ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E PLANEJAMENTO MUNICIPAL: Uma Análise Neoinstitucional a partir do Caso da Prefeitura de Belo Horizonte Roberto Rocha Coelho Pires Belo Horizonte 2001 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E PLANEJAMENTO MUNICIPAL: Uma Análise Neoinstitucional a partir do Caso da Prefeitura de Belo Horizonte Monografia apresentada no CURSO SUPERIOR DE ADMINISTRAÇÃO, HABILITAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (CSAP) promovido pela ESCOLA DE GOVERNO (EG) da FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP), sob orientação de Ricardo Carneiro. Roberto Rocha Coelho Pires Belo Horizonte 2001 AGRADECIMENTOS Agradeço de forma muito especial à Flávia Brasil que colaborou intensamente, das mais diversas formas, em todas as etapas de elaboração deste trabalho. Gostaria de agradecer também ao Ricardo Carneiro, pela orientação firme, à Claudinéia Jacinto, pela atenção e acesso à informação, ao Eduardo Batitucci, pelas conversas e orientação inicial, à Vera Westin, pelo interesse e dicas metodológicas, ao Bruno Lazarotti, por sua disposição e seus bons conselhos, ao Wieland Silberschneider, pelas valiosas conversas, à Gilmara Botelho, pelo ouvido atento, e a todos aqueles da Escola de Governo que apoiaram este projeto desde o início, em especial, ao Paulo de Tarso F.S. Linhares. iii SUMÁRIO 1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................... 1 1.1 - Apresentação.......................................................................................... 1 1.2 - Relevância e necessidade de avaliação de políticas públicas inovadoras: justificativa. .......................................................................... 2 1.3 - Relevância do trabalho para o Governo do Estado de Minas Gerais. ...................................................................................................... 4 2 – INTRODUÇÃO: O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO E O SURGIMENTO DE INOVAÇÕES EM POLÍTICAS PÚBLICAS NO ÂMBITO MUNICIPAL. .................................................................................. 5 3 – PLANEJAMENTO MUNICIPAL, ORÇAMENTO PÚBLICO E ORÇAMENTO PARTICIPATIVO. ............................................................... 11 3.1 - O Orçamento Público e seu papel como instrumento de planejamento municipal. .......................................................................... 11 3.2 - Orçamento Participativo: antecedentes, caracterização geral e repercussões. ............................................................................................ 14 4 - O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DE BELO HORIZONTE: HISTÓRICO, PRINCÍPIOS E CARACTERÍSTICAS. ............................... 23 4.1 - Orçamento Participativo de 1994. ......................................................... 23 4.2 - Orçamento Participativo de 1995. ......................................................... 25 4.3 - Orçamento Participativo de 1996. ......................................................... 27 4.4 - Orçamento Participativo de 1997. ......................................................... 29 4.5 - Orçamento Participativo de 1998. ......................................................... 30 4.6 - Orçamento Participativo de 1999-2000. ................................................ 32 4.7 - Orçamento Participativo de 2001-2002. ................................................ 35 5 – NOVO INSTITUCIONALISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: CONSTRUINDO UM MODELO DE ANÁLISE. ......................................... 39 5.1 – O Novo Institucionalismo. .................................................................... 39 5.1.1 – Antecedentes e Contextualização. ........................................ 39 5.1.2 – Instituições............................................................................ 41 iv 5.1.3 - Desenho Institucional. ........................................................... 43 5.1.4 - Mudança Institucional. ......................................................... 48 5.1.5 - Heterogeneidade, sub-correntes e seus conceitos. ................ 50 a) O Novo Institucionalismo Histórico. ................................. 50 a.1) O conceito de "dependência da trajetória" (path dependence)........................................................................ 52 b) O Novo Institucionalismo na Escolha Racional. ............... 54 b.1) O conceito de "custos de transação". .......................... 55 c) O Novo Institucionalismo Sociológico. ............................. 56 5.1.6 - Análise Institucional.............................................................. 58 5.2 – Políticas Públicas. ................................................................................. 58 5.2.1 – Políticas públicas: conceitos e noções básicas. .................... 58 5.2.2 - Avaliação de políticas públicas a partir da visão neoinstitucional........................................................................ 64 6 – ANÁLISE NEOINSTITUCIONAL DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E DAS MUDANÇAS PROVOCADAS SOBRE O ESTILO DE PLANEJAMENTO DA PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. ................................................................................................... 76 6.1 - O Orçamento Participativo de Belo Horizonte e o processo de desenho institucional................................................................................ 77 6.1.1 - Funcionalidade e Legitimidade. ............................................ 77 6.1.2 - Princípios orientadores do desenho institucional. ................. 89 6.1.3 - Enforcement........................................................................... 94 6.2 - Mudança institucional: origens e efeitos das mudanças provocadas sobre o estilo de planejamento. ................................................................ 99 6.2.1 - Dependência da trajetória: identificando os fatores que sustentaram a mudança institucional. ...................................... 99 6.2.2 - A noção de custos de transação e os efeitos da mudança institucional.............................................................................. 107 a) Captação e qualificação de demandas................................ 113 a.1) Critérios de Abrangência Social e Relevância Social.................................................................................. 113 a.2) O Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU). ....... 114 a.3) Pré-requisitos de planejamento urbano. ...................... 116 a.4) Orçamento Participativo Cidade. ................................ 117 v b) Operacionalização e Organicidade..................................... 118 b.1) Precisão na elaboração de projetos. ............................ 118 b.2) Levantamento da capacidade executiva da URBEL e SUDECAP......................................................... 120 b.3) Maior autonomia financeira para as Administrações Regionais.................................................. 121 b.4) Integração e articulação intersetorial. ......................... 121 b.5) Regionalização a partir de Unidades de Planejamento. ..................................................................... 122 b.6) Bianualidade. .............................................................. 123 b.7) O Grupo Gerencial do OP........................................... 124 7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS. ....................................................................... 133 7.1 - Validade da contribuição neoinstitucional para o estudo de políticas públicas...................................................................................... 133 7.2 - Orçamento Participativo e Planejamento: conclusão. ........................... 135 8 – BIBLIOGRAFIA............................................................................................ 137 9 - APÊNDICE. .................................................................................................... 142 Relação de Entrevistas................................................................................... 143 Quadro 9.1 - Descentralização Fiscal: países latino-americanos selecionados................................................................................................... 144 Quadro 9.2 - Estratégias de Descentralização: países latino-americanos selecionados................................................................................................... 144 Quadro 9.3 - Distribuição dos Recursos Regionais e para Habitação nos Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002........................... 145 Quadro 9.4 - Distribuição de Recursos para Empreendimentos Regionais e para Habitação nos Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002........................................................................... 147 vi 1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1.1 - Apresentação A presente monografia constitui o trabalho final de graduação do Curso Superior de Administração Pública, da Escola de Governo - Fundação João Pinheiro. Este trabalho pretende representar a compilação dos conhecimentos absorvidos e trabalhados ao longo dos quatro anos de formação na área da gestão pública. Adentrando a área de avaliação de políticas públicas, esta monografia tem como objetivo analisar, à luz do aparato teórico do Novo Institucionalismo, o Orçamento Participativo da Prefeitura Belo Horizonte e as mudanças provocadas sobre o planejamento a partir de sua implementação. Visando atender tal objetivo, o presente trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: numa primeira parte (Capítulo 2), o Orçamento Participativo é apresentado enquanto uma política pública inovadora, surgida no contexto do processo de descentralização de atribuições e poderes às esferas municipais; no Capítulo 3, o orçamento público é descrito como um instrumento de planejamento municipal e é apresentada uma extensa revisão da produção acadêmica sobre o Orçamento Participativo no Brasil, apontando antecedentes, contextualização e características; em seguida, o Capítulo 4 apresenta uma retrospectiva histórica de todo o processo de implantação e desenvolvimento do Orçamento Participativo em Belo Horizonte, ressaltando cada alteração processada sobre a sua metodologia; o Capítulo 5, por sua vez, subdivide-se em duas partes, a primeira representa uma revisão teórica do Novo Institucionalismo, e a segunda, a partir do estabelecimentos de alguns conceitos e noções básicas relativas a políticas públicas, constitui um esforço de construção de um modelo / esquema de análise de políticas públicas a partir da visão neoinstitucional; na seqüência, o Capítulo 6 representa a aplicação, para o caso do Orçamento Participativo de Belo Horizonte, do modelo de avaliação desenvolvido, abordando primeiramente o momento do desenho institucional, para que num segundo momento, a partir da mudança institucional, sejam analisadas suas origens e os efeitos provocados sobre o planejamento municipal; por fim, o Capítulo 7, apresenta as 1 considerações finais e tenta estabelecer uma reflexão sobre a validade da análise neoinstitucional empreendida para o estudo de políticas públicas. 1.2 - Relevância e necessidade da avaliação de políticas públicas inovadoras: justificativa Um dos resultados verificados do processo de descentralização impulsionado após 1988 no Brasil foi o surgimento de diversos tipos de programas e projetos inovadores na gestão municipal. Trata-se de novidades que passam a ser incorporadas ao conjunto de processos e procedimentos que conformam a administração pública. Sendo assim, essas iniciativas inovadoras constituem importante objeto de avaliação. O caráter de novidade gera a necessidade de construção de uma base informacional sobre a dinâmica de “funcionamento” da política pública e sua integração junto ao ambiente institucional no qual se insere. Além disso, a relevância da avaliação de inovações, tal como afirma BOSCHI (1999), parte da constatação de que inexiste em teoria política uma explicação adequada sobre como se constróem novos desenhos institucionais na relação público - privado e, principalmente, uma vez implantados novos formatos para a produção de determinadas políticas, como estes vêm se consolidar no tempo como experiências consagradas, evidenciando a carência de uma teoria consistente da mudança institucional e do processo de institucionalização. Nesse sentido, uma política pública inovadora deveria ser avaliada minimamente em razão da necessidade de levantamento de informações acerca dos seguintes aspectos: o cumprimento de seus objetivos; necessidades e critérios para o seu aprimoramento; e bases para a sua disseminação. Iniciativas inovadoras na gestão pública local, após implementadas, devem ser avaliadas em relação ao cumprimento de seus objetivos. Por se tratar de uma novidade, os resultados obtidos devem ser monitorados para que seja possível determinar em que medida a iniciativa é bem-sucedida ou traz resultados positivos. Em casos em que os resultados esperados ou benefícios não se verificam, pode vir a ser constatado que a inovação não foi 2 capaz de agregar benefícios aos padrões anteriores de gestão, podendo ocorrer até a extinção do programa ou projeto. A avaliação de políticas públicas inovadoras adquire enorme relevância quando empreendida em prol da geração de informações para o aprimoramento desses programas ou projetos. Ao serem implementadas, essas políticas podem se deparar com a necessidade de adaptações e ajustes, na medida que estão sendo colocadas em prática pela primeira vez num determinado contexto. Avaliações para o aperfeiçoamento devem ser constantes, uma vez que o ambiente no qual políticas se inserem é dinâmico e instável, apresentando novas situações nas quais os procedimentos internos às políticas podem não se apresentarem bem adaptados. Um outro aspecto que atribui relevância à avaliação de políticas públicas é a necessidade de criação de bases e informações referenciais que possam gerar parâmetros para a disseminação das inovações. Com a descentralização e a maior autonomia delegada aos municípios, iniciativas pioneiras têm surgido por toda parte. Quanto mais rica for a base de informações sobre estas inovações, mais facilitado torna-se o processo de troca de experiências. É por esses e outros aspectos que se considera a realização de qualquer tipo de avaliação, que tenha como objeto políticas públicas inovadoras, um esforço de extrema importância. Tais esforços são fundamentais para o desenvolvimento de modelos mais aprimorados de gestão pública local. O desenvolvimento desses modelos encontra ainda forte impulso na inventividade dos governos locais, através da formulação de programas e projetos pioneiros. Antes de servirem ao aperfeiçoamento dos modelos de gestão, a avaliação de políticas inovadoras cumpre o papel fundamental de formar a base para a consolidação das iniciativas pioneiras enquanto práticas da gestão local. É nesse sentido que o presente estudo pretende avançar, sistematizando informações específicas sobre a dinâmica de funcionamento de uma das mais disseminadas e bem-sucedidas inovações surgidas no poder local: o Orçamento Participativo. Cabe ainda ressaltar que o presente esforço ganha ainda maior relevância frente a relativa carência de 3 produção teórica sobre os impactos do Orçamento Participativo sobre o planejamento e a gestão municipal. 1.3 - Relevância do trabalho para o Governo do Estado de Minas Gerais Acredita-se que o presente trabalho monográfico pode ser de grande utilidade para os envolvidos no processo de tomada de decisão no nível do governo estadual, na medida em que representa um incremento da produção teórica sobre a avaliação de políticas públicas, que por sua vez constitui subsídio para a análise e avaliação das políticas estaduais. Além disso, por se tratar de uma avaliação de política municipal, o presente trabalho acumula informações e conhecimentos que podem ser adicionados ao estoque do Estado no cumprimento de sua competência constitucional de prestar assessoramento técnico e administrativo para os municípios. É importante mencionar ainda, que a presente reflexão sobre a política do Orçamento Participativo pode se apresentar útil para o Estado, tendo em vista a tentativa de implementação do Orçamento Participativo no seu âmbito de atuação. Mesmo que inicialmente esta iniciativa não tenha sido bem sucedida, a possibilidade de novas incursões nesse sentido dotam este trabalho de significativa relevância. 4 2 - INTRODUÇÃO: O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM O SURGIMENTO DE INOVAÇÕES EM POLÍTICAS PÚBLICAS NO ÂMBITO MUNICIPAL A gestão das políticas públicas promovida pelo Estado Brasileiro, no período marcado pelo regime militar autoritário, tinha como um dos seus elementos mais característicos a centralização decisória e financeira na esfera federal. O governo central concentrava boa parte do escopo de decisões relativas ao desenho, formulação e implementação de políticas públicas, cabendo aos estados e municípios – quando estes eram envolvidos em uma política específica – o papel de apenas executá-las (FARAH, 1997; 2000a). Como sabido (ABRUCIO, 1994; DINIZ, 1985), o regime militar entra em crise, explicada, em grande parte, por aspectos ligados à legitimidade do governo. Foram dois principais conjuntos de fatores que levaram o regime à decadência: a) desequilíbrio financeiro gerado a partir da segunda crise do petróleo em 1979 e da crise da dívida em 1982, evidenciado pelo colapso do modelo de financiamento do estado desenvolvimentista (ABRUCIO, 1994); e b) a vitória oposiocionista nos principais estados da federação na eleições para governador em 1982 (ABRUCIO, 1994), proporcionada pelas reformas eleitorais. Paralelamente, conduzia-se a "transição democrática", caracterizada por um processo gradual de democratização. Tal processo constituía-se de um movimento de reformulação da estrutura legal do governo que teve, num primeiro momento, a reforma eleitoral como um dos principais aspectos (DINIZ, 1985). Já num momento posterior, o passo seguinte no processo de democratização política e administrativa concentraria esforços no sentido da descentralização. "A descentralização apresentou no ideário dos agentes decisórios uma estreita conexão com a democracia e, em certo sentido com razão, pois o ideal democrático é bem representado pelo sistema político que seja plenamente institucionalizado (...), marcado pela redistribuição efetiva de poder através do remanejamento de arenas decisórias e executivas (...) e 5 que compreenda toda a população, no sentido de possibilitar o acesso completo ao catálogo de direitos e liberdades" (PEREIRA FILHO, 1995). Em 1988, a promulgação da Constituição da República inaugura o tratamento dos municípios enquanto entes federativos, reconhecendo-os como parte indissolúvel do Estado. A descentralização preconizada por esta Constituição possibilitou a instauração paulatina de condições institucionais e políticas para uma atuação governamental mais democrática no nível local. Essa mudança constitucional vem abrindo caminhos para a instauração de novas institucionalidades que, em alguns casos, têm redefinido as relações entre Estado e sociedade (FJP, 2000). Neste quadro, o poder local é submetido a transformações no que diz respeito ao seu papel, assumindo novas responsabilidades e experimentando a exploração de novas potencialidades na busca de equacionar, quase que de forma independente, os desafios impostos pelas necessidades de desenvolvimento econômico, político e social. A descentralização implica a delegação de autonomia decisória do governo central para os governos regionais e locais, conferindo-lhes responsabilidade perante os cidadãos circunscritos nesses espaços. A rigor, a descentralização incorpora um conjunto de pelo menos três aspectos: a) administrativos - responsabilidade pela gerência da provisão de serviços públicos e gestão de políticas públicas (transferência de funções e atribuições); b) fiscais - responsabilidade na obtenção de recursos necessários ao financiamento das políticas (relativa autonomia tributária e de endividamento); e c) políticos - autonomia decisória quanto a forma de promover a política, a oferta de serviços, sua estrutura de financiamento, etc.(liberdade política) [GREMAUD, 2000]. As estratégias de descentralização e a extensão desse processo variam significativamente em diversos países da América Latina. No apêndice deste trabalho, (itens 9.1 e 9.2), encontram-se algumas tabelas e quadros que podem ilustrar melhor essa situação. O processo de descentralização foi e vem sendo largamente defendido por aqueles que encaram como um desafio a necessidade de tornar o aparato estatal cada vez mais 6 permeável ao interesse público, pela percepção dos seguintes benefícios listados por GREMAUD (2000): • do ponto de vista político, a descentralização, por permitir a incorporação direta da participação popular nas escolhas públicas através da aproximação dos atores sociais, proporciona um maior controle sobre a burocracia e uma melhor percepção acerca da solução para os problemas de uma determinada comunidade; • do ponto de vista econômico, a descentralização proporciona o aumento da eficiência alocativa, gerada pela maior facilidade de detecção das demandas em virtude da maior proximidade entre governo e governados. Além disso, essa mesma proximidade possibilita aos governos locais o desenvolvimento de estratégias para incrementar a arrecadação, capturando de maneira mais eficiente a capacidade contributiva dos cidadãos. Entretanto, a descentralização de autonomia e poder para os governos locais pode apresentar certos riscos. Quando o processo de descentralização é conduzido de forma desordenada, pode acarretar o agravamento de pelo menos dois problemas típicos: as desigualdades regionais e as dificuldades macroeconômicas. O primeiro problema refere-se ao fato de que localidades menos desenvolvidas atuando de forma mais autônoma, sem auxílio externo, encontrarão sérias dificuldades para solucionar os problemas já existentes. Enquanto localidades em estágio de desenvolvimento mais avançado poderão se tornar ainda mais dinâmicas. A descentralização também torna mais difícil a coordenação de políticas macroeconômicas nacionais. Uma vez que a autonomia é distribuída e delegada para os entes sub-nacionais, a implementação de políticas macroeconômicas nacionais conduzidas pelo governo central torna-se mais difícil e delicada, envolvendo problemas como cooperação e negociação. Em virtude desses riscos, um processo de descentralização requer o preenchimento de certos requisitos para que produza os benefícios esperados. Estes requisitos, de acordo com GREMAUD (2000), podem ser agrupados em três grandes conjuntos: a) capacitação das instâncias sub-nacionais; b) desenho das relações intergovernamentais; e c) instituições políticas. 7 O primeiro conjunto diz respeito à capacitação técnica tanto dos quadros burocráticos quanto dos aspectos infra-estruturais dos governos locais, de suma importância para que os efeitos da descentralização sejam processados em ações governamentais bem estruturadas. Quanto ao conjunto ligado às relações intergovernamentais, para que haja um processo de descentralização efetivo é necessário que seja delegada à esfera sub-nancional alguma capacidade de definição tributária, reduzindo sua dependência financeira em relação às transferências do governo central. Isso gera uma maior autonomia sobre o orçamento e, portanto, um maior grau de responsabilização para o governo local. Por fim, o terceiro conjunto de requisitos ressalta a centralidade do desenvolvimento de instituições que possam de fato incorporar a participação popular nos processos de decisão pública. Não sendo assim, a aproximação entre governo e sociedade, resultante da descentralização, não é capaz de produzir os efeitos democratizantes esperados. Dessa forma, é possível percebermos que o processo de descentralização acima definido e situado historicamente tem como um de seus elementos estruturantes a questão da participação popular. "Não havendo participação, dificilmente os benefícios da descentralização seriam alcançados" (GREMAUD, 2000). A participação passa a aparecer como resultado de mudanças que envolvem tanto a sociedade quanto o governo. De um lado, ocorre a aproximação entre governante e governado, de outro, o governo é dotado de maior autonomia para melhor atender as demandas específicas de sua comunidade local. Tal fenômeno é claramente percebido através do surgimento de programas e projetos municipais inovadores, em grande parte, orientados pela busca por maior inclusão da população nos processos de gestão e tomada de decisão. Marta Farah1 relata que a análise das inovações enquanto conjunto aponta para uma ampliação da cidadania aliada a uma busca por maior responsabilização na utilização dos recursos públicos (Informação verbal, em 15 de maio de 2001). Esse conjunto de inovações, agora examinado de forma desagregada, apresenta-se a partir de dois grandes blocos de iniciativas públicas: o 1 Coordenadora do programa “Gestão Pública e Cidadania – FGV / Fundação Ford”, que premia anualmente políticas públicas inovadoras e mantém um extenso banco de dados, em palestra proferida no “Curso de Gestão Urbana e de Cidades” – Fundação João Pinheiro, maio de 2001. 8 primeiro, caracterizado pelo surgimento de novas políticas públicas; e o segundo, ligado a novas formas de gestão e processos (FARAH, 2000b). O Bloco das novas políticas públicas é marcado pela inauguração de novas áreas de atuação – envolvendo, por exemplo, a questão ambiental, novos segmentos da população (ampliação da cidadania e acesso a direitos), desenvolvimento local (geração de emprego e renda) e apoio ao produtor rural – assim como novas formas de concepção das políticas – que incluem, dentre outros, uma visão de sustentabilidade e empowerment, saúde preventiva, redução da evasão na educação, assistência à criança e à mulher. O segundo bloco, referente às novas formas de gestão e processos, engloba inovações em políticas públicas que visam produzir efeito no sentido de incluir novos atores; melhorar o atendimento e o acesso à informação para o cidadão; articular esferas de governo; buscar a intersetorialidade e a articulação intra-governamental; e, por fim, gerar novas técnicas administrativas em programas e organizações. Esses programas e projetos inovadores, que têm surgido na última década, têm demonstrado possuir um enorme potencial reformador da gestão pública local, por meio da adoção de práticas que vêm reformulando o relacionamento entre Estado e sociedade. Nesse relacionamento, a noção de parceria é introduzida como condição para uma administração bem-sucedida. Muitas prefeituras conseguiram importantes ganhos de produtividade com o aperfeiçoamento dos mecanismos de participação popular em seus programas estruturadores (SOARES & GONDIM, 1998). Partindo dessa constatação, muitos governos locais que buscavam pensar a participação num sentido mais profundo, de partilha de poder envolvendo a formulação e implementação de políticas públicas, perceberam a necessidade de buscar mecanismos capazes de institucionalizar os processos participativos, de modo a assegurar-lhes continuidade e eficácia. Sendo assim, a institucionalização do processo participativo sob a forma de "conselhos" passou a predominar sobre as formas mais autônomas e menos organizadas de participação popular (SOARES & GONDIM, 1998). 9 De maneira geral, os "conselhos" ditos acima, sob os quais a participação toma forma, podem ser classificados em dois tipos: aqueles que se destinam a aprimorar a performance de programas já instituídos e fiscalizar a aplicação de recursos existentes; e aqueles que introduzem a participação em decisões concernentes à própria definição de programas e projetos de natureza variada. Neste último conjunto, destaca-se o Orçamento Participativo, objeto de estudo do presente trabalho, que veio a se constituir no experimento mais visível, e possivelmente o mais avançado, de democratização de governos locais no Brasil. 10 3 - PLANEJAMENTO MUNICIPAL, ORÇAMENTO PÚBLICO E ORÇAMENTO PARTICIPATIVO 3.1 - O Orçamento Público e seu papel como instrumento de planejamento municipal "O orçamento público, hoje em dia é um dos instrumentos mais importantes e corriqueiros de gestão dos negócios de uma coletividade politicamente organizada" (SOUZA, 2000). Como reflexo de tal afirmação, o orçamento constitui, a partir do ponto de vista político-institucional, de acordo com SILBERSCHNEIDER (1998), a síntese do compromisso de contribuições da sociedade e de realizações do governo, tal como um contrato firmado entre governo e sociedade que reflete, em termos monetários, o que o governo faz pelo povo e o que o povo contribui para o governo. A formalização do orçamento público encontra sua origem nos sistemas feudalistas da Idade Média. O método de orçamentação empregado nessa época – conhecido como “tradicional” – centrava-se claramente na função de controle no que diz respeito aos aspectos contábeis, dando ênfase aos objetos de gasto e ao estrito emprego das dotações nos fins (elementos e itens de despesa) para os quais foram concedidos (SANCHES, 1997). O orçamento era, então, um instrumento jurídico sem maior complexidade, que atuava como mecanismo de controle através da fixação dos meios (objetos de gasto) para que o poder governante executasse as tarefas definidas. Com o tempo, a peça orçamentária veio mostrar-se mais claramente como um instrumento de administração e não tanto como um mecanismo de controle político sobre o executivo (SOUZA, 2000). Sustentado pelo advento da racionalização administrativa, através da consolidação da administração enquanto ciência no início do século XX, surge a metodologia do orçamento-programa. Essa metodologia pode ser definida através do processo de fixação de despesas públicas a partir da identificação das necessidades públicas segundo níveis de prioridade e estruturas apropriadas de classificação da programação. Neste modelo, os itens de gasto devem ser explicitados por unidade executora e programa de trabalho (SANCHES, 1997). Enquanto que na metodologia de orçamentação tradicional 11 o orçamento é dissociado do planejamento e da programação, no orçamento programa o processo orçamentário é um elo entre o planejamento e as funções executivas do estado. A alocação de recursos tem em vista a realização de metas e as decisões orçamentárias levam em conta análises de diversas alternativas (SOUZA, 2000). Dessa forma, podemos dizer que o orçamento programa consegue articular aspectos ligados tanto à dimensão da gestão quanto à do planejamento. É interessante esclarecer que quando pensamos planejamento e gestão estamos tratando de atividades marcadamente diferentes que podem vir a ser confundidas mas não se substituem. A marca da distinção reside principalmente no aspecto temporal. Gestão pode ser entendida como a administração dos recursos (de todos os tipos) e dos problemas no tempo presente. Por sua vez, o planejamento é a preparação para o futuro, voltada para evitar ou minimizar problemas e melhor explorar potencialidades. Perceber a distinção não nos livra da constatação óbvia e necessária da interface existente entre gestão e planejamento. No Brasil, o orçamento público - da União, dos Estados e Municípios - é, em princípio, o documento anualmente aprovado com a finalidade de evidenciar, em termos qualitativos e quantitativos, física e monetariamente, as políticas econômico-financeiras e o programa de trabalho que o governo pretende executar no período de um ano (SILVA, 1997). Sendo assim, é possível definirmos o orçamento público no Brasil como uma tradução financeira de um plano de ação. De fato, no processo de planejamento, cada fase de decisão de natureza política corresponde a uma fase de natureza financeira. Além disso, como no caso brasileiro o orçamento público é anual, o processo de confecção da peça orçamentária representa a elaboração de um plano de trabalho que articula e organiza um vasto conjunto de ações em diversos setores pelo período de um ano. Assim, mesmo sendo um período relativamente curto, o processo de orçamentação, em sua maior parte, não trata de decisões isoladas, constituindo um instrumento de planejamento de curto prazo que agrega as metas e os recursos financeiros disponíveis para o seu atingimento. Transferindo o foco para o âmbito municipal, podemos dizer que a elaboração anual do orçamento constitui o momento em que o poder público local, tendo em vista suas 12 funções e competências, define os programas, projetos e atividades que irá empreender. De alguma forma, o orçamento municipal expressa a forma como a administração pretende lidar com as suas funções e competências - que podem ser verificadas na constituição e na Lei Orgânica Municipal. Tal reflexão em relação à forma de atuação constitui, sem dúvida, uma atividade de planejamento. Tal como afirma AZEVEDO (1994a), o planejamento municipal tem a função de pensar a cidade a curto, médio e longo prazo, e compatibilizar as políticas setoriais e as intervenções pontuais com os objetivos ali estabelecidos. Ainda segundo o mesmo autor, dentro desta perspectiva, caberia ao planejamento a tarefa de realizar estudos e pesquisas prospectivos que forneçam subsídios para a formulação de políticas, bem como para análises do seu impacto sobre a estrutura urbana. Tais esforços permitiriam avaliar os benefícios potenciais destas políticas, alguns dos efeitos colaterais perversos que possam vir a produzir, os obstáculos que cercam sua implementação, bem como as correções de rotas e reordenamento de prioridades que se fizerem necessários. Além do que já foi exposto acima, um outro fato que demonstra a existência da forte relação entre orçamento e planejamento no âmbito municipal é o Estatuto da Cidade. Tal estatuto constitui a lei complementar que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição da República, estabelecendo as diretrizes gerais da política urbana no país. Nele, o inciso III do artigo 4º destaca não apenas o orçamento anual, mas também, a gestão orçamentária participativa, como instrumentos de planejamento municipal (BRASIL, 2000). 