ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E PLANEJAMENTO MUNICIPAL:
Uma Análise Neoinstitucional a partir do Caso da Prefeitura de Belo Horizonte
Roberto Rocha Coelho Pires
Belo Horizonte
2001
ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E PLANEJAMENTO MUNICIPAL:
Uma Análise Neoinstitucional a partir do Caso da Prefeitura de Belo Horizonte
Monografia apresentada no CURSO SUPERIOR
DE ADMINISTRAÇÃO, HABILITAÇÃO EM
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
(CSAP)
promovido pela ESCOLA DE GOVERNO (EG)
da FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP), sob
orientação de Ricardo Carneiro.
Roberto Rocha Coelho Pires
Belo Horizonte
2001
AGRADECIMENTOS
Agradeço de forma muito especial à Flávia Brasil que
colaborou intensamente, das mais diversas formas, em
todas as etapas de elaboração deste trabalho. Gostaria de
agradecer também ao Ricardo Carneiro, pela orientação
firme, à Claudinéia Jacinto, pela atenção e acesso à
informação, ao Eduardo Batitucci, pelas conversas e
orientação inicial, à Vera Westin, pelo interesse e dicas
metodológicas, ao Bruno Lazarotti, por sua disposição e
seus bons conselhos, ao Wieland Silberschneider, pelas
valiosas conversas, à Gilmara Botelho, pelo ouvido atento,
e a todos aqueles da Escola de Governo que apoiaram este
projeto desde o início, em especial, ao Paulo de Tarso F.S.
Linhares.
iii
SUMÁRIO
1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................... 1
1.1 - Apresentação.......................................................................................... 1
1.2 - Relevância e necessidade de avaliação de políticas públicas
inovadoras: justificativa. .......................................................................... 2
1.3 - Relevância do trabalho para o Governo do Estado de Minas
Gerais. ...................................................................................................... 4
2 – INTRODUÇÃO: O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO E O
SURGIMENTO DE INOVAÇÕES EM POLÍTICAS PÚBLICAS NO
ÂMBITO MUNICIPAL. .................................................................................. 5
3 – PLANEJAMENTO MUNICIPAL, ORÇAMENTO PÚBLICO E
ORÇAMENTO PARTICIPATIVO. ............................................................... 11
3.1 - O Orçamento Público e seu papel como instrumento de
planejamento municipal. .......................................................................... 11
3.2 - Orçamento Participativo: antecedentes, caracterização geral e
repercussões. ............................................................................................ 14
4 - O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DE BELO HORIZONTE:
HISTÓRICO, PRINCÍPIOS E CARACTERÍSTICAS. ............................... 23
4.1 - Orçamento Participativo de 1994. ......................................................... 23
4.2 - Orçamento Participativo de 1995. ......................................................... 25
4.3 - Orçamento Participativo de 1996. ......................................................... 27
4.4 - Orçamento Participativo de 1997. ......................................................... 29
4.5 - Orçamento Participativo de 1998. ......................................................... 30
4.6 - Orçamento Participativo de 1999-2000. ................................................ 32
4.7 - Orçamento Participativo de 2001-2002. ................................................ 35
5 – NOVO INSTITUCIONALISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS:
CONSTRUINDO UM MODELO DE ANÁLISE. ......................................... 39
5.1 – O Novo Institucionalismo. .................................................................... 39
5.1.1 – Antecedentes e Contextualização. ........................................ 39
5.1.2 – Instituições............................................................................ 41
iv
5.1.3 - Desenho Institucional. ........................................................... 43
5.1.4 - Mudança Institucional. ......................................................... 48
5.1.5 - Heterogeneidade, sub-correntes e seus conceitos. ................ 50
a) O Novo Institucionalismo Histórico. ................................. 50
a.1) O conceito de "dependência da trajetória" (path
dependence)........................................................................ 52
b) O Novo Institucionalismo na Escolha Racional. ............... 54
b.1) O conceito de "custos de transação". .......................... 55
c) O Novo Institucionalismo Sociológico. ............................. 56
5.1.6 - Análise Institucional.............................................................. 58
5.2 – Políticas Públicas. ................................................................................. 58
5.2.1 – Políticas públicas: conceitos e noções básicas. .................... 58
5.2.2 - Avaliação de políticas públicas a partir da visão
neoinstitucional........................................................................ 64
6 –
ANÁLISE
NEOINSTITUCIONAL
DO
ORÇAMENTO
PARTICIPATIVO E DAS MUDANÇAS PROVOCADAS SOBRE O
ESTILO DE PLANEJAMENTO DA PREFEITURA DE BELO
HORIZONTE. ................................................................................................... 76
6.1 - O Orçamento Participativo de Belo Horizonte e o processo de
desenho institucional................................................................................ 77
6.1.1 - Funcionalidade e Legitimidade. ............................................ 77
6.1.2 - Princípios orientadores do desenho institucional. ................. 89
6.1.3 - Enforcement........................................................................... 94
6.2 - Mudança institucional: origens e efeitos das mudanças provocadas
sobre o estilo de planejamento. ................................................................ 99
6.2.1 - Dependência da trajetória: identificando os fatores que
sustentaram a mudança institucional. ...................................... 99
6.2.2 - A noção de custos de transação e os efeitos da mudança
institucional.............................................................................. 107
a) Captação e qualificação de demandas................................ 113
a.1) Critérios de Abrangência Social e Relevância
Social.................................................................................. 113
a.2) O Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU). ....... 114
a.3) Pré-requisitos de planejamento urbano. ...................... 116
a.4) Orçamento Participativo Cidade. ................................ 117
v
b) Operacionalização e Organicidade..................................... 118
b.1) Precisão na elaboração de projetos. ............................ 118
b.2) Levantamento da capacidade executiva da
URBEL e SUDECAP......................................................... 120
b.3) Maior autonomia financeira para as
Administrações Regionais.................................................. 121
b.4) Integração e articulação intersetorial. ......................... 121
b.5) Regionalização a partir de Unidades de
Planejamento. ..................................................................... 122
b.6) Bianualidade. .............................................................. 123
b.7) O Grupo Gerencial do OP........................................... 124
7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS. ....................................................................... 133
7.1 - Validade da contribuição neoinstitucional para o estudo de
políticas públicas...................................................................................... 133
7.2 - Orçamento Participativo e Planejamento: conclusão. ........................... 135
8 – BIBLIOGRAFIA............................................................................................ 137
9 - APÊNDICE. .................................................................................................... 142
Relação de Entrevistas................................................................................... 143
Quadro 9.1 - Descentralização Fiscal: países latino-americanos
selecionados................................................................................................... 144
Quadro 9.2 - Estratégias de Descentralização: países latino-americanos
selecionados................................................................................................... 144
Quadro 9.3 - Distribuição dos Recursos Regionais e para Habitação nos
Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002........................... 145
Quadro 9.4 - Distribuição de Recursos para Empreendimentos
Regionais e para Habitação nos Orçamentos Participativos de
1994 a 2001-2002........................................................................... 147
vi
1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1.1 - Apresentação
A presente monografia constitui o trabalho final de graduação do Curso Superior
de Administração Pública, da Escola de Governo - Fundação João Pinheiro. Este trabalho
pretende representar a compilação dos conhecimentos absorvidos e trabalhados ao longo
dos quatro anos de formação na área da gestão pública.
Adentrando a área de avaliação de políticas públicas, esta monografia tem como
objetivo analisar, à luz do aparato teórico do Novo Institucionalismo, o Orçamento
Participativo da Prefeitura Belo Horizonte e as mudanças provocadas sobre o planejamento
a partir de sua implementação. Visando atender tal objetivo, o presente trabalho encontra-se
estruturado da seguinte forma: numa primeira parte (Capítulo 2), o Orçamento Participativo
é apresentado enquanto uma política pública inovadora, surgida no contexto do processo de
descentralização de atribuições e poderes às esferas municipais; no Capítulo 3, o orçamento
público é descrito como um instrumento de planejamento municipal e é apresentada uma
extensa revisão da produção acadêmica sobre o Orçamento Participativo no Brasil,
apontando antecedentes, contextualização e características; em seguida, o Capítulo 4
apresenta uma retrospectiva histórica de todo o processo de implantação e desenvolvimento
do Orçamento Participativo em Belo Horizonte, ressaltando cada alteração processada
sobre a sua metodologia; o Capítulo 5, por sua vez, subdivide-se em duas partes, a primeira
representa uma revisão teórica do Novo Institucionalismo, e a segunda, a partir do
estabelecimentos de alguns conceitos e noções básicas relativas a políticas públicas,
constitui um esforço de construção de um modelo / esquema de análise de políticas públicas
a partir da visão neoinstitucional; na seqüência, o Capítulo 6 representa a aplicação, para o
caso do Orçamento Participativo de Belo Horizonte, do modelo de avaliação desenvolvido,
abordando primeiramente o momento do desenho institucional, para que num segundo
momento, a partir da mudança institucional, sejam analisadas suas origens e os efeitos
provocados sobre o planejamento municipal; por fim, o Capítulo 7, apresenta as
1
considerações finais e tenta estabelecer uma reflexão sobre a validade da análise
neoinstitucional empreendida para o estudo de políticas públicas.
1.2 - Relevância e necessidade da avaliação de políticas públicas inovadoras:
justificativa
Um dos resultados verificados do processo de descentralização impulsionado após
1988 no Brasil foi o surgimento de diversos tipos de programas e projetos inovadores na
gestão municipal. Trata-se de novidades que passam a ser incorporadas ao conjunto de
processos e procedimentos que conformam a administração pública. Sendo assim, essas
iniciativas inovadoras constituem importante objeto de avaliação.
O caráter de novidade gera a necessidade de construção de uma base informacional
sobre a dinâmica de “funcionamento” da política pública e sua integração junto ao ambiente
institucional no qual se insere. Além disso, a relevância da avaliação de inovações, tal como
afirma BOSCHI (1999), parte da constatação de que inexiste em teoria política uma
explicação adequada sobre como se constróem novos desenhos institucionais na relação
público - privado e, principalmente, uma vez implantados novos formatos para a produção
de determinadas políticas, como estes vêm se consolidar no tempo como experiências
consagradas, evidenciando a carência de uma teoria consistente da mudança institucional e
do processo de institucionalização.
Nesse sentido, uma política pública inovadora deveria ser avaliada minimamente
em razão da necessidade de levantamento de informações acerca dos seguintes aspectos: o
cumprimento de seus objetivos; necessidades e critérios para o seu aprimoramento; e bases
para a sua disseminação.
Iniciativas inovadoras na gestão pública local, após implementadas, devem ser
avaliadas em relação ao cumprimento de seus objetivos. Por se tratar de uma novidade, os
resultados obtidos devem ser monitorados para que seja possível determinar em que medida
a iniciativa é bem-sucedida ou traz resultados positivos. Em casos em que os resultados
esperados ou benefícios não se verificam, pode vir a ser constatado que a inovação não foi
2
capaz de agregar benefícios aos padrões anteriores de gestão, podendo ocorrer até a extinção
do programa ou projeto.
A avaliação de políticas públicas inovadoras adquire enorme relevância quando
empreendida em prol da geração de informações para o aprimoramento desses programas ou
projetos. Ao serem implementadas, essas políticas podem se deparar com a necessidade de
adaptações e ajustes, na medida que estão sendo colocadas em prática pela primeira vez num
determinado contexto. Avaliações para o aperfeiçoamento devem ser constantes, uma vez
que o ambiente no qual políticas se inserem é dinâmico e instável, apresentando novas
situações nas quais os procedimentos internos às políticas podem não se apresentarem bem
adaptados.
Um outro aspecto que atribui relevância à avaliação de políticas públicas é a
necessidade de criação de bases e informações referenciais que possam gerar parâmetros
para a disseminação das inovações. Com a descentralização e a maior autonomia delegada
aos municípios, iniciativas pioneiras têm surgido por toda parte. Quanto mais rica for a base
de informações sobre estas inovações, mais facilitado torna-se o processo de troca de
experiências.
É por esses e outros aspectos que se considera a realização de qualquer tipo de
avaliação, que tenha como objeto políticas públicas inovadoras, um esforço de extrema
importância. Tais esforços são fundamentais para o desenvolvimento de modelos mais
aprimorados de gestão pública local. O desenvolvimento desses modelos encontra ainda
forte impulso na inventividade dos governos locais, através da formulação de programas e
projetos pioneiros. Antes de servirem ao aperfeiçoamento dos modelos de gestão, a
avaliação de políticas inovadoras cumpre o papel fundamental de formar a base para a
consolidação das iniciativas pioneiras enquanto práticas da gestão local.
É nesse sentido que o presente estudo pretende avançar, sistematizando
informações específicas sobre a dinâmica de funcionamento de uma das mais disseminadas
e bem-sucedidas inovações surgidas no poder local: o Orçamento Participativo. Cabe ainda
ressaltar que o presente esforço ganha ainda maior relevância frente a relativa carência de
3
produção teórica sobre os impactos do Orçamento Participativo sobre o planejamento e a
gestão municipal.
1.3 - Relevância do trabalho para o Governo do Estado de Minas Gerais
Acredita-se que o presente trabalho monográfico pode ser de grande utilidade para
os envolvidos no processo de tomada de decisão no nível do governo estadual, na medida
em que representa um incremento da produção teórica sobre a avaliação de políticas
públicas, que por sua vez constitui subsídio para a análise e avaliação das políticas
estaduais. Além disso, por se tratar de uma avaliação de política municipal, o presente
trabalho acumula informações e conhecimentos que podem ser adicionados ao estoque do
Estado no cumprimento de sua competência constitucional de prestar assessoramento
técnico e administrativo para os municípios.
É importante mencionar ainda, que a presente reflexão sobre a política do
Orçamento Participativo pode se apresentar útil para o Estado, tendo em vista a tentativa de
implementação do Orçamento Participativo no seu âmbito de atuação. Mesmo que
inicialmente esta iniciativa não tenha sido bem sucedida, a possibilidade de novas incursões
nesse sentido dotam este trabalho de significativa relevância.
4
2
- INTRODUÇÃO: O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO E SUA
RELAÇÃO COM O SURGIMENTO DE INOVAÇÕES EM POLÍTICAS
PÚBLICAS NO ÂMBITO MUNICIPAL
A gestão das políticas públicas promovida pelo Estado Brasileiro, no período
marcado pelo regime militar autoritário, tinha como um dos seus elementos mais
característicos a centralização decisória e financeira na esfera federal. O governo central
concentrava boa parte do escopo de decisões relativas ao desenho, formulação e
implementação de políticas públicas, cabendo aos estados e municípios – quando estes
eram envolvidos em uma política específica – o papel de apenas executá-las (FARAH,
1997; 2000a).
Como sabido (ABRUCIO, 1994; DINIZ, 1985), o regime militar entra em crise,
explicada, em grande parte, por aspectos ligados à legitimidade do governo. Foram dois
principais conjuntos de fatores que levaram o regime à decadência: a) desequilíbrio
financeiro gerado a partir da segunda crise do petróleo em 1979 e da crise da dívida em
1982, evidenciado pelo colapso do modelo de financiamento do estado desenvolvimentista
(ABRUCIO, 1994); e b) a vitória oposiocionista nos principais estados da federação na
eleições para governador em 1982 (ABRUCIO, 1994), proporcionada pelas reformas
eleitorais.
Paralelamente, conduzia-se a "transição democrática", caracterizada por um
processo gradual de democratização. Tal processo constituía-se de um movimento de
reformulação da estrutura legal do governo que teve, num primeiro momento, a reforma
eleitoral como um dos principais aspectos (DINIZ, 1985). Já num momento posterior, o
passo seguinte no processo de democratização política e administrativa concentraria
esforços no sentido da descentralização.
"A descentralização apresentou no ideário dos agentes decisórios uma
estreita conexão com a democracia e, em certo sentido com razão, pois o
ideal democrático é bem representado pelo sistema político que seja
plenamente institucionalizado (...), marcado pela redistribuição efetiva de
poder através do remanejamento de arenas decisórias e executivas (...) e
5
que compreenda toda a população, no sentido de possibilitar o acesso
completo ao catálogo de direitos e liberdades" (PEREIRA FILHO, 1995).
Em 1988, a promulgação da Constituição da República inaugura o tratamento dos
municípios enquanto entes federativos, reconhecendo-os como parte indissolúvel do
Estado. A descentralização preconizada por esta Constituição possibilitou a instauração
paulatina de condições institucionais e políticas para uma atuação governamental mais
democrática no nível local. Essa mudança constitucional vem abrindo caminhos para a
instauração de novas institucionalidades que, em alguns casos, têm redefinido as relações
entre Estado e sociedade (FJP, 2000).
Neste quadro, o poder local é submetido a transformações no que diz respeito ao
seu papel, assumindo novas responsabilidades e experimentando a exploração de novas
potencialidades na busca de equacionar, quase que de forma independente, os desafios
impostos pelas necessidades de desenvolvimento econômico, político e social. A
descentralização implica a delegação de autonomia decisória do governo central para os
governos regionais e locais, conferindo-lhes responsabilidade perante os cidadãos
circunscritos nesses espaços. A rigor, a descentralização incorpora um conjunto de pelo
menos três aspectos: a) administrativos - responsabilidade pela gerência da provisão de
serviços públicos e gestão de políticas públicas (transferência de funções e atribuições); b)
fiscais - responsabilidade na obtenção de recursos necessários ao financiamento das
políticas (relativa autonomia tributária e de endividamento); e c) políticos - autonomia
decisória quanto a forma de promover a política, a oferta de serviços, sua estrutura de
financiamento, etc.(liberdade política) [GREMAUD, 2000].
