fascinante história de um homem
que mudou o modo como vivemos e ironicamente colocou fim à América tradicional
que ele tanto amava.
10 Lições aprendidas com Samuel Klein, dono da “ Casas Bahia”- DVD - Finance
Educação Financeira, Barretos, SP, 2009
Vídeo Inauguração Droga Raia – São Sebastião, SP – 21.5.2008
http://www.youtube.com/watch?v=_6jnKXORUKM
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Maria Helena Sato