13 3.2 - Orçamento Participativo: antecedentes, caracterização geral e repercussões Apesar de muitos associarem o surgimento do orçamento participativo à experiência do município de Porto Alegre (RS) – a mais ousada e consolidada, cujo início data de 1989 – outras iniciativas já haviam sido empreendidas no Brasil no final dos anos 70. Ainda durante o regime militar, registraram-se experimentos em Lages (SC), Vila Velha (ES) e Pelotas (RS) que tiveram pouca visibilidade e vida curta dadas as condições restritivas do contexto político do momento (SOUZA, 2000). De acordo com SOMARRIBA & DULCI (1997), estas experiências de orçamento participativo, somadas a outras iniciativas de incorporação da participação popular na gestão pública que também ocorrereram no período de regime autoritário, constituíram o primeiro momento de evolução das formas de democracia local no Brasil. O segundo momento, localizado temporalmente na transição entre o regime militar e o civil (1983-88), foi caracterizado pela predominância de esforços de descentralização administrativa em grandes capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza, Porto Alegre), acompanhados de ensaios, ainda que pouco sistemáticos, e abertura dos governos à participação popular. O terceiro momento, por sua vez, ocorreu já na vigência da nova Constituição, correspondendo às gestões municipais eleitas em 1988, dentre as quais adquiriram grande realce as administrações do PT, cuja marca principal era a proposta de orçamento participativo. Por fim, SOMARRIBA & DULCI (1997) ainda destacam um quarto momento dessa seqüência, referenciado pelas administrações eleitas em 1992. Algumas delas dinamizaram as experiências participativas em curso, enquanto outras as introduziram pela primeira vez - como é o caso de Belo Horizonte. Nesta fase, a idéia de gestão participativa adquiriu maior solidez e popularidade, notadamente pelo amadurecimento do orçamento participativo enquanto prática. Ao longo desses momentos de evolução das formas de democracia local no Brasil, dois elementos ou atores adquirem grande relevância no processo de mudança no 14 relacionamento entre o poder público e a sociedade. Trata-se do papel dos movimentos sociais urbanos e das associações civis, e o ideário dos partidos comprometidos com projetos democrático-populares – em destaque o Partido dos Trabalhadores. A decadência do regime autoritário abriu terreno para a emergência dos “movimentos sociais urbanos”, incluindo aqueles movimentos orientados primariamente para fins de natureza valorativa e normativa, assim como movimentos reivindicatórios (associações de bairro e favela, movimentos pela melhoria do transporte de determinadas regiões), cujo objetivo era o desenvolvimento de uma estratégia junto ao Estado visando melhorias urbanas (AZEVEDO & AVRITZER, 1994). Em sua maioria ligados à igreja, esses movimentos significaram a recuperação da idéia de sujeito e ator social por indivíduos e grupos, antes apenas objetos do processo de decisão por parte do Estado. Um aspecto importante associado a esses movimentos foi a intensa proliferação de associações sociais acompanhada por uma mudança no perfil de seus membros, caracterizada por uma melhor qualificação e incorporação de novos atores (AZEVEDO & AVRITZER, 1994b). Dessa forma, é possível dizer que os movimentos sociais urbanos foram responsáveis por um impacto significativo na arena societária, mesmo que a sua inclusão na estrutura específica de organização do Estado não tenha ocorrido prontamente. Assim como os movimentos sociais urbanos contribuíram fortemente para que fosse criado um ambiente sócio-político propício para o surgimento de experiências participativas, como o orçamento participativo, o papel do Partido dos Trabalhadores e outros partidos comprometidos com projetos democráticos foi fundamental. É possível dizer que o Partido dos Trabalhadores é o mentor das experiências de orçamento participativo no país, tendo incorporado essa iniciativa como elemento central de seus programas de governo, atuando como principal difusor da prática do orçamento participativo nos municípios brasileiros. A proposta de incorporação da participação popular na elaboração da peça orçamentária surge, então, fundamentada em uma série de críticas sobre os pressupostos que definiam o Estado como único ator legítimo e tecnicamente competente para decidir 15 sobre a destinação dos recursos públicos. De acordo com SOUZA (2000), essas críticas são: 1) a administração e o planejamento “racionais” fundamentam-se em uma racionalidade estreita, instrumental (otimização dos meios, presunção tácita quanto aos fins e banalização, encobrimento ou mistificação dos fins, os quais dizem respeito, essencialmente, à reprodução do próprio sistema e das desigualdades que ele acarreta); 2) a “razão” invocada. A pretexto de ser universal e garantir julgamentos imparciais, abafa a alteridade, exclui e serve à opressão, por assumir como ideal um conjunto homogêneo de cidadãos, onde a “norma” implícita determina os valores e comportamentos dominantes, o que nega ou diminui os valores de grupos oprimidos devido a sua etnia, gênero, etc.; 3) o Estado não é “neutro”, nem pode sê-lo, uma vez que é antes uma condensação da relação de forças entre classes, de tal forma que tende a produzir intervenções conforme os interesses dos grupos e classes dominantes (que dispõem de mais recursos e maior capacidade de influência); 4) tanto ao legislativo quanto ao executivo faltam transparência, sendo ambos deficitários em matéria de accountability; 5) a representatividade num sistema democrático pode vir a ocorrer de forma distorcida e precária, uma vez que muitas vezes os políticos estão envolvidos em redes de favores e interesses (financiamento de campanha, grupos econômicos, oligarquias políticas tradicionais, construção de imagem, etc.). Além disso, a representação é como passar um "cheque em branco", evidenciando a carência de mecanismos efetivos de controle (transparência, acesso a informações, revogabilidade de mandatos, etc.); 6) pouco transparente e distante, a política passa naturalmente a ser presa fácil da corrupção, reforçando atitudes de apatia política e pronta aquiescência por parte dos cidadãos. Assim, orientado para a superação destes “déficits”, o orçamento participativo busca repolitizar a discussão do orçamento público. Na sua essência, o orçamento 16 participativo consiste na abertura do aparelho do estado à possibilidade da população participar diretamente nas decisões a respeito dos objetivos dos investimentos públicos, intervindo na confecção da peça orçamentária. De forma geral, numa tentativa de identificação de um padrão nas diversas metodologias existentes, deixando de lado as peculiaridade de cada caso, é possível descrevermos a prática do orçamento participativo. Normalmente, as metodologias partem da elaboração de critérios de participação e atendimento às demandas, da definição das instâncias de participação e suas competências, e de uma regionalização da administração pública local. A partir de sua instituição, as regiões (no caso de Belo Horizonte chamadas de “administrações regionais”) tornam-se a referência espacial para a realização de plenárias, fornecendo os limites geográficos para a participação e formulação de demandas. As plenárias, por sua vez, representam o espaço institucional inicial da participação popular na dinâmica do orçamento participativo. Usualmente, são realizadas em série e têm como objetivo, primeiramente, apresentar a prestação de contas do ano anterior assim como a situação fiscal da prefeitura e o volume de recursos destinado ao orçamento participativo naquele ano; num segundo momento, realiza-se a captação das demandas, para que num momento posterior estas sejam priorizadas frente as condições de viabilidade. Neste último momento, são eleitos conselheiros ou delegados, que em alguns casos se organizam em grupos técnicos ou temáticos e passam a compor um conselho municipal de orçamento, juntamente com representantes da prefeitura, tornando-se responsáveis pela discussão e decisão acerca do orçamento participativo como um todo. Esses conselhos podem ser consultivos ou deliberativos, mas a elaboração do plano de investimento advém da discussão entre membros da prefeitura e conselheiros eleitos. A partir daí, é elaborada a proposta orçamentária, encaminhada pelo Executivo à Câmara de Vereadores. Normalmente, essa etapa é sucedida pela fiscalização popular das obras e empreendimentos eleitos. Essa fiscalização, na maioria dos casos, é feita por um grupo previamente definido. Em alguns casos, verifica-se uma fiscalização realmente efetiva, porém, noutros existe uma carência de melhor organização e instrumentalização (CARVALHO & FELGUEIRAS, 2000; PAULICS, 2000). 17 Não há dúvida de que a descrição acima é por demais imprecisa, pois o formato de um orçamento participativo deve ser adaptado à realidade sócio-política e cultural de cada cidade, mas torna-se relevante na medida em que revela um padrão recorrente de operacionalização de uma política pública que incorpora a participação na definição do orçamento público. É importante também reconhecermos este padrão uma vez que a introdução da participação popular na gestão pública é algo extremamente complexo e delicado, envolvendo aspectos políticos e conteúdos técnicos nem sempre acessíveis aos participantes. A identificação de uma forma de se operacionalizar a participação popular pode, contudo, render a abertura de novos caminhos para a democratização de outros aspectos e dimensões da atividade pública, proporcionando um aprofundamento normativo, institucional e procedimental da democracia direta. Em alguma medida, devemos reconhecer que a complexificação da sociedade e, consequentemente, da atividade governamental impõe riscos ao princípio da participação, seja ela direta ou representativa. AZEVEDO & AVRITZER (1994b), numa discussão entre democracia e complexidade, recuperam na literatura posturas que descrevem a complexidade como uma barreira à participação, além de outras abordagens que resgatam o valor e a complementariedade entre discutir, negociar e implementar. Iniciando com a justificativa de Bobbio (apud AZEVEDO & AVRITZER, 1994b) de que as promessas não cumpridas da democracia encontram explicação na complexificação da sociedade, os autores resgatam, posteriormente, o argumento weberiano de que a burocracia, regida por um padrão impessoal e hierárquico, baseado na racionalidade dos processos no enfrentamento das complexas questões postas, retira o controle dos indivíduos das questões públicas ligadas a suas vidas cotidianas, apontando no sentido contrário à democratização. Na seqüência, são apresentadas a teoria habermasiana e a teoria contemporânea da sociedade civil que distinguem o processo de discussão e debate político do processo de complexificação do Estado moderno. “Dentro dessas perspectivas, o problema da democratização assume uma nova dimensão qual seja, a da capacidade ou incapacidade do Estado de estabelecer mediações com dimensões institucionais fora de seu controle” (AZEVEDO & AVRITZER, 1994b). Ou seja, a capacidade de incorporar a participação 18 mesmo dentro de um contexto em que as ações governamentais estão envoltas por grande complexidade técnica e política. Nessa perspectiva, a relação entre complexidade e participação encontra uma solução na percepção da complementariedade entre o debate público e a execução de políticas, não havendo como mensurar a riqueza da publicização da discussão acerca das atividades do poder público. No Brasil, a relação entre complexidade e participação no período compreendido entre a década de 30 e 80 demonstrou, de certa forma, possuir maior afinidade com a perspectiva weberiana, materializando-se através do fenômeno do insulamento burocrático e do perfil meritocrático-particularista de implementação de políticas sociais. Nesse período o Estado demonstrou completa incapacidade de integrar, no interior de seu aparato administrativo, quaisquer interesses que não fossem os da racionalização econômica ou o da reprodução das máquinas clientelistas particularistas. Assim, tal como afirmam AZEVEDO & AVRITZER (1994b), a participação popular em políticas públicas era instrumental e restrita quanto, por exemplo, ao fornecimento de mão-de-obras em mutirões. A reformulação dessa situação num contexto de redemocratização, só pode ser efetivada mediante a capacidade de se criar formas modernas, públicas e pluralistas de mediação entre o Estado e a sociedade civil, integrando a participação popular nos processos de tomada de decisão. “Tratar-se-ia de substituir o corporativismo e o clientelismo informais e não institucionalizados que beneficiam os grupos com maior poder econômico ou político, por uma arena institucional onde todos os setores interessados em uma determinada política pública possam discutir os seus rumos num fórum com regras claras e transparentes” (AZEVEDO & AVRITZER, 1994b). A implementação de uma política pública como o Orçamento Participativo é considerada por muitos (ABBERS, 2000; AZEVEDO & AVRITZER, 1994b; BOSCHI, 1999; FILGUEIRAS, 2000; GOMES, 2000; SILBERSCHNEIDER, 1998; SOMARRIBA, 1997; SOUZA, 2000; TONOLIER, 2000;) como uma iniciativa ou "boa prática" de governo, uma vez que atua de forma a ampliar a governança, tornando os governos mais 19 sensíveis à necessidade de reformulação de sua relação com a sociedade. A base para essa mudança no padrão de relacionamento encontra-se na criação de um fluxo de comunicação entre governantes e cidadãos. Ao promover a discussão popular sobre o conteúdo do orçamento público, o Orçamento Participativo inaugura acessos ou caminhos para que informações fluam tanto para o lado do governo quanto para o lado dos cidadãos. O Orçamento Participativo possibilita que o governo capte, com maior facilidade e precisão, as demandas sociais. Tais informações são imprescindíveis para a fundamentação de decisões ligadas à alocação dos recursos públicos. É possível dizer que o orçamento participativo atua, de certa forma, como um permanente diagnóstico de necessidades e carências, através do diálogo recorrente e estruturado que tal política proporciona. Por outro lado, os participantes das assembléias do orçamento participativo adquirem considerável noção sobre a dinâmica e os processos burocráticos que caracterizam a administração pública e, consequentemente, os limites objetivos às suas demandas. Essa consciência, que passa a ser gerada com a implementação de tal política, não só possibilita ao cidadão entender melhor o governo, mas também, torna o diálogo e a negociação mais fluida entre Estado e sociedade na busca do objetivo de compatibilizar as necessidades da população e as possibilidades da administração pública. Esse fluxo de informação gerado através do Orçamento Participativo acarreta, por conseqüência, a construção de um instrumento eficaz de controle público, além de criar expectativas de incremento de capital social. Com relação ao controle público, é possível dizer que o fluxo de informação que o orçamento participativo inaugura proporciona aos cidadãos bases e referências para a contestação do Poder Público. A dinâmica do Orçamento Participativo torna mais transparente o processo de gestão pública e, assim, rompe com "a falta de publicidade na elaboração das propostas administrativas, o particularismo das escolhas ligadas a interesses clientelares e a incapacidade de legitimação de um estado cujas opções políticas são baseadas nos dois primeiros aspectos" (AZEVEDO & AVRITZER, 1994b). 20 Através da discussão pública do orçamento, o histórico comportamento da administração pública de tratar a destinação dos recursos públicos de forma hermética, centralizadora, tecnocrática e marcadamente sem transparência, cede à possibilidade de participação direta da sociedade civil na formatação de ações governamentais. Torna-se patente que a introdução da discussão pública do orçamento apresenta-se como variável política capaz de alterar a qualidade da negociação de benefícios sociais entre governantes e governados, na medida em que a geração de um novo espaço público não-estatal possibilita a potencialização da governança através da agregação de novos agentes políticos na negociação da ação governamental, provocando o incremento das exigências de accountability (SILBERSCHNEIDER, 1998). Apesar das diversas dificuldades metodológicas que impõem obstáculos à verificação empírica, acredita-se que o Orçamento Participativo tem potencial de atuação como indutor de capital social (de acordo com os indicadores apresentados por Robert Putnam)2. Na medida em que o Orçamento Participativo incentiva um envolvimento maior dos indivíduos com questões coletivas e, por conseqüência, com o Poder Público, verificase uma tendência por maior organização dos indivíduos enquanto sociedade civil, além da formação e capacitação de lideranças. De acordo com AZEVEDO & AVRITZER (1994b), "a dinâmica do OP possui uma potencialidade educativa enorme referente aos ganhos em várias dimensões da cidadania". ABERS (2000) ainda complementa, a partir de uma pesquisa realizada em Porto Alegre, que os participantes do orçamento participativo desenvolveram uma série de habilidades democráticas, principalmente no que diz respeito à aquisição de hábitos indispensáveis ao processo de tomada de decisão coletiva. Portanto, o Orçamento Participativo se apresenta como um instrumento com grande potencial para promover o alargamento da esfera pública3 (SOMARRIBA & DULCI, 1997), através da incorporação de novos atores e da ampliação das bases e conteúdos para a discussão pública. Nesse sentido, políticas, tais como o Orçamento 2 Em seu livro "Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna". Ed. FGV, 1996. No sentido apresentado por Jürgen Habermas. Vide: FARIA, Claúdia F. "Democracia deliberativa: Habermas, Cohen e Bohman". Revista Lua Nova, n. 50, 2000. e HABERMAS, Jürgen. "Três modelos normativos de democracia". Cadernos do Legislativo, n. 3, 1995. 3 21 Participativo, apresentam novas possibilidades para remodelar as relações entre Estado e sociedade, a partir da efetivação de princípios básicos do modelo democrático. 22 4 - O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DE BELO HORIZONTE: HISTÓRICO, PRINCÍPIOS E METODOLOGIA O Orçamento Participativo de Belo Horizonte será apresentado neste tópico a partir de uma organização cronológica das informações. Serão apresentados os orçamentos participativos de cada ano, desde 1994 até 2001-2002, com suas características básicas, bem como as específicas. As informações apresentadas a seguir baseiam-se em dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Planejamento de Belo Horizonte (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000a; 2000b; 2000c). 4.1 - Orçamento Participativo de 1994 A implementação do orçamento participativo em Belo Horizonte teve início em 1993, quando foi realizado um trabalho de preparação interna que visava envolver o conjunto do governo para que, já a partir desse mesmo ano, começasse a discussão com a população sobre o orçamento de 1994. Essa preparação abrangeu órgãos da administração direta e indireta que indicaram um Coordenador de Participação Popular (CPP). Os coordenadores, junto com os administradores das nove administrações regionais da capital e a coordenação geral do OP– formada por representantes das Secretarias Municipais de Planejamento e Governo – constituíram um fórum que discutiu e preparou todo o processo do orçamento participativo de Belo Horizonte. A partir das discussões nesse fórum ficou decidido que a participação popular teria caráter deliberativo, com a população definindo de fato os Planos Regionais de Obras, expressando as prioridades orçamentárias de cada administração regional. Também foi definido que do montante de recursos ordinários do tesouro (ROT) disponível para investimentos, 50% seria destinado ao orçamento participativo, correspondente a 5% da receita, enquanto que os outros 50% da capacidade de investimento da prefeitura estaria reservada para investimentos gerais na cidade. Do recurso destinado ao orçamento participativo, 50% seria dividido igualmente entre as nove regiões administrativas do 23 município e os outros 50% seriam distribuídos conforme índice que levava em consideração a população de cada região e sua renda média, cabendo mais recursos às regiões de maior população e menor renda. Assim, o orçamento participativo para o ano de 1994 organizou-se a partir da divisão das regiões administrativas em sub-regiões, de acordo com a população e de forma que não houvesse grandes barreiras físicas internas a elas. Cada região foi dividida de três a seis sub-regiões, totalizando 37 sub-regiões no conjunto da cidade. O processo era composto por 6 etapas: 3 rodadas de assembléias participativas nas sub-regiões, a “Caravana de Prioridades”, os “Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias” e, por fim, o “Encontro Municipal de Prioridades Orçamentárias”. Na primeira rodada, foi feito um trabalho informativo, visando conscientizar os participantes sobre o orçamento municipal, a situação econômico-financeira da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH), os projetos concluídos e em andamento da prefeitura, além de toda uma explicação sobre os processos e a forma de realização do orçamento participativo. Na segunda rodada, foram realizados debates em cada região sobre suas respectivas realidades sociais, com diagnóstico dos equipamentos públicos existentes; foi informado o montante de recursos disponíveis para investimento na região; foi realizada uma discussão preliminar das prioridades; e foram distribuídos formulários para levantamento dessas prioridades, solicitando a descrição da obra, sua localização, nível de prioridade e população beneficiada. Na terceira rodada, por sua vez, houve o recebimento dos formulários preenchidos e a eleição de três áreas de interesse social. Em cada uma dessas áreas sociais foram definidos três investimentos por sub-região. Algumas regiões optaram pela escolha de nove investimentos prioritários, independentemente da discussão por área. Uma vez escolhidos, os investimentos foram encaminhados aos órgãos executores – a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (SUDECAP) e a Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (URBEL) – para que fosse feita a estimativa de custo referente a cada projeto. Nesta rodada, ocorreu ainda a eleição dos representantes de cada sub-região e a indicação dos representantes das Associações de Moradores e de outras entidades organizadas para participação no Fórum regional de Prioridades Orçamentárias. 24 A quarta etapa do processo foi a “Caravana de Prioridades”. Neste momento, os delegados eleitos na etapa anterior (representantes) visitaram todas as obras priorizadas nas terceiras rodadas, proporcionando um conhecimento “in loco” das demandas e uma visão ampla das necessidades e carências da região. Em seqüência foram realizados os Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias, correspondentes à quinta etapa do processo, onde os 1.128 delegados eleitos discutiram as prioridades de investimento nas sub-regiões e aprovaram o Plano de Obras Regional. Nesta etapa, também foram eleitos os membros das Comissões Regionais de Acompanhamento e Fiscalização da Execução do Orçamento Participativo (COMFORÇAS). Por fim, o I Encontro Municipal de Prioridades Orçamentárias, a sexta etapa do processo, composto por representantes eleitos em cada Fórum Regional (3 representantes por fórum), representa o momento em que o prefeito entrega aos representantes das COMFORÇAS os Planos de Obras Regionais, comprometendo-se com sua realização. Após o encontro municipal, os investimentos aprovados foram integrados ao orçamento global da PBH e à proposta orçamentária encaminhada à Câmara Municipal. O Orçamento Participativo de 1994 (OP 94) envolveu mais de 15 mil participantes na discussão e definição de 171 investimentos, assim distribuídos: 70% saneamento, infraestrutura e urbanização de vilas e conjuntos habitacionais; 11% para educação; 10% para saúde; 4% para habitação e 5% para outros empreendimentos. 4.2 - Orçamento Participativo de 1995 Em 1994, durante a elaboração do orçamento participativo para o ano de 1995, constituíam-se metas principais: a realização de prioridades aprovadas em 1993 (orçamento de 1994); ampliação as discussões do orçamento participativo, incluindo as despesas de custeio e de pessoal em fóruns específicos, atendendo às expectativas apontadas pelos delegados nos Fóruns Regionais, por membros da Administração Municipal e dos partidos que compunham o governo; e a viabilização do aumento de recursos para o OP. Além 25 disso, também apresentava-se como medida necessária o aprofundamento da relação com a Câmara Municipal e o aperfeiçoamento da comunicação com a sociedade. Para agilizar a execução das obras foi criada a Coordenação do Plano de Obras do Orçamento Participativo, envolvendo os órgão executores (SUDECAP, URBEL e Administrações Regionais) e a Coordenação do OP (Secretaria de Planejamento e de Governo). Com o intuito de buscar ampliar a discussão do orçamento participativo em 1995 foi realizado o OP Setorial, envolvendo cinco áreas (saúde, educação, meio ambiente, desenvolvimento social e Administração de RH). A elaboração dos orçamentos setoriais tradicionalmente envolve apenas a diretoria de Administração e Finanças e o titular da pasta, mas dessa vez, o funcionalismo foi convidado a participar com o objetivo de democratizar as decisões, possibilitando a elaboração de um relatório contendo dois ou três projetos e/ou atividades prioritárias, com diretrizes e metas para o ano de 1995. Os relatórios com as indicações de atividades e projetos prioritários de cada órgão foram discutidos em seus respectivos Fóruns Setoriais, abertos a todas entidades representativas e cidadãos interessados. A população presente pôde aprovar recomendações, propondo alterações nos projetos / atividades ou a redistribuição de recursos. Nestes Fóruns, também, era realizada a eleição de representantes que iriam participar do II Encontro Municipal de Prioridades Orçamentárias. O levantamento e a priorização de investimentos para 1995 repetiram, em sua estrutura, o processo do ano anterior, embora com alguns ajustes. O primeiro deles foi a inclusão na estimativa de custo dos investimentos de material permanente e de despesas referentes a pessoal e custeio para um ano, no caso de equipamentos sociais. Para tal, as Secretarias "fim", como saúde, educação, dentre outras, foram convidadas a dar parecer sobre a necessidade das obras e os custos dos equipamentos. Além disso, foi elaborado um novo formulário para demandas, com melhores orientações para o preenchimento, possibilitando ainda um melhor dimensionamento dos custos. Um outro ajuste foi a inclusão, na pauta da Primeira Rodada de Assembléias Populares, da prestação de contas referente à execução das obras do OP 94, com a 26 distribuição de uma publicação informando sobre a realização de cada obra. Além disso, na Segunda Rodada foram apresentadas as diretrizes gerais do Plano Diretor de Belo Horizonte, que estava em elaboração, e a relação dos problemas locais da sub-região e da região com os problemas estruturais da cidade, promovendo um debate com presentes nas Segundas Rodadas e com membros das COMFORÇA. No OP 95, entre a Segunda e a Terceira Rodada foram introduzidas em algumas regionais, as reuniões por agrupamentos de bairros, onde eram levantadas as demandas por investimento. O agrupamento de bairros é uma divisão territorial menor do que a sub-região e, por isso, possibilitou maior envolvimento por parte dos moradores. Cada sub-região pôde compor no máximo nove agrupamentos de bairros, e cada agrupamento pôde indicar um investimento, perfazendo um total de nove demandas por sub-região na terceira rodada. Nesta rodada, foram apresentados os resultados dos Fóruns Setoriais, escolhidas as obras e eleitos os delegados para participarem dos Fóruns Regionais. Após os Fóruns Regionais, ocorreu o II Encontro Municipal de Prioridades Orçamentárias, com a participação dos membros das COMFORÇA e dos delegados dos Fóruns Setoriais, que apresentaram os Planos de Obras e as suas deliberações ao prefeito e a outros representantes da Administração Municipal e da Câmara Municipal. A participação popular no OP 95 alcançou mais de 28 mil presenças. Os 1.243 delegados elegeram 166 investimentos, sendo: 71% para saneamento, infra-estrutura e urbanização de vilas e conjuntos; 5% para educação; 10% para saúde; 7% para habitação e 7% referente a outros investimentos. 4.3 - Orçamento Participativo de 1996 Com vistas a consolidar uma nova forma de governar, a PBH inicia o OP 96 fixando duas metas principais: realizar as prioridades aprovadas em 1993 e 1994, causando uma verdadeira revolução no cotidiano da administração pública para garantir o redirecionamento do governo municipal ao atendimento das necessidades sociais básicas, 27 através de procedimentos democráticos; e aperfeiçoar o procedimento do orçamento participativo em Belo Horizonte, tanto na definição dos investimentos, incluindo o aumento de recursos, quanto na relação com a sociedade. Houve um expressivo aumento de recursos para o OP 96 e um maior envolvimento de todo o governo. Além do Fórum de discussão do OP formado pelos Coordenadores de Participação Popular de todos os órgãos, os Administradores Regionais e os representantes das Secretarias de Planejamento e Governo, foram realizadas reuniões do secretariado com o prefeito para debater o processo. A Primeira Rodada foi realizada de forma unificada e não mais por sub-regiões, com a presença do prefeito, de membros de seu secretariado e de representantes da Câmara Municipal. Desta vez, a prestação de contas sobre as obras definidas nos OP 94 e 95 foi feita através do jornal Horizonte Aberto Especial. Nesta edição do OP houve um grande esforço, através de uma companha de comunicação e mobilização social (em rádio, TV, jornal, folders, cartazes, adesivos, camisetas, cartilhas e exposições), esclarecendo ao público o funcionamento do orçamento participativo, buscando sensibilizar e demonstrar que o OP é um instrumento democrático e justo para administrar a cidade de forma mais eficiente. Era preciso aperfeiçoar o processo de definição de investimentos regionais através da consolidação, junto às COMFORÇA e à população, do princípio de que as obras escolhidas deveriam beneficiar o maior número possível de pessoas da região. Já no primeiro ano do processo colocava-se este critério, mas, compreensivelmente, a população não foi capaz de quantificar essa variável, sendo ela então descartada pela Administração no OP 95. Mas esse critério precisava ser retomado para ser coerente com o processo de escolha de prioridades. Foi então elaborada, em conjunto com as COMFORÇA, uma pauta de investimentos para o desenvolvimento regional, de até cinco obras, a partir das demandas já levantadas no OP 94 e OP 95. Esta pauta foi apresentada na Segunda Rodada de 28 Assembléias Populares, quando novas demandas foram levantadas. Esta rodada foi realizada nesse ano através de agrupamentos de bairros em algumas regionais. Até 25 intervenções por região foram eleitas nas Terceiras Rodadas, subdivididas de acordo com as sub-regiões. Nos Fóruns Regionais foram escolhidas até 10 demandas para os Planos Regionais de Obras. Com o aumento dos recursos e a limitação do número de obras, as intervenções tenderam a ser de médio porte e com incidência regionalizada. Em função do grave problema habitacional em Belo Horizonte, percebia-se que o OP Regional vinha sendo tomado por um conjunto específico de demandas ligadas à habitação. Assim, a partir do OP, foi criado o Orçamento Participativo da Habitação, sob coordenação da URBEL. Foram destinados 6 milhões de reais para os núcleos de sem-casa, estabelecidos critérios para definição das famílias beneficiadas, bem como a decisão sobre novos assentamentos. 4.4 - Orçamento Participativo de 1997 O OP 97, elaborado no ano anterior, partiu da avaliação de que era mais importante consolidar as conquistas do que propor mudanças no processo, repetindo, portanto, no que diz respeito à estrutura e a distribuição de verbas entre as regionais, o OP 96. A consolidação dessas conquistas se deu por meio do aperfeiçoamento do gerenciamento da execução das obras aprovadas através da formação do Grupo Gerencial do Orçamento Participativo. O grupo constitui-se de uma Coordenação Geral - composta pelos titulares da SUDECAP, URBEL, Secretaria de Planejamento e Secretaria de Governo, e de um Fórum de Discussão - composto pelos Administradores Regionais, Coordenadores de Participação Popular das Administrações Regionais e representantes da Coordenação do OP. Enquanto se consolidavam as conquistas do OP, a Administração Municipal buscava ampliar o debate de forma a abranger toda cidade, reivindicação dos participantes 29 do OP desde o início. Em 1996, esse debate aconteceu no Fórum da Cidade que, organizado pela PBH, teve como objetivo integrar o espaço já conquistado pelo OP ao de outras iniciativas da PBH, como a discussão com a sociedade sobre o Plano Diretor, o centenário da cidade e o aprofundamento da participação popular no planejamento estratégico de Belo Horizonte. No primeiro encontro, o Fórum reuniu 640 pessoas que debateram os principais desafios estratégicos de Belo Horizonte na áreas de desenvolvimento econômico; desenvolvimento sócio-cultural; desenvolvimento urbano; e financiamento da cidade. Ficou sugerido que o Fórum se estruturasse como um espaço permanente de debates sobre a cidade e que fosse criada uma Secretaria Executiva - composta por representantes da sociedade e da prefeitura - para dar continuidade ao Fórum. Em 1996, a Secretaria Executiva foi instituída, aprovando a realização de mais três encontros. O OP 97 envolveu cerca de 40 mil cidadãos no processo de definição de 100 investimentos, sendo 76% para saneamento, infra-estrutura e urbanização de vilas e conjuntos, 11% para educação, 3% para saúde e 10% para outros empreendimentos. 4.5 - Orçamento Participativo de 1998 A nova administração (1997-2000) deu continuidade ao processo de participação popular através do OP. No ano de 1997, foi instituída a Comissão Municipal do Orçamento Participativo (CMOP) que teve importância fundamental durante todo processo de elaboração do OP 98. Essa comissão - formada por 3 representantes de cada COMFORÇA, totalizando 30 representantes populares e 25 do governo municipal – possuía a atribuição de propor, analisar e aprovar o Plano de Obras para a cidade; convocar e organizar, juntamente com a PBH, os Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias; apreciar a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e o PPA (Plano Plurianual). Seu objetivo primordial era superar a dinâmica fragmentada e regionalizada, gerando uma dimensão municipalizada do OP. 30 Nesse ano de 1997, a equipe de organização do OP, lotada na Secretaria de Planejamento, foi ampliada, visando promover um acompanhamento mais próximo das Admnistrações Regionais de Belo Horizonte. Assim, o OP 98 constituiu um salto de qualidade , garantindo sua continuidade e consolidação como forma superior de gestão dos recursos municipais e dos investimentos para a cidade. A dinâmica de realização das plenárias do OP Regional permaneceu a mesma do OP 97: Abertura Municipal, três Rodadas Regionais, Caravanas de Prioridades, Fóruns Regionais e Encontro Municipal. Contudo, houve um esforço no sentido de se realizar estimativas mais realistas de custo das obras, reduzindo a margem de erro historicamente responsável pela extrapolação dos valores aprovados, principalmente, através do alargamento do período entre a escolha das demandas e a caravana. Todo o processo contou com cerca de 18 mil pessoas participando diretamente nas assembléias populares, apesar desse total ter representado um queda em relação à participação no OP 97. O processo do OP 98 elegeu 1.050 delegados aos Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias, além disso, mais de 700 entidades participaram do processo regionalizado. O OP Habitação (OPH), que também continuou nos moldes da gestão anterior, mobilizou 2.811 moradores sem-casa e elegeu 202 delegados, os quais aprovaram os critérios para distribuição de 750 lotes urbanizados entre as famílias cadastradas em 83 núcleos habitacionais. Em uma decisão inédita, através da CMOP, ficou estabelecido que parte dos recursos seria destinada ao pagamento dos empreendimentos atrasados do OP Regional, que extrapolaram sua estimativa de custo. O OP 98 encerrou-se com a seguinte distribuição dos recursos e empreendimentos: 30% para infra-estrutura; 25% para o OPH; 18% para urbanização de vilas e favelas; 12% para saúde; 5% para desenvolvimento social; 4% para educação; 4% para esporte e lazer e 2% para cultura. 