As estratégias de descentralização e a extensão desse processo variam
significativamente em diversos países da América Latina. No apêndice deste trabalho,
(itens 9.1 e 9.2), encontram-se algumas tabelas e quadros que podem ilustrar melhor essa
situação.
O processo de descentralização foi e vem sendo largamente defendido por aqueles
que encaram como um desafio a necessidade de tornar o aparato estatal cada vez mais
6
permeável ao interesse público, pela percepção dos seguintes benefícios listados por
GREMAUD (2000):
•
do ponto de vista político, a descentralização, por permitir a incorporação direta da
participação popular nas escolhas públicas através da aproximação dos atores sociais,
proporciona um maior controle sobre a burocracia e uma melhor percepção acerca da
solução para os problemas de uma determinada comunidade;
•
do ponto de vista econômico, a descentralização proporciona o aumento da eficiência
alocativa, gerada pela maior facilidade de detecção das demandas em virtude da maior
proximidade entre governo e governados. Além disso, essa mesma proximidade
possibilita aos governos locais o desenvolvimento de estratégias para incrementar a
arrecadação, capturando de maneira mais eficiente a capacidade contributiva dos
cidadãos.
Entretanto, a descentralização de autonomia e poder para os governos locais pode
apresentar certos riscos. Quando o processo de descentralização é conduzido de forma
desordenada, pode acarretar o agravamento de pelo menos dois problemas típicos: as
desigualdades regionais e as dificuldades macroeconômicas. O primeiro problema refere-se
ao fato de que localidades menos desenvolvidas atuando de forma mais autônoma, sem
auxílio externo, encontrarão sérias dificuldades para solucionar os problemas já existentes.
Enquanto localidades em estágio de desenvolvimento mais avançado poderão se tornar
ainda mais dinâmicas. A descentralização também torna mais difícil a coordenação de
políticas macroeconômicas nacionais. Uma vez que a autonomia é distribuída e delegada
para os entes sub-nacionais, a implementação de políticas macroeconômicas nacionais
conduzidas pelo governo central torna-se mais difícil e delicada, envolvendo problemas
como cooperação e negociação.
Em virtude desses riscos, um processo de descentralização requer o preenchimento
de certos requisitos para que produza os benefícios esperados. Estes requisitos, de acordo
com GREMAUD (2000), podem ser agrupados em três grandes conjuntos: a) capacitação
das instâncias sub-nacionais; b) desenho das relações intergovernamentais; e c) instituições
políticas.
7
O primeiro conjunto diz respeito à capacitação técnica tanto dos quadros
burocráticos quanto dos aspectos infra-estruturais dos governos locais, de suma importância
para que os efeitos da descentralização sejam processados em ações governamentais bem
estruturadas. Quanto ao conjunto ligado às relações intergovernamentais, para que haja um
processo de descentralização efetivo é necessário que seja delegada à esfera sub-nancional
alguma capacidade de definição tributária, reduzindo sua dependência financeira em
relação às transferências do governo central. Isso gera uma maior autonomia sobre o
orçamento e, portanto, um maior grau de responsabilização para o governo local. Por fim, o
terceiro conjunto de requisitos ressalta a centralidade do desenvolvimento de instituições
que possam de fato incorporar a participação popular nos processos de decisão pública. Não
sendo assim, a aproximação entre governo e sociedade, resultante da descentralização, não
é capaz de produzir os efeitos democratizantes esperados.
Dessa forma, é possível percebermos que o processo de descentralização acima
definido e situado historicamente tem como um de seus elementos estruturantes a questão
da participação popular. "Não havendo participação, dificilmente os benefícios da
descentralização seriam alcançados" (GREMAUD, 2000). A participação passa a aparecer
como resultado de mudanças que envolvem tanto a sociedade quanto o governo. De um
lado, ocorre a aproximação entre governante e governado, de outro, o governo é dotado de
maior autonomia para melhor atender as demandas específicas de sua comunidade local.
Tal fenômeno é claramente percebido através do surgimento de programas e
projetos municipais inovadores, em grande parte, orientados pela busca por maior inclusão
da população nos processos de gestão e tomada de decisão. Marta Farah1 relata que a
análise das inovações enquanto conjunto aponta para uma ampliação da cidadania aliada a
uma busca por maior responsabilização na utilização dos recursos públicos (Informação
verbal, em 15 de maio de 2001). Esse conjunto de inovações, agora examinado de forma
desagregada, apresenta-se a partir de dois grandes blocos de iniciativas públicas: o
1
Coordenadora do programa “Gestão Pública e Cidadania – FGV / Fundação Ford”, que premia anualmente
políticas públicas inovadoras e mantém um extenso banco de dados, em palestra proferida no “Curso de
Gestão Urbana e de Cidades” – Fundação João Pinheiro, maio de 2001.
8
primeiro, caracterizado pelo surgimento de novas políticas públicas; e o segundo, ligado a
novas formas de gestão e processos (FARAH, 2000b).
O Bloco das novas políticas públicas é marcado pela inauguração de novas áreas
de atuação – envolvendo, por exemplo, a questão ambiental, novos segmentos da população
(ampliação da cidadania e acesso a direitos), desenvolvimento local (geração de emprego e
renda) e apoio ao produtor rural – assim como novas formas de concepção das políticas –
que incluem, dentre outros, uma visão de sustentabilidade e empowerment, saúde
preventiva, redução da evasão na educação, assistência à criança e à mulher.
O segundo bloco, referente às novas formas de gestão e processos, engloba
inovações em políticas públicas que visam produzir efeito no sentido de incluir novos
atores; melhorar o atendimento e o acesso à informação para o cidadão; articular esferas de
governo; buscar a intersetorialidade e a articulação intra-governamental; e, por fim, gerar
novas técnicas administrativas em programas e organizações.
Esses programas e projetos inovadores, que têm surgido na última década, têm
demonstrado possuir um enorme potencial reformador da gestão pública local, por meio da
adoção de práticas que vêm reformulando o relacionamento entre Estado e sociedade.
Nesse relacionamento, a noção de parceria é introduzida como condição para uma
administração bem-sucedida. Muitas prefeituras conseguiram importantes ganhos de
produtividade com o aperfeiçoamento dos mecanismos de participação popular em seus
programas estruturadores (SOARES & GONDIM, 1998).
Partindo dessa constatação, muitos governos locais que buscavam pensar a
participação num sentido mais profundo, de partilha de poder envolvendo a formulação e
implementação de políticas públicas, perceberam a necessidade de buscar mecanismos
capazes de institucionalizar os processos participativos, de modo a assegurar-lhes
continuidade e eficácia. Sendo assim, a institucionalização do processo participativo sob a
forma de "conselhos" passou a predominar sobre as formas mais autônomas e menos
organizadas de participação popular (SOARES & GONDIM, 1998).
9
De maneira geral, os "conselhos" ditos acima, sob os quais a participação toma
forma, podem ser classificados em dois tipos: aqueles que se destinam a aprimorar a
performance de programas já instituídos e fiscalizar a aplicação de recursos existentes; e
aqueles que introduzem a participação em decisões concernentes à própria definição de
programas e projetos de natureza variada.
Neste último conjunto, destaca-se o Orçamento Participativo, objeto de estudo do
presente trabalho, que veio a se constituir no experimento mais visível, e possivelmente o
mais avançado, de democratização de governos locais no Brasil.
10
3 - PLANEJAMENTO MUNICIPAL, ORÇAMENTO PÚBLICO E ORÇAMENTO
PARTICIPATIVO
3.1 - O Orçamento Público e seu papel como instrumento de planejamento municipal
"O orçamento público, hoje em dia é um dos instrumentos mais importantes e
corriqueiros de gestão dos negócios de uma coletividade politicamente organizada"
(SOUZA, 2000). Como reflexo de tal afirmação, o orçamento constitui, a partir do ponto de
vista político-institucional, de acordo com SILBERSCHNEIDER (1998), a síntese do
compromisso de contribuições da sociedade e de realizações do governo, tal como um
contrato firmado entre governo e sociedade que reflete, em termos monetários, o que o
governo faz pelo povo e o que o povo contribui para o governo.
A formalização do orçamento público encontra sua origem nos sistemas
feudalistas da Idade Média. O método de orçamentação empregado nessa época –
conhecido como “tradicional” – centrava-se claramente na função de controle no que diz
respeito aos aspectos contábeis, dando ênfase aos objetos de gasto e ao estrito emprego das
dotações nos fins (elementos e itens de despesa) para os quais foram concedidos
(SANCHES, 1997). O orçamento era, então, um instrumento jurídico sem maior
complexidade, que atuava como mecanismo de controle através da fixação dos meios
(objetos de gasto) para que o poder governante executasse as tarefas definidas.
Com o tempo, a peça orçamentária veio mostrar-se mais claramente como um
instrumento de administração e não tanto como um mecanismo de controle político sobre o
executivo (SOUZA, 2000). Sustentado pelo advento da racionalização administrativa,
através da consolidação da administração enquanto ciência no início do século XX, surge a
metodologia do orçamento-programa. Essa metodologia pode ser definida através do
processo de fixação de despesas públicas a partir da identificação das necessidades públicas
segundo níveis de prioridade e estruturas apropriadas de classificação da programação.
Neste modelo, os itens de gasto devem ser explicitados por unidade executora e programa
de trabalho (SANCHES, 1997). Enquanto que na metodologia de orçamentação tradicional
11
o orçamento é dissociado do planejamento e da programação, no orçamento programa o
processo orçamentário é um elo entre o planejamento e as funções executivas do estado. A
alocação de recursos tem em vista a realização de metas e as decisões orçamentárias levam
em conta análises de diversas alternativas (SOUZA, 2000).
Dessa forma, podemos dizer que o orçamento programa consegue articular
aspectos ligados tanto à dimensão da gestão quanto à do planejamento. É interessante
esclarecer que quando pensamos planejamento e gestão estamos tratando de atividades
marcadamente diferentes que podem vir a ser confundidas mas não se substituem. A marca
da distinção reside principalmente no aspecto temporal. Gestão pode ser entendida como a
administração dos recursos (de todos os tipos) e dos problemas no tempo presente. Por sua
vez, o planejamento é a preparação para o futuro, voltada para evitar ou minimizar
problemas e melhor explorar potencialidades. Perceber a distinção
não nos livra da
constatação óbvia e necessária da interface existente entre gestão e planejamento.
No Brasil, o orçamento público - da União, dos Estados e Municípios - é, em
princípio, o documento anualmente aprovado com a finalidade de evidenciar, em termos
qualitativos e quantitativos, física e monetariamente, as políticas econômico-financeiras e
o programa de trabalho que o governo pretende executar no período de um ano (SILVA,
1997).
Sendo assim, é possível definirmos o orçamento público no Brasil como uma
tradução financeira de um plano de ação. De fato, no processo de planejamento, cada fase
de decisão de natureza política corresponde a uma fase de natureza financeira. Além disso,
como no caso brasileiro o orçamento público é anual, o processo de confecção da peça
orçamentária representa a elaboração de um plano de trabalho que articula e organiza um
vasto conjunto de ações em diversos setores pelo período de um ano. Assim, mesmo sendo
um período relativamente curto, o processo de orçamentação, em sua maior parte, não trata
de decisões isoladas, constituindo um instrumento de planejamento de curto prazo que
agrega as metas e os recursos financeiros disponíveis para o seu atingimento.
Transferindo o foco para o âmbito municipal, podemos dizer que a elaboração
anual do orçamento constitui o momento em que o poder público local, tendo em vista suas
12
funções e competências, define os programas, projetos e atividades que irá empreender. De
alguma forma, o orçamento municipal expressa a forma como a administração pretende
lidar com as suas funções e competências - que podem ser verificadas na constituição e na
Lei Orgânica Municipal. Tal reflexão em relação à forma de atuação constitui, sem dúvida,
uma atividade de planejamento.
Tal como afirma AZEVEDO (1994a), o planejamento municipal tem a função de
pensar a cidade a curto, médio e longo prazo, e compatibilizar as políticas setoriais e as
intervenções pontuais com os objetivos ali estabelecidos. Ainda segundo o mesmo autor,
dentro desta perspectiva, caberia ao planejamento a tarefa de realizar estudos e pesquisas
prospectivos que forneçam subsídios para a formulação de políticas, bem como para
análises do seu impacto sobre a estrutura urbana. Tais esforços permitiriam avaliar os
benefícios potenciais destas políticas, alguns dos efeitos colaterais perversos que possam
vir a produzir, os obstáculos que cercam sua implementação, bem como as correções de
rotas e reordenamento de prioridades que se fizerem necessários.
Além do que já foi exposto acima, um outro fato que demonstra a existência da
forte relação entre orçamento e planejamento no âmbito municipal é o Estatuto da Cidade.
Tal estatuto constitui a lei complementar que regulamenta os artigos 182 e 183 da
Constituição da República, estabelecendo as diretrizes gerais da política urbana no país.
Nele, o inciso III do artigo 4º destaca não apenas o orçamento anual, mas também, a gestão
orçamentária participativa, como instrumentos de planejamento municipal (BRASIL,
2000).
13
3.2 - Orçamento Participativo: antecedentes, caracterização geral e repercussões
Apesar de muitos associarem o surgimento do orçamento participativo à
experiência do município de Porto Alegre (RS) – a mais ousada e consolidada, cujo início
data de 1989 – outras iniciativas já haviam sido empreendidas no Brasil no final dos anos
70. Ainda durante o regime militar, registraram-se experimentos em Lages (SC), Vila
Velha (ES) e Pelotas (RS) que tiveram pouca visibilidade e vida curta dadas as condições
restritivas do contexto político do momento (SOUZA, 2000).
De acordo com SOMARRIBA & DULCI (1997), estas experiências de orçamento
participativo, somadas a outras iniciativas de incorporação da participação popular na
gestão pública que também ocorrereram no período de regime autoritário, constituíram o
primeiro momento de evolução das formas de democracia local no Brasil. O segundo
momento, localizado temporalmente na transição entre o regime militar e o civil (1983-88),
foi caracterizado pela predominância de esforços de descentralização administrativa em
grandes capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza, Porto Alegre),
acompanhados de ensaios, ainda que pouco sistemáticos, e abertura dos governos à
participação popular. O terceiro momento, por sua vez, ocorreu já na vigência da nova
Constituição, correspondendo às gestões municipais eleitas em 1988, dentre as quais
adquiriram grande realce as administrações do PT, cuja marca principal era a proposta de
orçamento participativo.
Por fim, SOMARRIBA & DULCI (1997) ainda destacam um quarto momento
dessa seqüência, referenciado pelas administrações eleitas em 1992. Algumas delas
dinamizaram as experiências participativas em curso, enquanto outras as introduziram pela
primeira vez - como é o caso de Belo Horizonte. Nesta fase, a idéia de gestão participativa
adquiriu maior solidez e popularidade, notadamente pelo amadurecimento do orçamento
participativo enquanto prática.
Ao longo desses momentos de evolução das formas de democracia local no Brasil,
dois elementos ou atores adquirem grande relevância no processo de mudança no
14
relacionamento entre o poder público e a sociedade. Trata-se do papel dos movimentos
sociais urbanos e das associações civis, e o ideário dos partidos comprometidos com
projetos democrático-populares – em destaque o Partido dos Trabalhadores.
A decadência do regime autoritário abriu terreno para a emergência dos
“movimentos sociais urbanos”, incluindo aqueles movimentos orientados primariamente
para fins de natureza valorativa e normativa, assim como movimentos reivindicatórios
(associações de bairro e favela, movimentos pela melhoria do transporte de determinadas
regiões), cujo objetivo era o desenvolvimento de uma estratégia junto ao Estado visando
melhorias urbanas (AZEVEDO & AVRITZER, 1994). Em sua maioria ligados à igreja,
esses movimentos significaram a recuperação da idéia de sujeito e ator social por
indivíduos e grupos, antes apenas objetos do processo de decisão por parte do Estado.
Um aspecto importante associado a esses movimentos foi a intensa proliferação de
associações sociais acompanhada por uma mudança no perfil de seus membros,
caracterizada por uma melhor qualificação e incorporação de novos atores (AZEVEDO &
AVRITZER, 1994b). Dessa forma, é possível dizer que os movimentos sociais urbanos
foram responsáveis por um impacto significativo na arena societária, mesmo que a sua
inclusão na estrutura específica de organização do Estado não tenha ocorrido prontamente.
Assim como os movimentos sociais urbanos contribuíram fortemente para que
fosse criado um ambiente sócio-político propício para o surgimento de experiências
participativas, como o orçamento participativo, o papel do Partido dos Trabalhadores e
outros partidos comprometidos com projetos democráticos foi fundamental. É possível
dizer que o Partido dos Trabalhadores é o mentor das experiências de orçamento
participativo no país, tendo incorporado essa iniciativa como elemento central de seus
programas de governo, atuando como principal difusor da prática do orçamento
participativo nos municípios brasileiros.