31 4.6 - Orçamento Participativo de 1999-2000 O OP 99-2000 foi marcado pela busca de uma qualificação do processo, sendo introduzidas alterações importantes como a bianualidade, a adoção de critérios de planejamento na seleção das obras, e a introdução e definição da discussão das políticas setoriais no OP Cidade. A introdução da bianualidade fez com que a definição de prioridades passasse a acontecer de dois em dois anos, com recursos proporcionalmente equivalentes. Essa alteração foi necessária para que fosse possível introduzir a discussão das políticas sociais e urbanas no nível da cidade, ou seja, o Orçamento Participativo Cidade. A bianualidade foi responsável pela melhoria da capacidade de resposta e planejamento da administração pública na realização dos empreendimentos. Um outro ajuste importante foi a adoção dos critérios de planejamento na escolha das obras. Essa alteração visou propiciar uma melhor qualidade no processo de definição das prioridades e ações a serem empreendidas. Tais critérios são: a) abrangência social indicador do número de pessoas e da extensão do benefício a ser gerado pela reivindicação; b) relevância social - indicador do número de vezes que uma determinada obra ou ação foi apresentada em Fóruns de OP anteriores sem ter sido aprovada. Além disso, foram introduzidos parâmetros que buscavam constituir pré-requisitos de planejamento urbano para a avaliação e qualificação das demandas. Isto é, obtinham uma melhor qualificação e, portanto, melhor posicionamento na hierarquia de prioridades, as demandas que possuíssem articulação com os instrumentos de planejamento urbano e setoriais vigentes, como, o Plano Global Específico (PGE) para vilas e favelas, Lei de Uso e Ocupação do Solo, e as diretrizes das áreas de saúde e educação, dentre outros. Nesse ano houve um intenso envolvimento do corpo técnico da prefeitura e de representantes da comunidade no processo, visando fazer uma pré triagem das demandas selecionadas após a primeira rodada de assembléias populares para eliminar problemas técnicos e legais que poderiam inviabilizá-las, proporcionando a substituição em tempo hábil (antes da votação popular nas assembléias). Além disso, as vistorias continuaram 32 criteriosas, possibilitando a avaliação da complexidade das demandas e uma aproximação realista de estimativas de custo com orçamento de projetos, visando reduzir erros na avaliação dos valores. A dinâmica do OP Regional se manteve a mesma dos anos anteriores, sendo escolhidas nas plenárias sub-regionais cerca de 25 demandas e eleitos os delegados aos Fóruns Regionais. A partir desse ano, os representantes de associações de moradores foram considerados delegados natos. A participação popular no OP 99-2000 foi muito significativa. No momento de definição das demandas para vistorias, estiveram presentes 16.325 pessoas, e 1.651 delegados participaram dos Fóruns Regionais. Em relação ao conjunto das demandas aprovadas, o destaque continuou para a área de infra-estrutura (47%); em seguida, urbanização de vilas e favelas (28%); saúde e educação (10%); esporte (3%) e meio ambiente (1%). Os 719 empreendimentos aprovados até 1998 foram objeto da criação de uma base de dados georreferenciada. No ano de 1999 foi elaborada uma planilha constando os dados gerais de cada empreendimento (numeração de controle, bairro, Administração Regional, ano de aprovação, descrição da demanda e fase de execução, valor de empreendimento, órgão executor, dentre outros dados). Esse trabalho teve como objetivo atender as demandas por informação dos diversos órgãos da prefeitura, possibilitando a produção de mapas temáticos, somatório de investimentos por região, unidades de planejamento, bairros, vilas, etc. Além disso, o cruzamento dessas informações com outros bancos de dados tornou possível investigar o alcance das intervenções, como: melhoria da coleta de lixo; ampliação do transporte a locais de pouca acessibilidade; ampliação de matrículas nas escolas; atendimento à saúde; avaliação de endemias; avanço da cultura, esporte e lazer; enfim, a eficácia do serviço prestado e a qualidade de vida proporcionada pelo Orçamento Participativo. O OP Cidade Em 1998, inicia-se o processo de implementação do Orçamento Participativo Cidade. O OP Cidade tinha como objetivo a democratização das decisões sobre os investimentos estruturantes da cidade e os gastos com políticas sociais. Nesse processo são 33 hierarquizadas as ações sociais da prefeitura nas áreas de educação, saúde, desenvolvimento social e cultural, esporte, turismo e eventos, assuntos da comunidade negra, abastecimento, desenvolvimento econômico, bem como as ações de planejamento e intervenções urbanas. Através do Orçamento Participativo Cidade, foi possível a discussão partilhada entre governo, servidores e sociedade sobre os problemas e as soluções para a cidade, buscando não só a melhoria das ações de cada setor, mas também uma maior integração intersetorial. A metodologia gerencial para condução do Orçamento Participativo Cidade foi baseada no conceito de Planejamento Estratégico e de Gerenciamento pelas Diretrizes (GPD). O planejamento estratégico define a visão de longo prazo e as estratégias de médio e curto prazo para uma instituição ou setor, e o gerenciamento pelas diretrizes busca transformar essas estratégias em realidade. Partindo desse esquema, o processo do OP Cidade pode ser distinguido em quatro etapas: a) compromisso; b) diagnóstico; c) análise estratégica; d) definição de prioridades. A primeira etapa, a do compromisso, iniciou-se no ano de 1998, na realização da Pré-Conferência do OP Cidade, reunindo os delegados eleitos para as COMFORÇA de 1999-2000, além dos delegados escolhidos nas conferências setoriais de cultura, desenvolvimento social, educação, esportes, habitação e saúde, e dos representantes do governo municipal das mesmas áreas, para apontarem os principais problemas de cada setor e as recomendações para tal solução. Além disso, a Pré-Conferência definiu a instalação da Comissão da Cidade, que seria composta paritariamente por 108 membros, entre população e governo, com o objetivo de aprovar a execução orçamentária no período, monitorar e fiscalizar, em última instância, as obras do OP Regional e Habitação, e preparar a 1ª Conferência da Cidade (Conferência Municipal de Prioridades Orçamentárias). Na etapa do diagnóstico foram discutidos a missão, visão e os princípios de cada setor. Realizou-se ainda uma pesquisa quantitativa amostral, que permitiu identificar problemas apontados pela população em cada uma das áreas sociais enfocadas. Além disso, foram analisados os problemas levantados na Pré-Conferência. A partir de todas essas informações, foram definidos os objetivos estratégicos de cada órgão. 34 Durante a etapa de análise estratégica foram elaborados os Planos Estratégicos Setoriais. Além desses planos, foram também definidas linhas estratégicas intersetoriais, ou seja, ações intersetoriais com objetivos comuns, desenvolvidas pelos órgãos da PBH. Esta etapa ocorreu em todas as frentes sociais da prefeitura, incorporando setores que não participaram das fases anteriores (abastecimento, comunidade negra, turismo, e indústria e comércio). Com a realização da última etapa - a definição de prioridades -, os Planos Estratégicos Setoriais foram adequados ao formato orçamentário. Em seguida, foram avaliados segundo critérios técnicos como: importância estratégica, benefício social e viabilidade de recursos financeiros, sendo então pontuados, estabelecendo-se uma ordem de prioridade a partir do ponto de vista do setor público. No início do segundo semestre de 1999 ocorreram as Plenárias Setoriais, que envolveram diretamente mais de seis mil pessoas, com o objetivo de apreciar, debater, aprovar e hierarquizar os Planos Estratégicos Setoriais, definindo as prioridades a serem remetidas à 1ª Conferência da Cidade. A 1ª Conferência da Cidade ocorreu em setembro de 1999, quando cerca de 700 delegados dos diversos setores tiveram a oportunidade de debater o conjunto dos Planos Setoriais e hierarquizar os diferentes programas sociais da prefeitura, assim como as ações de planejamento e intervenções urbanas. 4.7 - Orçamento Participativo 2001-2002 O orçamento e os respectivos planos de obras regionais e de habitação para o biênio 2001-2002 foram aprovados por cerca de 2.400 delegados reunidos em fóruns distintos. O OP 2001-2002 compôs-se de um programa de 133 obras de várias naturezas e de 830 moradias para famílias sem-casa. Para tanto, foram disponibilizados R$ 87,5 milhões, 18% superior à quota do OP 99-2000. Para a realização de empreendimentos regionais foram disponibilizados R$ 71,5 milhões, os quais, a partir do OP 2001-2002 elaborado no ano 2000, foram distribuídos entre as Regiões Administrativas segundo novos critérios. Até então, os recursos eram 35 distribuídos entre as ”regionais” levando em consideração sua população e renda média. A partir de 2000, dois poderosos fatores de eqüidade na distribuição do recurso entraram em cena: de um lado, uma nova regionalização da cidade, divididas agora em 81 áreas homogêneas, chamadas de Unidades de Planejamento (UP), sendo que os grandes aglomerados de vilas e favelas constituem UPs independentes; de outro, um índice capaz de calcular diretamente a carência de serviços e equipamentos urbanos (oferta e acessibilidade dos serviços por parte da população) em cada uma dessas áreas, chamado de Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU)4. A partir desses novos critérios, quanto mais populosa e mais carente – em termos de serviços e equipamentos - for uma determinada UP, mais recursos lhe serão concedidos. A seleção dos empreendimentos se fez parcialmente nas UPs. Como transição para uma deliberação futura diretamente nas UP, foram tomadas como espaço de deliberação as sub-regiões (46 no total), compostas em sua maioria por 2 UPs. Do total de sub-regiões, 26 já são a própria UP. Do total das UPs, foram destacadas as 20 de maior qualidade de vida urbana – a partir do IQVU – reservando-lhes R$ 6,5 milhões dos R$ 71,5 milhões disponibilizados. Normalmente como uma participação pequena nas assembléias do OP, dessa vez os moradores dessas regiões acorreram em grande número, conseguindo, assim como o restante da cidade, cumprir a nova regra do comparecimento mínimo – pelo menos 0,5% da população dessas sub-regiões deve mostrar presença para poderem dispor plenamente do recurso. O OP 2001-2002 contou com a participação de mais de 31.200 moradores, representando 208 bairros e vilas, que pré-selecionaram nas assembléias sub-regionais as demandas a serem vistoriadas e pré-orçadas pela prefeitura. Para o OP Habitação 2001-2002 foram disponibilizados R$ 16 milhões que, de acordo com deliberação do Conselho Municipal de Habitação, foram utilizados da seguinte forma: R$ 12,4 milhões para a construção de novas unidades Habitacionais; R$ 1,4 milhões para a construção de 113 unidades habitacionais para famílias que dispunham de lotes 4 Para maiores detalhes sobre o IQVU ver NAHAS (2000). 36 conquistados no OP 98; e, por fim, R$ 2,2 milhões para o programa de apoio técnico às Cooperativas e/ou Associações Habitacionais (estudos e projetos executivos para aproximadamente 2.500 famílias). 37 Diagrama 4.1 ESTRUTURA DO PROCESSO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO PARA 2001 / 2002 ABERTURA MUNICIPAL OP REGIONAL 1ª Rodada Regional de Assembléias Populares • • OP HABITAÇÃO Deliberações do Conselho Municipal de Habitação Definição dos investimentos por programas habitacionais Diretrizes da prefeitura Distribuição de formulários Discussões das prioridades com a comunidades Reunião de Bairros 2ª Rodada de Assembléias Populares por SubRegião • • • Cadastramento dos núcleos Reunião Regional Preparatória Informações das diretrizes definidas pelo CMH • Relatório da execução dos anos anteriores Pré-seleção das reivindicações Escolha dos delegados Presença mínima • Fórum Municipal de Habitação Deliberação dos critérios de priorização de núcleos • Definição de núcleos a serem contemplados e número de famílias a serem atendidas por núcleos • Eleição da COMFORÇA de habitação • Caravana de Prioridades • Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias Visita obrigatória às obras pré-seleciondas na regional • • Aprovação dos empreendimentos Eleição da COMFORÇA VIº ENCONTRO MUNICIPAL DE PRIORIDADES ORÇAMENTÁRIAS Fonte: PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000. 38 5 - NOVO INSTITUCIONALISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: CONSTRUINDO UM MODELO DE ANÁLISE 5.1 - O Novo Institucionalismo 5.1.1 - Antecedentes e contextualização É possível dizer, segundo GOODIN (1997), que cada uma das diversas disciplinas que constituem as ciências sociais contêm indícios de uma tradição que pode ser chamada de "velho"5 institucionalismo. Recentemente, para cada uma dessas diversas disciplinas, essa tradição tem ressurgido, embora com algumas reformulações. De uma forma geral, o institucionalismo tradicional via as instituições sociais como soluções para os problemas que cada uma de suas sub-correntes definia como centrais. Assim, o "velho" institucionalismo constituía-se principalmente de estudos detalhados de configurações estruturais administrativas, legais e políticas, em sua maioria, profundamente normativos embora pouco comuns sob o formato de análise comparativa (THELEN & STEINMO, 1992). E, tal como afirmam MARCH & OLSEN (1983), tanto cientistas políticos como Burgess and Willoughby, economistas como Veblen e Commons quanto sociólogos como Weber (ditos compartilhadores das idéias institucionalistas tradicionais), partiam do princípio de que as instituições sociais formalmente organizadas representavam simplesmente arenas dentro das quais ocorreria o comportamento político6. Da mesma forma, o novo institucionalismo pode ser visto como um paradigma multi-disciplinar que, de acordo com LANE (1993), surge como uma reação às várias perspectivas reducionistas. Neste quadro, cada uma de suas perspectivas busca contribuir para a construção de uma visão mais elaborada acerca das formas através das quais as instituições moldam a vida social (GOODIN, 1997). 5 O termo "velho" somente é empregado com o intuito de demonstrar sua distinção em relação ao novo institucionalismo, não devendo lhe ser atribuído nenhum outro sentido. 6 Para maiores detalhes sobre o “velho” institucionalismo e para uma melhor diferenciação em relação ao novo institucionalismo, ver POWELL & DIMAGGIO (1991). Pag. 12-15. 39 O ressurgimento de uma preocupação maior em relação às instituições pode ser considerado, tal como afirmam MARCH & OLSEN (1983), uma conseqüência cumulativa da transformação moderna das instituições sociais e do comentário persistente de seus observadores. Instituições políticas, econômicas e sociais ganharam um papel mais proeminente, tornando-se consideravelmente mais complexas, representando uma importante face da vida coletiva. A maioria dos principais atores nos sistemas econômico e político modernos são organizações formais e, sendo assim, as instituições legais e a burocracia ocupam um papel dominante na vida contemporânea. O Novo Institucionalismo pode ser apresentado e discutido como uma perspectiva epistemológica de enorme importância para a compreensão das ciências sociais, mas também pode ser entendido em termos de uma seleção restrita de desafios ao pensamento teórico na ciência política, um pequeno conjunto de idéias relativamente técnicas de interesse primordial para os pesquisadores da vida política7 (MARCH & OLSEN, 1983). Sendo assim, de forma simplificada podemos considerar o Novo Institucionalismo como um argumento que põe em destaque a defesa de que a organização da vida política no sentido empregado por MARCH & OLSEN (1983) - possui uma enorme importância. A organização da vida política pode ser entendida como a introdução de mecanismos que proporcionam a estabilidade das decisões sociais, isto é, os mecanismos que reduzem a incerteza do ambiente social e possibilitam aos diversos atores a construção de expectativas de comportamento por parte dos demais. Os neo-institucionalistas buscam mostrar que a organização da vida política e do ambiente social ocorre através das instituições. Dessa forma, é possível garantir que o novo institucionalismo traz como marca principal a ênfase sobre o papel das instituições, principalmente, no que diz respeito a sua relação com o comportamento social, tanto de grupos (e organizações) quanto de 7 Para MARCH & OLSEN (1983), o termo vida política é entendido em seu sentido amplo, uma vez que defendem a idéia de que a política cria e confirma interpretações da vida. Através da política indivíduos desenvolvem a si, a sua comunidade e geram os bens públicos necessários. 40 indivíduos. Sendo assim, seguimos para o próximo tópico onde buscaremos delinear os contornos de um conceito pouco nítido, o de instituições. 5.1.2 - Instituições O conceito de instituição é definido em termos mais específicos por cada uma das sub-correntes que compõem o novo institucionalismo, mas, grosso modo, encontra-se consenso na definição de instituições enquanto as “regras do jogo” numa sociedade (NORTH, 1990; JEPPERSON, 1991). Tal como afirma NORTH (1990), as instituições são os constrangimentos humanamente impostos que moldam a interação humana. Estes constrangimentos definem tanto os limites e cursos de ação possíveis quanto o conjunto de oportunidades (NORTH, 1998). Por conseqüência, a matriz institucional estrutura os incentivos e as condições para efetivação das trocas - sejam elas políticas, econômicas ou sociais. As instituições reduzem a incerteza ao fornecer uma estrutura para vida diária. Elas são uma orientação para a ação humana. Quando desejamos cumprimentar amigos na rua, dirigir um automóvel, comprar laranjas, pegar dinheiro emprestado, formar um negócio, enterrar mortos, ou seja o que for, sabemos (ou senão, aprendemos facilmente) como realizar tais tarefas (NORTH, 1990). Instituições fornecem modelos morais ou cognitivos para interpretação ou ação. O indivíduo é visto como um ente profundamente imbricado no mundo das instituições, composto por símbolos, "scripts" e rotinas que oferecem um filtro para a interpretação da situação e da pessoa a partir dos quais os cursos de ação são construídos (HALL & TAYLOR, 1996). De um ponto de vista exterior, uma instituição social é, numa caracterização bem geral, nada mais do que um "estilo de comportamento estável, dotado de valor e recorrente" (GOODIN, 1997). Instituições incluem qualquer forma de constrangimento que os seres humanos impõem para moldar a interação entre eles. Instituições podem ser constrangimentos 41 formais - regras, normas, leis, tipicamente escritas -, ou informais - convenções, códigos de conduta, valores, símbolos, tipicamente não escritos. Dessa forma, os constrangimentos institucionais incluem tanto o que os indivíduos são proibidos de fazer quanto sob quais condições devem fazer aquilo que lhes é permitido (NORTH, 1990). Para GOODIN (1997), instituições podem ser incluídas: a) na esfera da família e laços de parentesco, com foco sobre as relações biológicas e de procriação entre seus membros; b) na esfera da educação, que trata da socialização e transformação dos jovens em adultos e da transmissão de herança cultural; c) na esfera econômica, na regulação da produção, distribuição e consumo de bens e serviços; d) na esfera política, que trata do controle do uso da força, manutenção da paz e definição e implementação de metas coletivas; e) na esfera cultural, com foco sobre a provisão de condições que facilitam a criação e conservação de construções culturais (religião, ciência e arte); f)na esfera da estratificação, que regula as diferenças de posições e recursos entre os indivíduos de uma sociedade. Para o mesmo autor, uma característica definidora central do processo de institucionalização, ao longo de todas estas esfera, é a natureza estável, recorrente e repetitiva do comportamento social que ocorre em decorrência das instituições. Assim, a institucionalização pode ser definida como o processo através do qual organizações e procedimentos ganham valor e estabilidade (GOODIN, 1997). É possível dizer que a estabilidade gerada pelas instituições decorre da função de proporcionar a redução de incertezas que estas possuem. Deve ser pontuado que uma instituição somente atua como redutor de incertezas se duas condições forem satisfeitas: a) a sua imposição, controle e aplicação de sanção no caso do descumprimento de suas disposições; e b) a sua aceitação ou legitimidade por parte daqueles envolvidos nos processos sobre o qual dispõe, isto é, a instituição deve possuir credibilidade junto aos atores. Partindo da definição de instituições já estabelecida, pode ser oportuno apresentar um esquema de proposições traçado por GOODIN (1997), incrementado por idéias colhidas 42 em outros autores (NORTH, 1998; JEPPERSON, 1991), que de certa forma captura o espírito do Novo Institucionalismo como um todo: 1 - agentes individuais e grupos buscam seus objetivos num contexto que é coletivamente constrangido; 2 - os constrangimentos tomam a forma de instituições - esquemas organizados de normas e papéis socialmente construídos, e comportamentos socialmente prescritos esperados pelos ocupantes destes papéis, que são criados e re-criados ao longo do tempo; 3 - apesar do caráter constritor das instituições, de várias formas, elas são vantajosas para os indivíduos e grupos na busca de seus interesses particulares; 4 - isso se explica na medida em que os mesmos fatores contextuais que constrangem as ações de indivíduos e grupos também moldam seus desejos, preferências e razões, influenciando, por conseqüência, a definição de suas metas e estratégias de ação; 5 - estes constrangimentos possuem raízes caracteristicamente históricas, como artefatos residuais de ações e escolhas passadas; 6 - os constrangimentos incorporam, preservam e imputam diferentes recursos de poder em relação a diferentes grupos e indivíduos, assim, torna-se importante a influência de fatores institucionais na emergência e atuação dos atores; 7 - por fim, a ação individual e grupal, constrangida e moldada socialmente, é o motor que move a vida social. 5.1.3 - Desenho institucional Talvez, antes de passarmos diretamente para as questões relativas à formulação e desenho de instituições, fosse interessante tecermos algumas considerações sobre as formas pelas quais uma nova instituição pode vir a surgir. A essas formas GOODIN (1997) atribui o nome de "modelos de mudança social", quais sejam: acidental, evolucionário e intencional. 43 O primeiro estabelece que uma nova instituição surge sem que forças naturais ou sociais trabalhem, inexistem grandes mecanismos causais, o que acontece simplesmente acontece, é uma questão contingencial. Já o segundo modelo - evolucionário -, adota uma perspectiva análoga à biologia, no sentido de que existem mecanismos de seleção em funcionamento que podem vir a escolher certos aspectos do arranjo institucional para a sobrevivência que são mais adaptados ao ambiente em questão, daí surgiriam novas instituições, ou seja, a partir de fragmentos de outras. O modelo intencional, por sua vez, defende que o surgimento de uma instituição é fruto de uma intervenção propositada, orientada por metas previamente definidas. Na perspectiva proposta por NORTH (1990), as instituições podem ser criadas e desenhadas ou podem ainda ser fruto de uma evolução ao longo do tempo. Segundo o autor, exemplos clássicos são a constituição norte-americana (criação) ou a common law britânica (processo evolutivo). Em qualquer processo de criação ou mudança institucional é bem provável que haja uma combinação dos três modelos propostos por GOODIN (1997). A forma pela qual indivíduos e grupos implementam suas soluções, diante de qualquer tipo de problema enfrentado, está sujeita a acidentes e erros. Mesmo estando associados à involuntariedade, acidentes e erros, normalmente surgem sobre um pilar de intencionalidade, pois toda ação humana pode ser encarada como sendo dotada de propósito ou intenções. Assume-se, então, que a ação tenha uma racionalidade, uma meta. Se, por acaso, fazemos alguma coisa sem ter um propósito definido, é bem provável que construamos algum quando nos é requisitada explicação pela nossa ação. Da mesma forma, no processo evolucionário, apesar de a mudança institucional ocorrer através de um processo de seleção de certas variações em favor de outras, os mecanismos de seleção advêm de uma estrutura formada por padrões que encontram base em situações recorrentes em que indivíduos têm que decidir sobre o que preferem reter ou reproduzir. Além disso, mesmo que os resultados da institucionalização sejam produtos de acidente, as taxas de acidente podem ser alteradas intencionalmente. Mesmo que os 44 resultados da implementação sejam produtos de forças evolucionárias, os mecanismos de seleção que orientam a evolução podem ser alterados intencionalmente (GOODIN, 1997). Assim, destaca-se o esforço de ressaltar o componente de intencionalidade presente ocultamente mesmo naqueles modelos que não a advogam. Esse esforço tem como objetivo criar uma possibilidade de explicação até para as conseqüências não intencionais da implementação de instituições. Para explicar como estes resultados surgem, devemos nos referir essencialmente às intenções e às interações entre intenções. Assim, uma instituição pode ser o produto de uma ação intencional, mesmo que não tenha sido o produto da ação intencional de alguém (GOODIN, 1997). Um outro aspecto importante ligado à percepção do componente de intencionalidade é a constatação do conflito que normalmente se estabelece em torno da criação de uma instituição. A definição de novos constrangimentos e oportunidades corresponde ao processamento de variadas intenções que, muitas vezes, podem representar interesses conflitantes. Portanto, o surgimento de uma instituição e a percepção da intenção a ela ligada representam o resultado de um embate entre intencionalidades. Mesmo dentro do domínio de nossas intervenções intencionais, o que deveríamos focar não é o desenho institucional diretamente. Ao invés disso, GOODIN (1997) sugere que o foco deve estar sobre os esquemas de desenho para instituições. O termo desenho institucional, tal como afirma GOODIN (1997), pode ser entendido como a criação de uma forma ou formato ativo que promova resultados dotados de valores dentro de um contexto particular. Deste modo, OFFE (1997) acrescenta que, seja quem for que queira construir ou formular, ou até mesmo criticar, uma instituição social, deverá ter em mente o dualismo inerente a estes processos. Trata-se da coexistência de duas dimensões. Uma mais ligada à questão cognitiva, no sentido de que uma dada instituição, somente pode ser considerada enquanto tal, quando encontra no indivíduo um senso de 45 lealdade. Isso quer dizer que uma instituição deve possuir legitimidade8 e aceitação ao ponto de gerar uma certa auto-imposição. Ao mesmo tempo, também, proporcionando aos atores padrões validados em relação a quais preferências e metas são permitidas e podem ser buscadas com aprovação social. A outra dimensão está relacionada à funcionalidade. Instituições devem, no mínimo, produzir resultados que justifiquem sua existência. Indo além, e tentando imaginar um cenário mais otimista, as instituições devem possuir um desempenho eficaz e eficiente, não só cumprindo seu objetivo, mas o fazendo da melhor forma possível (OFFE, 1997). Ambas as dimensões são conceitualmente necessárias como critérios para avaliação da existência e persistência das instituições. É necessário que haja tanto uma socialização interna quanto uma efetividade externa, tanto a consolidação de crenças quanto a implementação de metas. E o dualismo encontra-se na medida em que cada uma dessas dimensões associa-se a abordagens conflitantes dentro das ciências sociais, num extremo o "culturalismo" (dimensão cognitiva) e no outro o "utilitarismo" (dimensão funcional) [OFFE, 1997]. Quando GOODIN (1997) trata da questão relativa ao desenho institucional, ressalta que uma instituição bem projetada é aquela que é internamente consistente9 e externamente harmoniosa com o restante da ordem social estabelecida. Assim, tornam-se relevantes não só os aspectos constitutivos de um bom desenho interno, mas, especialmente a noção de julgamento frente a critérios de avaliação externos. Assim, o bom desenho institucional não pode ser tratado apenas como uma questão pragmática ou funcional. Trata-se de uma tentativa de melhor adequação a um amplo código moral. Nesse sentido, GOODIN (1997) tenta identificar alguns princípios que poderiam orientar o desenho institucional no sentido de uma ressonância moral mais profunda. Ao todo, são cinco os princípios - revisão, robustez, sensibilidade a complexidade motivacional, publicidade e variabilidade - que, mesmo sendo orientadores 8 Jepperson (1991) trata a relação entre o processo de institucionalização e a produção de legitimidade em maior detalhe. 9 Para maiores considerações em relação à questão da consistência/coerência interna de instituições, ver Riker (1998), em um texto sobre o processo de formação da Constituição norte-americana. 46 do bom desenho institucional, quando aplicados além de certos limites podem causar distorções. O princípio da revisão parte da constatação de que tanto indivíduos quanto a sociedade como um todo sofrem mudanças, dessa forma, o processo de desenho institucional deve possuir certa flexibilidade para que o seu produto final, a instituição, evolua ao longo do tempo. Quando extrapola certos limites, o princípio da revisão pode afetar a estabilidade de uma instituição, permitindo que mudanças irrelevantes ou enviesadas sejam processadas. O segundo princípio - robustez - deriva do primeiro. Instituições devem estar aptas a se adaptarem a novas situações sem permitir que por elas sejam destruídas. As adaptações devem se restringir aos aspectos relevantes que apontam para mudanças no universo factual, mantendo a solidez de seus elementos centrais. Quando aplicado de forma extremada, esse princípio pode acabar por gerar uma rigidez institucional. O princípio da sensibilidade à complexidade motivacional diz respeito à necessidade de se considerar o aglomerado de motivos que orientam as ações dos indivíduos, que pode vir a incluir tanto razões egoístas como altruístas. Até que ponto uma instituição deve acomodar a complexidade motivacional é ainda uma questão em aberto. Porém, a precaução aqui tem como explicação a ameaça de captura por parte de interesses organizados que pode vir a ser gerada por esse processo de compreensão de motivos. O fato é que o princípio da sensibilidade à complexidade motivacional é bem trabalhado quando metodologias participativas bem estruturadas são introduzidas no desenho institucional. O princípio da publicidade atua como um teste, no qual as instituições e as ações institucionais devem possuir as características de serem defensáveis publicamente. A base desse princípio é que instituições projetadas a partir de elementos moralmente não aceitos, provavelmente, não seriam aprovadas publicamente. Novamente, esse princípio tem como limite proteger o interesse público apenas contra uma certa seleção de fatores de contaminação, restando a possibilidade de grandes segmentos da comunidade ainda poderem impor seus interesses. 47 Por fim, pressupondo um processo de aprendizado por experimentação em busca de arranjos institucionais mais perfeitos, o princípio da variabilidade ganha grande relevância. Através da experimentação, o estoque de possibilidades e soluções criativas sofre considerável incremento. Desta vez, o limite se encontra nos critérios de julgamento sobre quais variações representam avanços, admitindo-se, assim, a possibilidade de incorporação (importação) de características nem sempre mais adequadas. Um outro elemento essencial que deve ser levado em consideração no momento em que uma dada instituição é formulada diz respeito aos mecanismo que atuarão de forma a garantir sua imposição e seu caráter de sanção. Tal fato se torna relevante uma vez que a estabilidade e o caráter impositivo de uma instituição somente não seriam necessários num contexto em que as recompensas recebidas pelas partes fossem tão vantajosas ao ponto das partes nunca desejarem descumprir seu papel pré-estabelecido. Como isso é uma condição ideal e pouco factível, torna-se essencial a existência de outros de tipos de mecanismos que garantam que as disposições de um acordo ou finalidades de uma instituição sejam cumpridos. Assim, NORTH (1990), dentre vários outros autores, sugere que a imposição ou enforcement de uma instituição deva ser garantido formalmente por uma terceira parte (além das duas já envolvidas no acordo). Isto quer dizer, em princípio, que a imposição de instituições deveria envolver partes, se possível neutras, com a habilidade de garantir, a baixos custos, que outras partes potencialmente infratoras considerem custoso violar as disposições de acordos e instituições. Normalmente, tais mecanismos podem ser verificados nas estruturas dos sistemas judiciais, que incluem mediadores, regras de mediação, punições e sanções pré-definidas. 5.1.4 - Mudança institucional Uma vez definido a noção de instituição e os aspectos ligados ao seu desenho e formulação, partiremos para uma perspectiva mais dinâmica. A idéia de mudança institucional pressupõe o processo gradual e contínuo através do qual as instituições 48 evoluem e sofrem alterações. A mudança institucional consiste no processo através do qual arranjos institucionais anteriores deixam de estar em vigor e são substituídos por um novo conjunto de regras e procedimentos. É o momento em que novas instituições tomam o lugar de instituições antes estáveis. Esse momento é especialmente rico para a análise institucional e THELEN & STEINMO (1992) assim o defendem com base em dois argumentos. Primeiro, a mudança institucional constitui o momento no qual os indivíduos moldam os constrangimentos e as oportunidades, dentre os quais suas interações ocorrerão, através do desenho institucional e das opções que realizam. Segundo, as escolhas feitas ligadas às instituições podem moldar as idéias, atitudes e até mesmo as preferências das pessoas. Assim, a mudança institucional não é apenas importante porque altera os constrangimentos nos quais os atores fazem suas opções estratégicas, mas também porque pode atuar de forma a reformular as metas e ideologias que motivam a ação política. Tal como afirmam THELEN & STEINMO (1992), talvez o esquema de mudança institucional mais aceito pela literatura institucionalista seja o modelo do "equilíbrio interrompido"10 de Stephen Krasner. Grosso modo, este modelo define que as instituições caracterizam-se por longos períodos de estabilidade que são periodicamente interrompidos por crises que trazem à tona mudanças institucionais relativamente abruptas, sucedidas pelo estabelecimento de um novo equilíbrio e estabilidade. Esse modelo assume que a crise institucional normalmente advém de mudanças no ambiente externo e é geradora dos conflitos acerca do desenho dos novos arranjos institucionais. Partindo de uma perspectiva mais econômica, NORTH (1990) descreve o processo de mudança institucional de forma diferente. Segundo esse autor, o processo de mudança tem início na percepção dos atores de que através da alteração de acordos e contratos podem obter melhores resultados por seus esforços. Por sua vez, a alteração dos acordos normalmente esbarra em hierarquias de regras mais estáveis, porém os ganhos esperados pelos atores com a alteração dos contratos os motivam a empregar recursos na reestruturação dessas regras. De acordo com NORTH (1990), o mesmo é válido para 10 No original "punctuated equilibrium". 49 códigos de conduta, costumes e tradição, mas nesses casos os processos tendem a ser mais lentos e graduais. Considerar e buscar analisar o processo de mudança institucional possibilita uma compreensão mais ampla sobre o papel das instituições na vida social e, de certa forma, direciona a análise institucional para a resposta de indagações como: qual a origem da mudança e do novo arranjo institucional? E que efeitos poderão ser gerados a partir dessa mudança? 5.1.5 - O Novo Institucionalismo e suas sub-correntes Após uma caracterização geral sobre o Novo Institucionalismo, torna-se mais apropriada a apresentação de conceitos e feições particulares de cada uma das corrente que o compõem. Cada uma de suas sub-correntes ou escolas diferem consideravelmente entre si, possuindo seus próprios esquemas de análise. Tal como afirmam HALL & TAYLOR (1996), em todas as suas variações, o Novo Institucionalismo avança significativamente nossa compreensão sobre o mundo político. Entretanto, cada uma das imagens apresentadas por suas correntes apresentam aspectos distintos, possuindo cada uma pontos fortes e fracos. Freqüentemente, cada uma das correntes parece fornecer uma visão parcial das forças em ação numa dada situação ou capturar diferentes dimensões da ação humana e do impacto institucional lá presente. a) O Novo Institucionalismo Histórico: O Novo Institucionalismo Histórico se desenvolveu em resposta às teorias de grupo e ao estrutural-funcionalismo na ciência política durante os anos 1960 e 1970. Os institucionalistas históricos definem instituições como procedimentos, rotinas, normas e convenções formais e informais, incorporados pela estrutura organizacional da política ou da economia política. Também têm o costume de associar instituições com organizações,e regras e convenções promulgadas por organizações formais (HALL & TAYLOR, 1996). 50 Num contexto de comparação com as outras sub-correntes, podemos dizer, de acordo com HALL & TAYLOR (1996), que o Novo Institucionalismo Histórico tem como características: 1) concepção do relacionamento entre instituições e comportamento individual em termos relativamente amplos, empregando tanto a abordagem do cálculo - que pressupõe que o comportamento humano é utilitarista e instrumental, baseado no cálculo estratégico, em que indivíduos maximizam seus interesses -, quanto a abordagem cultural - que defende que além do comportamento instrumental, o indivíduo é orientado por uma noção do todo coletivo, suas ações dependem mais de sua interpretação da situação (elemento cognitivo) do que do cálculo instrumental; 2) ênfase sobre as assimetrias de poder associadas ao funcionamento e desenvolvimento das instituições. Isto é, arranjos institucionais fornecem acesso desigual para alguns grupos ou interesses organizados no processo de tomada de decisão; 3) tendência a possuir uma visão do processo de desenvolvimento institucional que enfatiza os elementos conceituais como a dependência da trajetória (path dependence) - visão na qual o desenvolvimento institucional está condicionado por decisões e escolhas realizadas no passado que, uma vez realizadas, apresentam estabilidade no futuro -, e conseqüências não intencionais - efeitos realizados que não pertenciam ao conjunto de objetivos diretos de uma dada ação. 4) apesar da ênfase sobre o papel das instituições, não as consideram as únicas forças em operação ou únicos elementos causais na conformação de um resultado na esfera política, levando especialmente em consideração o desenvolvimento sócio-econômico e a difusão de idéias. 51 a.1) O conceito de "dependência da trajetória" (path dependece) O conceito de dependência da trajetória nos mostra que as instituições desenvolvem-se ao longo da história e que o processo através do qual as instituições de hoje são formadas não é somente relevante, como também, constrange as escolhas para o futuro. De certa forma, como colocado por PUTNAM (1996), esse conceito nos faz pensar que o lugar a que se pode chegar depende do lugar de onde se veio, e simplesmente é mais difícil chegar a certos lugares a partir de onde se está. O termo “lugar” pode ser entendido aqui como contextos históricos socialmente determinados que possuem a propriedade de estabelecer diferentes oportunidades e motivações. Para o agente social, seja indivíduo ou organização, adaptar-se às regras do jogo vigente ou ater-se às oportunidades institucionalmente dadas é sempre mais fácil do que modificá-las. Assim, tal “inércia” costuma induzir um padrão de comportamento que reforça os modelos institucionais em vigor. Tal como afirma NORTH (1990), a dependência da trajetória significa que a história é realmente relevante, sendo impossível compreender as opções de hoje sem que seja traçada e investigada a evolução incremental das instituições. O mesmo autor ainda acrescenta que as conseqüências de eventos e circunstâncias podem determinar soluções que, uma vez implantadas, levam a um caminho particular. Uma vez estabelecido esse caminho de desenvolvimento num determinado curso, a rede de externalidades, o processo de aprendizagem das organizações e os modelos de análise dos atores historicamente derivados atuam de forma a reforçar o curso iniciado. Talvez o exemplo mais utilizado para demostrar o efeito da dependência da trajetória seja a common law britânica (ou direito consuetudinário). Nesse exemplo, as decisões do passado tornam-se embutidas na estrutura da lei, que por sua vez absorve mudanças marginais na medida em que novos casos (aqueles que envolvem novas questões) são julgados. Assim, as decisões judiciais refletem o processamento subjetivo da informação num contexto em que a estrutura legal passa por um processo continuo e incremental de construção histórica. 52 Dessa forma, é possível compreendermos a relevância do conceito de dependência da trajetória como um elemento explicativo da mudança institucional. A partir de sua aplicação podemos identificar as origens de instituições cuja implementação constitui um processo de substituição ou superação de arranjos institucionais anteriormente vigentes. THELEN & STEINMO (1992) afirmam que mudanças institucionais constituem momentos especialmente importantes para a análise institucional. Nesses momentos, agentes moldam os constrangimentos dentre os quais suas interações ocorrerão através de suas escolhas e do desenho institucional. Além de alterar os constrangimentos, a mudança institucional pode ainda remodelar os objetivos e idéias que motivam a ação política, uma vez que possuem influência sobre ideologia, atitudes e preferências por parte dos agentes. Assim, a análise de um dado momento de mudança institucional a partir da noção de dependência da trajetória possibilita explicações que levam em consideração a relação de influência recíproca entre ideologia e instituições. As percepções e ideologias historicamente derivadas dos atores moldam as escolhas que estes fazem na medida em que as instituições determinam a forma de aquisição de conhecimento e habilidades (NORTH, 1990); ao passo que a realização destas escolhas constitui, muitas vezes, a reconfiguração dos arranjos institucionais vigentes. Montesquieu (apud PUTNAM, 1996) expõe de forma mais direta: "primeiro os líderes moldam as instituições, mas posteriormente as instituições moldam os líderes". Já THELEN & STEINMO (1992), esclarecem que em momentos de mudança institucional a lógica do argumento central do Novo Institucionalismo é revertida, partindo da idéia de que as instituições moldam a política para a idéia de que a política molda as instituições. Portanto, a noção geral do conceito de dependência da trajetória sugere a existência de uma forma de estreitamento conceitual do conjunto de opções disponíveis para os atores e, além disso, representa um elo ou conexão entre os processos de tomada de decisão ao longo do tempo. Embora para alguns possa parecer, a idéia de dependência da trajetória não constitui de forma alguma uma história de inevitabilidade na qual o passado enovela as previsões para o futuro. 53 b) O Novo Institucionalismo na Escolha Racional11: Esta vertente desenvolveu-se concomitantemente ao Institucionalismo Histórico, embora mantendo seu isolamento. Surgiu a partir de estudos sobre o comportamento dos congressistas norte-americanos. O Institucionalismo na Escolha Racional introduziu ao estudo da ciência política instrumentos analíticos oriundos da "nova economia das organizações", que enfatizam a importância dos direitos de propriedade, rent-seeking e custos de transação no funcionamento e desenvolvimento de instituições (HALL & TAYLOR, 1996). HALL & TAYLOR (1996) identificam quatro características mais notáveis da abordagem do Institucionalismo na Escolha Racional: 1) utiliza a abordagem do cálculo e estabelecem um conjunto de pressupostos comportamentais para os atores: possuem um conjunto fixo de preferências, atuam de forma inteiramente instrumental, maximizando seus interesses de forma estratégica; 2) encara a política como uma série de dilemas de ação coletiva. Acreditam que as instituições podem contribuir para que os atores tomem um curso de ação superior, uma vez que a sua ausência impossibilitaria a geração de expectativa de comportamentos complementares por parte de outros (ex: dilema do prisioneiro); 3) enfatiza o papel da interação estratégica na determinação dos resultados políticos. Partem do princípio de que as instituições influenciam esse tipo de interação ao afetar a extensão e seqüência das alternativas de escolha ou ao oferecer informações e mecanismos de enforcement - imposição da regra - que reduzem incertezas sobre o comportamento dos outros e permitem ganhos de troca; 4) explica a origem das instituições através da especificação das funções que cumprem. Essa especificação determina o valor que uma dada instituição tem 11 É interessante perceber que certos autores como GOODIN (1997) optam por dissociar aspectos relativos ao institucionalismo econômico e ao político e não o fazem como HALL & TAYLOR (1996) que os agrupam sob o rótulo de novo institucionalismo na escolha racional. Mesmo entre os autores que empregam a dissociação existe a preocupação em se elucidar as influências recíprocas entre essas disciplinas. 54 para um certo conjunto de atores. Assim, uma instituição é criada para a realização desse valor, que é classificado em termos de ganhos de cooperação. b.1) O conceito de "custos de transação" Como mencionado acima, o conceito de custos de transação tem sua origem na "nova economia das organizações" e é considerado um elemento fundamental daquilo que alguns chamam de Novo Institucionalismo Econômico - aqui apresentado como dimensão integrante do Novo Institucionalismo na Escolha Racional. Grosso modo, podemos dizer que os custos de transação são aqueles custos associados a todas as etapas envolvidas na efetivação de uma troca ou intercâmbio entre duas partes (AYALA, 199-). Evidentemente, tal definição é por demais imprecisa, mas encontra justificativa, assim como BENHAM & BENHAM (1998) alertaram, na ausência de uma terminologia padronizada. De acordo com estes autores, a existência de várias definições de custos de transação na literatura ocorre em razão destas, freqüentemente, servirem apenas como aparatos heurísticos e não visarem a efetiva mensuração e operacionalização destes custos na vida real. Sendo assim, BENHAM & BENHAM (1998) apresentam uma série de definições de custos de transação e seus respectivos autores: "os custos de operação do sistema econômico" - Kenneth Arrow; "os custos associados à transferência, captura e proteção de direitos" - Yoram Barzel; "os custos que surgem quando indivíduos intercambiam direitos de propriedade por ativos econômicos e impõem seus direitos exclusivos" - Thrainn Eggertsson; "os custos de transação incluem os custos dos recursos utilizados para criação, manutenção, utilização, alteração e assim por diante, de instituições e organizações (...) quando considerados em relação à existência de direitos contratuais e de propriedade, os custos de transação consistem nos custos de definição e mensuração dos recursos, mais os custos de utilização e imposição dos direitos especificados. Aplicados à transferência de direitos de propriedade existentes e ao estabelecimento ou transferência de direitos contratuais entre indivíduos (ou entidades 55 legais), os custos de transação incluem os custos de informação, negociação e imposição (enforcement)" - Eirik Furubotn e Rudolf Richter (apud BENHAM & BENHAM, 1998). Essa variedade de definições sugere tipos de custos de transação. Furubotn e Richter (apud BENHAM & BENHAM, 1998) estabelecem a seguinte tipificação: a) custos de transação de mercado - os custos de utilização do mercado; b) custos de transação gerenciais - os custos do exercício do direito de dar ordens no interior da firma; c) custos de transação políticos - custos associados ao funcionamento e ajuste da estrutura institucional de uma instância política. Além disso, os mesmos autores definem que para cada um destes três tipos de custos de transação é possível reconhecer duas variações: a) custos de transação "fixos" constituem os investimentos específicos feitos para o estabelecimento dos arranjos institucionais; e b) custos de transação "variáveis" - envolvem os custos que dependem do número ou volume de transações (Furubotn e Richter apud BENHAM & BENHAM, 1998). Uma vez expostas as definições, devemos agora considerar os impactos da mudança institucional sobre os custos de transação. A implementação de novas instituições ou a simples reforma de instituições vigentes, consequentemente, produz mudanças nos termos que regulam a efetivação das trocas, como mudanças que possam afetar as negociações, os contratos e os direitos de propriedade, o que implicaria diretamente em renegociar e recontratar. Portanto, a mudança institucional altera os custos de transação, podendo muitas vezes provocar sua elevação em estágios iniciais - pós-reforma, uma vez que gera a necessidade (custos) de adaptação às novas regras (AYALA, 199-). c) O Novo Institucionalismo Sociológico: Essa corrente surgiu dentro do campo da teoria das organizações, no final da década de 1970. A problemática que os institucionalistas sociológicos tipicamente adotam busca explicações sobre os motivos pelos quais organizações assumem um conjunto específico de formatos institucionais, procedimentos e símbolos. Enfatizam também como 56 tais práticas são difundidas através dos campos organizacionais e em diferentes países (HALL & TAYLOR, 1996). Tal como afirmam HALL & TAYLOR (1996), podem ser identificadas três características que marcam o Institucionalismo Sociológico12: 1) definição de instituições de forma mais ampla do que os cientistas políticos, na medida que incluem não apenas regras, procedimentos e normas, mas também, sistemas de símbolos, scripts cognitivos e padrões morais que fornecem a estrutura de significados que orientam a ação humana. Esse tipo de definição quebra a barreira conceitual entre instituições e cultura; 2) compreensão distinta sobre o relacionamento entre instituições e ação individual. Seguindo pressupostos da abordagem cultural, instituições e ação individual interagem de forma mutuamente construtiva, na medida em que as instituições influenciam o comportamento não apenas através da especificação do que o indivíduo deve fazer mas também especificando o que um indivíduo pode se imaginar fazendo num dado contexto; 3) proposição de uma abordagem distinta para a questão da origem e mudança institucional. Arranjos institucionais surgem não porque suas funções representarão avanços no sentido uma de maior eficiência (meios e fins) para organização, mas sim porque aumentam a legitimidade social da organização e de seus participantes. Essa legitimidade adviria de um processo coletivo de discussão que culminaria na formação de um mapa cognitivo compartilhado, o qual seria capaz de incorporar um senso crítico sobre práticas institucionais apropriadas que, por sua vez, acabariam sendo largamente empregadas. 12 Para considerações mais detalhadas sobre o Novo Institucionalismo Sociológico e sua aplicabilidade sobre a análise organizacional, ver POWELL & DIMAGGIO (1991), “The New Institutionalism in Organizational Analysis”. 57 5.1.6 - Análise institucional A presente seção tem um certo caráter de síntese no sentido de que acaba por resumir o que foi descrito acima. Dessa forma, podemos dizer que na busca por uma maior compreensão sobre como se processa a vida social, o Novo Institucionalismo sugere que o foco de análise esteja firmemente direcionado para as instituições e seus processos de emergência e desenho. Definir as instituições como foco central para análise tem como conseqüência a avaliação de seus efeitos sobre o comportamento de indivíduos e grupos, supondo que, de alguma forma, é através das ações dos mesmos que as instituições produzem efeitos sobre os resultados políticos. Assim, o Novo Institucionalismo fornece um quadro rico em conceitos e definições para o estudo dos efeitos que a incorporação de regras e procedimentos possa vir a ter sobre os padrões de comportamento na sociedade e no Estado. Ou seja, a abordagem institucional possibilita a busca de uma maior compreensão sobre o processo de como a adoção de uma certa norma ou convenção pode provocar mudanças significativas no mundo sócio-político. 5.2 - Políticas públicas 5.2.1 – Políticas públicas: conceitos e noções básicas Na tentativa de clarificar alguns conceitos, pode ser interessante introduzirmos a distinção entre "política" e "políticas". O termo "políticas" refere-se a quem ganha o quê, quando e como. Por sua vez, a "política" refere-se à ordenação, pela estrutura de autoridade, de interesses sociais competitivos e, na maioria das vezes, conflitantes entre si. Portanto, "políticas" constituem equacionamentos técnico-racionais dos resultados dos embates no âmbito da "política" (FJP, 1992). 58 Colocando de uma outra forma, RUA (1997) afirma que as políticas públicas podem ser entendidas como produtos ou outputs resultantes da atividade política13, compreendendo o conjunto das decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores. Tal definição ainda deixa certa ambigüidade quanto à distinção entre política pública e decisão política. Para a autora, uma política pública geralmente envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas. Por sua vez, uma decisão política corresponde a uma mera escolha entre um dado leque de alternativas, conforme a hierarquia de preferências dos atores envolvidos. Assim, embora uma política pública implique decisão política, nem toda decisão política chega a constituir uma política pública (RUA, 1997). A dimensão pública do termo “políticas públicas” tem explicação não só no tamanho do agregado social sobre o qual incidem, mas especialmente no caráter imperativo, oriundo do fato de que políticas públicas são decisões e ações revestidas da autoridade soberana do poder público (RUA, 1997). As políticas públicas, uma vez tratadas enquanto outputs, resultam do processamento de inputs e withinputs no interior do sistema político. Esses inputs e withinputs, por sua vez, podem ser traduzidos em demandas e suporte (RUA, 1997). Inputs diferenciam-se de withinputs na medida em que os últimos são provenientes do próprio sistema político, ou seja, dos agentes do executivo (políticos, burocratas e tecnocratas), dos parlamentares e dos membros do judiciário, enquanto que os inputs podem ter origem nas mais diversas esferas sociais, até mesmo em outros países e organizações internacionais. Tanto inputs quanto withinputs podem surgir sob a face de demanda ou suporte, a distinção encontra-se no fato de demandas representarem qualquer tipo de reivindicação, enquanto que suportes estão direcionados para o sistema político ou mais especificamente para os governantes, como por exemplo, cumprimento de leis, apoio político, pagamento de tributos, etc. (RUA, 1997). 13 A autora define política enquanto o conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos (RUA, 1997). 59 O esquema abaixo ilustra o que foi dito até então: demanda apoio i n p u t o u t p u t Sistema Político Política pública Decisão política withinput Uma demanda ou reivindicação consegue penetrar no sistema político somente quando relaciona-se a algum tipo de questão ou problemática que passa a preocupar as autoridades, tornando-se, assim, um item presente na agenda governamental. Quando atingido esse estágio podemos dizer que trata-se de um problema político. De acordo com RUA (1997), para que uma dada situação se transforme num problema político e passe a figurar como item prioritário da agenda governamental é necessário que apresente pelo menos uma das seguintes características: a) mobilize ação política – pode ser entendida como ação coletiva de grandes grupos, ação coletiva de pequenos grupos dotados de fortes recursos de poder ou ação de atores individuais estrategicamente situados; b) constitua uma situação de crise – calamidade ou catástrofe de maneira que o ônus de não resolver o problema seja menor que o ônus de resolvê-lo; c) constitua uma situação de oportunidade – situação em que haja vantagens, antevistas por algum ator relevante, a serem obtidas com o tratamento daquele problema Qualquer situação que se torne dotada de relevância política terá, em seu interior, indivíduos desempenhando papéis estratégicos na defesa de seus interesses. Estes sujeitos são considerados os atores políticos envolvidos e sua identificação depende do mapeamento dos interesses que uma determinada situação põe em jogo. De forma geral, é possível identificar tanto atores públicos (políticos e burocratas) quanto atores privados (empresários e trabalhadores). Além disso, também é possível identificar atores internacionais aos quais 60 é atribuída grande importância no processo político, como exemplo podemos citar agentes financeiros como o FMI e o Banco Mundial (RUA, 1997). Embora não atue diretamente, não se pode ignorar o papel da mídia, que funciona como agente formador de opinião. É importante ressaltar que a mídia pode tanto agir enquanto ator, quanto funcionar como um recurso de poder e canal de expressão de interesses (RUA, 1997). A partir do momento em que os atores envolvidos possuem o interesse em tornar a questão ligada a eles um problema político, integrante da agenda governamental, é gerado um input. Esse input, por sua vez, deverá ser processado pelo sistema político e isto se inicia por uma etapa de formulação de alternativas. A formulação de alternativas é um importante momento do processo decisório, pois é nele que os atores envolvidos expressam claramente seus interesses e preferências, muitas vezes entrando em conflito entre si. Cada um deles possui seus próprios recursos de poder, como influência, capacidade de afetar o funcionamento do sistema, meio de persuasão, votos, organização, etc. (RUA, 1997). A aplicação desses recursos de poder cria a dinâmica interativa entre os atores que, segundo RUA (1997), pode obedecer a três padrões: lutas, jogos e debates. As lutas representam situações em que para que um ator alcance seus interesses, outro deixa de alcançar, configurando o chamado “jogo de soma zero”. Os jogos, por sua vez, constituem, situações em que a lógica de atuação de um determinado ator é vencer o adversário político sem eliminá-lo totalmente do processo, de tal maneira que ele possa vir a ser um aliado num momento posterior. Esse tipo de situação se materializa através de barganhas, conluios e coalizões de interesse. Por fim, debates são situações em que um dos atores procura convencer o outro, através da adequação de suas propostas, transformando, assim, um adversário num aliado. Aqui a lógica é a da persuasão, onde os conhecimentos técnicos desempenham um papel muito relevante. Esse tipo de padrão interativo também permite que atores se aliem através da troca de favores. Além disso, outra forma de atuação para atores envolvidos num dado processo político pode ser a pressão pública – manifestações coletivas midiatizadas , greves, etc. –, exercício de autoridade – caso um dado ator possua 61 o poder legal de impor a obediência – e a obstrução – tentativa de impedir, atrasar ou confundir os processos em andamento. Ainda nessa etapa de formulação de alternativas, pode ser interessante identificar alguns princípios que acabam por orientar os comportamentos e atitudes descritos acima. Uma primeira abordagem permite supor que todos os atores agem de maneira absolutamente racional, buscando que a solução para um dado problema político em questão seja aquela que maximiza seus interesses e objetivos. Uma outra forma de tratar o processo de decisão é a abordagem organizacional. Essa abordagem supõe que, por exemplo, o Estado e o governo não são atores monolíticos e unitários, mas sim conglomerados de organizações dotadas de vida mais ou menos autônomas. Sendo assim, as soluções para os problemas advêm dos procedimentos desenvolvidos por essas organizações, tratando-se de outputs organizacionais. Por fim, a terceira abordagem pode ser denominada “Modelo da Política Burocrática”, mesmo não sendo este o nome mais apropriado. Esse modelo rejeita a idéia de uma racionalidade linear em relação a uma política específica, considerando que o interesse de diversos atores colocam linhas cruzadas entre diferentes políticas. Assim, uma decisão que parece pouco racional, indicando algum tipo de prejuízo para um determinado ator, pode ter sido elemento de barganha para que esse mesmo ator obtivesse uma vantagem muito maior em outra política que, em princípio, não tem nada a ver com a primeira (RUA, 1997). Uma vez exposto o cenário, podemos dizer, então, que o universo em que os atores interagem é marcado por dificuldades em relação à definição dos problemas e competências; por construções sociais da realidade que se convertem em referenciais para aqueles que pressionam em busca de uma ou outra solução; por idéias utilizadas aqui e ali para provocar mudanças nas preferências e alternativas; e por "comunidades epistêmicas"14 que trabalham de forma conjunta para utilizar seus conhecimentos como recurso no jogo da tomada de decisões (SUBIRATS & GOMÀ, 1998). 14 Esse conceito "pretende descrever o conjunto de profissionais ou técnicos que compartilham os mesmos critérios e valores diante de dilemas e conflitos sociais instalados". Tais indivíduos e grupos "crêem no que defendem e trabalham para que suas idéias influenciem e possuam efeitos sobre a política ou políticas concretas" (SUBIRATS & GOMÀ, 1998). 62 Nesse ambiente, atores, com interesses e recursos distintos, envolvem-se em interações diferenciadas, com pautas de jogo provavelmente distintas em cada política, gerando redes de interações, comunidades e, também, instituições que são incorporadas ou apenas servem de marco para o processo de elaboração, formação e implementação das políticas públicas (SUBIRATS & GOMÀ, 1998). Daí, a política pública concreta resultaria, na visão de Kingdon (apud SUBIRATS & GOMÀ, 1998), da abertura de uma "janela"15, produto da convergência momentânea dos problemas, das alternativas de políticas públicas e do processo político. Tudo isso, num contexto constituído a partir de fatores estruturais e institucionais. A revisão teórica recém realizada, acerca da conceitualização de políticas públicas e das noções e elementos relacionados, tem como único objetivo servir como pano de fundo para o estabelecimento da relação entre políticas públicas e instituições. O esclarecimento de tal relação é de fundamental importância para a análise que o presente trabalho propõe realizar. A relação que se pretende estabelecer é a seguinte: uma política pública, seja qual for, envolve, cria, mantém e muda instituições. Isto é, uma política pública se constitui a partir da articulação de um aglomerado de instituições. Tentando desfiar a afirmação acima, acredita-se que uma política pública envolva conjuntos de regras e procedimentos, na medida em que possui objetivos a serem alcançados e que os busca através da definição de metodologias que instruem processos e definem maneiras de se desempenhar certas ações. Além disso, políticas públicas envolvem organizações, desde aquelas ligadas a sua formulação àquelas relacionadas a sua operacionalização e, sendo assim, são tanto frutos de arenas institucionais quanto as partes que as constituem representam elementos constritores destes e/ou de outros ambientes organizacionais. Concordar, portanto, que uma política pública envolve e se constitui a partir da articulação de um aglomerado de instituições nos leva a constatar que as suas etapas de formulação, implementação e manutenção possuem a capacidade de influenciar os resultados políticos, uma vez que incorporam elementos capazes de moldar a identidade, o 63 poder e a estratégia dos atores. Sendo assim, podemos inferir que uma política pública é capaz de moldar (influenciar) comportamentos na medida em que, muitas vezes, as instituições que ela envolve atuam de forma a restringir os cursos de ação possíveis, além de incutir, num processo freqüentemente gradual, novos valores orientadores de novas práticas. 5.2.2 - Avaliação de políticas públicas a partir da visão neoinstitucional Numa revisão sobre a produção teórica no campo de políticas públicas, MELO (1999) percebe o surgimento da abordagem institucional na avaliação de políticas públicas no momento em que identifica duas gerações de estudos sobre a área específica de reforma do Estado. A primeira geração centrou-se no impacto diferencial da transição democrática sobre a condução das políticas de reforma de mercado. Por sua vez, a segunda geração de estudos deslocou o eixo de análise do regime (democracia, autoritarismo, etc.) para a discussão do impacto das instituições formais sobre as políticas. Assim, a segunda geração de estudos, que possui um caráter fortemente institucionalista onde é privilegiado o impacto das variáveis explicitamente políticoinstitucionais na explicação dos padrões diferenciados de políticas públicas ligadas à reforma do Estado, introduz de forma definitiva a utilização da perspectiva neoinstitucional na avaliação de políticas públicas. Pode-se dizer que o interesse pela abordagem institucional na avaliação de políticas ligadas à reforma do Estado foi alimentado por três momentos. Em primeiro lugar, pela emergência do neo-institucionalismo na ciência política. Em segundo lugar, pela experiência malograda dos programas de reforma do Estado no Leste Europeu e parte da América Latina cujas razões foram localizadas no arcabouço institucional dos países dessas regiões. As instituições multilaterais que tiveram envolvimento ativo nessas reformas justificaram tais malogros pelas deficiências de estrutura político-institucional e fatores como: a) fragilidade do judiciário e do sistema de 15 No original "policy windows". Para maiores detalhes ver SUBIRATS & GOMÀ (1998). 64 propriedade; b) inexistência de um marco adequado garantidor do enforcement de decisões de política e de compromissos dotados de credibilidade (credible commitments) por parte dos formuladores de política; c) problemas institucionais na separação de poderes de natureza horizontal (executivo, legislativo e judiciário) e vertical (federalismo); d) escassa capacidade institucional e governativa; e e) regras eleitorais e sistemas partidário. Nesses casos, as instituições multilaterais sugeriam, muitas vezes, a substituição dos choques macroeconômicos pela terapia institucional. Por fim, o terceiro momento que incentivou o emprego da perspectiva neoinstitucional na avaliação de políticas públicas está relacionado à necessidade de uma robusta construção institucional - especialmente, no que diz respeito às agências reguladoras - na implementação de políticas de reforma do Estado num período pósestabilização. A abordagem institucional proporciona a geração de modelos de análise de políticas públicas que definem como foco as instituições que, por sua vez, afetam o conteúdo das políticas na medida em que a sua existência incentiva, dificulta ou pode vir até mesmo a impedir alguns resultados dessas políticas. Isso ocorre em razão das instituições possuírem a capacidade de determinar o acesso de certos interesses sociais à agenda governamental ou ao processo de formulação e desenvolvimento de políticas (CARDOSO, 1995). Um outro aspecto interessante da análise institucional de políticas públicas é a ênfase dada ao papel das organizações na vida pública por parte do Novo Institucionalismo, principalmente em sua sub-corrente sociológica. Esse tipo de abordagem torna-se interessante na medida em que as organizações não são apenas encarregadas da implementação das políticas, mas também constituem os ambientes institucionais (regulados por um dado conjunto de regras e normas) em que essas são decididas e avaliadas (CARDOSO, 1995). Além disso, o Novo Institucionalismo apresenta uma série de conceitos e ferramentas analíticas que podem proporcionar uma avaliação de política pública muito rica, considerando desde os aspectos internos da política àqueles relacionados ao ambiente 65 externo e aos atores envolvidos. A seguir, nossos esforços estarão concentrados na tentativa de elaboração de um modelo para a avaliação de políticas que incorpore a lógica e os conceitos neoinstitucionalistas. O esquema de avaliação a ser proposto parte do princípio de que uma política pública envolve e se constitui a partir de instituições, como já desenvolvido anteriormente. Sendo assim, num primeiro momento, torna-se possível realizarmos uma analogia dos fatores, elementos e princípios orientadores do desenho institucional para o caso da formulação de políticas públicas. Tomando como base a discussão realizada no capítulo anterior sobre a intencionalidade no desenho institucional, podemos afirmar que o surgimento de uma instituição é motivado por fatores ligados ou a sua funcionalidade ou à legitimidade que esta pode trazer para a organização. Tais fatores - funcionalidade e legitimidade - podem constituir elementos de uma avaliação de políticas públicas, partindo da noção de seu relacionamento com o conceito de instituições. Uma política pública, ao ser formulada, adquire funções a cumprir e resultados a produzir. Quando tais funções e resultados não são produzidos, a dimensão relativa à funcionalidade dessa política e das instituições por ela envolvidas possui problemas, ou seja, elas não cumprem o que lhes era pretendido. Além dessa dimensão, uma política pública e suas instituições devem ser capazes de produzir no público envolvido um senso de lealdade e aceitação, baseado na crença de que o seu surgimento e existência constituem boas iniciativas. Essa dimensão cognitiva relembra que uma política pública deve possuir legitimidade para que a geração de seus resultados seja viável. Tanto a dimensão funcional quanto a cognitiva são imprescindíveis para o bom funcionamento de uma política pública, tal como defendido por OFFE (1997) e GOODIN (1997). É necessário que haja tanto uma socialização interna por parte dos atores afetados, baseada na consistência dos arranjos da política, quanto uma efetividade externa, ligada a uma harmonização ao ambiente institucional e à produção de resultados. Ainda considerando, para efeito da proposição deste modelo de análise, o momento do desenho institucional, uma iniciativa interessante pode ser a aplicação dos 66 princípios orientadores do desenho institucional, propostos por GOODIN (1997), apresentados anteriormente, para o caso da avaliação do processo de formulação de políticas públicas. O princípio da revisão, quando aplicado às instituições envolvidas numa determinada política pública, prescreve que a existência de flexibilidade é essencial para que a política e suas instituições evoluam ao longo do tempo. Esse princípio faz entender que qualquer ambiente é passível de modificações, portanto, a capacidade de adaptação a essas mudanças pode ser fundamental para o bom "funcionamento" e aprimoramento dos arranjos de uma política pública. Mesmo possuindo a flexibilidade necessária para se adaptar a novas situações, de acordo com o princípio da robustez, uma política pública deve ter em seus elementos institucionais centrais uma solidez suficiente para adaptar-se sem que seu conteúdo essencial seja transformado ou destruído. Dessa forma, partindo para uma analise orientada por esses dois princípios - revisão e robustez - uma política pública pode ser avaliada em relação à capacidade de adaptação e à estabilidade para