A proposta de incorporação da participação popular na elaboração da peça
orçamentária surge, então, fundamentada em uma série de críticas sobre os pressupostos
que definiam o Estado como único ator legítimo e tecnicamente competente para decidir
15
sobre a destinação dos recursos públicos. De acordo com SOUZA (2000), essas críticas
são:
1) a administração e o planejamento “racionais” fundamentam-se em uma racionalidade
estreita, instrumental (otimização dos meios, presunção tácita quanto aos fins e
banalização, encobrimento ou mistificação dos fins, os quais dizem respeito,
essencialmente, à reprodução do próprio sistema e das desigualdades que ele acarreta);
2) a “razão” invocada. A pretexto de ser universal e garantir julgamentos imparciais, abafa
a alteridade, exclui e serve à opressão, por assumir como ideal um conjunto homogêneo
de cidadãos, onde a “norma” implícita determina os valores e comportamentos
dominantes, o que nega ou diminui os valores de grupos oprimidos devido a sua etnia,
gênero, etc.;
3) o Estado não é “neutro”, nem pode sê-lo, uma vez que é antes uma condensação da
relação de forças entre classes, de tal forma que tende a produzir intervenções conforme
os interesses dos grupos e classes dominantes (que dispõem de mais recursos e maior
capacidade de influência);
4) tanto ao legislativo quanto ao executivo faltam transparência, sendo ambos deficitários
em matéria de accountability;
5) a representatividade num sistema democrático pode vir a ocorrer de forma distorcida e
precária, uma vez que muitas vezes os políticos estão envolvidos em redes de favores e
interesses (financiamento de campanha, grupos econômicos, oligarquias políticas
tradicionais, construção de imagem, etc.). Além disso, a representação é como passar
um "cheque em branco", evidenciando a carência de mecanismos efetivos de controle
(transparência, acesso a informações, revogabilidade de mandatos, etc.);
6) pouco transparente e distante, a política passa naturalmente a ser presa fácil da
corrupção, reforçando atitudes de apatia política e pronta aquiescência por parte dos
cidadãos.
Assim, orientado para a superação destes “déficits”, o orçamento participativo
busca repolitizar a discussão do orçamento público. Na sua essência, o orçamento
16
participativo consiste na abertura do aparelho do estado à possibilidade da população
participar diretamente nas decisões a respeito dos objetivos dos investimentos públicos,
intervindo na confecção da peça orçamentária.
De forma geral, numa tentativa de identificação de um padrão nas diversas
metodologias existentes, deixando de lado as peculiaridade de cada caso, é possível
descrevermos a prática do orçamento participativo. Normalmente, as metodologias partem
da elaboração de critérios de participação e atendimento às demandas, da definição das
instâncias de participação e suas competências, e de uma regionalização da administração
pública local. A partir de sua instituição, as regiões (no caso de Belo Horizonte chamadas
de “administrações regionais”) tornam-se a referência espacial para a realização de
plenárias, fornecendo os limites geográficos para a participação e formulação de demandas.
As plenárias, por sua vez, representam o espaço institucional inicial da participação popular
na dinâmica do orçamento participativo. Usualmente, são realizadas em série e têm como
objetivo, primeiramente, apresentar a prestação de contas do ano anterior assim como a
situação fiscal da prefeitura e o volume de recursos destinado ao orçamento participativo
naquele ano; num segundo momento, realiza-se a captação das demandas, para que num
momento posterior estas sejam priorizadas frente as condições de viabilidade. Neste último
momento, são eleitos conselheiros ou delegados, que em alguns casos se organizam em
grupos técnicos ou temáticos e passam a compor um conselho municipal de orçamento,
juntamente com representantes da prefeitura, tornando-se responsáveis pela discussão e
decisão acerca do orçamento participativo como um todo. Esses conselhos podem ser
consultivos ou deliberativos, mas a elaboração do plano de investimento advém da
discussão entre membros da prefeitura e conselheiros eleitos. A partir daí, é elaborada a
proposta orçamentária, encaminhada pelo Executivo à Câmara de Vereadores.
Normalmente, essa etapa é sucedida pela fiscalização popular das obras e empreendimentos
eleitos. Essa fiscalização, na maioria dos casos, é feita por um grupo previamente definido.
Em alguns casos, verifica-se uma fiscalização realmente efetiva, porém, noutros existe uma
carência de melhor organização e instrumentalização (CARVALHO & FELGUEIRAS,
2000; PAULICS, 2000).
17
Não há dúvida de que a descrição acima é por demais imprecisa, pois o formato de
um orçamento participativo deve ser adaptado à realidade sócio-política e cultural de cada
cidade, mas torna-se relevante na medida em que revela um padrão recorrente de
operacionalização de uma política pública que incorpora a participação na definição do
orçamento público. É importante também reconhecermos este padrão uma vez que a
introdução da participação popular na gestão pública é algo extremamente complexo e
delicado, envolvendo aspectos políticos e conteúdos técnicos nem sempre acessíveis aos
participantes. A identificação de uma forma de se operacionalizar a participação popular
pode, contudo, render a abertura de novos caminhos para a democratização de outros
aspectos e dimensões da atividade pública, proporcionando um aprofundamento normativo,
institucional e procedimental da democracia direta.
Em alguma medida, devemos reconhecer que a complexificação da sociedade e,
consequentemente, da atividade governamental impõe riscos ao princípio da participação,
seja ela direta ou representativa. AZEVEDO & AVRITZER (1994b), numa discussão entre
democracia e complexidade, recuperam na literatura posturas que descrevem a
complexidade como uma barreira à participação, além de outras abordagens que resgatam o
valor e a complementariedade entre discutir, negociar e implementar. Iniciando com a
justificativa de Bobbio (apud AZEVEDO & AVRITZER, 1994b) de que as promessas não
cumpridas da democracia encontram explicação na complexificação da sociedade, os
autores resgatam, posteriormente, o argumento weberiano de que a burocracia, regida por
um padrão impessoal e hierárquico, baseado na racionalidade dos processos no
enfrentamento das complexas questões postas, retira o controle dos indivíduos das questões
públicas ligadas a suas vidas cotidianas, apontando no sentido contrário à democratização.
Na seqüência, são apresentadas a teoria habermasiana e a teoria contemporânea da
sociedade civil que distinguem o processo de discussão e debate político do processo de
complexificação do Estado moderno. “Dentro dessas perspectivas, o problema da
democratização assume uma nova dimensão qual seja, a da capacidade ou incapacidade do
Estado de estabelecer mediações com dimensões institucionais fora de seu controle”
(AZEVEDO & AVRITZER, 1994b). Ou seja, a capacidade de incorporar a participação
18
mesmo dentro de um contexto em que as ações governamentais estão envoltas por grande
complexidade técnica e política. Nessa perspectiva, a relação entre complexidade e
participação encontra uma solução na percepção da complementariedade entre o debate
público e a execução de políticas, não havendo como mensurar a riqueza da publicização da
discussão acerca das atividades do poder público.
No Brasil, a relação entre complexidade e participação no período compreendido
entre a década de 30 e 80 demonstrou, de certa forma, possuir maior afinidade com a
perspectiva weberiana, materializando-se através do fenômeno do insulamento burocrático
e do perfil meritocrático-particularista de implementação de políticas sociais. Nesse período
o Estado demonstrou completa incapacidade de integrar, no interior de seu aparato
administrativo, quaisquer interesses que não fossem os da racionalização econômica ou o
da reprodução das máquinas clientelistas particularistas. Assim, tal como afirmam
AZEVEDO & AVRITZER (1994b), a participação popular em políticas públicas era
instrumental e restrita quanto, por exemplo, ao fornecimento de mão-de-obras em mutirões.
A reformulação dessa situação num contexto de redemocratização, só pode ser
efetivada mediante a capacidade de se criar formas modernas, públicas e pluralistas de
mediação entre o Estado e a sociedade civil, integrando a participação popular nos
processos de tomada de decisão.
“Tratar-se-ia de substituir o corporativismo e o clientelismo informais e
não institucionalizados que beneficiam os grupos com maior poder
econômico ou político, por uma arena institucional onde todos os setores
interessados em uma determinada política pública possam discutir os seus
rumos num fórum com regras claras e transparentes” (AZEVEDO &
AVRITZER, 1994b).
A implementação de uma política pública como o Orçamento Participativo é
considerada por muitos (ABBERS, 2000; AZEVEDO & AVRITZER, 1994b; BOSCHI,
1999; FILGUEIRAS, 2000; GOMES, 2000; SILBERSCHNEIDER, 1998; SOMARRIBA,
1997; SOUZA, 2000; TONOLIER, 2000;) como uma iniciativa ou "boa prática" de
governo, uma vez que atua de forma a ampliar a governança, tornando os governos mais
19
sensíveis à necessidade de reformulação de sua relação com a sociedade. A base para essa
mudança no padrão de relacionamento encontra-se na criação de um fluxo de comunicação
entre governantes e cidadãos.
Ao promover a discussão popular sobre o conteúdo do orçamento público, o
Orçamento Participativo inaugura acessos ou caminhos para que informações fluam tanto
para o lado do governo quanto para o lado dos cidadãos. O Orçamento Participativo
possibilita que o governo capte, com maior facilidade e precisão, as demandas sociais. Tais
informações são imprescindíveis para a fundamentação de decisões ligadas à alocação dos
recursos públicos. É possível dizer que o orçamento participativo atua, de certa forma,
como um permanente diagnóstico de necessidades e carências, através do diálogo
recorrente e estruturado que tal política proporciona. Por outro lado, os participantes das
assembléias do orçamento participativo adquirem considerável noção sobre a dinâmica e os
processos burocráticos que caracterizam a administração pública e, consequentemente, os
limites objetivos às suas demandas. Essa consciência, que passa a ser gerada com a
implementação de tal política, não só possibilita ao cidadão entender melhor o governo,
mas também, torna o diálogo e a negociação mais fluida entre Estado e sociedade na busca
do objetivo de compatibilizar as necessidades da população e as possibilidades da
administração pública.
Esse fluxo de informação gerado através do Orçamento Participativo acarreta, por
conseqüência, a construção de um instrumento eficaz de controle público, além de criar
expectativas de incremento de capital social.
Com relação ao controle público, é possível dizer que o fluxo de informação que o
orçamento participativo inaugura proporciona aos cidadãos bases e referências para a
contestação do Poder Público. A dinâmica do Orçamento Participativo torna mais
transparente o processo de gestão pública e, assim, rompe com "a falta de publicidade na
elaboração das propostas administrativas, o particularismo das escolhas ligadas a interesses
clientelares e a incapacidade de legitimação de um estado cujas opções políticas são
baseadas nos dois primeiros aspectos" (AZEVEDO & AVRITZER, 1994b).
20
Através da discussão pública do orçamento, o histórico comportamento da
administração pública de tratar a destinação dos recursos públicos de forma hermética,
centralizadora, tecnocrática e marcadamente sem transparência, cede à possibilidade de
participação direta da sociedade civil na formatação de ações governamentais. Torna-se
patente que a introdução da discussão pública do orçamento apresenta-se como variável
política capaz de alterar a qualidade da negociação de benefícios sociais entre governantes
e governados, na medida em que a geração de um novo espaço público
não-estatal
possibilita a potencialização da governança através da agregação de novos agentes políticos
na negociação da ação governamental, provocando o incremento das exigências de
accountability (SILBERSCHNEIDER, 1998).
Apesar das diversas dificuldades metodológicas que impõem obstáculos à
verificação empírica, acredita-se que o Orçamento Participativo tem potencial de atuação
como indutor de capital social (de acordo com os indicadores apresentados por Robert
Putnam)2. Na medida em que o Orçamento Participativo incentiva um envolvimento maior
dos indivíduos com questões coletivas e, por conseqüência, com o Poder Público, verificase uma tendência por maior organização dos indivíduos enquanto sociedade civil, além da
formação e capacitação de lideranças. De acordo com AZEVEDO & AVRITZER (1994b),
"a dinâmica do OP possui uma potencialidade educativa enorme referente aos ganhos em
várias dimensões da cidadania". ABERS (2000) ainda complementa, a partir de uma
pesquisa realizada em Porto Alegre, que os participantes do orçamento participativo
desenvolveram uma série de habilidades democráticas, principalmente no que diz respeito à
aquisição de hábitos indispensáveis ao processo de tomada de decisão coletiva.
Portanto, o Orçamento Participativo se apresenta como um instrumento com
grande potencial para promover o alargamento da esfera pública3 (SOMARRIBA &
DULCI, 1997), através da incorporação de novos atores e da ampliação das bases e
conteúdos para a discussão pública. Nesse sentido, políticas, tais como o Orçamento
2
Em seu livro "Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna". Ed. FGV, 1996.
No sentido apresentado por Jürgen Habermas. Vide: FARIA, Claúdia F. "Democracia deliberativa:
Habermas, Cohen e Bohman". Revista Lua Nova, n. 50, 2000. e HABERMAS, Jürgen. "Três modelos
normativos de democracia". Cadernos do Legislativo, n. 3, 1995.
3
21
Participativo, apresentam novas possibilidades para remodelar as relações entre Estado e
sociedade, a partir da efetivação de princípios básicos do modelo democrático.
22
4 - O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DE BELO HORIZONTE: HISTÓRICO,
PRINCÍPIOS E METODOLOGIA
O Orçamento Participativo de Belo Horizonte será apresentado neste tópico a
partir de uma organização cronológica das informações. Serão apresentados os orçamentos
participativos de cada ano, desde 1994 até 2001-2002, com suas características básicas,
bem como as específicas. As informações apresentadas a seguir baseiam-se em dados
fornecidos pela Secretaria Municipal de Planejamento de Belo Horizonte (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000a; 2000b; 2000c).
4.1 - Orçamento Participativo de 1994
A implementação do orçamento participativo em Belo Horizonte teve início em
1993, quando foi realizado um trabalho de preparação interna que visava envolver o
conjunto do governo para que, já a partir desse mesmo ano, começasse a discussão com a
população sobre o orçamento de 1994. Essa preparação abrangeu órgãos da administração
direta e indireta que indicaram um Coordenador de Participação Popular (CPP). Os
coordenadores, junto com os administradores das nove administrações regionais da capital
e a coordenação geral do OP– formada por representantes das Secretarias Municipais de
Planejamento e Governo – constituíram um fórum que discutiu e preparou todo o processo
do orçamento participativo de Belo Horizonte.
A partir das discussões nesse fórum ficou decidido que a participação popular teria
caráter deliberativo, com a população definindo de fato os Planos Regionais de Obras,
expressando as prioridades orçamentárias de cada administração regional. Também foi
definido que do montante de recursos ordinários do tesouro (ROT) disponível para
investimentos, 50% seria destinado ao orçamento participativo, correspondente a 5% da
receita, enquanto que os outros 50% da capacidade de investimento da prefeitura estaria
reservada para investimentos gerais na cidade. Do recurso destinado ao orçamento
participativo, 50% seria dividido igualmente entre as nove regiões administrativas do
23
município e os outros 50% seriam distribuídos conforme índice que levava em
consideração a população de cada região e sua renda média, cabendo mais recursos às
regiões de maior população e menor renda.
Assim, o orçamento participativo para o ano de 1994 organizou-se a partir da
divisão das regiões administrativas em sub-regiões, de acordo com a população e de forma
que não houvesse grandes barreiras físicas internas a elas. Cada região foi dividida de três a
seis sub-regiões, totalizando 37 sub-regiões no conjunto da cidade.
O processo era composto por 6 etapas: 3 rodadas de assembléias participativas nas
sub-regiões, a “Caravana de Prioridades”, os “Fóruns Regionais de Prioridades
Orçamentárias” e, por fim, o “Encontro Municipal de Prioridades Orçamentárias”.
Na primeira rodada, foi feito um trabalho informativo, visando conscientizar os
participantes sobre o orçamento municipal, a situação econômico-financeira da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte (PBH), os projetos concluídos e em andamento da prefeitura,
além de toda uma explicação sobre os processos e a forma de realização do orçamento
participativo. Na segunda rodada, foram realizados debates em cada região sobre suas
respectivas realidades sociais, com diagnóstico dos equipamentos públicos existentes; foi
informado o montante de recursos disponíveis para investimento na região; foi realizada
uma discussão preliminar das prioridades; e foram distribuídos formulários para
levantamento dessas prioridades, solicitando a descrição da obra, sua localização, nível de
prioridade e população beneficiada. Na terceira rodada, por sua vez, houve o recebimento
dos formulários preenchidos e a eleição de três áreas de interesse social. Em cada uma
dessas áreas sociais foram definidos três investimentos por sub-região. Algumas regiões
optaram pela escolha de nove investimentos prioritários, independentemente da discussão
por área. Uma vez escolhidos, os investimentos foram encaminhados aos órgãos executores
– a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (SUDECAP) e a Companhia
Urbanizadora de Belo Horizonte (URBEL) – para que fosse feita a estimativa de custo
referente a cada projeto. Nesta rodada, ocorreu ainda a eleição dos representantes de cada
sub-região e a indicação dos representantes das Associações de Moradores e de outras
entidades organizadas para participação no Fórum regional de Prioridades Orçamentárias.
24
A quarta etapa do processo foi a “Caravana de Prioridades”. Neste momento, os
delegados eleitos na etapa anterior (representantes) visitaram todas as obras priorizadas nas
terceiras rodadas, proporcionando um conhecimento “in loco” das demandas e uma visão
ampla das necessidades e carências da região.
Em seqüência foram realizados os Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias,
correspondentes à quinta etapa do processo, onde os 1.128 delegados eleitos discutiram as
prioridades de investimento nas sub-regiões e aprovaram o Plano de Obras Regional. Nesta
etapa, também foram eleitos os membros das Comissões Regionais de Acompanhamento e
Fiscalização da Execução do Orçamento Participativo (COMFORÇAS).
Por fim, o I Encontro Municipal de Prioridades Orçamentárias, a sexta etapa do
processo, composto por representantes eleitos em cada Fórum Regional (3 representantes
por fórum), representa o momento em que o prefeito entrega aos representantes das
COMFORÇAS os Planos de Obras Regionais, comprometendo-se com sua realização.
Após o encontro municipal, os investimentos aprovados foram integrados ao orçamento
global da PBH e à proposta orçamentária encaminhada à Câmara Municipal.
O Orçamento Participativo de 1994 (OP 94) envolveu mais de 15 mil participantes
na discussão e definição de 171 investimentos, assim distribuídos: 70% saneamento, infraestrutura e urbanização de vilas e conjuntos habitacionais; 11% para educação; 10% para
saúde; 4% para habitação e 5% para outros empreendimentos.
4.2 - Orçamento Participativo de 1995
Em 1994, durante a elaboração do orçamento participativo para o ano de 1995,
constituíam-se metas principais: a realização de prioridades aprovadas em 1993 (orçamento
de 1994); ampliação as discussões do orçamento participativo, incluindo as despesas de
custeio e de pessoal em fóruns específicos, atendendo às expectativas apontadas pelos
delegados nos Fóruns Regionais, por membros da Administração Municipal e dos partidos
que compunham o governo; e a viabilização do aumento de recursos para o OP. Além
25
disso, também apresentava-se como medida necessária o aprofundamento da relação com a
Câmara Municipal e o aperfeiçoamento da comunicação com a sociedade.
Para agilizar a execução das obras foi criada a Coordenação do Plano de Obras do
Orçamento Participativo, envolvendo os órgão executores (SUDECAP, URBEL e
Administrações Regionais) e a Coordenação do OP (Secretaria de Planejamento e de
Governo).
Com o intuito de buscar ampliar a discussão do orçamento participativo em 1995
foi realizado o OP Setorial, envolvendo cinco áreas (saúde, educação, meio ambiente,
desenvolvimento social e Administração de RH). A elaboração dos orçamentos setoriais
tradicionalmente envolve apenas a diretoria de Administração e Finanças e o titular da
pasta, mas dessa vez, o funcionalismo foi convidado a participar com o objetivo de
democratizar as decisões, possibilitando a elaboração de um relatório contendo dois ou três
projetos e/ou atividades prioritárias, com diretrizes e metas para o ano de 1995. Os
relatórios com as indicações de atividades e projetos prioritários de cada órgão foram
discutidos em seus respectivos Fóruns Setoriais, abertos a todas entidades representativas e
cidadãos interessados. A população presente pôde aprovar recomendações, propondo
alterações nos projetos / atividades ou a redistribuição de recursos. Nestes Fóruns, também,
era realizada a eleição de representantes que iriam participar do II Encontro Municipal de
Prioridades Orçamentárias.
O levantamento e a priorização de investimentos para 1995 repetiram, em sua
estrutura, o processo do ano anterior, embora com alguns ajustes. O primeiro deles foi a
inclusão na estimativa de custo dos investimentos de material permanente e de despesas
referentes a pessoal e custeio para um ano, no caso de equipamentos sociais. Para tal, as
Secretarias "fim", como saúde, educação, dentre outras, foram convidadas a dar parecer
sobre a necessidade das obras e os custos dos equipamentos. Além disso, foi elaborado um
novo formulário para demandas, com melhores orientações para o preenchimento,
possibilitando ainda um melhor dimensionamento dos custos.
Um outro ajuste foi a inclusão, na pauta da Primeira Rodada de Assembléias
Populares, da prestação de contas referente à execução das obras do OP 94, com a
26
distribuição de uma publicação informando sobre a realização de cada obra. Além disso, na
Segunda Rodada foram apresentadas as diretrizes gerais do Plano Diretor de Belo
Horizonte, que estava em elaboração, e a relação dos problemas locais da sub-região e da
região com os problemas estruturais da cidade, promovendo um debate com presentes nas
Segundas Rodadas e com membros das COMFORÇA.
No OP 95, entre a Segunda e a Terceira Rodada foram introduzidas em algumas
regionais, as reuniões por agrupamentos de bairros, onde eram levantadas as demandas por
investimento. O agrupamento de bairros é uma divisão territorial menor do que a sub-região
e, por isso, possibilitou maior envolvimento por parte dos moradores. Cada sub-região pôde
compor no máximo nove agrupamentos de bairros, e cada agrupamento pôde indicar um
investimento, perfazendo um total de nove demandas por sub-região na terceira rodada.
Nesta rodada, foram apresentados os resultados dos Fóruns Setoriais, escolhidas as obras e
eleitos os delegados para participarem dos Fóruns Regionais.
Após os Fóruns Regionais, ocorreu o II Encontro Municipal de Prioridades
Orçamentárias, com a participação dos membros das COMFORÇA e dos delegados dos
Fóruns Setoriais, que apresentaram os Planos de Obras e as suas deliberações ao prefeito e
a outros representantes da Administração Municipal e da Câmara Municipal.
A participação popular no OP 95 alcançou mais de 28 mil presenças. Os 1.243
delegados elegeram 166 investimentos, sendo: 71% para saneamento, infra-estrutura e
urbanização de vilas e conjuntos; 5% para educação; 10% para saúde; 7% para habitação e
7% referente a outros investimentos.
4.3 - Orçamento Participativo de 1996
Com vistas a consolidar uma nova forma de governar, a PBH inicia o OP 96
fixando duas metas principais: realizar as prioridades aprovadas em 1993 e 1994, causando
uma verdadeira revolução no cotidiano da administração pública para garantir o
redirecionamento do governo municipal ao atendimento das necessidades sociais básicas,
27
através de procedimentos democráticos; e aperfeiçoar o procedimento do orçamento
participativo em Belo Horizonte, tanto na definição dos investimentos, incluindo o aumento
de recursos, quanto na relação com a sociedade.
Houve um expressivo aumento de recursos para o OP 96 e um maior envolvimento
de todo o governo. Além do Fórum de discussão do OP formado pelos Coordenadores de
Participação Popular de todos os órgãos, os Administradores Regionais e os representantes
das Secretarias de Planejamento e Governo, foram realizadas reuniões do secretariado com
o prefeito para debater o processo.
A Primeira Rodada foi realizada de forma unificada e não mais por sub-regiões,
com a presença do prefeito, de membros de seu secretariado e de representantes da Câmara
Municipal. Desta vez, a prestação de contas sobre as obras definidas nos OP 94 e 95 foi
feita através do jornal Horizonte Aberto Especial.
Nesta edição do OP houve um grande esforço, através de uma companha de
comunicação e mobilização social (em rádio, TV, jornal, folders, cartazes, adesivos,
camisetas, cartilhas e exposições), esclarecendo ao público o funcionamento do orçamento
participativo, buscando sensibilizar e demonstrar que o OP é um instrumento democrático e
justo para administrar a cidade de forma mais eficiente.
Era preciso aperfeiçoar o processo de definição de investimentos regionais através
da consolidação, junto às COMFORÇA e à população, do princípio de que as obras
escolhidas deveriam beneficiar o maior número possível de pessoas da região. Já no
primeiro ano do processo colocava-se este critério, mas, compreensivelmente, a população
não foi capaz de quantificar essa variável, sendo ela então descartada pela Administração
no OP 95. Mas esse critério precisava ser retomado para ser coerente com o processo de
escolha de prioridades.
Foi então elaborada, em conjunto com as COMFORÇA, uma pauta de
investimentos para o desenvolvimento regional, de até cinco obras, a partir das demandas já
levantadas no OP 94 e OP 95. Esta pauta foi apresentada na Segunda Rodada de
28
Assembléias Populares, quando novas demandas foram levantadas. Esta rodada foi
realizada nesse ano através de agrupamentos de bairros em algumas regionais.
Até 25 intervenções por região foram eleitas nas Terceiras Rodadas, subdivididas
de acordo com as sub-regiões. Nos Fóruns Regionais foram escolhidas até 10 demandas
para os Planos Regionais de Obras. Com o aumento dos recursos e a limitação do número
de obras, as intervenções tenderam a ser de médio porte e com incidência regionalizada.
Em função do grave problema habitacional em Belo Horizonte, percebia-se que o
OP Regional vinha sendo tomado por um conjunto específico de demandas ligadas à
habitação. Assim, a partir do OP, foi criado o Orçamento Participativo da Habitação, sob
coordenação da URBEL. Foram destinados 6 milhões de reais para os núcleos de sem-casa,
estabelecidos critérios para definição das famílias beneficiadas, bem como a decisão sobre
novos assentamentos.
4.4 - Orçamento Participativo de 1997
O OP 97, elaborado no ano anterior, partiu da avaliação de que era mais
importante consolidar as conquistas do que propor mudanças no processo, repetindo,
portanto, no que diz respeito à estrutura e a distribuição de verbas entre as regionais, o OP
96.
A consolidação dessas conquistas se deu por meio do aperfeiçoamento do
gerenciamento da execução das obras aprovadas através da formação do Grupo Gerencial
do Orçamento Participativo. O grupo constitui-se de uma Coordenação Geral - composta
pelos titulares da SUDECAP, URBEL, Secretaria de Planejamento e Secretaria de
Governo, e de um Fórum de Discussão - composto pelos Administradores Regionais,
Coordenadores de Participação Popular das Administrações Regionais e representantes da
Coordenação do OP.
Enquanto se consolidavam as conquistas do OP, a Administração Municipal
buscava ampliar o debate de forma a abranger toda cidade, reivindicação dos participantes
29
do OP desde o início. Em 1996, esse debate aconteceu no Fórum da Cidade que, organizado
pela PBH, teve como objetivo integrar o espaço já conquistado pelo OP ao de outras
iniciativas da PBH, como a discussão com a sociedade sobre o Plano Diretor, o centenário
da cidade e o aprofundamento da participação popular no planejamento estratégico de Belo
Horizonte.
No primeiro encontro, o Fórum reuniu 640 pessoas que debateram os principais
desafios estratégicos de Belo Horizonte na áreas de desenvolvimento econômico;
desenvolvimento sócio-cultural; desenvolvimento urbano; e financiamento da cidade. Ficou
sugerido que o Fórum se estruturasse como um espaço permanente de debates sobre a
cidade e que fosse criada uma Secretaria Executiva - composta por representantes da
sociedade e da prefeitura - para dar continuidade ao Fórum. Em 1996, a Secretaria
Executiva foi instituída, aprovando a realização de mais três encontros.
O OP 97 envolveu cerca de 40 mil cidadãos no processo de definição de 100
investimentos, sendo 76% para saneamento, infra-estrutura e urbanização de vilas e
conjuntos, 11% para educação, 3% para saúde e 10% para outros empreendimentos.
4.5 - Orçamento Participativo de 1998
A nova administração (1997-2000) deu continuidade ao processo de participação
popular através do OP. No ano de 1997, foi instituída a Comissão Municipal do Orçamento
Participativo (CMOP) que teve importância fundamental durante todo processo de
elaboração do OP 98. Essa comissão - formada por 3 representantes de cada COMFORÇA,
totalizando 30 representantes populares e 25 do governo municipal – possuía a atribuição
de propor, analisar e aprovar o Plano de Obras para a cidade; convocar e organizar,
juntamente com a PBH, os Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias; apreciar a LDO
(Lei de Diretrizes Orçamentárias) e o PPA (Plano Plurianual). Seu objetivo primordial era
superar a dinâmica fragmentada e regionalizada, gerando uma dimensão municipalizada do
OP.
30
Nesse ano de 1997, a equipe de organização do OP, lotada na Secretaria de
Planejamento, foi ampliada, visando promover um acompanhamento mais próximo das
Admnistrações Regionais de Belo Horizonte. Assim, o OP 98 constituiu um salto de
qualidade , garantindo sua continuidade e consolidação como forma superior de gestão dos
recursos municipais e dos investimentos para a cidade.
A dinâmica de realização das plenárias do OP Regional permaneceu a mesma do
OP 97: Abertura Municipal, três Rodadas Regionais, Caravanas de Prioridades, Fóruns
Regionais e Encontro Municipal. Contudo, houve um esforço no sentido de se realizar
estimativas mais realistas de custo das obras, reduzindo a margem de erro historicamente
responsável pela extrapolação dos valores aprovados, principalmente, através do
alargamento do período entre a escolha das demandas e a caravana.
Todo o processo contou com cerca de 18 mil pessoas participando diretamente nas
assembléias populares, apesar desse total ter representado um queda em relação à
participação no OP 97. O processo do OP 98 elegeu 1.050 delegados aos Fóruns Regionais
de Prioridades Orçamentárias, além disso, mais de 700 entidades participaram do processo
regionalizado.
O OP Habitação (OPH), que também continuou nos moldes da gestão anterior,
mobilizou 2.811 moradores sem-casa e elegeu 202 delegados, os quais aprovaram os
critérios para distribuição de 750 lotes urbanizados entre as famílias cadastradas em 83
núcleos habitacionais.
Em uma decisão inédita, através da CMOP, ficou estabelecido que parte dos
recursos seria destinada ao pagamento dos empreendimentos atrasados do OP Regional,
que extrapolaram sua estimativa de custo.
O OP 98 encerrou-se com a seguinte distribuição dos recursos e empreendimentos:
30% para infra-estrutura; 25% para o OPH; 18% para urbanização de vilas e favelas; 12%
para saúde; 5% para desenvolvimento social; 4% para educação; 4% para esporte e lazer e
2% para cultura.
31
4.6 - Orçamento Participativo de 1999-2000
O OP 99-2000 foi marcado pela busca de uma qualificação do processo, sendo
introduzidas alterações importantes como a bianualidade, a adoção de critérios de
planejamento na seleção das obras, e a introdução e definição da discussão das políticas
setoriais no OP Cidade.
A introdução da bianualidade fez com que a definição de prioridades passasse a
acontecer de dois em dois anos, com recursos proporcionalmente equivalentes. Essa
alteração foi necessária para que fosse possível introduzir a discussão das políticas sociais e
urbanas no nível da cidade, ou seja, o Orçamento Participativo Cidade. A bianualidade foi
responsável pela melhoria da capacidade de resposta e planejamento da administração
pública na realização dos empreendimentos.
Um outro ajuste importante foi a adoção dos critérios de planejamento na escolha
das obras. Essa alteração visou propiciar uma melhor qualidade no processo de definição
das prioridades e ações a serem empreendidas. Tais critérios são: a) abrangência social indicador do número de pessoas e da extensão do benefício a ser gerado pela reivindicação;
b) relevância social - indicador do número de vezes que uma determinada obra ou ação foi
apresentada em Fóruns de OP anteriores sem ter sido aprovada.
Além disso, foram introduzidos parâmetros que buscavam constituir pré-requisitos
de planejamento urbano para a avaliação e qualificação das demandas. Isto é, obtinham
uma melhor qualificação e, portanto, melhor posicionamento na hierarquia de prioridades,
as demandas que possuíssem articulação com os instrumentos de planejamento urbano e
setoriais vigentes, como, o Plano Global Específico (PGE) para vilas e favelas, Lei de Uso
e Ocupação do Solo, e as diretrizes das áreas de saúde e educação, dentre outros.
Nesse ano houve um intenso envolvimento do corpo técnico da prefeitura e de
representantes da comunidade no processo, visando fazer uma pré triagem das demandas
selecionadas após a primeira rodada de assembléias populares para eliminar problemas
técnicos e legais que poderiam inviabilizá-las, proporcionando a substituição em tempo
hábil (antes da votação popular nas assembléias). Além disso, as vistorias continuaram
32
criteriosas, possibilitando a avaliação da complexidade das demandas e uma aproximação
realista de estimativas de custo com orçamento de projetos, visando reduzir erros na
avaliação dos valores.
A dinâmica do OP Regional se manteve a mesma dos anos anteriores, sendo
escolhidas nas plenárias sub-regionais cerca de 25 demandas e eleitos os delegados aos
Fóruns Regionais. A partir desse ano, os representantes de associações de moradores foram
considerados delegados natos. A participação popular no OP 99-2000 foi muito
significativa. No momento de definição das demandas para vistorias, estiveram presentes
16.325 pessoas, e 1.651 delegados participaram dos Fóruns Regionais. Em relação ao
conjunto das demandas aprovadas, o destaque continuou para a área de infra-estrutura
(47%); em seguida, urbanização de vilas e favelas (28%); saúde e educação (10%); esporte
(3%) e meio ambiente (1%).
Os 719 empreendimentos aprovados até 1998 foram objeto da criação de uma base
de dados georreferenciada. No ano de 1999 foi elaborada uma planilha constando os dados
gerais de cada empreendimento (numeração de controle, bairro, Administração Regional,
ano de aprovação, descrição da demanda e fase de execução, valor de empreendimento,
órgão executor, dentre outros dados). Esse trabalho teve como objetivo atender as
demandas por informação dos diversos órgãos da prefeitura, possibilitando a produção de
mapas temáticos, somatório de investimentos por região, unidades de planejamento,
bairros, vilas, etc. Além disso, o cruzamento dessas informações com outros bancos de
dados tornou possível investigar o alcance das intervenções, como: melhoria da coleta de
lixo; ampliação do transporte a locais de pouca acessibilidade; ampliação de matrículas nas
escolas; atendimento à saúde; avaliação de endemias; avanço da cultura, esporte e lazer;
enfim, a eficácia do serviço prestado e a qualidade de vida proporcionada pelo Orçamento
Participativo.