manutenção dos seus elementos institucionais fundantes. O sucesso de uma política se encontraria na situação em que fosse possível conciliar ambos os processos, ou seja, mudanças devem ser conduzidas de forma que a solidez do núcleo da política não seja abalada enquanto que adaptações sejam processadas apenas nos aspectos que apontam para mudanças no universo factual. O terceiro princípio diz respeito à importância de se considerar o aglomerado de motivos que orientam as ações dos indivíduos. Aplicando o princípio da sensibilidade à complexidade motivacional a uma determinada política pública e às instituições que a compõem, entendemos que o processo de formulação de uma política deve ter definido de forma bem clara qual é o público direta e indiretamente envolvido (os responsáveis pela demanda e o público alvo) e como estão organizados, de forma genérica, seus interesses e preferências. Como apresentado anteriormente, uma política pública, antes de mais nada, representa um produto da atividade governamental, portanto, dirigido àqueles governados. A definição clara do público envolvido permite identificar de forma mais apurada as demandas e interesses aos quais uma política deve atender e como deve fazê-lo. 67 Deficiências relativas a este princípio no processo de formulação de políticas públicas podem vir a gerar iniciativas governamentais mal focadas ou incapazes de satisfazer as demandas existentes, resultando em problemas de má alocação de recursos públicos e desperdício, além de representar uma situação de baixa responsividade por parte do poder público. Além disso, a aplicação deste princípio ao processo de formulação de políticas públicas sugere, de alguma forma, a incorporação da participação do público envolvido na definição das regras e dos processos estruturadores (institucionais) da própria política. O princípio da publicidade, quando aplicado a políticas e a seus arranjos, associase muito ao aspecto relativo à legitimidade apresentado anteriormente. De acordo com esse princípio, uma política pública deve possuir características que possam ser defensáveis publicamente, ou seja, uma política deve ser capaz de gerar aceitação sobre o público direta e indiretamente envolvido. Somente assim, como desenvolvido anteriormente, uma política poderá produzir os resultados esperados. O último princípio, o da variabilidade, integra-se harmoniosamente ao contexto macro deste trabalho. Através da experimentação, possibilitada pela autonomia delegada aos municípios através do processo de descentralização, o estoque de possibilidades e soluções criativas sofre considerável incremento. O aumento desse estoque institucional favorece o intercâmbio de idéias e soluções entre as administrações do Poder Local, oferecendo novos instrumentos para o combate de problemas comuns. O princípio da variabilidade guarda forte relação com o surgimento de arranjos institucionais e políticas públicas inovadoras que vêm redefinindo o estilo de gestão municipal na última década. Ainda restrita ao momento do desenho institucional e sua analogia ao processo de formulação de políticas públicas, a presente proposta de análise apresenta como relevante a avaliação dos aspectos relativos à imposição ou sanção da regra. Estamos falando da análise da existência de mecanismos que atuem de forma a tentar garantir que as instituições produzam seus efeitos. Na literatura neoinstitucionalista tais mecanismos são chamados de enforcement. No caso de políticas públicas, isto quer dizer: que mecanismos ou arranjos institucionais garantem que uma política pública possua estabilidade, continuidade e produza os resultados para seu público alvo? Ela é formalmente 68 institucionalizada sob a forma de lei? Existem organizações responsáveis pela sua fiscalização e acompanhamento? Existe um monitoramento exercido por terceiras partes neutras? Todo esse aparato de enforcement apresenta custos altos? A resposta a essas perguntas pode nos fornecer indícios sobre como as partes envolvidas num acordo - no caso de políticas públicas, o público alvo e a administração, sendo a política o próprio acordo - podem dispor de instrumentos que lhes garantem que a outra parte envolvida no acordo cumprirá seu papel. A existência de tais mecanismos de enforcement para uma política pública torna-se de grande importância quando percebe-se o seu envolvimento num conglomerado de instituições que, por sua vez, precisam ter sua estabilidade e seu caráter impositivo de regra garantidos. Além de sua importância, a análise do enforcement, no caso de políticas públicas e das instituições nelas envolvidas, sugere que é realmente complexo impor acordos no mercado político (NORTH, 1998), uma vez que é extraordinariamente difícil mensurar o que está sendo intercambiado. Sendo assim, quaisquer iniciativas ou soluções nesse sentido devem ser tratadas com bastante atenção e encaradas como ações criativas para superação de obstáculos tradicionais. Mesmo não sendo objeto de análise deste trabalho, o Novo Institucionalismo oferece todo um aparato teórico para a avaliação do desempenho institucional. Isto é, ferramentas analíticas que colaboram na explicação das razões que justificam os resultados advindos de uma certa instituição. Um bom exemplo é o trabalho desenvolvido por PUTNAM (1996), no qual o autor tenta explicar porque instituições altamente semelhantes, no que diz respeito ao seu desenho, obtinham desempenhos tão discrepantes entre as diversas regiões da Itália - área onde seu estudo foi aplicado. De alguma forma, a literatura sobre desempenho institucional, quando encarada enquanto ferramenta de análise, tende a enfatizar aspectos mais ligados à eficácia e à eficiência da instituição. Ou seja, são estudos voltados para a tentativa de identificar se uma instituição cumpre com os objetivos propostos e de que maneira os cumpre. Muitas vezes tais estudos tomam a forma de análise comparativa. Para o caso de políticas públicas, desempenho institucional significaria, tomando uma frase de PUTNAM (1996), "a avaliação do aparato decisório de uma [política pública], 69 sua regularidade e presteza" e, portanto, a sua produção de resultados e a forma como os produz. Ou seja, a idéia de desempenho institucional poderia ser tranqüilamente aplicada a análise de políticas públicas, sem que fossem necessárias dramáticas adaptações. Um outro conceito do Novo Institucionalismo que pode atuar de forma complementar à análise do desempenho institucional (e sua aplicação na avaliação de políticas públicas) é o de "conseqüências não intencionais" (unintended consequences). Trata-se de resultados da implementação de algum arranjo institucional que, apesar de serem observados na realidade, não foram previstos intencionalmente. Dessa forma, partese do princípio de que uma instituição é gerada para cumprir certos propósitos definidos no seu desenho, assim, a avaliação do cumprimento dos resultados para o caso de uma política pode levar à constatação de conseqüências não intencionais. Para tal, um levantamento das intenções e metas projetadas para uma política pública, assim como, dos efeitos produzidos após a implementação da mesma, é necessário para que sejam detectadas tanto conseqüências não intencionais quanto a sua eficácia. Deixando para trás a avaliação do momento do desenho institucional e as relações que podem ser estabelecidas com o processo de formulação de políticas públicas, partimos agora para um momento subsequente na construção deste modelo de análise. Se uma política pública envolve um aglomerado de instituições ou arranjos institucionais, podemos dizer que o seu processo de implementação constitui um momento de mudança institucional. Isto é, a implementação de uma política pública, tendo em vista os arranjos institucionais por ela trazidos, representará a superação ou mera substituição de instituições anteriormente vigentes, constituirá a introdução de novas regras e procedimentos e, portanto, gerará novas oportunidades e constrangimentos que impactarão de forma distinta o comportamento dos atores envolvidos. A principal, porém não única, validade da análise da mudança institucional quando aplicada a políticas públicas está ligada a sua capacidade de proporcionar uma compreensão mais profunda em relação a questões cruciais como: qual é a origem da mudança e do novo arranjo institucional? E quais os efeitos provocados por tal alteração? 70 Concentrando inicialmente na primeira pergunta, explicações sobre as origens da mudança institucional podem ser geradas a partir da aplicação do conceito de dependência da trajetória (path dependence). Como já desenvolvido anteriormente no item 5.1.4, uma análise realizada a partir da noção de dependência da trajetória possibilita a identificação e investigação dos elos que conectam a cadeia de decisões ao longo do passado, presente e futuro. O emprego desse conceito na avaliação de políticas públicas e das instituições envolvidas permite-nos perceber que certas trajetórias observadas ao longo dos processos de tomada de decisão governamental estão condicionadas por escolhas e decisões anteriores. Uma vez tomadas, tais decisões apresentam estabilidade no futuro, na medida em que o curso estabelecido tende a ser reforçado. Independentemente de outros fatores que possam influenciar a formulação e o desenho de políticas públicas, assim como o de instituições, elementos que configuram o princípio da robustez tendem a gerar certa inércia em relação a mudanças. Por tal motivo, políticas públicas e suas instituições corporificam trajetórias históricas e momentos decisivos. O que ocorre antes condiciona o que ocorre depois. Formuladores de políticas públicas podem definir os aspectos institucionais centrais - como a metodologia – de uma dada política, mas não o fazem em circunstâncias e contextos que eles mesmos criaram. Além disso, suas escolhas influenciarão as regras e o conjunto de opções disponíveis dentre as quais seus sucessores atuarão. Portanto, a aplicação da noção de dependência da trajetória para a explicação do processo de formulação e implementação de uma dada política pública – em analogia ao processo de mudança institucional – pode ocorrer de duas formas. Primeiro, através da investigação e mapeamento das políticas públicas implementadas anteriormente e das instituições relacionadas a elas. Isto é, tal investigação constitui um levantamento histórico das políticas públicas que foram implementadas e vigoraram anteriormente a política pública analisada. Um esforço desse tipo pode gerar um conjunto de informações que tem a capacidade de apontar a trajetória seguida, uma vez que o levantamento dos eventos e 71 arranjos institucionais passados podem indicar aqueles elementos que reforçam a permanência num dado caminho. As políticas públicas implementadas no passado, seja recente ou não, são a base para as políticas que vierem a ser implementadas no presente e no futuro. A implementação e funcionamento das políticas anteriores acabam por gerar um processo de aprendizagem organizacional, o qual ocorre através da internalização de novos princípios, reforço àquelas iniciativas bem sucedidas e repúdio àquelas que produziram resultados piores. Além disso, a existência de uma política pública corresponde à percepção de toda uma sustentação técnica e administrativa que envolve pessoal, estrutura física e administrativa. Tais elementos – aprendizado organizacional e sustentação técnica e administrativa – vão constituindo, num processo histórico e incremental, um ambiente propício e receptivo para um dado conjunto de novas iniciativas, assim como, um terreno infértil para diversas outras ações. A segunda forma de aplicação da noção de dependência da trajetória na avaliação da mudança institucional diz respeito à formulação de explicações a partir da análise da influência recíproca entre instituições (e políticas públicas) e ideologia. Como já exposto anteriormente no item 5.1.4, as percepções e ideologias dos atores são frutos de um estreitamento conceitual proporcionado pela existência de instituições. Ao mesmo tempo, percepções e ideologias atuam como fontes de inspiração para a reconfiguração institucional. Numa aplicação mais direta ao caso de políticas públicas, a influência recíproca mencionada acima é evidenciada, de acordo com Hall e King (apud THELEN & STEINMO, 1992), a partir da percepção de que as estruturas institucionais definem os canais e mecanismos através dos quais novas idéias são traduzidas em políticas. Assim como, a partir da constatação de que as novas idéias e pressupostos éticos, morais e técnicos influenciam o desenho, metodologia e forma de implementação de novas políticas públicas. É por isso que a noção de dependência da trajetória torna-se um instrumento conceitualmente relevante, pois mostra que mesmo as iniciativas inovadoras, em termos de 72 políticas públicas, surgem a partir das motivações e oportunidades fornecidas pela estrutura institucional. E sendo assim, elas carregarão consigo elementos da estrutura anterior que atuarão de forma a reforçar tendências já há algum tempo iniciadas. Dessa forma, a idéia central de tal esquema analítico é que uma mudança institucional ou a implementação de um política pública pode ter suas origens explicadas quando são analisados os eventos históricos que a precederam, assim como, a relação entre as instituições vigentes e canalização de novas idéias e princípios de ação. Além disso, a noção de dependência da trajetória também é capaz de explicar porque certos resultados insatisfatórios ou não intencionais são verificados no presente, através da análise do caminho percorrido até então, buscando encontrar os vícios herdados das decisões tomadas no passado. Partindo agora para a consideração a respeito da segunda questão suscitada na abordagem da mudança institucional – “quais os efeitos provocados pela alteração (mudança institucional)?” – deveremos abordar o conceito de “custos de transação” e sua aplicabilidade na avaliação de políticas públicas. Como já discutido anteriormente (no item 5.1.4), custos de transação podem ser entendidos, de forma grosseira, como todos os custos envolvidos no processamento e efetivação de uma troca (AYALA, 199-). De forma um pouco mais específica, os custos de transação incluem os custos dos recursos utilizados para a criação, manutenção, utilização e alteração de instituições (Furubotn & Richter apud BENHAM & BENHAM, 1998). O elo que conecta as duas decisões é o fato de que, muitas vezes, uma troca pode vir a ocorrer e/ou se formalizar através de uma instituição. O exemplo tradicional são os contratos. Para efeito da construção deste modelo de análise, é importante percebermos agora que uma política pública pode ser enxergada enquanto uma dessas trocas que vêm a ocorrer através de instituições. Num processo de troca, é fundamental sabermos quem são os agentes da troca e o que está sendo trocado. Tomando, então, uma política pública como uma troca, compõem as partes envolvidas o poder público e os cidadãos, e os objetos de troca gerais são a contribuição tributária e a ação governamental. É claro que em cada política pública os objetos de troca podem ser melhor especificados. E tal esforço é 73 imprescindível para que sejam identificados os elementos de custo envolvidos numa troca do tipo políticas públicas. De forma geral, o conjunto total dos custos de transação envolvidos na formulação, implementação e manutenção de políticas públicas podem ser divididos em três conjuntos: a) custos de informação – consistem no custo de mensuração dos atributos de valor envolvidos na troca (NORTH, 1990); custos de obtenção, processamento e distribuição de informação para o planejamento, desenho institucional e tomada de decisão; além de envolver os custos de aprendizagem organizacional e de capacitação de pessoal; b) custos de manutenção e utilização – envolvem os custos de manutenção de organizações, monitoramento e avaliação de processos e resultados; c) custos de imposição (enforcement) – compõem-se dos custos ligados à imposição e garantia dos resultados da troca do acordo, e os custos relacionados à renovação da troca e seus termos. Entender os custos envolvidos na efetivação de uma troca ou na formulação, implementação ou manutenção de uma política pública toma grande relevância quando compreendemos que os custos de transação são determinados pela estrutura institucional vigente. Pois, de acordo com NORTH (1990), é o arranjo institucional que determina como cada um daqueles três conjuntos de custos de transação podem ser processados e absorvidos pelos atores envolvidos. Tal constatação nos leva a inferir, portanto, que a mudança institucional altera os custos de transação. Ou seja, a implementação de uma política pública tem a capacidade de alterar, em algum nível, os termos da troca, provocando alterações nos custos de transação. Assim, voltando à pergunta que gerou toda discussão – “quais os efeitos provocados pela alteração (mudança institucional)?” – chegamos ao ponto de poder dizer que uma das conseqüências da mudança institucional ou da implementação de políticas públicas é a alteração dos custos de transação. 74 A implementação de uma política pública, em analogia à mudança institucional, e a conseqüente alteração dos custos de transação produzem ainda efeitos sobre o padrão de comportamento dos atores envolvidos com as instituições resultantes da efetivação da troca. A mudança institucional pode vir a reconfigurar a estrutura de incentivos e recompensas colocada para os atores. E, como salienta NORTH (1990), a alteração dos custos de transação acabará por incentivar esforços – por parte dos atores envolvidos - no sentido de desenvolver convenções e normas que efetivamente aprimorem o processo de troca, com vistas a reduzir os custos de transação. Portanto, a partir desse cenário, indivíduos e organizações atuarão de forma a maximizar seus interesses através da captura de novas oportunidades na estrutura de incentivos reformulada, e através do desenvolvimento de novas regras que reduzirão os custos de transação a partir do aprimoramento do processo de troca. Este esquema analítico é baseado no modelo de comportamento estratégico dos atores. O Novo Institucionalismo – em especial sua sub-corrente na Escolha Racional – parte do pressuposto de que os atores possuem um conjunto fixo de preferências e atuam com vistas a maximizar seus interesses, os institucionalistas, na Escolha Racional, estabelecem uma série de modelos de interação estratégica entre os atores envolvidos. Esses modelos ganham utilidade na medida em que permitem, mesmo que de forma hipotética, o estabelecimento de previsões dos cursos de ação a serem adotados pelos atores, quando envolvidos numa situação problemática ou conflituosa. No caso da análise de políticas públicas, esse esquema fornece uma visão mais clara acerca dos interesses e conteúdos que se apresentam como relevantes na esfera de discussão política. 75 6 - ANÁLISE NEOINSTITUCIONAL DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E DAS MUDANÇAS PROVOCADAS SOBRE O ESTILO DE PLANEJAMENTO DA PREFEITURA DE BELO HORIZONTE Como desenvolvido no capítulo anterior, uma política pública envolve e se constitui a partir da articulação entre um aglomerado de instituições, sendo possível e frutífero, dessa forma, empreendermos a aplicação dos conceitos e ferramentas analíticas do Novo Institucionalismo para o caso de avaliação de políticas públicas. Partindo daí, a presente seção visa a realização de uma análise neoinstitucional do orçamento participativo. Pressupondo, então, que o orçamento participativo envolve, cria, mantém, articula e muda instituições, os esforços subseqüentes estarão concentrados na tentativa de aplicação do esquema de análise neoinstitucional para o caso do orçamento participativo de Belo Horizonte. Isto é, buscar-se-á operacionalizar a aplicação do esquema de avaliação de políticas públicas construído anteriormente para o estudo da política do orçamento implementada pela Prefeitura de Belo Horizonte. Seguindo o esquema de avaliação elaborado no item 5.2.2, primeiramente serão abordados os aspectos ligados ao desenho institucional, na tentativa de identificar em que medida as instituições envolvidas na política do orçamento participativo contemplam os requisitos ligados ao "bom" desenho institucional. Num segundo momento, a implementação do orçamento participativo será tratada enquanto um processo de mudança institucional, pois trás junto consigo a instalação de novos arranjos institucionais. A partir daí, a mudança institucional será explicada com base na aplicação do conceito de dependência da trajetória. Uma vez realizado o esforço de tentar explicar as bases da origens da mudança, o prosseguimento se dará em direção à tentativa de identificação dos efeitos gerados a partir da mudança institucional. Será abordada, então, a noção de custos de transação e serão apresentadas uma série de alterações observadas na dinâmica de planejamento da Prefeitura de Belo Horizonte - no que se refere ao processo do OP – advindas da implementação de tal política. 76 6.1 – O Orçamento Participativo e o processo de desenho institucional A avaliação do OP, neste momento, estará concentrada na análise dos aspectos, elementos e princípios ligados ao desenho institucional. 6.1.1 - Funcionalidade e Legitimidade Retomando a discussão realizada no capítulo anterior, podemos afirmar que o surgimento de uma instituição é motivado por fatores ligados a sua funcionalidade – cumprimento de suas funções – e a sua legitimidade – produção de aceitação e senso de lealdade. Como já dito, é necessário que haja tanto uma socialização interna por parte dos atores afetados, baseada na consistência dos arranjos da política, quanto uma efetividade externa, ligada a uma harmonização ao ambiente institucional e à produção de resultados. Tomando primeiramente a dimensão ligada à funcionalidade, devemos antes de mais nada esclarecer que a presente discussão tratará meramente da eficácia ou produção de resultados do OP e das instituições a ele ligadas. Não serão considerados os aspectos relacionados à eficiência do OP, assim como não será empreendida uma avaliação qualitativa mais detida de seus resultados. Dessa forma, o presente esforço representa uma avaliação parcial do desempenho institucional. Tais ressalvas são necessárias, pois a realização de uma avaliação completa do desempenho institucional representa uma tarefa de alta complexidade que deve ser conduzida com muito cuidado, além de superar o escopo deste estudo. Tendo em mente a identificação dos resultados produzidos e a verificação do efetivo funcionamento do orçamento participativo em Belo Horizonte, apresenta-se o Quadro 6.1.2. Esse quadro expõe o volume de recursos, o número de empreendimentos aprovados e os somatórios por setores e por anos de edição do OP, desde 1994 a 20012002. A partir de tais informações, podemos perceber que, em termos absolutos, trata-se de montantes de dinheiro e quantidades de obras significativos destinados à decisão popular. 77 O fato de os recursos e empreendimentos terem sido aprovados – como indica o quadro 6.1.2 – não implica necessariamente sua realização. O gráfico 6.1.1, por sua vez, apresenta a situação dos empreendimentos e nos leva a verificar que do total de empreendimentos aprovados até o ano de 2000, quase 80% das obras estão concluídas enquanto os 20% restantes estão em andamento. Portanto, dos empreendimentos aprovados até 2000, todos já tiveram seus trabalhos iniciados. Gráfico 6.1.1 Situação dos Empreendimentos do Orçamento Participativo em 2000 20,5% OBRAS CONCLUÍDAS ATÉ 2000 OBRAS EM ANDAMENTO 79,5% Fonte: OP - SMPL - PBH - out/2000. 78 17 42 3.998.301 0 80 7 1 18 6 0 Emp. 1.245.785 0 6.167.504 892.000 33.349 2.703.504 319.947 0 OP 94 Recursos OP 95 4.428.036 1.718.699 69.600 9.969.949 1.040.000 207.000 577.125 153.000 22.500 Recursos OP 96 6.000.000 0 3.079.600 521.400 22.500 Recursos (*) 0 8 3 1 Emp. OP 97 7.000.000 605.300 2.719.200 969.000 197.000 Recursos 40 17 2 7 2 6.468.779 22 1.941.410 901.600 7.224.519 1.522.210 0 82 14.230.181 47 13.711.110 8 2 10 3 2 Emp. 30 3 0 46 (*) 4 11 5 1 Emp. OP 98 1.541.200 7.779.000 0 0 8 0 5.224.000 461.800 3.876.354 19 15.796.700 2.631.632 0 2.122.000 7.223.000 2.279.000 1.263.000 Recursos 7.005.000 0 35 17.156.000 13 1 59 32.869.000 Total 5.297.747 1.955.600 Recursos 50.169.562 5.307.949 15 20 82 26 10 Emp. 1.433.000 75 5 33 58.948.689 221 10 21.288.736 0 57 112.679.144 396 (*) 6 17 24.917.029 4 4 Emp. OP 2001-2002 (*) 16.000.000 4 12 0 0 Emp. OP 99-2000 Recursos (*) 14.000.000 3 6 5 2 Emp. 6.325.500 25 29.405.900 5.237.562 799.100 835.600 1.055.400 450.600 Recursos 79 15.360.390 171 18.185.909 166 33.165.470 90 33.948.339 100 21.211.748 68 74208600 124 85.917.000 131 281.997.456 850 Fonte: Criação do próprio autor a partir de dados da SMPL - PBH / 2000. (*) o setor habitação definiu nos OP 94 e 95, 15 empreendimentos do tipo construção de moradias e distribuição de material. A partir do OP 96 foram contempladas 4.002 famílias com unidades habitacionais. Total Urbanização (vilas e favelas) Saúde Meio Ambiente Infra-estrutura Habitação Esporte e Lazer Educação Des. Social Cultura Setores Quadro 6.1.2 Distribuição Setorial dos Recursos e Empreendimentos Aprovados nos Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002 (em R$ 1,0) O Quadro 6.1.3 apresenta o número de participações nas diversas instâncias e etapas do OP desde a edição de 1994 à de 2001-2002. Esse quadro nos mostra que, também em termo absolutos, um número considerável de pessoas tem se envolvido na dinâmica do orçamento participativo. Quadro 6.1.3 Partcipação Popular nos Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002 Instâncias OP 94 OP 95 OP 96 OP 97 OP 98 OP 992000 OP Cidade OP 20012002 Abertura Municipal (...) (...) 2.000 1.900 1.260 1.300 - 2.500 3ª Rodada de Assembléias Populares (*) 6.202 14.461 17.597 17.937 11.871 16.325 - 31.369 Fóruns Setoriais (**) - 990 - - - - - - OP Habitação - - 13.762 5.904 2.811 4.898 - 13.402 Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias 1.128 1.243 1.314 1.334 1.050 1.651 - 1.944 Encontro Municipal de Prioridades Orçamentárias 500 450 630 700 600 (***) - (...) Abertura da PréConferência do OP Cidade - - - - - 600 650 - Fonte: OP - SMPL - PBH - out/2000 (...) informações inexistentes (*) a participação popular na 3ª Rodada define o número de delegados aos Fóruns Regionais e a escolha dos empreendimentos (**) realizado somente em 1995 - experiência embrionária do OP Cidade (***) em 1998 o Encontro Municipal de Prioridades Orçamentárias foi substituído pela abertura da Pré-conferência OP CIdade 81 A apresentação de todas essas informações – recursos e empreendimentos aprovados, situação dos empreendimentos e número de participações – tem como objetivo sustentar a idéia de que o orçamento participativo e as instituições a ele relacionadas contemplam de forma positiva o requisito de funcionalidade. Tal afirmação se justifica, pois, sendo o OP uma política que envolve instituições (desde normas, regras, procedimentos, convenções e organizações) que se propõem incorporar a participação popular na tomada de decisão sobre recursos orçamentários, a constatação empírica da realização deste propósito – não questionando a forma e extensão de sua realização – nos leva a dizer que o OP “funciona”, isto é, produz resultados. Além disso, corroborando a afirmação acima, apresenta-se um mapa (Figura 6.1.4) com a localização georreferenciada dos empreendimentos aprovados pelo OP e realizados até 2000. A análise desse mapa, de acordo com técnicos da antiga16 Secretaria Municipal de Planejamento, possibilita perceber que as concentrações de pontos – que correspondem a empreendimentos – encontra-se, em sua maioria, nos aglomerados de vilas e favelas. Tal constatação nos leva a inferir que, de alguma forma, o princípio da inversão de prioridades está sendo exercitado. Através da participação popular na definição do orçamento, tem ocorrido a realização de investimentos nas áreas mais carentes da cidade. Dessa forma, a análise do mapa sugere que, além de apresentar resultados ligados à incorporação da participação popular e à definição de investimentos, o OP produz seus efeitos sobre aquelas áreas da cidade de maior carência relativa. Na tentativa de aprofundar mais a discussão acerca da inversão de prioridades, apresentam-se dados de uma pesquisa realizada por SOMARRIBA (2000) em que são comparadas as gestões de 1989-1992 (anterior à implementação do OP) com a de 19931996 (primeiros anos de "funcionamento" do OP-BH). Os dados trabalhados nessa pesquisa demonstram que houve uma efetiva mudança de prioridades de uma gestão para outra. 16 Denominação da secretaria anterior à reforma administrativa empreendida em 2001. 82 Figura 6.1.4 Localização Georeferenciada dos Empreendimentos Aprovados – OP 94 a 99 Fonte: PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c 83 Em primeiro lugar, os dados apontam que o governo da Frente BH Popular17 (1993-1996) tem procurado atuar sobre a questão da escassez de moradias. Diferentemente da gestão anterior, que evitava esforços nessa área por julgar que a política habitacional não é de competência do município e por temer a atração de uma massa de pessoas vindas do interior em busca das moradias ofertadas, a segunda gestão optou por uma ação afirmativa em face da gravidade da situação das famílias que vivem em áreas de altíssimo risco e também da chamada população de rua (SOMARRIBA, 2000). O quadro a seguir (6.1.5) mostra o número de famílias beneficiadas pelos vários tipos de intervenção definidos para os dois primeiros Orçamentos Participativos: Quadro 6.1.5 - Famílias beneficiadas por tipos de intervenções no setor habitação Belo Horizonte - Orçamento Participativo - 1994-1995 Programa Famílias Beneficiadas Lotes Urbanizados 1.313 Conjuntos Habitacionais 1.475 Unidades Habitacionais (auto-construção) 741 Melhorias Habitacionais (auto-construção) 534 TOTAL 4.063 Fonte: SOMARRIBA (2000). De acordo com a pesquisa, essas intervenções abrangem desde a aquisição e regularização dos terrenos até o financiamento de material de construção para reformas. Do total de 168 favelas existentes na cidade, 90 delas (53,6%) receberam recursos para programas na área habitacional nos dois primeiros OPs (SOMARRIBA, 2000). Um segundo indício que revela que o governo da Frente BH Popular atuou em favor das camadas mais pobres é a ênfase sobre as obras de saneamento. Apenas no âmbito do OP, foram definidas 220 obras de saneamento para 1994 e 1995. Nos anos de 1996 e 1997, embora se tenha procurado orientar os participantes dos Fóruns Regionais do OP para escolha de obras de maior porte, quase 80% das 190 intervenções definidas referem-se a obras de saneamento, infra-estrutura e urbanização de vilas e conjuntos habitacionais. De acordo com a pesquisa, os dados totais relativos a 1989-1992, somados às obras viárias e de 17 Articulação partidária encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores. 84 saneamento, compreendem 50 intervenções, 19 das quais constaram como paralisadas no relatório da SUDECAP elaborado ao final daquela gestão (SOMARRIBA, 2000). Um outro aspecto levantado pela pesquisa, que vai além da produção de resultados, diz respeito à qualidade das intervenções antes e depois do OP. A título de exemplo, cita-se que, ao contrário da gestão 1989-1992, a administração subsequente não realizou calçamento e asfaltamento de vias sem a prévia execução dos serviços de saneamento necessários. A pesquisa constatou, através de manifestações de participantes das assembléias populares e de depoimentos de técnicos envolvidos com as duas administrações, que as intervenções mais complicadas, em área de risco eminente nas comunidades mais carentes, foram efetivamente priorizadas a partir de 1993, sendo grande parte delas definidas pela própria população no âmbito do OP (SOMARRIBA, 2000). Por estarmos tratando da funcionalidade das instituições ligadas ao OP, devemos reconhecer a principal crítica colocada a esta política. Muitos advogam que, em termos relativos, o Orçamento Participativo compreende uma parte muita limitada dos recursos do orçamento municipal – variando em torno de 5% (SOUZA, 2000). Embora se reconheça que a funcionalidade de uma política desse tipo possa ficar comprometida quando os recursos envolvidos se situam em um patamar modesto, é necessário matizar esta questão. Tal como afirmam AZEVEDO & MARES GUIA (2001), em primeiro lugar, além da população, setores importantes da própria Administração Municipal têm exercido crescentes pressões para a elevação do montante de recursos alocados através do Orçamento Participativo. Em segundo lugar, sabe-se que os ganhos dessa prática ultrapassam em muito o acesso a bens públicos de primeiro nível, demandados pela população da cidade. Transferindo agora o foco para a questão da legitimidade, é importante relembrarmos que a produção de aceitação e senso de lealdade são imprescindíveis para o sucesso de uma política pública. É a partir da existência de algum nível de legitimidade que atores tornam-se receptíveis e adotam posturas construtivas de envolvimento. 85 Tentar identificar se uma política e as instituições a ela relacionadas possuem legitimidade ou não pode ser uma tarefa extremamente complexa e delicada. Dessa forma, o presente trabalho pretende apresentar uma análise mais geral de algumas informações que, de certo modo, nos possibilitam identificar indícios acerca da legitimidade que o orçamento participativo de Belo Horizonte foi e vem sendo capaz de gerar. O Quadro 6.1.6 apresenta o resultado de uma pesquisa18 realizada de 1993-1996 com participantes e delegados do OP em que foi questionado o caráter inovador do orçamento participativo de Belo Horizonte. Quadro 6.1.6 - Opinião sobre caráter inovador do OP Opinião sobre o OP Freqüência Percentual É uma coisa nova na cidade, porque a população está podendo 708 decidir para onde vai o dinheiro da prefeitura 85,1 Não é uma coisa nova na cidade, porque outras administrações 35 já discutiram o orçamento com o povo 4,2 Não sabe avaliar 34 4,1 Não respondeu 55 6,6 TOTAL 832 100,00 Fonte: SOMARRIBA & DULCI, 1997. O fato de a absoluta maioria dos indivíduos ter concordado que o OP é uma inovação nos permite inferir que tal política é considerada uma modificação em relação ao padrão de gestão orçamentária anterior. É claro, que a simples constatação de que o OP seja considerado uma inovação não necessariamente corresponde à produção de aceitação e lealdade. Mas, pressupondo um contexto em que as práticas governamentais vigentes têm sido vigorosamente criticadas, é de se esperar que uma inovação – seja ela qual for – gere expectativas em relação a uma possível melhoria de situação. Dessa forma, acredita-se que o caráter inovador do OP, de algum modo, lhe confere um grau de empatia e aceitação, que pode ser encarado como uma base fértil para o estabelecimento de lealdades. 18 Ver SOMARRIBA & DULCI (1997). 86 Além da constatação do caráter inovador do OP, uma outra pesquisa da prefeitura, realizada em 199919, que tomou como amostra o conjunto de pessoas que já tinha conhecimento do orçamento participativo, tendo pelo menos ouvido falar, argüiu sobre a importância do Orçamento Participativo. Gráfico 6.1.7 - Avaliação da Importância do Orçamento Participativo Nenhuma Importância 2% Pouco Importante 3% NS/NR 8% Muito importante 52% Importante 35% Fonte: PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c. A partir desse gráfico, tomando um índice acumulado, temos que 87% dos entrevistados considera o orçamento participativo uma política pública importante. Ainda buscando avaliar a aceitação do OP, apresenta-se uma pesquisa realizada por FARIA (1996) junto a membros das COMFORÇAS das regionais Barreiro e CentroSul, na edição do OP 96. Nessa pesquisa foram consideradas as variáveis abaixo. 