O OP Cidade
Em 1998, inicia-se o processo de implementação do Orçamento Participativo
Cidade. O OP Cidade tinha como objetivo a democratização das decisões sobre os
investimentos estruturantes da cidade e os gastos com políticas sociais. Nesse processo são
33
hierarquizadas as ações sociais da prefeitura nas áreas de educação, saúde,
desenvolvimento social e cultural, esporte, turismo e eventos, assuntos da comunidade
negra, abastecimento, desenvolvimento econômico, bem como as ações de planejamento e
intervenções urbanas. Através do Orçamento Participativo Cidade, foi possível a discussão
partilhada entre governo, servidores e sociedade sobre os problemas e as soluções para a
cidade, buscando não só a melhoria das ações de cada setor, mas também uma maior
integração intersetorial.
A metodologia gerencial para condução do Orçamento Participativo Cidade foi
baseada no conceito de Planejamento Estratégico e de Gerenciamento pelas Diretrizes
(GPD). O planejamento estratégico define a visão de longo prazo e as estratégias de médio
e curto prazo para uma instituição ou setor, e o gerenciamento pelas diretrizes busca
transformar essas estratégias em realidade. Partindo desse esquema, o processo do OP
Cidade pode ser distinguido em quatro etapas: a) compromisso; b) diagnóstico; c) análise
estratégica; d) definição de prioridades.
A primeira etapa, a do compromisso, iniciou-se no ano de 1998, na realização da
Pré-Conferência do OP Cidade, reunindo os delegados eleitos para as COMFORÇA de
1999-2000, além dos delegados escolhidos nas conferências setoriais de cultura,
desenvolvimento social, educação, esportes, habitação e saúde, e dos representantes do
governo municipal das mesmas áreas, para apontarem os principais problemas de cada setor
e as recomendações para tal solução. Além disso, a Pré-Conferência definiu a instalação da
Comissão da Cidade, que seria composta paritariamente por 108 membros, entre população
e governo, com o objetivo de aprovar a execução orçamentária no período, monitorar e
fiscalizar, em última instância, as obras do OP Regional e Habitação, e preparar a 1ª
Conferência da Cidade (Conferência Municipal de Prioridades Orçamentárias).
Na etapa do diagnóstico foram discutidos a missão, visão e os princípios de cada
setor. Realizou-se ainda uma pesquisa quantitativa amostral, que permitiu identificar
problemas apontados pela população em cada uma das áreas sociais enfocadas. Além disso,
foram analisados os problemas levantados na Pré-Conferência. A partir de todas essas
informações, foram definidos os objetivos estratégicos de cada órgão.
34
Durante a etapa de análise estratégica foram elaborados os Planos Estratégicos
Setoriais. Além desses planos, foram também definidas linhas estratégicas intersetoriais, ou
seja, ações intersetoriais com objetivos comuns, desenvolvidas pelos órgãos da PBH. Esta
etapa ocorreu em todas as frentes sociais da prefeitura, incorporando setores que não
participaram das fases anteriores (abastecimento, comunidade negra, turismo, e indústria e
comércio).
Com a realização da última etapa - a definição de prioridades -, os Planos
Estratégicos Setoriais foram adequados ao formato orçamentário. Em seguida, foram
avaliados segundo critérios técnicos como: importância estratégica, benefício social e
viabilidade de recursos financeiros, sendo então pontuados, estabelecendo-se uma ordem de
prioridade a partir do ponto de vista do setor público. No início do segundo semestre de
1999 ocorreram as Plenárias Setoriais, que envolveram diretamente mais de seis mil
pessoas, com o objetivo de apreciar, debater, aprovar e hierarquizar os Planos Estratégicos
Setoriais, definindo as prioridades a serem remetidas à 1ª Conferência da Cidade.
A 1ª Conferência da Cidade ocorreu em setembro de 1999, quando cerca de 700
delegados dos diversos setores tiveram a oportunidade de debater o conjunto dos Planos
Setoriais e hierarquizar os diferentes programas sociais da prefeitura, assim como as ações
de planejamento e intervenções urbanas.
4.7 - Orçamento Participativo 2001-2002
O orçamento e os respectivos planos de obras regionais e de habitação para o
biênio 2001-2002 foram aprovados por cerca de 2.400 delegados reunidos em fóruns
distintos. O OP 2001-2002 compôs-se de um programa de 133 obras de várias naturezas e
de 830 moradias para famílias sem-casa. Para tanto, foram disponibilizados R$ 87,5
milhões, 18% superior à quota do OP 99-2000.
Para a realização de empreendimentos regionais foram disponibilizados R$ 71,5
milhões, os quais, a partir do OP 2001-2002 elaborado no ano 2000, foram distribuídos
entre as Regiões Administrativas segundo novos critérios. Até então, os recursos eram
35
distribuídos entre as ”regionais” levando em consideração sua população e renda média. A
partir de 2000, dois poderosos fatores de eqüidade na distribuição do recurso entraram em
cena: de um lado, uma nova regionalização da cidade, divididas agora em 81 áreas
homogêneas, chamadas de Unidades de Planejamento (UP), sendo que os grandes
aglomerados de vilas e favelas constituem UPs independentes; de outro, um índice capaz de
calcular diretamente a carência de serviços e equipamentos urbanos (oferta e acessibilidade
dos serviços por parte da população) em cada uma dessas áreas, chamado de Índice de
Qualidade de Vida Urbana (IQVU)4. A partir desses novos critérios, quanto mais populosa
e mais carente – em termos de serviços e equipamentos - for uma determinada UP, mais
recursos lhe serão concedidos.
A seleção dos empreendimentos se fez parcialmente nas UPs. Como transição para
uma deliberação futura diretamente nas UP, foram tomadas como espaço de deliberação as
sub-regiões (46 no total), compostas em sua maioria por 2 UPs. Do total de sub-regiões, 26
já são a própria UP.
Do total das UPs, foram destacadas as 20 de maior qualidade de vida urbana – a
partir do IQVU – reservando-lhes R$ 6,5 milhões dos R$ 71,5 milhões disponibilizados.
Normalmente como uma participação pequena nas assembléias do OP, dessa vez os
moradores dessas regiões acorreram em grande número, conseguindo, assim como o
restante da cidade, cumprir a nova regra do comparecimento mínimo – pelo menos 0,5% da
população dessas sub-regiões deve mostrar presença para poderem dispor plenamente do
recurso.
O OP 2001-2002 contou com a participação de mais de 31.200 moradores,
representando 208 bairros e vilas, que pré-selecionaram nas assembléias sub-regionais as
demandas a serem vistoriadas e pré-orçadas pela prefeitura.
Para o OP Habitação 2001-2002 foram disponibilizados R$ 16 milhões que, de
acordo com deliberação do Conselho Municipal de Habitação, foram utilizados da seguinte
forma: R$ 12,4 milhões para a construção de novas unidades Habitacionais; R$ 1,4 milhões
para a construção de 113 unidades habitacionais para famílias que dispunham de lotes
4
Para maiores detalhes sobre o IQVU ver NAHAS (2000).
36
conquistados no OP 98; e, por fim, R$ 2,2 milhões para o programa de apoio técnico às
Cooperativas e/ou Associações Habitacionais (estudos e projetos executivos para
aproximadamente 2.500 famílias).
37
Diagrama 4.1
ESTRUTURA DO PROCESSO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO PARA 2001 / 2002
ABERTURA MUNICIPAL
OP REGIONAL
1ª Rodada
Regional de
Assembléias
Populares
•
•
OP HABITAÇÃO
Deliberações do Conselho Municipal
de Habitação
Definição dos investimentos por
programas habitacionais
Diretrizes da prefeitura
Distribuição de
formulários
Discussões das prioridades
com a comunidades
Reunião de
Bairros
2ª Rodada de
Assembléias
Populares
por SubRegião
•
•
•
Cadastramento dos núcleos
Reunião Regional Preparatória
Informações das diretrizes
definidas pelo CMH
• Relatório da execução dos anos
anteriores
Pré-seleção das
reivindicações
Escolha dos delegados
Presença mínima
•
Fórum Municipal de Habitação
Deliberação dos critérios de
priorização de núcleos
• Definição de núcleos a serem
contemplados e número de
famílias a serem atendidas por
núcleos
• Eleição da COMFORÇA de
habitação
•
Caravana de
Prioridades
•
Fóruns
Regionais de
Prioridades
Orçamentárias
Visita obrigatória às
obras pré-seleciondas na
regional
•
•
Aprovação dos
empreendimentos
Eleição da
COMFORÇA
VIº ENCONTRO MUNICIPAL DE PRIORIDADES ORÇAMENTÁRIAS
Fonte: PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000.
38
5 - NOVO INSTITUCIONALISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: CONSTRUINDO
UM MODELO DE ANÁLISE
5.1 - O Novo Institucionalismo
5.1.1 - Antecedentes e contextualização
É possível dizer, segundo GOODIN (1997), que cada uma das diversas disciplinas
que constituem as ciências sociais contêm indícios de uma tradição que pode ser chamada
de "velho"5 institucionalismo. Recentemente, para cada uma dessas diversas disciplinas,
essa tradição tem ressurgido, embora com algumas reformulações. De uma forma geral, o
institucionalismo tradicional via as instituições sociais como soluções para os problemas
que cada uma de suas sub-correntes definia como centrais. Assim, o "velho"
institucionalismo constituía-se principalmente de estudos detalhados de configurações
estruturais administrativas, legais e políticas, em sua maioria, profundamente normativos
embora pouco comuns sob o formato de análise comparativa (THELEN & STEINMO,
1992). E, tal como afirmam MARCH & OLSEN (1983), tanto cientistas políticos como
Burgess and Willoughby, economistas como Veblen e Commons quanto sociólogos como
Weber (ditos compartilhadores das idéias institucionalistas tradicionais), partiam do
princípio de que as instituições sociais formalmente organizadas representavam
simplesmente arenas dentro das quais ocorreria o comportamento político6.
Da mesma forma, o novo institucionalismo pode ser visto como um paradigma
multi-disciplinar que, de acordo com LANE (1993), surge como uma reação às várias
perspectivas reducionistas. Neste quadro, cada uma de suas perspectivas busca contribuir
para a construção de uma visão mais elaborada acerca das formas através das quais as
instituições moldam a vida social (GOODIN, 1997).
5
O termo "velho" somente é empregado com o intuito de demonstrar sua distinção em relação ao novo
institucionalismo, não devendo lhe ser atribuído nenhum outro sentido.
6
Para maiores detalhes sobre o “velho” institucionalismo e para uma melhor diferenciação em relação ao
novo institucionalismo, ver POWELL & DIMAGGIO (1991). Pag. 12-15.
39
O ressurgimento de uma preocupação maior em relação às instituições pode ser
considerado, tal como afirmam MARCH & OLSEN (1983), uma conseqüência cumulativa
da transformação moderna das instituições sociais e do comentário persistente de seus
observadores. Instituições políticas, econômicas e sociais ganharam um papel mais
proeminente, tornando-se consideravelmente mais complexas, representando uma
importante face da vida coletiva. A maioria dos principais atores nos sistemas econômico e
político modernos são organizações formais e, sendo assim, as instituições legais e a
burocracia ocupam um papel dominante na vida contemporânea.
O Novo Institucionalismo pode ser apresentado e discutido como uma perspectiva
epistemológica de enorme importância para a compreensão das ciências sociais, mas
também pode ser entendido em termos de uma seleção restrita de desafios ao pensamento
teórico na ciência política, um pequeno conjunto de idéias relativamente técnicas de
interesse primordial para os pesquisadores da vida política7 (MARCH & OLSEN, 1983).
Sendo assim, de forma simplificada podemos considerar o Novo Institucionalismo
como um argumento que põe em destaque a defesa de que a organização da vida política no sentido empregado por MARCH & OLSEN (1983) - possui uma enorme importância.
A organização da vida política pode ser entendida como a introdução de
mecanismos que proporcionam a estabilidade das decisões sociais, isto é, os mecanismos
que reduzem a incerteza do ambiente social e possibilitam aos diversos atores a construção
de expectativas de comportamento por parte dos demais. Os neo-institucionalistas buscam
mostrar que a organização da vida política e do ambiente social ocorre através das
instituições.
Dessa forma, é possível garantir que o novo institucionalismo traz como marca
principal a ênfase sobre o papel das instituições, principalmente, no que diz respeito a sua
relação com o comportamento social, tanto de grupos (e organizações) quanto de
7
Para MARCH & OLSEN (1983), o termo vida política é entendido em seu sentido amplo, uma vez que
defendem a idéia de que a política cria e confirma interpretações da vida. Através da política indivíduos
desenvolvem a si, a sua comunidade e geram os bens públicos necessários.
40
indivíduos. Sendo assim, seguimos para o próximo tópico onde buscaremos delinear os
contornos de um conceito pouco nítido, o de instituições.
5.1.2 - Instituições
O conceito de instituição é definido em termos mais específicos por cada uma das
sub-correntes que compõem o novo institucionalismo, mas, grosso modo, encontra-se
consenso na definição de instituições enquanto as “regras do jogo” numa sociedade
(NORTH, 1990; JEPPERSON, 1991). Tal como afirma NORTH (1990), as instituições são
os constrangimentos humanamente impostos que moldam a interação humana. Estes
constrangimentos definem tanto os limites e cursos de ação possíveis quanto o conjunto de
oportunidades (NORTH, 1998). Por conseqüência, a matriz institucional estrutura os
incentivos e as condições para efetivação das trocas - sejam elas políticas, econômicas ou
sociais.
As instituições reduzem a incerteza ao fornecer uma estrutura para vida diária.
Elas são uma orientação para a ação humana. Quando desejamos cumprimentar amigos na
rua, dirigir um automóvel, comprar laranjas, pegar dinheiro emprestado, formar um
negócio, enterrar mortos, ou seja o que for, sabemos (ou senão, aprendemos facilmente)
como realizar tais tarefas (NORTH, 1990).
Instituições fornecem modelos morais ou cognitivos para interpretação ou ação. O
indivíduo é visto como um ente profundamente imbricado no mundo das instituições,
composto por símbolos, "scripts" e rotinas que oferecem um filtro para a interpretação da
situação e da pessoa a partir dos quais os cursos de ação são construídos (HALL &
TAYLOR, 1996).
De um ponto de vista exterior, uma instituição social é, numa caracterização bem
geral, nada mais do que um "estilo de comportamento estável, dotado de valor e recorrente"
(GOODIN, 1997).
Instituições incluem qualquer forma de constrangimento que os seres humanos
impõem para moldar a interação entre eles. Instituições podem ser constrangimentos
41
formais - regras, normas, leis, tipicamente escritas -, ou informais - convenções, códigos de
conduta, valores, símbolos, tipicamente não escritos. Dessa forma, os constrangimentos
institucionais incluem tanto o que os indivíduos são proibidos de fazer quanto sob quais
condições devem fazer aquilo que lhes é permitido (NORTH, 1990).
Para GOODIN (1997), instituições podem ser incluídas: a) na esfera da família e
laços de parentesco, com foco sobre as relações biológicas e de procriação entre seus
membros; b) na esfera da educação, que trata da socialização e transformação dos jovens
em adultos e da transmissão de herança cultural; c) na esfera econômica, na regulação da
produção, distribuição e consumo de bens e serviços; d) na esfera política, que trata do
controle do uso da força, manutenção da paz e definição e implementação de metas
coletivas; e) na esfera cultural, com foco sobre a provisão de condições que facilitam a
criação e conservação de construções culturais (religião, ciência e arte); f)na esfera da
estratificação, que regula as diferenças de posições e recursos entre os indivíduos de uma
sociedade.
Para o mesmo autor, uma característica definidora central do processo de
institucionalização, ao longo de todas estas esfera, é a natureza estável, recorrente e
repetitiva do comportamento social que ocorre em decorrência das instituições. Assim, a
institucionalização pode ser definida como o processo através do qual organizações e
procedimentos ganham valor e estabilidade (GOODIN, 1997).
É possível dizer que a estabilidade gerada pelas instituições decorre da função de
proporcionar a redução de incertezas que estas possuem. Deve ser pontuado que uma
instituição somente atua como redutor de incertezas se duas condições forem satisfeitas: a)
a sua imposição, controle e aplicação de sanção no caso do descumprimento de suas
disposições; e b) a sua aceitação ou legitimidade por parte daqueles envolvidos nos
processos sobre o qual dispõe, isto é, a instituição deve possuir credibilidade junto aos
atores.
Partindo da definição de instituições já estabelecida, pode ser oportuno apresentar
um esquema de proposições traçado por GOODIN (1997), incrementado por idéias colhidas
42
em outros autores (NORTH, 1998; JEPPERSON, 1991), que de certa forma captura o
espírito do Novo Institucionalismo como um todo:
1 - agentes individuais e grupos buscam seus objetivos num contexto que é coletivamente
constrangido;
2 - os constrangimentos tomam a forma de instituições - esquemas organizados de normas e
papéis socialmente construídos, e comportamentos socialmente prescritos esperados pelos
ocupantes destes papéis, que são criados e re-criados ao longo do tempo;
3 - apesar do caráter constritor das instituições, de várias formas, elas são vantajosas para
os indivíduos e grupos na busca de seus interesses particulares;
4 - isso se explica na medida em que os mesmos fatores contextuais que constrangem as
ações de indivíduos e grupos também moldam seus desejos, preferências e razões,
influenciando, por conseqüência, a definição de suas metas e estratégias de ação;
5 - estes constrangimentos possuem raízes caracteristicamente históricas, como artefatos
residuais de ações e escolhas passadas;
6 - os constrangimentos incorporam, preservam e imputam diferentes recursos de poder em
relação a diferentes grupos e indivíduos, assim, torna-se importante a influência de fatores
institucionais na emergência e atuação dos atores;
7 - por fim, a ação individual e grupal, constrangida e moldada socialmente, é o motor que
move a vida social.
5.1.3 - Desenho institucional
Talvez, antes de passarmos diretamente para as questões relativas à formulação e
desenho de instituições, fosse interessante tecermos algumas considerações sobre as formas
pelas quais uma nova instituição pode vir a surgir. A essas formas GOODIN (1997) atribui
o nome de "modelos de mudança social", quais sejam: acidental, evolucionário e
intencional.
43
O primeiro estabelece que uma nova instituição surge sem que forças naturais ou
sociais trabalhem, inexistem grandes mecanismos causais, o que acontece simplesmente
acontece, é uma questão contingencial. Já o segundo modelo - evolucionário -, adota uma
perspectiva análoga à biologia, no sentido de que existem mecanismos de seleção em
funcionamento que podem vir a escolher certos aspectos do arranjo institucional para a
sobrevivência que são mais adaptados ao ambiente em questão, daí surgiriam novas
instituições, ou seja, a partir de fragmentos de outras. O modelo intencional, por sua vez,
defende que o surgimento de uma instituição é fruto de uma intervenção propositada,
orientada por metas previamente definidas.
Na perspectiva proposta por NORTH (1990), as instituições podem ser criadas e
desenhadas ou podem ainda ser fruto de uma evolução ao longo do tempo. Segundo o
autor, exemplos clássicos são a constituição norte-americana (criação) ou a common law
britânica (processo evolutivo).
Em qualquer processo de criação ou mudança institucional é bem provável que
haja uma combinação dos três modelos propostos por GOODIN (1997). A forma pela qual
indivíduos e grupos implementam suas soluções, diante de qualquer tipo de problema
enfrentado, está sujeita a acidentes e erros. Mesmo estando associados à involuntariedade,
acidentes e erros, normalmente surgem sobre um pilar de intencionalidade, pois toda ação
humana pode ser encarada como sendo dotada de propósito ou intenções. Assume-se,
então, que a ação tenha uma racionalidade, uma meta. Se, por acaso, fazemos alguma coisa
sem ter um propósito definido, é bem provável que construamos algum quando nos é
requisitada explicação pela nossa ação. Da mesma forma, no processo evolucionário, apesar
de a mudança institucional ocorrer através de um processo de seleção de certas variações
em favor de outras, os mecanismos de seleção advêm de uma estrutura formada por padrões
que encontram base em situações recorrentes em que indivíduos têm que decidir sobre o
que preferem reter ou reproduzir.
Além disso, mesmo que os resultados da institucionalização sejam produtos de
acidente, as taxas de acidente podem ser alteradas intencionalmente. Mesmo que os
44
resultados da implementação sejam produtos de forças evolucionárias, os mecanismos de
seleção que orientam a evolução podem ser alterados intencionalmente (GOODIN, 1997).
Assim, destaca-se o esforço de ressaltar o componente de intencionalidade
presente ocultamente mesmo naqueles modelos que não a advogam. Esse esforço tem como
objetivo criar uma possibilidade de explicação até para as conseqüências não intencionais
da implementação de instituições. Para explicar como estes resultados surgem, devemos
nos referir essencialmente às intenções e às interações entre intenções. Assim, uma
instituição pode ser o produto de uma ação intencional, mesmo que não tenha sido o
produto da ação intencional de alguém (GOODIN, 1997).
Um outro aspecto importante ligado à percepção do componente de
intencionalidade é a constatação do conflito que normalmente se estabelece em torno da
criação de uma instituição. A definição de novos constrangimentos e oportunidades
corresponde ao processamento de variadas intenções que, muitas vezes, podem representar
interesses conflitantes. Portanto, o surgimento de uma instituição e a percepção da intenção
a ela ligada representam o resultado de um embate entre intencionalidades.
Mesmo dentro do domínio de nossas intervenções intencionais, o que deveríamos
focar não é o desenho institucional diretamente. Ao invés disso, GOODIN (1997) sugere
que o foco deve estar sobre os esquemas de desenho para instituições.
O termo desenho institucional, tal como afirma GOODIN (1997),
pode ser
entendido como a criação de uma forma ou formato ativo que promova resultados dotados
de valores dentro de um contexto particular. Deste modo, OFFE (1997) acrescenta que, seja
quem for que queira construir ou formular, ou até mesmo criticar, uma instituição social,
deverá ter em mente o dualismo inerente a estes processos. Trata-se da coexistência de
duas dimensões.
Uma mais ligada à questão cognitiva, no sentido de que uma dada instituição,
somente pode ser considerada enquanto tal, quando encontra no indivíduo um senso de
45
lealdade. Isso quer dizer que uma instituição deve possuir legitimidade8 e aceitação ao
ponto de gerar uma certa auto-imposição. Ao mesmo tempo, também, proporcionando aos
atores padrões validados em relação a quais preferências e metas são permitidas e podem
ser buscadas com aprovação social. A outra dimensão está relacionada à funcionalidade.
Instituições devem, no mínimo, produzir resultados que justifiquem sua existência. Indo
além, e tentando imaginar um cenário mais otimista, as instituições devem possuir um
desempenho eficaz e eficiente, não só cumprindo seu objetivo, mas o fazendo da melhor
forma possível (OFFE, 1997).
Ambas as dimensões são conceitualmente necessárias como critérios para
avaliação da existência e persistência das instituições. É necessário que haja tanto uma
socialização interna quanto uma efetividade externa, tanto a consolidação de crenças quanto
a implementação de metas. E o dualismo encontra-se na medida em que cada uma dessas
dimensões associa-se a abordagens conflitantes dentro das ciências sociais, num extremo o
"culturalismo" (dimensão cognitiva) e no outro o "utilitarismo" (dimensão funcional)
[OFFE, 1997].
Quando GOODIN (1997) trata da questão relativa ao desenho institucional,
ressalta que uma instituição bem projetada é aquela que é internamente consistente9 e
externamente harmoniosa com o restante da ordem social estabelecida. Assim, tornam-se
relevantes não só os aspectos constitutivos de um bom desenho interno, mas, especialmente
a noção de julgamento frente a critérios de avaliação externos.
Assim, o bom desenho institucional não pode ser tratado apenas como uma
questão pragmática ou funcional. Trata-se de uma tentativa de melhor adequação a um
amplo código moral. Nesse sentido, GOODIN (1997) tenta identificar alguns princípios que
poderiam orientar o desenho institucional no sentido de uma ressonância moral mais
profunda. Ao todo, são cinco os princípios - revisão, robustez, sensibilidade a
complexidade motivacional, publicidade e variabilidade - que, mesmo sendo orientadores
8
Jepperson (1991) trata a relação entre o processo de institucionalização e a produção de legitimidade em
maior detalhe.
9
Para maiores considerações em relação à questão da consistência/coerência interna de instituições, ver Riker
(1998), em um texto sobre o processo de formação da Constituição norte-americana.
46
do bom desenho institucional, quando aplicados além de certos limites podem causar
distorções.
O princípio da revisão parte da constatação de que tanto indivíduos quanto a
sociedade como um todo sofrem mudanças, dessa forma, o processo de desenho
institucional deve possuir certa flexibilidade para que o seu produto final, a instituição,
evolua ao longo do tempo. Quando extrapola certos limites, o princípio da revisão pode
afetar a estabilidade de uma instituição, permitindo que mudanças irrelevantes ou
enviesadas sejam processadas.
O segundo princípio - robustez - deriva do primeiro. Instituições devem estar aptas
a se adaptarem a novas situações sem permitir que por elas sejam destruídas. As adaptações
devem se restringir aos aspectos relevantes que apontam para mudanças no universo
factual, mantendo a solidez de seus elementos centrais. Quando aplicado de forma
extremada, esse princípio pode acabar por gerar uma rigidez institucional.
O princípio da sensibilidade à complexidade motivacional diz respeito à
necessidade de se considerar o aglomerado de motivos que orientam as ações dos
indivíduos, que pode vir a incluir tanto razões egoístas como altruístas. Até que ponto uma
instituição deve acomodar a complexidade motivacional é ainda uma questão em aberto.
Porém, a precaução aqui tem como explicação a ameaça de captura por parte de interesses
organizados que pode vir a ser gerada por esse processo de compreensão de motivos. O fato
é que o princípio da sensibilidade à complexidade motivacional é bem trabalhado quando
metodologias participativas bem estruturadas são introduzidas no desenho institucional.
O princípio da publicidade atua como um teste, no qual as instituições e as ações
institucionais devem possuir as características de serem defensáveis publicamente. A base
desse princípio é que instituições projetadas a partir de elementos moralmente não aceitos,
provavelmente, não seriam aprovadas publicamente. Novamente, esse princípio tem como
limite proteger o interesse público apenas contra uma certa seleção de fatores de
contaminação, restando a possibilidade de grandes segmentos da comunidade ainda
poderem impor seus interesses.
47
Por fim, pressupondo um processo de aprendizado por experimentação em busca
de arranjos institucionais mais perfeitos, o princípio da variabilidade ganha grande
relevância. Através da experimentação, o estoque de possibilidades e soluções criativas
sofre considerável incremento. Desta vez, o limite se encontra nos critérios de julgamento
sobre quais variações representam avanços, admitindo-se, assim, a possibilidade de
incorporação (importação) de características nem sempre mais adequadas.
Um outro elemento essencial que deve ser levado em consideração no momento
em que uma dada instituição é formulada diz respeito aos mecanismo que atuarão de forma
a garantir sua imposição e seu caráter de sanção. Tal fato se torna relevante uma vez que a
estabilidade e o caráter impositivo de uma instituição somente não seriam necessários num
contexto em que as recompensas recebidas pelas partes fossem tão vantajosas ao ponto das
partes nunca desejarem descumprir seu papel pré-estabelecido. Como isso é uma condição
ideal e pouco factível, torna-se essencial a existência de outros de tipos de mecanismos que
garantam que as disposições de um acordo ou finalidades de uma instituição sejam
cumpridos.
Assim, NORTH (1990), dentre vários outros autores, sugere que a imposição ou
enforcement de uma instituição deva ser garantido formalmente por uma terceira parte
(além das duas já envolvidas no acordo). Isto quer dizer, em princípio, que a imposição de
instituições deveria envolver partes, se possível neutras, com a habilidade de garantir, a
baixos custos, que outras partes potencialmente infratoras considerem custoso violar as
disposições de acordos e instituições. Normalmente, tais mecanismos podem ser verificados
nas estruturas dos sistemas judiciais, que incluem mediadores, regras de mediação,
punições e sanções pré-definidas.
5.1.4 - Mudança institucional
Uma vez definido a noção de instituição e os aspectos ligados ao seu desenho e
formulação, partiremos para uma perspectiva mais dinâmica. A idéia de mudança
institucional pressupõe o processo gradual e contínuo através do qual as instituições
48
evoluem e sofrem alterações. A mudança institucional consiste no processo através do qual
arranjos institucionais anteriores deixam de estar em vigor e são substituídos por um novo
conjunto de regras e procedimentos. É o momento em que novas instituições tomam o lugar
de instituições antes estáveis.
Esse momento é especialmente rico para a análise institucional e THELEN &
STEINMO (1992) assim o defendem com base em dois argumentos. Primeiro, a mudança
institucional constitui o momento no qual os indivíduos moldam os constrangimentos e as
oportunidades, dentre os quais suas interações ocorrerão, através do desenho institucional e
das opções que realizam. Segundo, as escolhas feitas ligadas às instituições podem moldar
as idéias, atitudes e até mesmo as preferências das pessoas. Assim, a mudança institucional
não é apenas importante porque altera os constrangimentos nos quais os atores fazem suas
opções estratégicas, mas também porque pode atuar de forma a reformular as metas e
ideologias que motivam a ação política.
Tal como afirmam THELEN & STEINMO (1992), talvez o esquema de mudança
institucional mais aceito pela literatura institucionalista seja o modelo do "equilíbrio
interrompido"10 de Stephen Krasner. Grosso modo, este modelo define que as instituições
caracterizam-se por longos períodos de estabilidade que são periodicamente interrompidos
por crises que trazem à tona mudanças institucionais relativamente abruptas, sucedidas pelo
estabelecimento de um novo equilíbrio e estabilidade. Esse modelo assume que a crise
institucional normalmente advém de mudanças no ambiente externo e é geradora dos
conflitos acerca do desenho dos novos arranjos institucionais.
Partindo de uma perspectiva mais econômica, NORTH (1990) descreve o processo
de mudança institucional de forma diferente. Segundo esse autor, o processo de mudança
tem início na percepção dos atores de que através da alteração de acordos e contratos
podem obter melhores resultados por seus esforços. Por sua vez, a alteração dos acordos
normalmente esbarra em hierarquias de regras mais estáveis, porém os ganhos esperados
pelos atores com a alteração dos contratos os motivam a empregar recursos na
reestruturação dessas regras. De acordo com NORTH (1990), o mesmo é válido para
10
No original "punctuated equilibrium".
49
códigos de conduta, costumes e tradição, mas nesses casos os processos tendem a ser mais
lentos e graduais.
Considerar e buscar analisar o processo de mudança institucional possibilita uma
compreensão mais ampla sobre o papel das instituições na vida social e, de certa forma,
direciona a análise institucional para a resposta de indagações como: qual a origem da
mudança e do novo arranjo institucional? E que efeitos poderão ser gerados a partir dessa
mudança?
5.1.5 - O Novo Institucionalismo e suas sub-correntes
Após uma caracterização geral sobre o Novo Institucionalismo, torna-se mais
apropriada a apresentação de conceitos e feições particulares de cada uma das corrente que
o compõem. Cada uma de suas sub-correntes ou escolas diferem consideravelmente entre
si, possuindo seus próprios esquemas de análise.
Tal como afirmam HALL & TAYLOR (1996), em todas as suas variações, o Novo
Institucionalismo avança significativamente nossa compreensão sobre o mundo político.
Entretanto, cada uma das imagens apresentadas por suas correntes apresentam aspectos
distintos, possuindo cada uma pontos fortes e fracos. Freqüentemente, cada uma das
correntes parece fornecer uma visão parcial das forças em ação numa dada situação ou
capturar diferentes dimensões da ação humana e do impacto institucional lá presente.
a) O Novo Institucionalismo Histórico:
O Novo Institucionalismo Histórico se desenvolveu em resposta às teorias de
grupo e ao estrutural-funcionalismo na ciência política durante os anos 1960 e 1970. Os
institucionalistas históricos definem instituições como procedimentos, rotinas, normas e
convenções formais e informais, incorporados pela estrutura organizacional da política ou
da economia política. Também têm o costume de associar instituições com organizações,e
regras e convenções promulgadas por organizações formais (HALL & TAYLOR, 1996).
50
Num contexto de comparação com as outras sub-correntes, podemos dizer, de
acordo com HALL & TAYLOR (1996), que o Novo Institucionalismo Histórico tem como
características:
1) concepção do relacionamento entre instituições e comportamento individual em
termos relativamente amplos, empregando tanto a abordagem do cálculo - que
pressupõe que o comportamento humano é utilitarista e instrumental, baseado no
cálculo estratégico, em que indivíduos maximizam seus interesses -, quanto a
abordagem cultural - que defende que além do comportamento instrumental, o
indivíduo é orientado por uma noção do todo coletivo, suas ações dependem
mais de sua interpretação da situação (elemento cognitivo) do que do cálculo
instrumental;
2) ênfase sobre as assimetrias de poder associadas ao funcionamento e
desenvolvimento das instituições. Isto é, arranjos institucionais fornecem acesso
desigual para alguns grupos ou interesses organizados no processo de tomada de
decisão;
3) tendência a possuir uma visão do processo de desenvolvimento institucional que
enfatiza os elementos conceituais como a dependência da trajetória (path
dependence) - visão na qual o desenvolvimento institucional está condicionado
por decisões e escolhas realizadas no passado que, uma vez realizadas,
apresentam estabilidade no futuro -, e conseqüências não intencionais - efeitos
realizados que não pertenciam ao conjunto de objetivos diretos de uma dada
ação.
4) apesar da ênfase sobre o papel das instituições, não as consideram as únicas
forças em operação ou únicos elementos causais na conformação de um
resultado na esfera política, levando especialmente em consideração o
desenvolvimento sócio-econômico e a difusão de idéias.
51
a.1) O conceito de "dependência da trajetória" (path dependece)
O conceito de dependência da trajetória nos mostra que as instituições
desenvolvem-se ao longo da história e que o processo através do qual as instituições de
hoje são formadas não é somente relevante, como também, constrange as escolhas para o
futuro. De certa forma, como colocado por PUTNAM (1996), esse conceito nos faz pensar
que o lugar a que se pode chegar depende do lugar de onde se veio, e simplesmente é mais
difícil chegar a certos lugares a partir de onde se está. O termo “lugar” pode ser entendido
aqui como contextos históricos socialmente determinados que possuem a propriedade de
estabelecer diferentes oportunidades e motivações. Para o agente social, seja indivíduo ou
organização, adaptar-se às regras do jogo vigente ou ater-se às oportunidades
institucionalmente dadas é sempre mais fácil do que modificá-las. Assim, tal “inércia”
costuma induzir um padrão de comportamento que reforça os modelos institucionais em
vigor.