19 Pelo Instituto de Pesquisa Doxa. 87 Quadro 6.1.8 - Avaliação do OP/96 pelas COMFORÇAS Barreiro e Centro-Sul Avaliação Melhorou a vida dos moradores do bairro Tornou mais transparente a aplicação dos recursos Tornou a prestação de serviço mais eficiente A população é atendida de forma mais igualitária Contribuiu para fortalecer a cidadania Não mudou em nada NR/NS Total Barreiro Centro-Sul ( %) 76,9 (Freq.) 11 (%) 47.8 (Freq.) 20 16 69.6 18 69,2 12 52.1 17 65,2 14 60.9 12 46,1 14 60.9 14 53,8 0 2 23 8.7 100 0 1 26 3,8 100 Fonte: FARIA, 1996 Quase todas as variáveis avaliadas apresentaram um nível de concordância maior do que 50%. Isso significa que, na pior das hipóteses, o OP em Belo Horizonte conta com uma massa de indivíduos envolvidos, dos quais, no mínimo a metade, acredita que a existência de tal política constitui um aprimoramento da atuação governamental. Além da relação entre o caráter inovador, sua importância e a produção de legitimidade, outro indício que pode indicar que a política do orçamento participativo em Belo Horizonte encontra aceitação junto a sua população é o número de participações que a mesma vem mobilizando ao longo dos anos. O Quadro 6.1.320, que apresenta o número de participações nas diversas edições do OP em Belo Horizonte, demonstra que a adesão popular é cada vez maior (crescente ao longo do anos) e indica, em termos absolutos, um número consideravelmente grande de indivíduos que optaram por se envolver na discussão popular do orçamento. Porém, quando analisado em termos relativos, o número de participações no OP revela um paradoxo. “A participação quantitativa relativamente pouco expressiva, levando-se em conta que se chegou a atingir somente cerca de duas a três dezenas de milhares 88 de participações de cidadãos para uma população de dois milhões de indivíduos, desvaloriza, por um lado, junto à opinião pública, a capacidade do processo de cumprir os objetivos de democratização que ele se postula. Entretanto, a adesão ativa e estável de entidades e lideranças, que representam, tácita ou explicitamente, os interesses de diversos segmentos, movimenta positivamente a sociedade, confirmando, por outra via, os propósitos democráticos do processo participativo” (SILBERSCHNEIDER, 1998). Por fim, a análise da inserção do orçamento participativo na dinâmica política de Belo Horizonte também é capaz de nos fornecer alguns indicativos de sua legitimidade. De acordo com um membro da coordenação do OP no período de 1993 a 1999, o último processo eleitoral revelou que o orçamento participativo de Belo Horizonte foi capaz de gerar uma aceitação tanto pelas diversas alianças partidárias concorrentes, a partir da defesa da política em suas promessas de governo, quanto pelo envolvimento ativo e construtivo por parte de alguns vereadores (Entrevista, em 18 de outubro de 2001). Tal fato mostra-se interessante na medida em que outras experiências brasileiras têm evidenciado atritos entre membros do legislativo local e a política do orçamento participativo. Isso ocorre, pois, estes atores percebem seu espaço de atuação política invadido pelo OP. Em alguma extensão, esse problema parece estar equacionado em Belo Horizonte. 6.1.2 - Princípios orientadores do desenho institucional Retomando a discussão realizada nos itens 5.1.3 e 5.2.2 acerca da identificação e definição dos princípios que poderiam orientar o desenho institucional no sentido de uma ressonância moral mais profunda, empreende-se a tarefa de tentar identificar em que medida esses princípios que configuram o “bom” desenho institucional foram contemplados na construção institucional relacionada à formulação do orçamento participativo de Belo Horizonte. 20 Vide pag. 81. 89 Analisando conjuntamente os princípios da revisão e da robustez, é possível perceber, a partir da leitura do histórico do orçamento participativo de Belo Horizonte (Capítulo 4), que o processo de construção institucional associado ao desenho do OP, além de contemplar o exercício destes dois princípios, foi capaz de articulá-los de forma harmônica. Tal articulação ocorre na medida em que o desenvolvimento da política pôde conciliar a realização de mudanças e alterações em sua metodologia e dinâmica de "funcionamento" sem que o objetivo central – participação popular nas decisões orçamentárias – nunca deixasse de ser tratado em primeiro plano. Enquanto o princípio da robustez está ligado à intactibilidade do núcleo central da política, o princípio da revisão ressalta a importância da realização de adaptações e incorporações marginais para que a política se desenvolva e se aprimore frente aos diversos desafios internos e externos. Em aproximadamente 8 anos de existência do orçamento participativo, foram realizadas diversas alterações em sua metodologia. Essas mudanças refletiram não só na dimensão do planejamento (foco da análise deste trabalho), como também nos processos gerenciais e administrativos no interior da prefeitura e na cultura associativa e participativa da sociedade como um todo. Mesmo dentro da dimensão do planejamento, as alterações foram vastas e visavam, em sua maioria, o aprimoramento das técnicas e critérios empregados desde o processo de diagnóstico, passando pelo processamento das demandas, à elaboração dos projetos das obras e empreendimentos. Algumas delas, consideradas no âmbito deste estudo como as mais significativas, podem ser distinguidas a partir de dois conjuntos: captação e qualificação de demandas; e viabilização e organicidade. No que diz respeito ao primeiro conjunto, foram introduzidas à metodologia, de forma aprimorar os processos de captação e qualificação das demandas, os critérios de abrangência social e relevância social; o Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU); a qualificação de demandas a partir de sua interação e relação com instrumentos de planejamento como o Plano Diretor, os Planos Diretor Regionais, os Planos Globais Específicos (PGE), dentre outros; e a implantação do Orçamento Participativo Cidade. Em relação ao segundo conjunto, que envolve medidas que têm por objetivo o aumento da capacidade organizativa e de viabilização das demandas por parte da prefeitura, foram 90 empreendidas as seguintes ações: busca por maior precisão na elaboração dos projetos de obras e empreendimentos; levantamento da capacidade executiva dos órgãos responsáveis pela realização das obras (URBEL E SUDECAP); busca por maior cooperação e articulação institucional intersetorial; estabelecimento de uma nova regionalização intramunicipal a partir das Unidades de Planejamento (UP); introdução da bianualidade para o processo do orçamento participativo; e criação da Secretaria Executiva e do Grupo Gerencial do OP. Todas estas alterações na metodologia e na dinâmica de "funcionamento" do OP apresentadas acima serão objeto de uma análise mais detalhada no item 6.2. No momento, tais alterações representam o exercício do princípio da revisão, ou seja, a realização de adaptações graduais e contínuas visando o desenvolvimento e aprimoramento em curso da política pública. Em seguidas, estas mesmas alterações serão tratadas enquanto efeitos surtidos a partir da implementação da política do orçamento participativo. Efeitos estes que, como será demonstrado a seguir, indicaram mudanças na forma e dinâmica de planejamento da prefeitura de Belo Horizonte. Tendo em vista o princípio da sensibilidade à complexidade motivacional - que diz respeito à importância de se considerar o aglomerado de motivos que orientam as ações dos indivíduos envolvidos - o orçamento participativo e as instituições a ele ligadas podem ser avaliados a partir de duas vias complementares, que se realizam em momentos distintos. A primeira via, que enfatiza o momento do “surgimento” da política, representa a tentativa de avaliar se a existência do OP e suas instituições constituem um ato responsivo por parte do poder local, que considera o conjunto de demandas a ele colocadas e produz respostas. A segunda via, que por sua vez enfatiza momentos de revisão da política, busca avaliar até que ponto as instituições ligadas ao OP incorporam mecanismos de consulta ao público sobre a criação de novas regras ou mudanças metodológicas. Acredita-se que a passagem por ambos os caminhos é capaz de gerar uma política pública sensível às motivações dos grupos e indivíduos ligados a ela. Em diversos estudos sobre o orçamento participativo de Belo Horizonte (SOMARRIBA & DULCI, 1997; AZEVEDO & AVRITZER, 1994; BOSCHI, 1999; dentre 91 outros) é comum encontrarmos, nas seções que enunciam seus antecedentes e histórico, a relevância do papel dos movimentos sociais urbanos. É possível dizer que os movimentos sociais urbanos possuíam como objetivo geral o desenvolvimento de uma estratégia junto ao estado com vistas a gerar melhorias urbanas. Parte desses movimentos incluía associações de bairro, vilas, favelas e associações que buscavam a melhoria de serviços, como por exemplo o transporte para determinadas regiões. Os ativistas desses movimentos foram responsáveis por um impacto significativo na arena societária, contribuindo fortemente para que fosse criado um ambiente sócio-político propício para o surgimento de experiências participativas. Sendo assim, os estudos mencionados acima atribuem o surgimento do OP de Belo Horizonte, em grande parte, ao cenário favorável que a ação destes movimentos produziu. Ou seja, associações de bairro e movimentos para melhoria dos serviços públicos no nível regional e da cidade constituíram-se em grupos de pressão e demandaram do poder público local a abertura de canais de participação. A resposta do governo veio materializar-se sob o formato institucional do orçamento participativo. Portanto, mesmo que estejamos desconsiderando uma série de outras variáveis intervenientes21, podemos dizer que o orçamento participativo representa, de alguma forma, a contemplação da primeira via ligada ao princípio da sensibilidade à complexidade motivacional. Tomando então a segunda via, podemos dizer que o orçamento participativo de Belo Horizonte, através das instituições que envolve, incorpora também essa dimensão do princípio da sensibilidade à complexidade motivacional - que diz respeito à participação na revisão do processo. Diversas das mudanças citadas anteriormente, quando se tratou do princípio da revisão, surgiram a partir de sugestões dos participantes e delegados nos espaços institucionais das assembléias, fóruns e conselhos do orçamento participativo, como confirma o histórico apresentado no Capítulo 4. Além disso, outros tipos de alterações na metodologia e nos processos ocorreram por iniciativa do próprio corpo técnico da prefeitura que, a partir de seu envolvimento, percebiam a necessidade de mudança em relação a certos processos. De acordo com a Assessora de Planejamento da 21 Dentre as quais uma delas, ligada à ideologia do Partido dos Trabalhadores, será discutida no item 6.2. 92 Secretaria Municipal de Planejamento da PBH, a cada edição do orçamento participativo, ao final dos trabalhos, as COMFORÇAS e o Conselho da Cidade aprovam a metodologia que regulará o processo na sua próxima realização. Nesse momento, a prefeitura apresenta as alterações propostas - tanto pelos participantes quanto pelos técnicos - buscando sugestões e/ou apresentando as razões que justificam tais mudanças (Entrevista, em 01 de outubro de 2001). Sendo assim, no que diz respeito à segunda via do princípio da sensibilidade à complexidade motivacional, o OP-BH vincula o seu processo de revisão à necessidade de atender de forma mais precisa os interesses daqueles envolvidos em sua dinâmica. A partir da análise, mesmo que simplificada, do orçamento participativo de Belo Horizonte com base nas duas vias - surgimento e revisão - que compõem o princípio da sensibilidade à complexidade motivacional, torna-se possível a proposição de que o OP e as instituições a ele ligadas incorporam este princípio fundamental ao “bom” desenho institucional. Como já exposto anteriormente (item 5.2.2), a aplicação do princípio da publicidade a políticas públicas associa-se muito ao aspecto relativo à legitimidade apresentado anteriormente. Enquanto o princípio da publicidade postula que uma política pública deve possuir atributos e características que possam ser defensáveis publicamente, a questão da legitimidade relembra que uma política pública produzirá os resultados esperados de forma proporcional à sua capacidade de gerar aceitação e senso de lealdade nos grupos direta e indiretamente afetados por ela. Talvez, a questão da legitimidade não só esteja associada ao princípio da publicidade, como parece ir ainda além, no sentido de que a produção de aceitação e, de certa forma, de uma internalização, parece pressupor que uma determinada política seja capaz de apresentar elementos moralmente aprováveis por parte do público envolvido. Sendo assim, uma vez constatada acima a legitimidade da política do orçamento participativo, assume-se que o princípio da publicidade encontra-se contemplado e presente em tal política pública. Considerando, por fim, o princípio da variabilidade, é possível dizermos que o orçamento participativo de Belo Horizonte contempla tal princípio na medida em que 93 incorpora um arranjo institucional inovador em termos de políticas públicas. O Capítulo 2 deste trabalho apresenta a relação entre o processo de descentralização e o surgimento de políticas públicas inovadoras nos governos locais e situa o orçamento participativo nesse contexto. Por ser uma inovação, o orçamento participativo representa a experimentação e a busca de novos arranjos institucionais que possuem um papel fundamental num contexto mais amplo de reforma do estado e reconfiguração dos processos de gestão pública. Além disso, o princípio da variabilidade se manifesta ainda no interior do orçamento participativo de Belo Horizonte a partir da inventividade no desenvolvimento institucional (novas regras e convenções), e no aprimoramento de todo o processo. As mudanças e adaptações na metodologia do OP, mencionadas anteriormente, refletem nada mais do que a experimentação na busca de um aperfeiçoamento cada vez maior da política. Outro ponto ligado ao princípio da variabilidade que merece menção é o fato de a Prefeitura de Belo Horizonte realizar intercâmbios com outras administrações locais. A Assessora de Planejamento (SMPL/PBH) afirma que essas trocas de informação puderam ser verificadas a partir da convocação de técnicos que antes atuavam em outras prefeituras com experiência de OP, da promoção de alguns seminários envolvendo outros municípios22 ou para a discussão da atuação do partido; e da realização de reuniões e da troca de materiais com representantes de outras administrações (Entrevista, em 01 de outubro de 2001). Estas iniciativas não só atuam de forma a ampliar o intercâmbio de experiências e soluções, mas também através da geração de um estoque de conhecimento sobre a dinâmica do orçamento participativo capaz de abrir novos horizontes para a gestão local. 6.1.3 – Enforcement Como já desenvolvido anteriormente, nos itens 5.1.3 e 5.2.2, a elaboração e operacionalização de mecanismos que atuem de forma a garantir que uma política pública e suas instituições possuam caráter de sanção e não deixem de produzir resultados representa um momento de considerável importância no processo de desenho institucional. A análise 22 Destaca-se a realização do Congresso Brasileiro de Controle Social do Orçamento Público, patrocinado pela PBH, em agosto de 1999, envolvendo mais de mil participantes, representantes de 20 estado, 74 94 desses aspectos permite perceber o nível de estabilidade do arranjo institucional de uma dada política e a sua capacidade de manter contínuo o seu "funcionamento". No caso do orçamento participativo, podemos partir do pressuposto de que, assim como qualquer outra política pública, o mesmo representa um acordo, um compromisso que a administração assume com os cidadãos no sentido de realizar uma determinada ação ou tarefa. A partir daí, a análise destes mecanismos de enforcement pode tomar duas direções. A primeira, diz respeito à existência de instrumentos que forneçam garantias de que o compromisso será cumprido. Ou seja, mecanismos que criem a obrigação e imposição dos resultados esperados, no caso do OP, a participação popular efetiva e a realização dos empreendimentos aprovados. A segunda, por sua vez, está relacionada à renovação do acordo ou compromisso assumido, uma vez tendo o prazo relativo à conclusão de seu "ciclo de vida" expirado. Isto é, existem mecanismos que garantam que o OP será realizado ano após ano, ou de dois em dois anos como atualmente é feito? O que garante que o OP não será extinto ao final de um mandato? Abordando o primeiro ponto, podemos dizer que o orçamento participativo de Belo Horizonte considerou no processo de desenho de suas instituições a construção desse tipo de mecanismo de enforcement. NORTH (1998) ressalta a existência de um tipo de mecanismo de imposição e garantia dos resultados esperados para políticas públicas. Segundo o autor, os resultados esperados a partir de uma política pública e das instituições nela envolvidas podem ser garantidos ou impostos através do estabelecimento de normas de comportamento que desloquem o locus do enforcement do governo para os participantes. No caso do OP-BH, isso pode ser verificado através das COMFORÇA - Comissões Regionais de Acompanhamento e Fiscalização da Execução do Orçamento Participativo. As COMFORÇAS são eleitas anualmente - bianualmente a partir de 1999 - em cada região da cidade, compondo-se de representantes populares escolhidos nas assembléias. Desde a sua criação, o regimento das COMFORÇA estabeleceu como suas atribuições23: municípios e diversas entidades e movimentos sociais. 23 PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c. 95 a) acompanhar e fiscalizar a execução orçamentária, o cronograma de obras, os gastos e a prestação de contas; b) detalhar, complementar e redimensionar, ouvindo a comunidade interessada, as prioridades definidas pelo Fórum Regional de Prioridades, quando se estabelecerem razões subvenientes; c) promover debates com assessores, órgãos ou entidades específicas para subsidiar as decisões internas; d) solicitar esclarecimentos e informações às autoridades municipais acerca de políticas públicas, prioritariamente aquelas com repercussão orçamentária; e) realizar reuniões com representantes do orçamento participativo nas sub-regiões para discutir o andamento da execução orçamentária dos investimentos aprovados no fórum regional; f) convocar e organizar, bianualmente, juntamente com os órgãos da PBH, o Fórum de Prioridades Orçamentárias; g) designar pelo menos dois de seus membros para acompanhar o processo de abertura de propostas, quando da licitação dos investimentos aprovados pelo Fórum Regional de Prioridades Orçamentárias; h) discutir o comportamento de membros da COMFORÇA quanto a denúncias concretas de proveito pessoal, podendo, em caso de comprovação, propor a exclusão de seu mandato. Além das COMFORÇA, o orçamento participativo de Belo Horizonte incorpora em sua engenharia institucional outras instâncias de controle público. Nesses espaços de participação, os cidadãos adquirem informações sobre o processo e têm a capacidade de questionar e fiscalizar os procedimentos. O Quadro 6.1.9 apresenta uma lista destas instâncias e informa o número de pessoas que delas participam. 96 Quadro 6.1.9 - Controle Público no Orçamento Participativo de Belo Horizonte Instâncias de Participação Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias (delegados) Comissões Regionais de Acompanhamento e Fiscalização da Execução do Orçamento Participativo - COMFORÇA Comissão Municipal do Orçamento Participativo - CMOP Comissão da Cidade Conselho da Cidade Número de Participantes 2490 eleitos no OP 2001-2002 1508 eleitos desde o OP 94 ao 2000 337 eleitos no OP 2001-2002 55 representantes eleitos a cada edição 108 representantes eleitos a cada edição 78 representantes eleitos a cada edição Fonte: PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c. A CMOP é composta, paritariamente, por representantes das COMFORÇA e da prefeitura e tem como objetivo aprimorar a participação popular organizada nas decisões do OP. A importância da CMOP consiste no fato de a mesma constituir um fórum municipal no qual estão representadas todas as regionais. Por isso, a CMOP é responsável, juntamente com a prefeitura e as COMFORÇA, pela convocação e organização dos Fóruns Regionais e pela apreciação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e do Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG). A Comissão da Cidade surgiu no contexto da implantação do OP Cidade, coordenando a Pré-Conferência Municipal de Prioridades Orçamentárias e os Fóruns Setoriais que a compunham. A Comissão da Cidade foi composta, paritariamente, por 108 membros entre sociedade civil e prefeitura, abrangendo representação em todos os setores que participaram das Pré-Conferências. Quando da efetiva consolidação do OP Cidade, na segunda metade de 1999, o mandato e as atividades da comissão foram encerradas, sendo substituída pelo Conselho da Cidade. O Conselho da Cidade coordenou a 1ª Conferência da Cidade, no final de 1999, com a participação de mais de 700 delegados dos diversos setores. Este conselho tem como atribuição definir as prioridades orçamentárias no nível da cidade através da tentativa de geração de consenso entre as diversas visões setoriais. 97 Todas estas instâncias de controle público acima mencionadas têm, cada uma a seu modo, ampliado os espaços democráticos e a participação cidadã no cotidiano da administração municipal (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c.). Indo em direção à segunda dimensão do enforcement acima mencionada, constatase a inexistência de qualquer tipo de instrumento formal que garanta a continuidade do orçamento participativo em Belo Horizonte. O compromisso político - único elemento de garantia presente - demonstra-se insuficiente e incapaz de manter a continuidade da política, por exemplo, numa situação de mudança de mandato. A garantia da continuidade requer no mínimo a institucionalização formal e legal do processo. Do contrário, como ilustra a recente experiência do município de Betim, a alternância de partidos no poder pode pôr fim a uma experiência já consolidada e exitosa, podendo representar um retrocesso político considerável. A inexistência de mecanismos que garantam a continuidade de uma política - como por exemplo, a sua institucionalização formal e legal constitui um fator de instabilidade e incerteza, que nada colabora para a construção de um relacionamento de parceria entre a sociedade civil e o governo local. A análise do orçamento participativo e do processo de desenho institucional a ele relacionado possibilitou perceber que o OP e sua estrutura institucional contemplam em grande parte os requisitos, princípios e elementos que constituem o "bom" desenho institucional. O orçamento participativo de Belo Horizonte demonstrou conseguir produzir resultados e ser eficaz, atestando portanto sua funcionalidade; gerar aceitação e senso de lealdade, revelando sua legitimidade; considerar todos os cinco princípios orientadores do "bom" desenho institucional, sendo assim, flexível, robusto, sensível às demandas, legítimo e inovador; e, por fim, revelou possuir mecanismos que dão garantia em relação ao cumprimento dos compromissos assumidos no seu âmbito. Apenas ficou a ser preenchido o requisito das garantias ligadas a sua continuidade que, mesmo constituindo um elemento extremamente relevante, revela-se fundamentalmente complexo, envolvendo restrições e constrangimentos de ordem jurídica e administrativa. 98 6.2 – Mudança institucional: origens e efeitos das mudanças provocadas sobre o estilo de planejamento Como já desenvolvido anteriormente, uma política pública envolve um aglomerado de instituições ou arranjos institucionais. Assim sendo, podemos dizer que o seu processo de implementação constitui um momento de mudança institucional. Como menciona JEPPERSON (1991), toda entrada implica a saída de algum outro lugar. Isto é, a implementação de uma política pública, tendo em vista os arranjos institucionais por ela trazidos, representará a superação ou mera substituição de instituições anteriormente vigentes, constituirá a introdução de novas regras e procedimentos e, portanto, gerará novas oportunidades e constrangimentos que impactarão de forma distinta o comportamento dos atores envolvidos. Diante de um cenário de mudança institucional, inicialmente, colocam-se como ponto de partida para análise as seguintes questões: qual é a origem da mudança e do novo arranjo institucional? E quais os efeitos provocados por tal alteração? A busca por elementos que possam fornecer indícios de respostas a essas questões irá nortear a análise subsequente. Num primeiro instante, o foco residirá sobre a tentativa de identificação das bases da origem da mudança institucional provocada pela implementação do orçamento participativo em Belo Horizonte. Num segundo momento, a reflexão se dará em cima das mudanças advindas do processo de alteração do arranjo institucional. Essa reflexão terá como base as seguintes indagações: terá o processo de mudança institucional modificado as identidades dos atores políticos, redistribuído recursos políticos e incutido novas normas? E de que modo as novas instituições, instaladas a partir da implementação do orçamento participativo, influenciaram as práticas de governo? 6.2.1 – Dependência da trajetória: identificando os fatores que sustentaram a mudança institucional Iniciando pela busca de indícios que forneçam uma melhor compreensão sobre as origens da mudança institucional, no caso a implementação do OP, será aplicado o esquema 99 de análise de políticas públicas a partir da visão neoinstitucional, desenvolvido no item 5.2.2. De acordo com o referido esquema, a noção de dependência da trajetória (path dependence) permite, de certa forma, explicarmos as políticas públicas e as decisões governamentais atuais a partir da observação do efeito condicionante que as escolhas e decisões anteriores possuem. Sendo assim, esse conceito pode ser valiosamente aplicado para geração de hipóteses acerca da origem de uma política pública. Ainda rementendo ao esquema de análise anteriormente proposto, deve ser relembrado que o conceito de dependência da trajetória pode ser aplicado de duas formas: a) através da investigação e mapeamento histórico das políticas públicas (e instituições envolvidas) implementadas anteriormente; e b) por meio da análise da influência recíproca entre instituições (e políticas públicas) e ideologia. Primeiramente, a dedicação estará voltada à primeira forma de aplicação do conceito de dependência da trajetória para o caso do orçamento participativo de Belo Horizonte. Nas palavras de SOMARRIBA (2000): “o orçamento participativo iniciado em Belo Horizonte em 1993, foi o coroamento de um processo de mudança institucional que vinha acontecendo no município desde fins dos anos 70 e que teve avanços maiores no final dos anos 80. Seu antecedente mais imediato está na Lei Orgânica do Município, na qual foi incluída (...) a idéia de que a administração da cidade se faria envolvendo instâncias de participação popular”. Além do disposto no Lei Orgânica, o orçamento participativo de Belo Horizonte foi antecedido pelas seguintes políticas: o PRODECOM (Programa de Desenvolvimento de Comunidades); o PRODASEC (Programa de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as Populações Carentes do Meio Urbano); o PROPAR (Programa Participativo de Obras Prioritárias); a subdivisão em Administrações Regionais e a criação dos Conselhos Comunitários (AZEVEDO, 2001; FARIA, 1996; FJP, 1992; SOMARRIBA, 2000). 100 O PRODECOM foi concebido em 1979 com o objetivo de gerar melhorias urbanas em vilas e favelas. Era um programa do governo estadual gerido pela Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral (SEPLAN), porém, contava com a parceria intensiva da prefeitura. Com o PRODECOM, o Estado pretendia responder, ao mesmo tempo, à crescente presença das organizações reivindicatórias urbanas, que se multiplicavam no período, e à relevância de estimular a expansão das mesmas, definidas como interlocutores legítimos do programa (SOMARRIBA, 2000). Foi um programa público - coerente e articulado - de extensão dos benefícios representados pelo saneamento básico e ambiental e pela saúde pública às populações faveladas. O PRODECOM rompia, explicitamente, com o paradigma, até então dominante, de ação estatal na periferia urbana de Belo Horizonte, orientado no sentido da remoção da população favelada. O objetivo da ação do Estado nas favelas voltava-se para a melhoria da qualidade de vida nesses locais, pois o PRODECOM reconhecia tacitamente que o problema das favelas era a exclusão de sua população ao consumo de serviços, como eletrificação, abastecimento de água e redes esgoto, que descrevem um padrão mínimo aceitável de qualidade de vida urbana (FJP, 1992). O PRODECOM significou a criação de uma arena política onde técnicos do Estado e lideranças associativas das favelas acordavam a implantação dos projetos. Nesse sentido, foram ampliados os graus de porosidade do Poder Público e de suas políticas em relação às associações comunitárias no plano da implantação das decisões públicas que afetavam diretamente a sua base (FJP, 1992). No período de 1983-1986, progressivamente, o programa foi se fragmentando quando, no nível estadual, passou a ser gerido pela Secretaria de Estado do Trabalho e da Ação Social (SETAS). Essa Secretaria não possuía a centralidade política que dotava o PRODECOM de autoridade e recursos no momento em que era conduzido pela SEPLAN. Além disso, o desempenho e a continuidade do programa foram comprometidos pela dispersão da equipe técnica e pelos novos arranjos políticos metropolitanos que ampliaram 101 o controle clientelista sobre as políticas públicas e sua implantação nas favelas24 (FJP, 1992). Da mesma forma, o PRODASEC foi concebido em 1979 e tinha como foco os moradores das áreas periféricas da região metropolitana. Esse programa visava a promoção de ações sócio-educativas e culturais voltadas para a população carente ocupante dessas áreas. Assim como o PRODECOM, as ações do PRODASEC iam no sentido de mobilizar o esforço e a capacidade associativa da população para solucionar os problemas através de uma prática comunitária (FARIA, 1996). O PROPAR, por sua vez, consistia na realização de assembléias regionais, com a presença do prefeito, nas quais eram sugeridas as obras que os participantes julgavam prioritárias em suas áreas. Tais assembléias não tinham, entretanto, caráter minimamente deliberativo. Serviam apenas para indicar, de forma descontínua e nada sistemática, as principais preocupações dos moradores de cada região (SOMARRIBA, 2000). De fato, esse programa apresentou resultados práticos muito limitados. Em razão da ausência do caráter deliberativo das assembléias, a SUDECAP (Superintedência de Desenvolvimento da Capital) continuou concentrando não somente a atribuição de realizar as obras do município, mas também a definição e hierarquização das mesmas, em articulação direta com o gabinete do prefeito e em estreita sintonia com as empreiteiras executantes de obras públicas (SOMARRIBA, 2000). Com o objetivo de criar esferas de governo mais próximas e mais sensíveis às demandas da população, o município foi dividido em Administrações Regionais. A implantação dessas Administrações Regionais, hoje 9 no total, foi um processo lento, marcado por avanços e recuos. SOMARRIBA (2000) descreve que as duas primeiras Administrações Regionais (AR) - Venda Nova e Barreiro - começaram a funcionar ainda no início da década de 70. De certa forma, essas AR foram implantadas inicialmente em razão da distância entre essas regiões e o centro da cidade. Do ponto de vista legal, eram definidas amplas atribuições 24 Para uma avaliação rica e detalhada do PRODECOM, tanto no plano teórico quanto no nível dos resultados 102 para as AR, como a promoção de licitações de obras e serviços, a execução direta dessas obras e serviços, a participação nas atividades de planejamento municipal, cabendo-lhes elaborar planos e programas setoriais em articulação com o Conselho de Municipal de Planejamento e de Desenvolvimento. Apesar disso, as primeiras regionais começaram atuando de forma limitada, sem autonomia, apenas executando as obras definidas pelo nível central. A transferência de recursos financeiros era irrisória e as AR não tinham poder efetivo para definir quaisquer melhorias urbanas. Nesse sentido, acabavam atuando como mediadores políticos entre as lideranças populares e o prefeito, em moldes clientelistas. Uma década depois, em 1983, foram criadas as outras sete regionais. Apesar da ampliação do número de AR, foram realizadas profundas restrições no papel das mesmas, o que comprometeu um processo efetivo de descentralização intramunicipal. Nesse momento, suas atribuições se restringiam à prestação de informações (tributárias, econômicas, etc.) aos munícipes e encaminhamento para o nível central dos requerimentos feitos por esses (SOMARRIBA, 2000). O quadro de precariedade gerencial das AR só veio a ser melhorado a partir de 1989, com a implementação de uma série de medidas, como a nomeação de administradores regionais com experiências passadas de participação nessas formas de luta e movimentos e a proposta de criação de Conselhos Comunitários vinculados às Administrações Regionais. SOMARRIBA (2000) destaca que a proposta dos Conselhos Comunitários frutificou apenas em Venda Nova e no Barreiro, em decorrência do maior envolvimento dos administradores regionais com a idéia, bem como da maior densidade organizativa dos setores populares locais e da configuração mais clara de uma identidade regional nas duas áreas. De fato, os maiores avanços no processo de descentralização políticoadministrativa em Belo Horizonte somente vieram a ocorrer a partir de 1993, na administração do PT. Deste momento em diante, as Administrações Regionais assumiram o concretos, ver FJP (1992). 103 papel de instâncias mais diretamente responsáveis pelo relacionamento com a população na implementação do OP (SOMARRIBA, 2000). O mapeamento e investigação histórica realizados acima apontam que o orçamento participativo de Belo Horizonte já contava com algumas condições prévias favoráveis a sua implementação. Ainda que de maneira tímida, a articulação com as instâncias organizadas da sociedade já estava presente em vários dos setores da máquina pública municipal (AZEVEDO & MARES GUIA, 2001). As iniciativas relembradas há pouco não chegaram a inaugurar um novo estilo de governar, mas criaram condições institucionais para tal (SOMARRIBA, 2000). Dessa forma, podemos dizer que essas políticas listadas acima atuaram de maneira a consolidar uma base para a implementação do OP. A existência e o funcionamento do PRODECOM, do PRODASEC, do PROPAR, das Administrações Regionais e dos Conselhos Comunitários acabaram por gerar um processo de aprendizagem organizacional, no qual a administração municipal foi capaz de internalizar novos princípios, num processo lento e gradual de construção institucional. Além disso, essas iniciativas empreendidas no passado, de alguma forma, deixaram como "herança" toda uma sustentação técnica e administrativa, envolvendo pessoal, estrutura física e administrativa. O ponto a que se pretende chegar, portanto, é que as ações realizadas no passado acabaram por constituir, num processo incremental, um ambiente favorável e propício à implementação do orçamento participativo em Belo Horizonte. Assim, podemos afirmar que, de alguma forma, o OP-BH se funda na dependência de uma trajetória histórica, em que a ação do presente reflete o desempenho de um determinado conjunto de atividades no passado. "O lugar a que se pode chegar depende do lugar de onde se veio e, simplesmente, é mais difícil chegar a certos lugares a partir de onde se está" (PUTNAM, 1996). Partimos, nesse momento, para a análise da segunda forma de aplicação do conceito de dependência da trajetória, definida no esquema de avaliação de políticas públicas a partir da visão neoinstitucional desenvolvido no item 5.2.2. A noção de 104 dependência da trajetória passa, então, a enfocar a relação de influência recíproca entre instituições (que constituem uma determinada política pública) e ideologia. Isto é, a dependência da trajetória passa a ser observada a partir da ênfase sobre o papel das idéias no processo de mudança institucional. A idéia central aqui é a percepção de que as estruturas institucionais definem os canais e mecanismos (constrangimentos e oportunidades) através dos quais novas idéias são traduzidas em políticas, assim como, novas idéias e pressupostos éticos, morais e técnicos influenciam o desenho, a metodologia e a forma de implementação de novas políticas públicas e das instituições a elas ligadas. GOMÀ & SUBIRATS (1998) chamam atenção para o fato de que tais idéias e pressupostos constituem o referencial de uma política. Isto é, representam a forma como estão organizadas as percepções dos atores em relação ao sistema. Essas percepções ou o referencial de uma política influenciam de maneira decisiva nos critérios de julgamento e formação de preferências, nas pautas de interação com os demais atores e na avaliação tanto do processo de implementação quanto dos impactos de uma política. O compartilhamento de percepções no nível de grupos organizados acarreta a formação de comunidades epistêmicas. Uma vez formado, esse grupo de indivíduos que compartilham os mesmos valores e princípios em relação a determinadas situações atua de forma a influenciar a formação de políticas públicas concretas. No caso do orçamento participativo de Belo Horizonte, a hipótese explicativa da origem de tal política reside no reconhecimento do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados locais como uma dessas comunidades epistêmicas. Como já descrito no item 3.2, a política do orçamento participativo, tal como conhecemos hoje, consolidou-se e desenvolveu-se em Porto Alegre numa seqüência de gestões do Partido dos Trabalhadores, que vem até os dias de hoje acumulando quase 12 anos de trabalho continuado. Dessa forma, é possível dizer que a política do orçamento participativo está profundamente conectada ao PT, sendo viável afirmar que a mesma constitui o principal “produto” deste partido. O que se pretende destacar aqui é a relação entre o idéario do PT e o desenvolvimento da política do orçamento participativo. Para tal, deveremos relembrar um pouco a história e os princípios desse partido. 105 O Partido dos Trabalhadores estabeleceu-se formalmente em 1981 a partir de uma coalizão de sindicalistas radicais, movimentos sociais, grupos religiosos (as CEBs), além de políticos e intelectuais de esquerda. Desde então, uma cultura de democratização influencia a plataforma do partido na qual a “democratização do processo de tomada de decisão” e a “inversão de prioridades” são os princípios orientadores mais arraigados (ABERS, 2000). Ênfase particular é destinada à defesa da ampliação da participação, o que se manifesta, enquanto proposta prática, na abertura de canais institucionais de consulta permanente junto à população, para sua participação direta ou indireta (SILBERSCHNEIDER, 1998). Dessa forma, a ideologia do PT busca representar uma alternativa ao padrão clientelista e populista de governar que, através da incorporação da participação popular é capaz de gerar políticas sociais capazes de enfrentar demandas básicas na área de saúde, educação, habitação e transporte (PALOCCI et al, 1997). Essa proposta de gestão alternativa, como já dito, tem como elemento central a questão da participação popular, aliada à ética, à transparência, à desprivatização do poder público e à inversão de prioridades (ANANIAS, 1997; GENRO, 1997). Desde 1988, quando um número significativo de cidades elegeu prefeitos do PT, políticas participativas de todo tipo vêm sendo implementadas (ABERS, 2000), dentre elas conselhos municipais populares e participação nas decisões orçamentárias. As experiências empreendidas nesse período provocaram o amadurecimento da concepção de participação definida pelo partido e aprimoraram os processos e metodologias, de modo a torná-los cada vez mais efetivos. Mesmo que ainda não seja possível falarmos sobre um "modo petista de governar", como afirma GENRO (1997), o fato de o partido firmar-se no cenário político nacional e assumir a direção de frações do Estado, possibilita-lhe implementar seus princípios ético-políticos e programáticos que constituem sua visão de mundo. É a partir desse ideário e princípios que, em 1993, na administração do PT, o Prefeito Patrus Ananias inicia o processo de implementação do orçamento participativo de Belo Horizonte. Seguindo a estratégia partidária nacional, a política do orçamento participativo era o ponto central da plataforma eleitoral do candidato a prefeito. O Capítulo 106 4 deste trabalho apresenta um histórico detalhado do processo de implementação e desenvolvimento do orçamento participativo em Belo Horizonte que sucedeu o referido momento. Com base no que foi exposto acima, torna-se mais claro o papel da ideologia no processo de formação de uma política pública e dos arranjos institucionais ligados a ela. Percepções e idéias são as fontes de inspiração para a reconfiguração institucional. Indo além, devemos reconhecer que a relação entre ideologia e instituições - no caso, aquelas relacionadas a políticas públicas - é de influência recíproca. Não só as idéias influenciam as instituições, como também as instituições atuam como "filtros", através do estreitamento conceitual que são capazes de proporcionar. Como foi citado anteriormente, primeiro a política molda as instituições, mas posteriormente as instituições moldam a política (Montesquieu apud PUTNAM, 1996). Essa última idéia nos conecta com o próximo momento do trabalho, que visa analisar que tipo de efeito foi verificado a partir da mudança institucional, cujas origens foram explicadas a partir dos eventos históricos que precederam a implementação do OP, assim como da relação entre os arranjos institucionais vigentes e a canalização do ideário e princípios de ação do Partido dos Trabalhadores. 6.2.2 – A noção de custos de transação e os efeitos da mudança institucional Como já anunciado anteriormente, a análise dos efeitos provocados pela mudança institucional (implementação do OP) terá como orientação a noção de custos de transação. Assim como exposto no item 5.2.2, os custos de transação são determinados pela estrutura institucional vigente. Dessa forma, um processo de mudança institucional, que provoca a reconfiguração da estrutura de oportunidades e constrangimentos, consequentemente, acaba por alterar os custos de transação. Relembrando rapidamente, os custos de transação podem ser entendidos como todos os custos envolvidos no processamento e efetivação de acordos, trocas e compromissos. Como no caso de políticas públicas, tais acordos, trocas e compromissos 107 muitas vezes ocorrem através de instituições, os custos de transação também podem ser entendidos como o custo dos recursos utilizados para a criação, manutenção, utilização e alteração de instituições. Estes custos, portanto, incluem, como já mencionado anteriormente, custos de informação; custos de manutenção e utilização; e custos de imposição (enforcement)25. Para que sejam verificados, de forma mais precisa, os elementos de custo envolvidos numa política pública, é imprescindível que o acordo ou a troca que a caracteriza seja identificado. No caso do orçamento participativo de Belo Horizonte, o acordo/troca envolvido é o seguinte: - A Prefeitura de Belo Horizonte abre mão do seu direito ou competência constitucional de produzir reservadamente todo o orçamento municipal, concedendo parte dele à decisão popular. A participação popular, por sua vez, atua para a prefeitura como uma forma de diagnóstico de demandas e necessidades, além de gerar a co-responsabilização26 dos participantes pelos resultados de tal atuação política, e de incrementar as bases de legitimidade do governo; - A população contribui com seu envolvimento no processo orçamentário, uma vez que através da participação poderá defender e definir diretamente suas necessidades e prioridades. A partir do esclarecimento da troca ou acordo envolvido no orçamento participativo, poderemos proceder, com base nas informações sobre tal política fornecidas ao longo deste trabalho, à identificação dos custos associados a essa troca e dos elementos que compõem cada um daqueles conjuntos de custos de transação citados acima. No que diz respeito ao conjunto ligado aos custos de informação - que consistem no custo de mensuração dos atributos de valor envolvidos na troca; custos de obtenção, 25 O conceito de custos de transação é definido e discutido nos item 5.1.4 e 5.2.2. A compreensão que espera-se obter do termo co-responsabilização pode ser ilustrada a partir da seguinte citação: "...se a comunidade definiu como prioritário o alargamento de uma rua o programa assume todos os custos materiais e a comunidade assume os custos políticos e sociais da pressão dos interesses privados prejudicados com a produção daquele bem coletivo." [FJP, 1992] 26 108 processamento e distribuição de informação para o planejamento, desenho institucional e tomada de decisão; além de envolver os custos de aprendizagem organizacional e de capacitação de pessoal - podemos identificar no orçamento participativo os seguintes elementos: - custos envolvidos no desenvolvimento da metodologia e dos procedimentos; - custos ligados ao planejamento e desenho do ambiente organizacional e institucional do OP-BH, incluindo a definição de funções, papéis e atribuições para os atores envolvidos; - custos relativos à coleta de dados nos órgãos responsáveis pela execução da política, nas assembléias populares e nas comissões de fiscalização; - custos envolvidos no tratamento estatístico desses dados; - custos relacionados à produção de folhetos (convocações para reuniões e assembléias, prestação de contas, etc.), de relatórios técnicos para os órgãos decisores e de revistas (como a PlanejarBH); - custos com treinamentos iniciais, tanto do corpo técnico e burocrático quanto dos participantes, através de seminários de sensibilização; - custos envolvidos no processo de internalização e desenvolvimento de habilidades no decorrer do processo, por parte daqueles ligados à condução da política; - custos de capacitação de lideranças populares, por meio da realização de cursos e reuniões. O segundo conjunto - os custos de manutenção e utilização - envolvem os custos de manutenção das organizações, monitoramento e avaliação de processos e resultados. No caso do OP, estes custos se manifestam: - na implantação das novas unidades organizacionais criadas a partir da implementação do OP-BH; 109 - na manutenção das estruturas responsáveis pela coordenação de todo o processo orçamentário participativo, incluindo custos fixos e variáveis; - no processo de negociação representado pela fragmentação organizacional das agências públicas municipais e na negociação com as instâncias de participação popular e controle público; - no monitoramento dos custos incorridos por estas organizações; - nos custos relativos ao desempenho de avaliações tanto dos processos quanto dos resultados, voltadas ao controle e aprimoramento da política. Por fim, os custos de imposição (enforcement) compõem-se dos custos ligados à garantia dos resultados da troca ou acordo e os custos relacionados à renovação da troca e seus termos. Com relação à garantia dos resultados, no caso do OP-BH, os custos estariam ligados à: a) manutenção das estruturas organizacionais - incluindo custos fixos e variáveis - que correspondem às instâncias de participação e controle público do orçamento participativo, a saber: Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias (seus delegados), COMFORÇAS, CMOP, comissão da Cidade, e Conselho da Cidade27; e b) negociação destas organizações e instâncias de participação popular com a prefeitura, incluindo os custos de preparação e realização de reuniões, além dos custos ligados ao processamento das decisões nelas tomadas. Do ponto de vista da renovação da troca ou acordo, a inexistência de mecanismos formalmente instituídos com tal função28, exime a absorção de custos, como o de manutenção de organizações e de realização de negociações. Porém, a incerteza provocada pela ausência de instrumentos de enforcement que garantam a renovação do acordo gera um cenário de instabilidade que, por sua vez, pode ser incorporado pelos atores envolvidos sob a forma de custos de transação. O esforço realizado não tem como objetivo entrar em detalhe a respeito de cada elemento ou conjunto que compõem os custos de transação envolvidos na troca exposta, 27 28 Estas organizações e instâncias de participação foram descritas no item 6.1. Aspectos discutido no item 6.1. 110 mesmo porque, como citaram BENHAM & BENHAM (1998), trata-se de elementos cuja mensuração e operacionalização é extremamente difícil na vida real. Tratou-se apenas de identificar tais elementos quanto a sua natureza e inserção no processo, pois, eles constituem as condições básicas para a viabilização da troca ou acordo envolvido na dinâmica do OP-BH. A identificação de tais custos apresentam como utilidade o fato de clarear que tipo de custos de transação estão sendo absorvidos pelos atores envolvidos. A preocupação, por parte da Coordenação do Orçamento Participativo de Belo Horizonte, em relação à identificação dos custos e condições básicas para a viabilização da política pôde ser constatada em entrevista com o Secretário Municipal de Planejamento. O entrevistado revelou que a busca por uma melhor apropriação de todos os custos envolvidos no processo é um dos desafios atuais. A partir das informações relativas a esses custos a discussão com a população poderia ser substancialmente aprimorada, tornando o processo ainda mais claro e transparente (Entrevista, em 30 de outubro de 2001). Cabe ainda destacar que, além dos custos mencionados acima, a mudança institucional, pelo simples fato de constituir uma mudança, incorre todos os custos relativos à adaptação aos novos arranjos, tais como, reformulação de processos, capacitação de pessoal, adequação da estrutura física e administrativa, ou seja, todos aquelas atividades que configuram o processo de re-aprendizado organizacional. Estes custos também devem ser contabilizados no conjunto de custos de transação. Dispor de uma mínima visualização dos custos de transação envolvidos na troca ou acordo possibilita compreender a base da motivação dos atores para a busca de aprimoramento dos termos da troca, assim como, das instituições nela envolvidas. Como já salientado por NORTH (1990), a alteração dos custos de transação acabará por incentivar esforços, por parte dos atores diretamente envolvidos, no sentido de desenvolver convenções e normas que reduzam os custos de transação gerados, através do estabelecimento de termos e regras que tornem o processo de troca mais estável e confiável. 111 A próxima etapa desta análise se concentrará em identificar e comentar cada uma dessas convenções, normas e adaptações, realizadas ao longo da história, incorporadas à metodologia do orçamento participativo de Belo Horizonte, de forma a aprimorá-lo e desenvolvê-lo. Todas as mudanças na metodologia do orçamento participativo, a serem abordadas aqui, encontram-se historicamente situadas no Capítulo 4 deste trabalho. Além disso, para fins de maior organização da análise subsequente, a totalidade de mudanças e adaptações à metodologia foi categorizada a partir de dois grandes conjuntos: a) captação e qualificação de demandas; e b) operacionalização e organicidade. O primeiro, ligado à captação e qualificação de demandas, envolve iniciativas e ações destinadas à constituição de um aparato capaz de colher e selecionar as reais prioridades ou ações mais necessárias, num contexto de abundância de demandas e recursos escassos, de forma a incorporá-las num referencial de atuação política lógico e sustentável. Além disso, como menciona SOMARRIBA (2000), as mudanças verificadas na metodologia do OP-BH, no que diz respeito à captação e qualificação de demandas, têm como objetivo evitar a “captura” do processo por agentes políticos com maior capacidade de mobilizar recursos, que conseguem fazer valer seus interesses, não questionando a legitimidade dos mesmos, muito embora reste dúvida com relação ao seu caráter prioritário. Como, por exemplo, ocorreu numa regional a priorização de iniciativas nas áreas de saúde e educação que, quando confrontadas com as carências de infra-estrutura da região, não poderiam ser consideradas prioritárias em nenhuma hipótese. Segundo a autora, esta preocupação vinha sendo manifestada tanto pelos administradores regionais quanto pelos membros das COMFORÇAS. SOMARRIBA (2000), destaca também que tais mudanças buscam tentar impedir que sejam reproduzidas no âmbito do OP ações políticas de corte clientelista. Sendo assim, o conjunto relativo a captação e qualificação de demandas envolve as seguintes mudanças: a adoção dos critérios de abrangência social e relevância social; o desenvolvimento e aplicação do Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU); a definição dos pré-requisitos de planejamento urbano, relacionando as demandas com os instrumentos 112 de planejamento – como o Plano Diretor, os Planos Diretores Regionais, os Planos Globais Específicos (PGE), dentre outros; e a implantação do Orçamento Participativo Cidade. Por sua vez, o segundo conjunto – operacionalização e organicidade – envolve iniciativas e ações que tratam do processo de transformação das prioridades selecionadas em ações viáveis. Constitui o aparato capaz de transformar demandas sociais em ações governamentais concretas, através da inserção das primeiras no ambiente organizacional da prefeitura, tornando-as metas de execução para as diversas agências municipais. Estão incluídas nesse conjunto as mudanças e adaptações à metodologia ligadas a: busca por maior precisão na elaboração dos projetos de obras e empreendimentos; levantamento da capacidade executiva dos órgãos responsáveis pela realização das obras (URBEL e SUDECAP); ampliação da autonomia financeira das Administrações Regionais, através da instituição de cotas de manutenção e elevação do limite para realização de licitações para obras; busca por maior cooperação e articulação institucional intersetorial; estabelecimento de uma nova regionalização intra-municipal a partir das Unidades de Planejamento (UP); introdução da bianualidade para o processo do orçamento participativo; e criação do Grupo Gerencial do OP. A seguir, cada uma destas iniciativas e adaptações, realizadas ao longo da história no sentido de aprimorar e evoluir o processo de participação no orçamento público, será comentada individualmente. a) Captação e Qualificação de Demandas: a.1) Critérios de Abrangência Social e Relevância Social. Estes critérios de planejamento foram incorporados à metodologia em 1998, no processo de elaboração do OP 99-2000. O emprego desses critérios tem como objetivo propiciar uma melhor qualidade no processo de definição de prioridades e ações a serem empreendidas, na medida em que atuam de forma a qualificar objetivamente as demandas apresentadas nas assembléias populares, fornecendo uma base para a análise comparativa 113 das propostas. O critério de abrangência social leva em consideração uma estimativa do número de pessoas e da extensão dos benefícios que podem vir a ser gerados por uma dada reivindicação. E o critério de relevância social qualifica uma determinada proposta a partir do número de vezes que foi apresentada enquanto demanda em Fóruns do OP anteriores sem que tenha sido neles aprovada (PREFEITURA MUNCIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c). A pontuação das demandas a partir desses critérios passou a ser conhecida como “nota das obras”. Da introdução da pontuação em diante, a escolha dos empreendimentos prioritários passou a ser definida da seguinte forma: o voto popular nas assembléias representa 51% e o resultado da pontuação 49%29. Essa mudança exigiu inúmeras negociações com as lideranças, que se sentiam ameaçadas de perder o controle político do processo, assim como levou os coordenadores do orçamento participativo a se dedicarem intensivamente para conceber e pontuar as demandas apresentadas (PREFEITURA MUNCIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000b). a.2) O Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU). Embora lançado em 1996, o IQVU somente foi incorporado ao processo do orçamento participativo a partir de 2000 - na definição do orçamento de 2001-2002 - sendo alvo de intensas discussões nesse período de 4 anos. O IQVU foi elaborado com a intenção de orientar a distribuição dos recursos do orçamento participativo, apesar de cada vez mais vir sendo reconhecido como um instrumento de grande utilidade para as atividades de planejamento em diversos setores e políticas30. Até 1999, a repartição espacial dos recursos era feita considerando-se o tamanho e a renda da população de cada uma das Regiões Administrativas de Belo Horizonte. A partir de 2000, o IQVU foi associado aos critérios já 29 O cálculo final é feito a partir de planilha e software especialmente elaborado para combinar a pontuação com o resultado da votação. 30 Um exemplo disso, é o emprego do IQVU como critério de distribuição do recurso do Programa BolsaEscola entre as regiões da cidade, por parte da Secretaria Municipal de Educação. PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE (2000b). 114 empregados. Dessa maneira, as Unidades de Planejamento (UP)31 simultaneamente mais populosas e com qualidade de vida urbana mais baixa passaram a receber mais recursos. O IQVU possui a capacidade de mensurar a oferta de serviços e recursos urbanos, bem como o acesso da população aos mesmos, dessa forma, apresenta-se como um índice essencialmente urbanístico. Sua composição, estrutura e forma de cálculo enfatizam aspectos fundamentalmente vinculados ao ambiente construído; é calculado a partir de indicadores que quase sempre se reportam ao lugar; estes privilegiam informações sobre a oferta de equipamento ou dados vinculados aos mesmos e, no cálculo, foram considerados como mais importantes os setores de habitação e infra-estrutura, variáveis de maior peso no índice. Além desses aspectos, os valores obtidos para cada unidade intramunicipal são corrigidos pelo tempo de deslocamento necessário para se acessar os serviços considerados, fora do local de moradia (utilizando-se transporte coletivo), partindo-se de diversos lugares da cidade. Este tempo de deslocamento resulta numa "medida de acessibilidade" incluída no modelo formal de cálculo do IQVU e faz com que os valores obtidos para o índice reflitam também dois aspectos essenciais na qualidade de vida nas cidades: a qualidade do transporte coletivo e da malha viária urbana. Formulado especialmente como um instrumento de gestão urbana, o IQVU permite identificar as regiões da cidade onde há menor oferta e acesso aos serviços (e que, portanto, devem ser priorizadas na distribuição das verbas disponíveis), bem como os serviços que devem ser priorizados nestas regiões para elevar seu IQVU (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000a). O índice expressa a oferta e o acesso da população a serviços e recursos urbanos, na medida em que contempla variáveis temáticas ligadas ao abastecimento, à assistência social, à cultura, à educação, aos esportes, à habitação, à infra-estrutura urbana, ao meio ambiente, à saúde, à segurança urbana e a serviços urbanos (como, postos de gasolina, agência de correios, etc.). A partir dessas 11 variáveis, foram elaborados 75 indicadores calculados de forma georreferenciada para as 81 Unidades de Planejamento do município de Belo Horizonte. O cálculo final do IQVU permite que seja estabelecida uma hierarquia 31 A divisão do município em Unidades de Planejamento será discutida logo adiante. 115 entre estas unidades, além de proporcionar a percepção das prioridades espaciais e setoriais do município (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000a). Um dos elementos importantes do processo de construção do IQVU foi a incorporação da participação de seus usuários imediatos (Administrações Regionais e outros setores da PBH), os quais opinaram acerca do elenco de variáveis temáticas, bem como, determinaram o peso de cada variável. Além disso, após elaborado o índice (1996), o intervalo de tempo até a sua implementação na dinâmica do OP foi preenchido por diversas discussões entre a coordenação do OP, os administradores regionais e os membros do Conselho da Cidade. Estas discussões visavam a capacitação dos grupos envolvidos no processo para análise do índice e treinamento na utilização do mesmo. Esse processo de capacitação buscava demonstrar que a efetiva aplicação do índice ajustava-se precisamente aos objetivos do OP de inverter democraticamente as prioridades de governo, destinando mais recursos públicos às áreas mais necessitadas32 (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000a). a.3) Pré-requisitos de planejamento urbano. A partir do OP 99-2000, elaborado em 1998, foram introduzidos na metodologia parâmetros que buscavam constituir pré-requisitos de planejamento urbano para a avaliação e qualificação de demandas. Esses parâmetros visavam atuar de forma a pré-selecionar as demandas que possuíssem articulação e integração com os instrumentos de planejamento urbano vigentes. Estes instrumentos de planejamento incluem: o Plano Diretor; os Planos Diretores Regionais; os Planos Globais Específicos (PGE) para vilas e favelas; a Lei de Uso e Ocupação do Solo; e as diretrizes das áreas de saúde e educação; dentre outros (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c). A partir dessa alteração, demandas que não apresentavam conformidade ou iam contra as disposições dos instrumentos de planejamento - nos casos em que esses eram aplicáveis - não deveriam constituir objetos sujeitos à priorização em assembléias populares, ressalta a Assessora de 32 Para mais informações a respeito do IQVU, ver NAHAS (2000) e PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE (2000a). 116 Planejamento - SMPL/PBH (Entrevista, em 01 de outubro de 2001). O pressuposto de tal mudança é o de que os instrumentos de planejamento possuem a capacidade de orientar os empreendimentos a serem realizados, na medida em que diagnosticam as principais necessidades e apontam ações estratégicas para solucionar os problemas. Assim, seriam evitados casos, como por exemplo a priorização de uma determinada obra que poderia ter sua realização inviabilizada tecnicamente por prescindir da realização de outra intervenção (estruturante) não prevista na primeira. a.4) Orçamento Participativo Cidade. A implementação do Orçamento Participativo Cidade teve início em 1998. O OP Cidade é então introduzido com o objetivo de ampliar a abrangência da participação popular do nível regional para a cidade como um todo, democratizando as decisões sobre os investimentos estruturantes da cidade e os gastos com políticas sociais. A metodologia geral desse processo baseia-se no conceito de planejamento estratégico e de gerenciamento por diretrizes, e tem como resultado final a elaboração de Planos Estratégicos Setoriais. Nesses planos são hierarquizadas as ações sociais da prefeitura nas áreas de educação, saúde, desenvolvimento social e cultural, esporte, turismo e eventos, assuntos da comunidade negra, abastecimento, desenvolvimento econômico, bem como as ações de planejamento e intervenções urbanas. Além dos planos, o processo do OP Cidade também visa definir linhas estratégicas intersetoriais, ou seja, ações articuladas desenvolvidas por diferentes órgãos da PBH. O Orçamento Participativo Cidade constituiu, portanto, um avanço da metodologia do orçamento participativo de Belo Horizonte que tornou viável a discussão partilhada entre governo, servidores e sociedade sobre os problemas e soluções para a cidade, buscando não só a melhoria das ações em cada setor, mas também, uma maior integração intersetorial da prefeitura33 (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000). 33 Mais detalhes sobre a metodologia do OP Cidade em Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (2000a). 117 b) Operacionalização e Organicidade: b.1) Precisão na elaboração dos projetos. Nos primeiros anos de funcionamento do orçamento participativo em Belo Horizonte, a decisão popular no processo de definição e priorização de obras regionais acabou por revelar explicitamente a incapacidade gerencial dos órgãos executores da prefeitura (SUDECAP e URBEL) para atuar de forma pré-programada. Tais órgãos não se encontravam preparados para esclarecer e expor antecipadamente para a população os critérios técnicos ligados à concepção do projeto executivo do empreendimento, nem para atuar de forma transparente em relação à economicidade dos custos do empreendimento, à efetividade e moralidade da condução do processo licitatório, dentre outras deficiências (SILBERSCHNEIDER, 1998). Tais deficiências em relação aos mecanismos de accountability do processo, juntamente com as dificuldades encontradas no que diz respeito ao dimensionamento do impacto financeiro do empreendimento previsto, acabavam por contribuir para a imprecisão na elaboração dos projetos das obras e empreendimentos. Nesse período, tanto a SUDECAP quanto a URBEL deixaram de considerar diversos elementos nas vistorias de algumas obras. Estes elementos acabavam sendo identificados posteriormente, quando tinham que ser executados sem terem sido orçamentariamente previstos. A SUDECAP e URBEL atuavam a partir da herança de um pragmatismo executivo - que coloca as decisões executivas sob pressões conjunturais e de interesse – e de uma cultura gerencial baseada na improvisação – que não se preocupa em antecipar obstruções executivas. Dessa forma, estes órgãos executores não dispunham de um banco de projetos ou mesmo de rotinas sistemáticas para levantamento dos itens a comporem as planilhas de custos (como por exemplo, estudos de bacia, drenagem e sondagem de terrenos, etc.) [SILBERSCHNEIDER, 1998]. 118 O resultado foram graves erros de estimativa de custos na elaboração do projetos de obras e empreendimentos do OP. O Quadro 6.2.1 a seguir demonstra esta situação que marcou os primeiros anos do orçamento participativo em Belo Horizonte. Quadro 6.2.1 Valores Estimados e Orçados nos Orçamentos Participativos de 1994 a 1996 (em R$ 1 milhão) OP 94 95 96 Total Estimado Orçado Variação/Erro (%) 15,350 25,554 66,5 18,185 33,487 84,1 27,175 35,346 30,1 60,710 94,387 55,5 Fonte: SILBERSCHNEIDER, 1998. O erro nas estimativas das primeiras três edições do OP (55,5%) chegou a representar aproximadamente um valor de R$ 33,667 milhões (Silberschneider, 1998). Nos anos subsequentes, 1997 e 1998, diante da impossibilidade de aprimoramento rápido das vistorias, para minimizar a fragilidade das estimativas, a prefeitura considerou nos cálculos uma margem de erro geral igual a 50%, elevando substancialmente os custos de todos empreendimentos (SILBERSCHNEIDER, 1998). A partir de então, houve considerável evolução na precisão dos projetos. Tal resultado foi atingido a partir de um melhor equipamento dos órgãos executores, ampliação do quadro de pessoal e definição de procedimentos e processos para as vistorias dos futuros empreendimentos e para a elaboração dos projetos, de forma a reduzir os erros de estimativa. A título de exemplo, o Superintendente da SUDECAP informou em entrevista que, a partir de 1996, o nível de desajuste entre estimado e realizado nos projetos de obras mantinha-se em torno de 24%, margem de erro admitida pela legislação vigente, que é de 25% (SOMARRIBA, 2000). 119 b.2) Levantamento da capacidade executiva da URBEL e SUDECAP. Ao longo de sua história, o orçamento participativo definiu um número expressivo de empreendimentos, 850 no total (ver Quadro 6.1.2, pag. 79). Isto representa, de forma ilustrativa, considerando as 7 edições já realizadas, a definição e encaminhamento de uma nova obra, em média, a cada 4 dias. Essa proporção constitui um ritmo extremamente acelerado, levando em consideração que todo o processo envolve vistoria, elaboração de projeto, realização de licitações e a própria execução da obra. Assim, a capacidade executiva dos órgãos da prefeitura foi desnudada logo nas primeiras edições do OP. Para os quatro primeiros anos foram definidas 527 obras (62% do total já aprovado), o que fatalmente implicou em atrasos e não cumprimentos dos prazos estabelecidos para a entrega dos empreendimentos às comunidades. Na medida em que o cenário de atrasos alimentava uma crise de credibilidade para as próximas edições do OP, a prefeitura, a partir do quarto ano, reduziu o número possível de intervenções a serem aprovadas, sem alterar o montante de recursos em discussão (SILBERSCHNEIDER, 1998), passando de 171 no OP 94 para 68 no OP 9834. Tal iniciativa foi embasada numa avaliação da capacidade executiva da URBEL e SUDECAP, que buscava identificar até que ponto os compromissos assumidos com a população poderiam ser cumpridos. Além disso, esforços foram concentrados no sentido de produzir informações sobre o estágio do andamento de cada obra, como meio de promover o seu monitoramento e prestar contas permanentemente às lideranças populares (SILBERSCHNEIDER, 1998). É importante ressaltar também que, principalmente no caso da URBEL, foram empreendidas iniciativas no sentido de tentar ampliar a capacidade executiva dos órgãos, com maior transferência de recursos financeiros e aumento do quadro de pessoal. A partir daí, a executabilidade das edições subsequentes do OP apresentaram melhor performance. O Gráfico 6.1.1 (pag. 78 – item 6.1) ilustra essa situação. Dos 719 empreendimentos definidos até 2000, aproximadamente 80% (576) encontrava-se já concluído, sendo que os 20% restantes constavam como obras em andamento, não existindo, portanto, nenhum empreendimento aguardando o início de sua execução. 120 b.3) Maior autonomia financeira para as Administrações Regionais. As Administrações Regionais ganharam maior autonomia financeira a partir da adoção de duas medidas por parte da administração municipal. A primeira delas, que se concretizou em 1994, refere-se a instituição de uma "cota de manutenção" para as AR. Isto é, todas as regionais passaram a receber um volume mínimo de recursos, destinado à manutenção de suas atividades, cujo processo de liberação ocorre de forma bem mais simples e ágil do que o anteriormente utilizado na transferência da dotação orçamentária descentralizada. No ano seguinte, 1995, a segunda medida de ampliação da autonomia das AR é materializada através do Decreto Municipal Nº7.878/95. A partir de tal decreto as AR ficam autorizadas a realizar licitações para obras de valor muito superior ao que era permitido até então. Com isso, as AR puderam assumir pequenas obras do OP, aumentando a capacidade executiva e a eficiência do governo na realização das melhorias urbanas decididas pela população (SOMARRIBA, 2000). Além disso, ambas as medidas empreendidas contribuíram para a constituição de instâncias de governo descentralizadas de efetiva capacidade de atuação. Tal fato revela-se extremamente importante pois a descentralização intra-municipal não ocorre apenas através da instituição de Administrações Regionais, é preciso também dotá-las dos instrumentos básicos para que possam agir concretamente junto a população que lhe é próxima. b.4) Integração e articulação intersetorial. Ao longo das 7 edições do orçamento participativo realizadas em Belo Horizonte, principalmente a partir da implantação do OP Cidade, era comum o surgimento de sugestões, levantadas tanto pelo corpo técnico e gerencial quanto pela população, em relação à necessidade de uma melhor integração e articulação entre os diversos órgãos da PBH. Para que essa integração intersetorial ocorresse era necessário uma reformulação considerável dos processos de trabalho e da estrutura organizacional existente. 