Tal como afirma NORTH (1990), a dependência da trajetória significa que a
história é realmente relevante, sendo impossível compreender as opções de hoje sem que
seja traçada e investigada a evolução incremental das instituições. O mesmo autor ainda
acrescenta que as conseqüências de eventos e circunstâncias podem determinar soluções
que, uma vez implantadas, levam a um caminho particular. Uma vez estabelecido esse
caminho de desenvolvimento num determinado curso, a rede de externalidades, o processo
de aprendizagem das organizações e os modelos de análise dos atores historicamente
derivados atuam de forma a reforçar o curso iniciado.
Talvez o exemplo mais utilizado para demostrar o efeito da dependência da
trajetória seja a common law britânica (ou direito consuetudinário). Nesse exemplo, as
decisões do passado tornam-se embutidas na estrutura da lei, que por sua vez absorve
mudanças marginais na medida em que novos casos (aqueles que envolvem novas
questões) são julgados. Assim, as decisões judiciais refletem o processamento subjetivo da
informação num contexto em que a estrutura legal passa por um processo continuo e
incremental de construção histórica.
52
Dessa forma, é possível compreendermos a relevância do conceito de dependência
da trajetória como um elemento explicativo da mudança institucional. A partir de sua
aplicação podemos identificar as origens de instituições cuja implementação constitui um
processo de substituição ou superação de arranjos institucionais anteriormente vigentes.
THELEN & STEINMO (1992) afirmam que mudanças institucionais constituem momentos
especialmente importantes para a análise institucional. Nesses momentos, agentes moldam
os constrangimentos dentre os quais suas interações ocorrerão através de suas escolhas e do
desenho institucional. Além de alterar os constrangimentos, a mudança institucional pode
ainda remodelar os objetivos e idéias que motivam a ação política, uma vez que possuem
influência sobre ideologia, atitudes e preferências por parte dos agentes.
Assim, a análise de um dado momento de mudança institucional a partir da noção
de dependência da trajetória possibilita explicações que levam em consideração a relação
de influência recíproca entre ideologia e instituições. As percepções e ideologias
historicamente derivadas dos atores moldam as escolhas que estes fazem na medida em que
as instituições determinam a forma de aquisição de conhecimento e habilidades (NORTH,
1990); ao passo que a realização destas escolhas constitui, muitas vezes, a reconfiguração
dos arranjos institucionais vigentes. Montesquieu (apud PUTNAM, 1996) expõe de forma
mais direta: "primeiro os líderes moldam as instituições, mas posteriormente as instituições
moldam os líderes". Já THELEN & STEINMO (1992), esclarecem que em momentos de
mudança institucional a lógica do argumento central do Novo Institucionalismo é revertida,
partindo da idéia de que as instituições moldam a política para a idéia de que a política
molda as instituições.
Portanto, a noção geral do conceito de dependência da trajetória sugere a
existência de uma forma de estreitamento conceitual do conjunto de opções disponíveis
para os atores e, além disso, representa um elo ou conexão entre os processos de tomada de
decisão ao longo do tempo. Embora para alguns possa parecer, a idéia de dependência da
trajetória não constitui de forma alguma uma história de inevitabilidade na qual o passado
enovela as previsões para o futuro.
53
b) O Novo Institucionalismo na Escolha Racional11:
Esta vertente desenvolveu-se concomitantemente ao Institucionalismo Histórico,
embora mantendo seu isolamento. Surgiu a partir de estudos sobre o comportamento dos
congressistas norte-americanos. O Institucionalismo na Escolha Racional introduziu ao
estudo da ciência política instrumentos analíticos oriundos da "nova economia das
organizações", que enfatizam a importância dos direitos de propriedade, rent-seeking e
custos de transação no funcionamento e desenvolvimento de instituições (HALL &
TAYLOR, 1996).
HALL & TAYLOR (1996) identificam quatro características mais notáveis da
abordagem do Institucionalismo na Escolha Racional:
1) utiliza a abordagem do cálculo e estabelecem um conjunto de pressupostos
comportamentais para os atores: possuem um conjunto fixo de preferências,
atuam de forma inteiramente instrumental, maximizando seus interesses de forma
estratégica;
2) encara a política como uma série de dilemas de ação coletiva. Acreditam que as
instituições podem contribuir para que os atores tomem um curso de ação
superior, uma vez que a sua ausência impossibilitaria a geração de expectativa de
comportamentos complementares por parte de outros (ex: dilema do prisioneiro);
3) enfatiza o papel da interação estratégica na determinação dos resultados políticos.
Partem do princípio de que as instituições influenciam esse tipo de interação ao
afetar a extensão e seqüência das alternativas de escolha ou ao oferecer
informações e mecanismos de enforcement - imposição da regra - que reduzem
incertezas sobre o comportamento dos outros e permitem ganhos de troca;
4) explica a origem das instituições através da especificação das funções que
cumprem. Essa especificação determina o valor que uma dada instituição tem
11
É interessante perceber que certos autores como GOODIN (1997) optam por dissociar aspectos relativos ao
institucionalismo econômico e ao político e não o fazem como HALL & TAYLOR (1996) que os agrupam
sob o rótulo de novo institucionalismo na escolha racional. Mesmo entre os autores que empregam a
dissociação existe a preocupação em se elucidar as influências recíprocas entre essas disciplinas.
54
para um certo conjunto de atores. Assim, uma instituição é criada para a
realização desse valor, que é classificado em termos de ganhos de cooperação.
b.1) O conceito de "custos de transação"
Como mencionado acima, o conceito de custos de transação tem sua origem na
"nova economia das organizações" e é considerado um elemento fundamental daquilo que
alguns chamam de Novo Institucionalismo Econômico - aqui apresentado como dimensão
integrante do Novo Institucionalismo na Escolha Racional.
Grosso modo, podemos dizer que os custos de transação são aqueles custos
associados a todas as etapas envolvidas na efetivação de uma troca ou intercâmbio entre
duas partes (AYALA, 199-). Evidentemente, tal definição é por demais imprecisa, mas
encontra justificativa, assim como BENHAM & BENHAM (1998) alertaram, na ausência
de uma terminologia padronizada. De acordo com estes autores, a existência de várias
definições de custos de transação na literatura ocorre em razão destas, freqüentemente,
servirem apenas como aparatos heurísticos e não visarem a efetiva mensuração e
operacionalização destes custos na vida real.
Sendo assim, BENHAM & BENHAM (1998) apresentam uma série de definições
de custos de transação e seus respectivos autores:
"os custos de operação do sistema econômico" - Kenneth Arrow; "os custos
associados à transferência, captura e proteção de direitos" - Yoram Barzel; "os custos que
surgem quando indivíduos intercambiam direitos de propriedade por ativos econômicos e
impõem seus direitos exclusivos" - Thrainn Eggertsson; "os custos de transação incluem os
custos dos recursos utilizados para criação, manutenção, utilização, alteração e assim por
diante, de instituições e organizações (...) quando considerados em relação à existência de
direitos contratuais e de propriedade, os custos de transação consistem nos custos de
definição e mensuração dos recursos, mais os custos de utilização e imposição dos direitos
especificados. Aplicados à transferência de direitos de propriedade existentes e ao
estabelecimento ou transferência de direitos contratuais entre indivíduos (ou entidades
55
legais), os custos de transação incluem os custos de informação, negociação e imposição
(enforcement)" - Eirik Furubotn e Rudolf Richter (apud BENHAM & BENHAM, 1998).
Essa variedade de definições sugere tipos de custos de transação. Furubotn e
Richter (apud BENHAM & BENHAM, 1998) estabelecem a seguinte tipificação: a) custos
de transação de mercado - os custos de utilização do mercado; b) custos de transação
gerenciais - os custos do exercício do direito de dar ordens no interior da firma; c) custos de
transação políticos - custos associados ao funcionamento e ajuste da estrutura institucional
de uma instância política.
Além disso, os mesmos autores definem que para cada um destes três tipos de
custos de transação é possível reconhecer duas variações: a) custos de transação "fixos" constituem os investimentos específicos feitos para o estabelecimento dos arranjos
institucionais; e b) custos de transação "variáveis" - envolvem os custos que dependem do
número ou volume de transações (Furubotn e Richter apud BENHAM & BENHAM, 1998).
Uma vez expostas as definições, devemos agora considerar os impactos da
mudança institucional sobre os custos de transação. A implementação de novas instituições
ou a simples reforma de instituições vigentes, consequentemente, produz mudanças nos
termos que regulam a efetivação das trocas, como mudanças que possam afetar as
negociações, os contratos e os direitos de propriedade, o que implicaria diretamente em
renegociar e recontratar. Portanto, a mudança institucional altera os custos de transação,
podendo muitas vezes provocar sua elevação em estágios iniciais - pós-reforma, uma vez
que gera a necessidade (custos) de adaptação às novas regras (AYALA, 199-).
c) O Novo Institucionalismo Sociológico:
Essa corrente surgiu dentro do campo da teoria das organizações, no final da
década de 1970. A problemática que os institucionalistas sociológicos tipicamente adotam
busca explicações sobre os motivos pelos quais organizações assumem um conjunto
específico de formatos institucionais, procedimentos e símbolos. Enfatizam também como
56
tais práticas são difundidas através dos campos organizacionais e em diferentes países
(HALL & TAYLOR, 1996).
Tal como afirmam HALL & TAYLOR (1996), podem ser identificadas três
características que marcam o Institucionalismo Sociológico12:
1) definição de instituições de forma mais ampla do que os cientistas políticos, na
medida que incluem não apenas regras, procedimentos e normas, mas também,
sistemas de símbolos, scripts cognitivos e padrões morais que fornecem a
estrutura de significados que orientam a ação humana. Esse tipo de definição
quebra a barreira conceitual entre instituições e cultura;
2) compreensão distinta sobre o relacionamento entre instituições e ação individual.
Seguindo pressupostos da abordagem cultural, instituições e ação individual
interagem de forma mutuamente construtiva, na medida em que as instituições
influenciam o comportamento não apenas através da especificação do que o
indivíduo deve fazer mas também especificando o que um indivíduo pode se
imaginar fazendo num dado contexto;
3) proposição de uma abordagem distinta para a questão da origem e mudança
institucional. Arranjos institucionais surgem não porque suas funções
representarão avanços no sentido uma de maior eficiência (meios e fins) para
organização, mas sim porque aumentam a legitimidade social da organização e
de seus participantes. Essa legitimidade adviria de um processo coletivo de
discussão que culminaria na formação de um mapa cognitivo compartilhado, o
qual seria capaz de incorporar um senso crítico sobre práticas institucionais
apropriadas que, por sua vez, acabariam sendo largamente empregadas.
12
Para considerações mais detalhadas sobre o Novo Institucionalismo Sociológico e sua aplicabilidade sobre
a análise organizacional, ver POWELL & DIMAGGIO (1991), “The New Institutionalism in Organizational
Analysis”.
57
5.1.6 - Análise institucional
A presente seção tem um certo caráter de síntese no sentido de que acaba por
resumir o que foi descrito acima. Dessa forma, podemos dizer que na busca por uma maior
compreensão sobre como se processa a vida social, o Novo Institucionalismo sugere que o
foco de análise esteja firmemente direcionado para as instituições e seus processos de
emergência e desenho.
Definir as instituições como foco central para análise tem como conseqüência a
avaliação de seus efeitos sobre o comportamento de indivíduos e grupos, supondo que, de
alguma forma, é através das ações dos mesmos que as instituições produzem efeitos sobre
os resultados políticos.
Assim, o Novo Institucionalismo fornece um quadro rico em conceitos e
definições para o estudo dos efeitos que a incorporação de regras e procedimentos possa vir
a ter sobre os padrões de comportamento na sociedade e no Estado. Ou seja, a abordagem
institucional possibilita a busca de uma maior compreensão sobre o processo de como a
adoção de uma certa norma ou convenção pode provocar mudanças significativas no
mundo sócio-político.
5.2 - Políticas públicas
5.2.1 – Políticas públicas: conceitos e noções básicas
Na tentativa de clarificar alguns conceitos, pode ser interessante introduzirmos a
distinção entre "política" e "políticas". O termo "políticas" refere-se a quem ganha o quê,
quando e como. Por sua vez, a "política" refere-se à ordenação, pela estrutura de
autoridade, de interesses sociais competitivos e, na maioria das vezes, conflitantes entre si.
Portanto, "políticas" constituem equacionamentos técnico-racionais dos resultados dos
embates no âmbito da "política" (FJP, 1992).
58
Colocando de uma outra forma, RUA (1997) afirma que as políticas públicas
podem ser entendidas como produtos ou outputs resultantes da atividade política13,
compreendendo o conjunto das decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores.
Tal definição ainda deixa certa ambigüidade quanto à distinção entre política pública e
decisão política.
Para a autora, uma política pública geralmente envolve mais do que uma decisão e
requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas.
Por sua vez, uma decisão política corresponde a uma mera escolha entre um dado leque de
alternativas, conforme a hierarquia de preferências dos atores envolvidos. Assim, embora
uma política pública implique decisão política, nem toda decisão política chega a constituir
uma política pública (RUA, 1997).
A dimensão pública do termo “políticas públicas” tem explicação não só no
tamanho do agregado social sobre o qual incidem, mas especialmente no caráter
imperativo, oriundo do fato de que políticas públicas são decisões e ações revestidas da
autoridade soberana do poder público (RUA, 1997).
As políticas públicas, uma vez tratadas enquanto outputs, resultam do
processamento de inputs e withinputs no interior do sistema político. Esses inputs e
withinputs, por sua vez, podem ser traduzidos em demandas e suporte (RUA, 1997).
Inputs diferenciam-se de withinputs na medida em que os últimos são provenientes
do próprio sistema político, ou seja, dos agentes do executivo (políticos, burocratas e
tecnocratas), dos parlamentares e dos membros do judiciário, enquanto que os inputs
podem ter origem nas mais diversas esferas sociais, até mesmo em outros países e
organizações internacionais. Tanto inputs quanto withinputs podem surgir sob a face de
demanda ou suporte, a distinção encontra-se no fato de demandas representarem qualquer
tipo de reivindicação, enquanto que suportes estão direcionados para o sistema político ou
mais especificamente para os governantes, como por exemplo, cumprimento de leis, apoio
político, pagamento de tributos, etc. (RUA, 1997).
13
A autora define política enquanto o conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações
de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos (RUA, 1997).
59
O esquema abaixo ilustra o que foi dito até então:
demanda
apoio
i
n
p
u
t
o
u
t
p
u
t
Sistema
Político
Política pública
Decisão política
withinput
Uma demanda ou reivindicação consegue penetrar no sistema político somente
quando relaciona-se a algum tipo de questão ou problemática que passa a preocupar as
autoridades, tornando-se, assim, um item presente na agenda governamental. Quando
atingido esse estágio podemos dizer que trata-se de um problema político.
De acordo com RUA (1997), para que uma dada situação se transforme num
problema político e passe a figurar como item prioritário da agenda governamental é
necessário que apresente pelo menos uma das seguintes características:
a) mobilize ação política – pode ser entendida como ação coletiva de grandes
grupos, ação coletiva de pequenos grupos dotados de fortes recursos de poder ou
ação de atores individuais estrategicamente situados;
b) constitua uma situação de crise – calamidade ou catástrofe de maneira que o
ônus de não resolver o problema seja menor que o ônus de resolvê-lo;
c) constitua uma situação de oportunidade – situação em que haja vantagens,
antevistas por algum ator relevante, a serem obtidas com o tratamento daquele
problema
Qualquer situação que se torne dotada de relevância política terá, em seu interior,
indivíduos desempenhando papéis estratégicos na defesa de seus interesses. Estes sujeitos
são considerados os atores políticos envolvidos e sua identificação depende do mapeamento
dos interesses que uma determinada situação põe em jogo. De forma geral, é possível
identificar tanto atores públicos (políticos e burocratas) quanto atores privados (empresários
e trabalhadores). Além disso, também é possível identificar atores internacionais aos quais
60
é atribuída grande importância no processo político, como exemplo podemos citar agentes
financeiros como o FMI e o Banco Mundial (RUA, 1997).
Embora não atue diretamente, não se pode ignorar o papel da mídia, que funciona
como agente formador de opinião. É importante ressaltar que a mídia pode tanto agir
enquanto ator, quanto funcionar como um recurso de poder e canal de expressão de
interesses (RUA, 1997).
A partir do momento em que os atores envolvidos possuem o interesse em tornar a
questão ligada a eles um problema político, integrante da agenda governamental, é gerado
um input. Esse input, por sua vez, deverá ser processado pelo sistema político e isto se
inicia por uma etapa de formulação de alternativas.
A formulação de alternativas é um importante momento do processo decisório,
pois é nele que os atores envolvidos expressam claramente seus interesses e preferências,
muitas vezes entrando em conflito entre si. Cada um deles possui seus próprios recursos de
poder, como influência, capacidade de afetar o funcionamento do sistema, meio de
persuasão, votos, organização, etc. (RUA, 1997).
A aplicação desses recursos de poder cria a dinâmica interativa entre os atores que,
segundo RUA (1997), pode obedecer a três padrões: lutas, jogos e debates. As lutas
representam situações em que para que um ator alcance seus interesses, outro deixa de
alcançar, configurando o chamado “jogo de soma zero”. Os jogos, por sua vez, constituem,
situações em que a lógica de atuação de um determinado ator é vencer o adversário político
sem eliminá-lo totalmente do processo, de tal maneira que ele possa vir a ser um aliado
num momento posterior. Esse tipo de situação se materializa através de barganhas, conluios
e coalizões de interesse. Por fim, debates são situações em que um dos atores procura
convencer o outro, através da adequação de suas propostas, transformando, assim, um
adversário num aliado. Aqui a lógica é a da persuasão, onde os conhecimentos técnicos
desempenham um papel muito relevante. Esse tipo de padrão interativo também permite
que atores se aliem através da troca de favores. Além disso, outra forma de atuação para
atores envolvidos num dado processo político pode ser a pressão pública – manifestações
coletivas midiatizadas , greves, etc. –, exercício de autoridade – caso um dado ator possua
61
o poder legal de impor a obediência – e a obstrução – tentativa de impedir, atrasar ou
confundir os processos em andamento.