34 ver Quadro 6.1.2, pag. 79, item 6.1. 121 Inicialmente, foram criados os Grupos de Trabalho Intersetoriais de coordenação, integração e gerenciamento, com o objetivo de articular as ações dos diversos órgãos, definir diretrizes, planejar a execução e cumprir prazos. A atuação desses grupos culminou na reforma administrativa implantada na PBH em 200035. Essa reforma teve como diretrizes orientadoras a aglutinação das secretarias municipais a partir de seu objeto de ação e a intensificação da descentralização para as estruturas de ponta (AR). A aglutinação das secretarias resultou na formação da Secretaria Municipal de Coordenação de Políticas Urbanas e da Secretaria Municipal de Coordenação de Políticas Sociais, como os melhores exemplos da integração intersetorial, localizadas num nível hierárquico superior às secretarias setoriais (meio ambiente, educação, saúde, cultura, etc.). O processo de descentralização, por sua vez, foi intensificado na medida em que as Administrações Regionais foram transformadas em Secretarias Municipais de Gestão Regional e passaram a ser dotadas de uma estrutura organizacional de maior capacidade executiva e administrativa, buscando aprofundar a relação da população com as instâncias de governo regionalizadas (Jacinto, 2001). b.5) Regionalização a partir de Unidades de Planejamento (UP). Em 1999, na elaboração do OP 2001-2002, juntamente com a incorporação do IQVU à metodologia do OP, procedeu-se à utilização da regionalização a partir das Unidades de Planejamento. As UP são unidades espaciais definidas para o Plano Diretor da Cidade (de 1995) e tiveram seus limites estabelecidos respeitando-se os critérios de: a) homogeneidade do padrão de ocupação do solo; b) continuidade da ocupação; c) limites das Regiões Administrativas da prefeitura; e d) limites das grandes barreiras físicas naturais ou construídas. Vale ressaltar que as 8 maiores vilas e aglomerados de favela da cidade compõem unidades a parte, e à época da implantação dessa regionalização, abrangiam cerca de 48% da população favelada da cidade. As UP apresentam maior ou menor grau de homogeneidade interna, sendo algumas delas compostas por um único bairro ou por um 35 Nesse sentido, o Secretário Municipal de Planejamento menciona que o OP Cidade serviu de inspiração para a reforma administrativa, contribuindo para constituir a proposta de intersetorialidade expressa na 122 único aglomerado de favelas (mais homogêneas), e outras compostas por bairros e/ou parte de bairros, juntamente com uma pequena favela ou conjunto habitacional (menos homogêneas). A introdução das UP como referência espacial para o processo do OP vem ocorrendo de forma gradual, a partir da promoção de reuniões com representantes de instâncias intermediárias (sub-regiões), para que posteriormente, uma vez criadas as condições necessárias, as futuras edições do OP sejam feitas em cada Unidade de Planejamento. As UP, uma vez ligadas ao IQVU e ao IVS, proporcionam uma base de informações georreferenciada de fundamental importância para o planejamento municipal36 (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000a). b.6) Bianualidade. A bianualidade foi introduzida à metodologia do OP em 1998, quando estava em curso o processo de elaboração do OP 99-2000. A partir daí, a definição de prioridades passou a acontecer de dois em dois anos, com recursos financeiros proporcionalmente equivalentes. Essa alteração foi necessária para que fosse possível introduzir a discussão das políticas sociais e urbanas no nível da cidade, isto é, o OP Cidade. No período de um ano era praticamente inviável promover simultaneamente os dois processos participativos, setorial (Cidade) e Regional, incluindo o de Habitação, devido à evidente concorrência, superposição de agendas e conseqüente desgaste tanto do corpo técnico quanto dos participantes com o processo participativo. Com a bianualidade, em cada mandato, a população aprova, intercaladamente, dois orçamentos de obras regionais e de habitação e dois orçamentos sociais e de ações urbanas. A introdução da bianualidade trouxe como conseqüência a melhoria da capacidade de resposta e planejamento da administração municipal na realização dos empreendimentos, possibilitando a compatibilização de prazos envolvidos, por exemplo, na licitação de projetos, na execução das obras, nas desapropriações e nas discussões das políticas setoriais (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000b). Além disso, a ampliação do prazo para dois anos têm restruturação administrativa da Prefeitura (Entrevista, 30 de outubro de 2001). 123 proporcionado, como relata o Secretário Municipal de Planejamento, a execução de empreendimentos escolhidos nos OPs anteriores que ainda não haviam sido iniciados e, assim, está possibilitando a atualização da pauta de obras e a manutenção do compromisso entre o poder público e os cidadãos (Entrevista, em 30 de outubro de 2001). b.7) O Grupo Gerencial do OP. Num contexto em que a entrega de um conjunto considerável de obras vinha sendo atrasada e diante da percepção da ausência de uma sistematização de informações para o acompanhamento e monitoramento dos empreendimentos, foi encaminhada, em 1995, a constituição do Grupo Gerencial do OP. O Grupo Gerencial, então, inicia uma nova fase de coordenação do OP na medida em que passou a desempenhar a tarefa de conceituar, reunir e divulgar o estágio de execução das obras, além de articular os órgãos nelas envolvidos, desde sua origem no âmbito das discussões do OP até sua conclusão final. O objetivo principal do Grupo Gerencial era o de ampliar a capacidade de operacionalização da pauta de obras da Prefeitura. Ao longo do processo, o grupo tornou-se o gerente de fato das obras aprovadas no orçamento participativo37. Sua atuação logrou a produção de informações sobre o estágio dos empreendimentos, desde detalhes sobre a natureza dos projetos executivos, passando pela gerência dos eventuais aditivos aos contratos, até o acompanhamento das medições, em um formato eficaz, como os órgãos envolvidos não haviam experimentado até então. Durante o seu funcionamento, o Grupo Gerencial cumpriu um importante papel de provocar a reflexão de parcela significativa da gerência, sobretudo, da SUDECAP, para o estabelecimento de um padrão de qualidade em seus serviços. Uma vez sendo uma estrutura paralela, em 1997, o Grupo é extinto, sob a alegação da necessidade de que a estrutura formal absorvesse seus ganhos de qualidade. De acordo com um membro da coordenação do OP no período de 1993 a 1999, os corpos técnicos da 36 Para uma lista das Unidades de Planejamento e sua hierarquização a partir do IQVU e do IVS, ver PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE (2000a). 37 O(s) Grupo(s) Gerencial(ais) são compostos por técnicos da própria PBH, recebendo remuneração adicional. Este formato de atuação resultou em novos relações trabalhistas, com clara valorização da capacidade técnica, maior atribuição de responsabilidades e gratificações monetárias ligadas ao desempenho (SOMARRIBA, 2000). 124 SUDECAP e da URBEL argumentavam que não deveria haver diferenciação em termos de qualidade (executiva e operacional) das obras do OP em relação às demais obras (Entrevista, em 18 de outubro de 2001). Sendo assim, a extinção do Grupo Gerencial ocorreu paralelamente a uma maior profissionalização da equipe de coordenação do OP. Essas mudanças foram, em grande parte, pressionadas pela necessidade de atualização da pauta de obras do OP, ou seja, conclusão dos compromissos ainda pendentes (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2000b; SILBERSCHNEIDER, 1998; SOMARRIBA, 2000). A análise das alterações e mudanças realizadas na metodologia do orçamento participativo acima descritas, quando tomadas no seu conjunto, sugerem uma tendência de aperfeiçoamento em curso orientada pela incorporação, de forma mais densa e consolidada, de uma cultura de planejamento. Quando observamos em sua totalidade as iniciativas acima implementadas, podemos de alguma forma afirmar que a metodologia atual do orçamento participativo em Belo Horizonte estabelece uma dinâmica de democratização da administração pública que associa a intensificação das atividades de planejamento à participação popular. As mudanças efetuadas no conjunto intitulado "captação e qualificação de demandas" foram efetuadas com o intuito de aprimorar o processo de seleção e hierarquização de demandas, diante de um cenário em que as carências e necessidades são abundantes e os recursos disponíveis são escassos. Além disso, essas alterações lograram a integração do processo de definição de ações a um marco lógico e sustentável de atuação estatal. Tal afirmação relaciona-se, principalmente, com a adoção dos pré-requisitos de planejamento urbano. A introdução desses pré-requisitos visou evitar a seleção de ações, obras e empreendimentos isolados, ou seja, desconectados de uma visão sustentável de médio ou longo prazo. A atenção aos pré-requisitos de planejamento urbano provoca, em alguma extensão, a formação da percepção, por parte dos participantes e dos representantes da prefeitura, de que a forma mais eficiente de alocar os recursos escassos é a escolha de demandas que estejam situadas em planos de ação. Isso ocorre, pois pressupõe-se o 125 reconhecimento de que estes planos constituem proposições racionais baseadas em diagnósticos e avaliações das melhores alternativas de ação. Deve ser destacado, assim como afirma o Coordenador do OP, que iniciativas como a adoção dos pré-requisitos de planejamento urbano na dinâmica do OP têm sido responsáveis pela introdução e incorporação, de forma mais sólida, dos instrumentos de planejamento na atuação e desenvolvimento do programa político da PBH (Entrevista, em 23 de outubro de 2001). Da mesma forma, buscando aprimorar a seleção de demandas, a adoção dos critérios de abrangência social e relevância social possibilitou um acréscimo de informações no processo de tomada de decisões para a definição das obras. A escolha dos empreendimentos passa a ter que levar em consideração o número de pessoas a serem beneficiadas e a recorrência da demanda nas edições do OP. Tal fato introduz ao processo a necessidade de antever os possíveis efeitos da ação a ser selecionada e evidencia carências que não puderam ser supridas nos processos anteriores. Além disso, a incorporação desses critérios associa a vontade do povo, expressa por seus representantes, à técnica, uma vez que tais critérios definem um procedimento decisório objetivo, pré-definido e transparente. O IQVU, por sua vez, também atua de forma a diagnosticar carências, através da pontuação que designa às regiões da cidade. Mais do que isso, o IQVU associa a identificação de necessidades à distribuição efetiva de recursos, ou seja, regiões de menor "qualidade de vida urbana" recebem um maior volume de recursos para obras e empreendimentos. Sendo assim, o IQVU "sugere" as melhorias que devem ser realizadas numa região, uma vez que representa um diagnóstico detalhado que constitui um aporte considerável de informações para uma tomada de decisão mais bem fundamentada. Por fim, o Orçamento Participativo Cidade inaugurou a possibilidade de captação de demandas no nível da cidade, ampliando o escopo do processo do nível regional para o setorial. Além de estender o processo do OP, o OP Cidade reforça a cultura de planejamento na medida em que se estrutura a partir de uma metodologia baseada no planejamento estratégico e no gerenciamento por diretrizes. Para cada setor (educação, saúde, desenvolvimento social e cultural, esporte, turismo e eventos, assuntos da comunidade negra, abastecimento, desenvolvimento econômico e urbano) é elaborado um 126 plano e também são definidas linhas estratégicas intersetoriais, que visam articular os diferentes órgãos da PBH. Tomando o conjunto ligado à operacionalização e à organicidade, é importante ressaltar que, mesmo que algumas alterações processadas no seu âmbito apresentem uma maior afinidade com a dimensão da gestão, o que pretende-se destacar aqui é o componente nelas presente ligado à pré-programação. Essa programação antecipada, ainda que associada às atividades de gerenciamento, revela-se como atividade de planejamento. O principal problema que deu origem às mudanças que constituem o conjunto "operacionalização e organicidade" estava relacionado à capacidade dos órgãos da prefeitura de cumprir os compromissos com a população. Sendo assim, as atividades de planejamento ganharam maior relevância, na medida em que a fiscalização popular através das COMFORÇAS - impunha a necessidade de cumprimento de metas e prazos estabelecidos na dinâmica do OP. O planejamento passou a ser encarado como um instrumento capaz de propiciar a elevação da capacidade operacional e gerencial dos diversos órgãos da administração municipal. Nesse sentido, é possível dizer que o OP e a necessidade de maior planejamento introduzida por ele, "possuem um impacto modernizador sobre as agências públicas municipais, verificado através do aumento da eficiência destes órgãos" (AZEVEDO & MARES GUIA, 2001). Tal como afirma o Coordenador do OP, a introdução de tal política provocou o desmascaramento da argumentação técnica antes utilizada para justificar a atuação dos órgãos executores da PBH. Isso gerou uma inversão nas relações de trabalho dessas agências com os demais órgãos da prefeitura e com os cidadãos. Essa inversão constituiu a mudança de um padrão em que o discurso técnico definia as ações para outro em que as decisões advêm da deliberação popular e foi, por sua vez, responsável por uma qualificação fenomenal desses órgãos executores, refletindo até na melhoraria dos padrões de construção (Entrevista, em 23 de outubro de 2001). O enfrentamento inicial das dificuldades técnicas e gerenciais pela inadequação da estrutura e rotina internas da prefeitura ao exercício do poder compartilhado com a população produziu mudanças como o exemplo da SUDECAP, citado por SOMARRIBA 127 (2000). Quando entrevistado pela autora, o Superintendente desse órgão revelou que já em 1996, todas as 170 obras por ele conduzidas estavam sob monitoramento completo, desde a evolução dos custos às eventuais alterações de prazo. Além disso, foi mencionado que os diferenciais entre planejado e realizado mantinham-se no nível de 24%, muito abaixo do nível anteriormente praticado (por volta de 50%). Claramente, o entrevistado atribuía tais mudanças à existência do OP: compromissos publicamente firmados com a população, submetidos à fiscalização e que precisavam ser cumpridos. Como ilustrado através do exemplo acima, um melhor gerenciamento e monitoramento do processo do OP foi alcançado através de atividades como a elaboração mais detalhada, cuidadosa e precisa de projetos que, por sua vez, evidencia a relevância do momento de planejamento como a oportunidade de pensar, analisar e elaborar aquilo que será feito adiante. O aumento da precisão na elaboração dos projetos revela a melhoria da atuação pré-programada dos órgãos da PBH, que passam, então, a estar preparados para esclarecer e expor para a população, de forma transparente e antecipada, os critérios técnicos ligados à concepção dos projetos executivos dos empreendimentos, a economicidade de seus custos e o dimensionamento de seu impacto financeiro. A iniciativa de levantamento da capacidade executiva da URBEL e SUDECAP representou a produção de um conjunto de informações crucial para o processo. Quantas demandas podem ser assumidas e cumpridas? A resposta a essa pergunta pode ser feita a partir de um diagnóstico que, por sua vez, informa os limites e possibilidades executivas da interação entre Estado e sociedade sob formato do OP. Foi a partir da análise dessas informações que, no OP 98, o número de empreendimentos foi restringido para 68, em comparação às 171 obras definidas no OP 9438. A busca e consolidação de informações mais consistentes em relação à capacidade executiva dos órgãos responsáveis pelas obras revelam a preocupação e a importância concedida à atividade de planejamento, como etapa anterior à execução. 38 Deve ser lembrado que, apesar da redução do número de empreendimentos, a parcela de recursos destinado ao OP 98 não foi alterada proporcionalmente. 128 A constatação da limitação da capacidade executiva não sugere apenas que o número de empreendimentos assumidos pela PBH deve ser menor, mas também, que deve haver uma ampliação dessa capacidade nos órgãos responsáveis. Essa ampliação não só ocorreu nas principais agências executivas da prefeitura (URBEL e SUDECAP), como foi estendida às Administrações Regionais. Através do aumento da cota de manutenção e do limite para realização de licitações, as AR tornaram-se capazes de absorver a execução de um maior número de obras. Além disso, a maior autonomia das AR também tem como objetivo a intensificação do processo de descentralização intra-municipal. A partir de medidas como as acima mencionadas, afirma o Secretário Municipal de Planejamento, o poder público municipal conseguiu dotar-se de uma capacidade gerencial e operativa para a execução das obras do OP que não poderia ser verificada na década de 80. “Atualmente, os órgãos estão mais preparados e gastam com mais eficiência os recursos” (Entrevista, 30 de outubro de 2001). Ao longo da história do orçamento participativo em Belo Horizonte, a necessidade de uma integração e articulação intersetorial demonstrou-se crescente, principalmente a partir da implantação do OP Cidade. Como já dito, a intersetorialidade desejada implicaria uma reformulação considerável dos processos e estrutura existentes. Assim, foram criados os Grupos de Trabalho Intersetoriais que, dentre outras atribuições, tornaram-se um espaço para a reflexão e planejamento da restruturação da prefeitura. Mais uma vez, a atividade de planejamento apresenta-se como elemento importante dentro das alterações verificadas na dinâmica do orçamento participativo. A regionalização a partir das unidades de planejamento constitui uma iniciativa que veio, novamente, atuar de forma a consolidar uma cultura de planejamento na PBH. Além de estarem associadas ao Plano Diretor da cidade, a adoção da UP como referência espacial para o processo do OP proporciona uma base de informações georreferenciadas de fundamental importância para tomada de decisão e, também, para o planejamento em todas as áreas e setores de atuação da prefeitura. A alteração da metodologia do OP que diz respeito à introdução da bianualidade trouxe como conseqüência a melhoria tanto da capacidade de resposta quanto do 129 planejamento da realização dos empreendimentos. Essa mudança foi fundamental para que fosse possível a compatibilização dos prazos envolvidos em ações, como, a licitação de projetos, a execução de obras e a discussão das políticas setoriais. O fato de o processo se realizar de dois em dois anos não só facilita como incentiva as atividades de planejamento. Por fim, o Grupo Gerencial do OP desempenhou um papel extremamente relevante no que diz respeito à melhoria dos processos envolvidos na dinâmica do OP como um todo. Sua atividade de monitoramento e articulação organizacional provocou a reflexão nos órgãos executores dos empreendimentos do OP em relação à qualidade dos projetos, à versatilidade e agilidade das licitações e, principalmente, à qualidade dos contratos em termos de aditivos e comprometimento das empreiteiras, incutindo valores afins ao planejamento e à programação. Os resultados da atuação do Grupo Gerencial foram tão positivos que optou-se por sua extinção sob o argumento de que as demais obras da prefeitura deveriam ter o mesmo padrão de qualidade (executiva e operacional) das obras do OP. Tal fato representa uma externalização ou um transbordamento das mudanças qualitativas no âmbito do OP para o resto da PBH. A partir daí, à luz do exemplo do Grupo Gerencial, logrou-se ampliar o nível de profissionalização das estruturas ligadas à execução das obras. O processo de aprimoramento e desenvolvimento percebido ao longo da história do orçamento participativo em Belo Horizonte sugere que a participação popular tem o potencial de proporcionar melhorias na capacidade de tomada de decisão e torna mais eficazes as respostas do governo às demandas colocadas pela comunidade. Ao mesmo tempo, como relata o Secretário Municipal de Planejamento, o OP traz o administrador à realidade, pois, “num programa como esse não é possível atuar como vendedor de ilusões”. A necessidade de manutenção da legitimidade impede que se possa prometer aquilo que não se pode cumprir e, nesse cenário, o papel das atividades de planejamento no levantamento de informações relevantes é crucial (Entrevista, em 30 de outubro de 2001). Após a análise da relação das mudanças verificadas na dinâmica do OP com a consolidação de uma cultura de planejamento mais efetiva, deve ser destacado que também 130 foi definido um estilo para este planejamento. Nas palavras de um membro da coordenação do OP no período de 1993 a 1999: "ao longo das três últimas administrações (incluindo a atual) é possível dizer que o funcionamento do OP implicou uma reparadigmação da cultura de planejamento. Essa mudança de paradigma começou a ocorrer a partir do momento em que as obras, principalmente as de caráter local, passaram a ser definidas diretamente pela população, sendo assim constituída uma nova arena negocial envolvendo o governo, os órgãos executivos e os cidadãos" (Entrevista, em 18 de outubro de 2001). A partir da avaliação das mudanças e da própria natureza do OP, podemos afirmar que toda esta atividade de planejamento que passa a ser vista como fundamental para o aumento da eficiência dos órgãos e do processo é marcada pela existência de critérios prédefinidos, objetivos e transparentes. O desenvolvimento desse tipo de planejamento possibilita a consolidação de uma relação entre Estado e sociedade civil caracterizada pela accountability, controle público e maior capacidade de governança. AZEVEDO & MARES GUIA (2001) ressaltam ainda que o orçamento participativo cria condições institucionais que estimulam a consolidação de uma "comunidade cívica", na medida em que estabelece uma dinâmica que tem como base critérios objetivos, impessoais e universais. SOMARRIBA (2001) também menciona uma situação que pode ilustrar o que está sendo dito. Segundo a autora, a partir da implementação do OP, a procura das Administrações Regionais por parte dos moradores e líderes locais para reivindicações e demandas do seu interesse, forma que possibilitava ações de cunho clientelista, restringiuse muito na medida em que as demandas passaram a ter que ser canalizadas para o OP. Com isto, as instâncias regionais se transformaram em espaços institucionais impessoais e efetivamente públicos. Assim, o que pretende-se afirmar aqui, a partir de todas estas considerações, é que as novas práticas político-administrativas, implementadas através do OP, alteraram de 131 forma positiva todo o funcionamento do governo municipal. Tal afirmação é ratificada pelo Secretário Municipal de Planejamento, quando este menciona que ao longo das duas últimas gestões (anteriores a 2000) o OP produziu um efeito impressionante de mudança de comportamento por parte dos funcionários públicos da prefeitura. A partir da cultura de controle público que o OP inaugura, cria-se no servidor uma mentalidade de negociação, discussão e efetivo compartilhamento de poder (Entrevista, em 30 de outubro de 2001). O orçamento participativo enquanto política conseguiu estabelecer uma relação entre a prefeitura, seus órgãos gestores, a comunidade e a Câmara dos Vereadores completamente diferente à da gestão anterior à sua implementação. Isso porque, como coloca o Coordenador, o OP em Belo Horizonte não é encarado enquanto uma política pública isolada e sim como parte de um modelo de gestão39. Por esse motivo, necessita do comprometimento de todos os órgãos do governo para que seja possível a produção efetiva os resultados esperados (Entrevista, em 23 de outubro de 2001). Somente nesse cenário é possível falarmos de um orçamento participativo qualificado. 39 A partir de entrevista com o Secretário Municipal de Planejamento, defini-se como ponto a ser aprofundado no prosseguimento desta pesquisa a relação entre a implementação do OP e o surgimento dos conselhos gestores vinculados à estrutura da PBH. De acordo com o entrevistado, “aproximadamente 90% dos conselhos vinculados à Prefeitura surgiu após a implementação do OP” (Entrevista, em 30 de outubro de 2001). Tal afirmação, pode evidenciar o caráter do OP enquanto experiência fundante da prática participativa de gestão na PBH, demonstrando impactos significativos na dimensão do planejamento municipal. 132 7 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 7.1 - Validade da contribuição neoinstitucional para o estudo de políticas públicas O arcabouço teórico do Novo Institucionalismo revela-se muito rico quando aplicado à avaliação de políticas públicas, pois gera interessantes possibilidades de análise. Tomando como exemplo o esquema de avaliação de políticas públicas desenvolvido neste trabalho, devemos destacar que a abordagem neoinstitucional permite: - considerar os aspectos ligados ao desenho das instituições que constituem uma política pública, identificando a presença de elementos associados ao bom desenho institucional; - analisar as bases sobre as quais emergem as políticas atuais, tanto a partir de uma ênfase sobre o processo histórico que as precede, quanto da atribuição de grande relevância ao papel das idéias na sua formação; - identificar e visualizar os custos de transação envolvidos numa política pública, permitindo a verificação das condições básicas necessárias para a viabilização de uma interação entre Estado e sociedade nesses moldes; - a partir da visualização dos custos, tomá-los como a base da motivação para o empreendimento de esforços no sentido de aprimorar os termos da troca envolvida na política pública. Esse processo de aprimoramento resulta na alteração de normas e procedimentos que, por sua vez, influenciam o comportamento dos atores, tanto no Estado quanto na sociedade. Como o processo de avaliação de políticas públicas abre a possibilidade de interação entre diversas áreas de conhecimento, a utilização de um aparato teórico interdisciplinar, como o do Novo Institucionalismo, torna-se interessante mediante a oportunidade de captura da potencialidade de cada uma de suas sub-correntes. Cada uma das suas ramificações parece revelar dimensões diferentes e particulares do comportamento 133 humano e dos efeitos que as instituições podem ter sobre ele. Em muitas situações, a possibilidade de cruzamentos entre estas distintas visões, como o emprego de conceitos de diferentes correntes, pode gerar análises bastante densas e interessantes, assim como aprimorar o debate teórico interno em cada sub-divisão. Deve ser reconhecido aqui que o esquema de avaliação de políticas públicas a partir da visão neoinstitucional apresentado nesse trabalho necessita de um aprofundamento. Reconhece-se, também, que tal aprofundamento deverá inicialmente partir de uma reflexão mais densa e bem informada sobre o relacionamento entre políticas públicas e instituições. Acredita-se, que a partir de uma iniciativa como essa o presente esquema de análise pode se apresentar ainda mais válido. 134 7.2 - Orçamento Participativo e Planejamento: conclusão A análise do orçamento participativo de Belo Horizonte, à luz do aparato teórico do Novo Institucionalismo, aponta para um processo de reaculturação gerencial baseado na maior relevância que passa a ser atribuída às atividades de planejamento. Como demonstrado ao longo do trabalho, a dinâmica do orçamento participativo e as alteração que este sofreu em relação a sua metodologia e funcionamento tornaram imprescindível a pré-programação da atuação dos órgãos da prefeitura. O atendimento das demandas e o cumprimento dos compromissos assumidos pela administração junto à população fez com que a capacidade operacional e gerencial da prefeitura tivesse que ser ampliada; e isso foi alcançado através do planejamento. Mais do que isso, a dinâmica de funcionamento do orçamento participativo e das instituições que o compõem atuaram de forma a influenciar uma cultura de planejamento transparente, objetiva, impessoal e baseada em critérios estáveis e pré-definidos40. Retomando as indagações colocadas como orientadoras da reflexão central deste trabalho: "terá o processo de mudança institucional modificado as identidades dos atores políticos, redistribuído recursos políticos e incutido novas normas? E de que modo as novas instituições, instaladas a partir da implementação do orçamento participativo, influenciaram as práticas de governo?"; devemos, então, buscar possíveis respostas. De fato, como verificado ao longo desta análise, o orçamento participativo e as instituições a ela agregadas modificaram as identidades dos atores envolvidos e redistribuíram recursos políticos - efetivando a participação popular e o controle por parte do cidadão, desmascarando obstruções técnicas e impondo ao administrador público a necessidade de lidar com o compartilhamento de informações e poder -, além de também incutir novas normas e convenções - alterações na sua metodologia que visavam o aperfeiçoamento e o melhor funcionamento do processo. 40 Um melhor detalhamento a respeito dos elementos que sustentam essa conclusão pode ser encontrado ao final da seção 6.2.2. 135 Todos esses efeitos, oriundos da mudança institucional, acabaram por influenciar novas práticas de governo, resultaram na necessidade de desenvolvimento e incorporação de uma cultura de planejamento, por sua vez, caracterizada pela transparência, objetividade, e impessoalidade. Portanto, a experiência do orçamento participativo de Belo Horizonte nos coloca que, de fato, as instituições constituem uma orientação para a ação humana e representam elementos que influenciam o comportamento dos indivíduos e grupos, na medida em que fornecem tanto os constrangimentos quanto as oportunidades. 136 8 - FONTES BIBLIOGRÁFICAS: ABERS, Rebecca. Learning democratic practice: distributing government resources trhough popular participation in Porto Alegre. In: FREIRE, Mila; STREN, Richard (eds.). The challenges of urban government: readings on policy and practice. World Bank Institute. Washington, 2000. ABRUCIO. Luiz F. Os barões da federação. Revista Lua Nova. Nº33. 1994. ANANIAS, Patrus. Em busca de um projeto democrático de cidade. In: PALOCCI, Antônio; BUARQUE, Cristovam; PONT; Raul (et al). Os desafios do governo local: o modo petista de governar. São Paulo. Ed. Fundação Perseu Abramo. 1997. AZEVEDO, Sérgio de. 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World Development Report. 1999/2000.Wasinhgton DC, 2000. 141 9 - APÊNDICE 142 Relação de Entrevistas: - Claudinéia Jacinto Assessora de Planejamento Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação Geral / Prefeitura de Belo Horizonte Entrevista realizada em 01 de outubro de 2001 em Belo Horizonte / MG. - Wieland Silberschneider Diretor de Desenvolvimento de Recursos Humanos - Secretaria de Estado da Fazenda/MG. Coordenador do Orçamento Participativo de Ipatinga – de 1990 a 1993. Membro da Coordenação do Orçamento Participativo de Belo Horizonte no Gabinete da Secretaria Municipal de Planejamento – de 1993 a 1999. Entrevista realizada em 18 de outubro de 2001 em Belo Horizonte / MG. - Geraldo Magela Arco Verde Coordenador do Orçamento Participativo Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação Geral/ Prefeitura de Belo Horizonte Entrevista realizada em 23 de outubro de 2001 em Belo Horizonte / MG. - Rodrigo Fernandes Barroso Secretário Municipal de Planejamento Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação Geral / Prefeitura de Belo Horizonte Entrevista realizada em 30 de outubro de 2001 em Belo Horizonte / MG 143 Quadro 9.1 Descentralização fiscal: países latino americanos selecionados Participação dos governos subnacionais no total de gastos Países 1990 46,3 17,7 35,3 7,2 3,0 1,6 10,1 17,8 3,5 1,9 9,8 Argentina Bolivia Brasil Chile Costa Rica República Dominicana Guatemala México Nicaragua Paraguai Peru 1997 43,9 36,3 36,5 8,5 2,8 2,6 10,3 26,1 9,6 2,6 24,4 no total de receita tributária 1990 38,2 15,1 30,9 6,4 2,3 0,5 1,3 19,0 2,5 0,8 1,2 1997 41,1 19,1 31,3 7,0 2,3 0,2 1,7 20,6 8,3 2,0 2,1 Fonte: World Bank, World Development Repport 1999 2000 Quadro 9.2 Estratégias de descentralização: países latino americanos selecionados Condições políticas Países Tipo de Estado Argentina Federal Brasil Federal Chile Unitário Colombia Unitário Venezuela Federal Descentralização Fiscal Niveis de Eleições Aumento de subnacio Governo transferencias nais subnacionais 23 Provinicas e 1100 municípios 26 Estados e 4973 municípios Capacidade de Tranferencia Endividamento de funções autonomia na provisão de serviços sim reorganizado e varia por provincia Varia por provincia Restringida incentivadas sim Sim - forte Sim, apesar de um pouco restringida Restringida sim, com sim, com superposição ambiguidades Sim Não Restringida sim Flexivel sim Restringida negociação com estados 13 regiões e só 335 comunas comunas 32 Depart. 1025 municipios 21 Estados e 282 municípios Maior autonomia Tributária Descentralização nos Gastos sim Sim - forte (fundamento) sim Previstos fortes Fonte: GREMAUD, 2000. 144 Sim, fortemente restringida Sim, apesar de um pouco restringida sim sim, limitada a alguns serviços sim, limitada a alguns serviços sim 1.836.417 1.693.000 2.188.399 1.577.577 1.560.000 1.342.136 1.816.396 Leste Nordeste Noroeste Norte Oeste Pampulha Venda Nova 3.185.700 2.099.700 3.080.110 2.740.800 3.803.000 3.372.350 3.183.000 2.472.279 3.228.531 3.077.130 2.090.100 3.081.000 2.731.000 3.803.000 3.278.350 3.179.480 2.472.279 3.236.000 1.901.100 1.286.000 1.795.900 1.694.300 2.225.000 1.891.200 1.840.000 1.389.486 1.951.200 7.350.000 8.726.000 6.489.000 9.075.000 7.190.100 4.914.000 6.656.900 6.231.200 8.011.000 4.337.000 8.348.000 6.929.000 8.352.000 10.652.000 7.200.000 6.852.000 5.547.700 7.264.700 27.269.426 17.453.936 26.575.910 23.724.177 33.641.209 27.027.008 27.807.397 21.447.367 28.813.464 0 0 6.000.000 7.000.000 5.237.562 14.000.000 16.000.000 48.237.562 145 15.360.390 18.185.909 33.165.470 33.948.339 21.211.748 74.208.600 85.917.000 281.997.456 Total Fonte: OP - SMPL - PBH - out/2000 Obs.: valores aprovados à época, não incorporando valores aditivos. Habitação 2.088.000 1.385.000 2.054.000 1.820.300 2.617.810 2.242.108 2.190.500 1.648.191 2.140.000 15.360.390 18.185.909 27.165.470 26.948.339 15.974.186 60.208.600 69.917.000 233.759.894 1.428.432 Centro-Sul Subtotal 1.918.033 Barreiro Distribuição de Recursos Regionais e para Habitação Aprovados nos Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002 (Valores em R$ 1,00) OP 2001Regional OP 94 OP 95 OP 96 OP 97 OP 98 OP 99-2000 Total 2002 Quadro 9.3 Gráfico 9.4 Distribuição de Recursos para Empreendimentos Regionais e para Habitação nos Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002 (valores em R$ 1,00) 85.917.000 74.208.600 33.165.470 33.948.339 21.211.748 15.360.390 18.185.909 OP 94 OP 95 OP 96 OP 97 OP 98 OP 992000 (*) Fonte: OP - SMPL - PBH - out/2000. Obs.: valores aprovados à época, não incorporando valores aditivos. (*) recursos aprovados para 2 anos - orçamento bianual. 147 OP 20012002 (*)