Ainda nessa etapa de formulação de alternativas, pode ser interessante identificar
alguns princípios que acabam por orientar os comportamentos e atitudes descritos acima.
Uma primeira abordagem permite supor que todos os atores agem de maneira
absolutamente racional, buscando que a solução para um dado problema político em
questão seja aquela que maximiza seus interesses e objetivos. Uma outra forma de tratar o
processo de decisão é a abordagem organizacional. Essa abordagem supõe que, por
exemplo, o Estado e o governo não são atores monolíticos e unitários, mas sim
conglomerados de organizações dotadas de vida mais ou menos autônomas. Sendo assim,
as soluções para os problemas advêm dos procedimentos desenvolvidos por essas
organizações, tratando-se de outputs organizacionais. Por fim, a terceira abordagem pode
ser denominada “Modelo da Política Burocrática”, mesmo não sendo este o nome mais
apropriado. Esse modelo rejeita a idéia de uma racionalidade linear em relação a uma
política específica, considerando que o interesse de diversos atores colocam linhas cruzadas
entre diferentes políticas. Assim, uma decisão que parece pouco racional, indicando algum
tipo de prejuízo para um determinado ator, pode ter sido elemento de barganha para que
esse mesmo ator obtivesse uma vantagem muito maior em outra política que, em princípio,
não tem nada a ver com a primeira (RUA, 1997).
Uma vez exposto o cenário, podemos dizer, então, que o universo em que os atores
interagem é marcado por dificuldades em relação à definição dos problemas e
competências; por construções sociais da realidade que se convertem em referenciais para
aqueles que pressionam em busca de uma ou outra solução; por idéias utilizadas aqui e ali
para provocar mudanças nas preferências e alternativas; e por "comunidades epistêmicas"14
que trabalham de forma conjunta para utilizar seus conhecimentos como recurso no jogo da
tomada de decisões (SUBIRATS & GOMÀ, 1998).
14
Esse conceito "pretende descrever o conjunto de profissionais ou técnicos que compartilham os mesmos
critérios e valores diante de dilemas e conflitos sociais instalados". Tais indivíduos e grupos "crêem no que
defendem e trabalham para que suas idéias influenciem e possuam efeitos sobre a política ou políticas
concretas" (SUBIRATS & GOMÀ, 1998).
62
Nesse ambiente, atores, com interesses e recursos distintos, envolvem-se em
interações diferenciadas, com pautas de jogo provavelmente distintas em cada política,
gerando redes de interações, comunidades e, também, instituições que são incorporadas ou
apenas servem de marco para o processo de elaboração, formação e implementação das
políticas públicas (SUBIRATS & GOMÀ, 1998).
Daí, a política pública concreta resultaria, na visão de Kingdon (apud SUBIRATS
& GOMÀ, 1998), da abertura de uma "janela"15, produto da convergência momentânea dos
problemas, das alternativas de políticas públicas e do processo político. Tudo isso, num
contexto constituído a partir de fatores estruturais e institucionais.
A revisão teórica recém realizada, acerca da conceitualização de políticas públicas
e das noções e elementos relacionados, tem como único objetivo servir como pano de fundo
para o estabelecimento da relação entre políticas públicas e instituições. O esclarecimento
de tal relação é de fundamental importância para a análise que o presente trabalho propõe
realizar. A relação que se pretende estabelecer é a seguinte: uma política pública, seja qual
for, envolve, cria, mantém e muda instituições. Isto é, uma política pública se constitui a
partir da articulação de um aglomerado de instituições.
Tentando desfiar a afirmação acima, acredita-se que uma política pública envolva
conjuntos de regras e procedimentos, na medida em que possui objetivos a serem
alcançados e que os busca através da definição de metodologias que instruem processos e
definem maneiras de se desempenhar certas ações. Além disso, políticas públicas envolvem
organizações, desde aquelas ligadas a sua formulação àquelas relacionadas a sua
operacionalização e, sendo assim, são tanto frutos de arenas institucionais quanto as partes
que as constituem representam elementos constritores destes e/ou de outros ambientes
organizacionais.
Concordar, portanto, que uma política pública envolve e se constitui a partir da
articulação de um aglomerado de instituições nos leva a constatar que as suas etapas de
formulação, implementação e manutenção possuem a capacidade de influenciar os
resultados políticos, uma vez que incorporam elementos capazes de moldar a identidade, o
63
poder e a estratégia dos atores. Sendo assim, podemos inferir que uma política pública é
capaz de moldar (influenciar) comportamentos na medida em que, muitas vezes, as
instituições que ela envolve atuam de forma a restringir os cursos de ação possíveis, além
de incutir, num processo freqüentemente gradual, novos valores orientadores de novas
práticas.
5.2.2 - Avaliação de políticas públicas a partir da visão neoinstitucional
Numa revisão sobre a produção teórica no campo de políticas públicas, MELO
(1999) percebe o surgimento da abordagem institucional na avaliação de políticas públicas
no momento em que identifica duas gerações de estudos sobre a área específica de reforma
do Estado. A primeira geração centrou-se no impacto diferencial da transição democrática
sobre a condução das políticas de reforma de mercado. Por sua vez, a segunda geração de
estudos deslocou o eixo de análise do regime (democracia, autoritarismo, etc.) para a
discussão do impacto das instituições formais sobre as políticas.
Assim, a segunda geração de estudos, que possui um caráter fortemente
institucionalista onde é privilegiado o impacto das variáveis explicitamente políticoinstitucionais na explicação dos padrões diferenciados de políticas públicas ligadas à
reforma do Estado, introduz de forma definitiva a utilização da perspectiva neoinstitucional na avaliação de políticas públicas. Pode-se dizer que o interesse pela
abordagem institucional na avaliação de políticas ligadas à reforma do Estado foi
alimentado por três momentos.
Em primeiro lugar, pela emergência do neo-institucionalismo na ciência política.
Em segundo lugar, pela experiência malograda dos programas de reforma do Estado no
Leste Europeu e parte da América Latina cujas razões foram localizadas no arcabouço
institucional dos países dessas regiões. As instituições multilaterais que tiveram
envolvimento ativo nessas reformas justificaram tais malogros pelas deficiências de
estrutura político-institucional e fatores como: a) fragilidade do judiciário e do sistema de
15
No original "policy windows". Para maiores detalhes ver SUBIRATS & GOMÀ (1998).
64
propriedade; b) inexistência de um marco adequado garantidor do enforcement de decisões
de política e de compromissos dotados de credibilidade (credible commitments) por parte
dos formuladores de política; c) problemas institucionais na separação de poderes de
natureza horizontal (executivo, legislativo e judiciário) e vertical (federalismo); d) escassa
capacidade institucional e governativa; e e) regras eleitorais e sistemas partidário. Nesses
casos, as instituições multilaterais sugeriam, muitas vezes, a substituição dos choques
macroeconômicos pela terapia institucional.
Por fim, o terceiro momento que incentivou o emprego da perspectiva neoinstitucional na avaliação de políticas públicas está relacionado à necessidade de uma
robusta construção institucional - especialmente, no que diz respeito às agências
reguladoras - na implementação de políticas de reforma do Estado num período pósestabilização.
A abordagem institucional proporciona a geração de modelos de análise de
políticas públicas que definem como foco as instituições que, por sua vez, afetam o
conteúdo das políticas na medida em que a sua existência incentiva, dificulta ou pode vir
até mesmo a impedir alguns resultados dessas políticas. Isso ocorre em razão das
instituições possuírem a capacidade de determinar o acesso de certos interesses sociais à
agenda governamental ou ao processo de formulação e desenvolvimento de políticas
(CARDOSO, 1995).
Um outro aspecto interessante da análise institucional de políticas públicas é a
ênfase dada ao papel das organizações na vida pública por parte do Novo Institucionalismo,
principalmente em sua sub-corrente sociológica. Esse tipo de abordagem torna-se
interessante na medida em que as organizações não são apenas encarregadas da
implementação das políticas, mas também constituem os ambientes institucionais
(regulados por um dado conjunto de regras e normas) em que essas são decididas e
avaliadas (CARDOSO, 1995).
Além disso, o Novo Institucionalismo apresenta uma série de conceitos e
ferramentas analíticas que podem proporcionar uma avaliação de política pública muito
rica, considerando desde os aspectos internos da política àqueles relacionados ao ambiente
65
externo e aos atores envolvidos. A seguir, nossos esforços estarão concentrados na tentativa
de elaboração de um modelo para a avaliação de políticas que incorpore a lógica e os
conceitos neoinstitucionalistas.
O esquema de avaliação a ser proposto parte do princípio de que uma política
pública envolve e se constitui a partir de instituições, como já desenvolvido anteriormente.
Sendo assim, num primeiro momento, torna-se possível realizarmos uma analogia dos
fatores, elementos e princípios orientadores do desenho institucional para o caso da
formulação de políticas públicas.
Tomando como base a discussão realizada no capítulo anterior sobre a
intencionalidade no desenho institucional, podemos afirmar que o surgimento de uma
instituição é motivado por fatores ligados ou a sua funcionalidade ou à legitimidade que
esta pode trazer para a organização. Tais fatores - funcionalidade e legitimidade - podem
constituir elementos de uma avaliação de políticas públicas, partindo da noção de seu
relacionamento com o conceito de instituições. Uma política pública, ao ser formulada,
adquire funções a cumprir e resultados a produzir. Quando tais funções e resultados não são
produzidos, a dimensão relativa à funcionalidade dessa política e das instituições por ela
envolvidas possui problemas, ou seja, elas não cumprem o que lhes era pretendido. Além
dessa dimensão, uma política pública e suas instituições devem ser capazes de produzir no
público envolvido um senso de lealdade e aceitação, baseado na crença de que o seu
surgimento e existência constituem boas iniciativas. Essa dimensão cognitiva relembra que
uma política pública deve possuir legitimidade para que a geração de seus resultados seja
viável.
Tanto a dimensão funcional quanto a cognitiva são imprescindíveis para o bom
funcionamento de uma política pública, tal como defendido por OFFE (1997) e GOODIN
(1997). É necessário que haja tanto uma socialização interna por parte dos atores afetados,
baseada na consistência dos arranjos da política, quanto uma efetividade externa, ligada a
uma harmonização ao ambiente institucional e à produção de resultados.
Ainda considerando, para efeito da proposição deste modelo de análise, o
momento do desenho institucional, uma iniciativa interessante pode ser a aplicação dos
66
princípios orientadores do desenho institucional, propostos por GOODIN (1997),
apresentados anteriormente, para o caso da avaliação do processo de formulação de
políticas públicas.
O princípio da revisão, quando aplicado às instituições envolvidas numa
determinada política pública, prescreve que a existência de flexibilidade é essencial para
que a política e suas instituições evoluam ao longo do tempo. Esse princípio faz entender
que qualquer ambiente é passível de modificações, portanto, a capacidade de adaptação a
essas mudanças pode ser fundamental para o bom "funcionamento" e aprimoramento dos
arranjos de uma política pública.
Mesmo possuindo a flexibilidade necessária para se adaptar a novas situações, de
acordo com o princípio da robustez, uma política pública deve ter em seus elementos
institucionais centrais uma solidez suficiente para adaptar-se sem que seu conteúdo
essencial seja transformado ou destruído. Dessa forma, partindo para uma analise orientada
por esses dois princípios - revisão e robustez - uma política pública pode ser avaliada em
relação à capacidade de adaptação e à estabilidade para manutenção dos seus elementos
institucionais fundantes. O sucesso de uma política se encontraria na situação em que fosse
possível conciliar ambos os processos, ou seja, mudanças devem ser conduzidas de forma
que a solidez do núcleo da política não seja abalada enquanto que adaptações sejam
processadas apenas nos aspectos que apontam para mudanças no universo factual.
O terceiro princípio diz respeito à importância de se considerar o aglomerado de
motivos que orientam as ações dos indivíduos. Aplicando o princípio da sensibilidade à
complexidade motivacional a uma determinada política pública e às instituições que a
compõem, entendemos que o processo de formulação de uma política deve ter definido de
forma bem clara qual é o público direta e indiretamente envolvido (os responsáveis pela
demanda e o público alvo) e como estão organizados, de forma genérica, seus interesses e
preferências. Como apresentado anteriormente, uma política pública, antes de mais nada,
representa um produto da atividade governamental, portanto, dirigido àqueles governados.
A definição clara do público envolvido permite identificar de forma mais apurada as
demandas e interesses aos quais uma política deve atender e como deve fazê-lo.
67
Deficiências relativas a este princípio no processo de formulação de políticas públicas
podem vir a gerar iniciativas governamentais mal focadas ou incapazes de satisfazer as
demandas existentes, resultando em problemas de má alocação de recursos públicos e
desperdício, além de representar uma situação de baixa responsividade por parte do poder
público. Além disso, a aplicação deste princípio ao processo de formulação de políticas
públicas sugere, de alguma forma, a incorporação da participação do público envolvido na
definição das regras e dos processos estruturadores (institucionais) da própria política.
O princípio da publicidade, quando aplicado a políticas e a seus arranjos, associase muito ao aspecto relativo à legitimidade apresentado anteriormente. De acordo com esse
princípio, uma política pública deve possuir características que possam ser defensáveis
publicamente, ou seja, uma política deve ser capaz de gerar aceitação sobre o público direta
e indiretamente envolvido. Somente assim, como desenvolvido anteriormente, uma política
poderá produzir os resultados esperados.
O último princípio, o da variabilidade, integra-se harmoniosamente ao contexto
macro deste trabalho. Através da experimentação, possibilitada pela autonomia delegada
aos municípios através do processo de descentralização, o estoque de possibilidades e
soluções criativas sofre considerável incremento. O aumento desse estoque institucional
favorece o intercâmbio de idéias e soluções entre as administrações do Poder Local,
oferecendo novos instrumentos para o combate de problemas comuns. O princípio da
variabilidade guarda forte relação com o surgimento de arranjos institucionais e políticas
públicas inovadoras que vêm redefinindo o estilo de gestão municipal na última década.
Ainda restrita ao momento do desenho institucional e sua analogia ao processo de
formulação de políticas públicas, a presente proposta de análise apresenta como relevante a
avaliação dos aspectos relativos à imposição ou sanção da regra. Estamos falando da
análise da existência de mecanismos que atuem de forma a tentar garantir que as
instituições produzam seus efeitos. Na literatura neoinstitucionalista tais mecanismos são
chamados de enforcement. No caso de políticas públicas, isto quer dizer: que mecanismos
ou arranjos institucionais garantem que uma política pública possua estabilidade,
continuidade e produza os resultados para seu público alvo? Ela é formalmente
68
institucionalizada sob a forma de lei? Existem organizações responsáveis pela sua
fiscalização e acompanhamento? Existe um monitoramento exercido por terceiras partes
neutras? Todo esse aparato de enforcement apresenta custos altos?
A resposta a essas perguntas pode nos fornecer indícios sobre como as partes
envolvidas num acordo - no caso de políticas públicas, o público alvo e a administração,
sendo a política o próprio acordo - podem dispor de instrumentos que lhes garantem que a
outra parte envolvida no acordo cumprirá seu papel. A existência de tais mecanismos de
enforcement para uma política pública torna-se de grande importância quando percebe-se o
seu envolvimento num conglomerado de instituições que, por sua vez, precisam ter sua
estabilidade e seu caráter impositivo de regra garantidos. Além de sua importância, a
análise do enforcement, no caso de políticas públicas e das instituições nelas envolvidas,
sugere que é realmente complexo impor acordos no mercado político (NORTH, 1998), uma
vez que é extraordinariamente difícil mensurar o que está sendo intercambiado. Sendo
assim, quaisquer iniciativas ou soluções nesse sentido devem ser tratadas com bastante
atenção e encaradas como ações criativas para superação de obstáculos tradicionais.
Mesmo não sendo objeto de análise deste trabalho, o Novo Institucionalismo
oferece todo um aparato teórico para a avaliação do desempenho institucional. Isto é,
ferramentas analíticas que colaboram na explicação das razões que justificam os resultados
advindos de uma certa instituição. Um bom exemplo é o trabalho desenvolvido por
PUTNAM (1996), no qual o autor tenta explicar porque instituições altamente semelhantes,
no que diz respeito ao seu desenho, obtinham desempenhos tão discrepantes entre as
diversas regiões da Itália - área onde seu estudo foi aplicado. De alguma forma, a literatura
sobre desempenho institucional, quando encarada enquanto ferramenta de análise, tende a
enfatizar aspectos mais ligados à eficácia e à eficiência da instituição. Ou seja, são estudos
voltados para a tentativa de identificar se uma instituição cumpre com os objetivos
propostos e de que maneira os cumpre. Muitas vezes tais estudos tomam a forma de análise
comparativa.
Para o caso de políticas públicas, desempenho institucional significaria, tomando
uma frase de PUTNAM (1996), "a avaliação do aparato decisório de uma [política pública],
69
sua regularidade e presteza" e, portanto, a sua produção de resultados e a forma como os
produz. Ou seja, a idéia de desempenho institucional poderia ser tranqüilamente aplicada a
análise de políticas públicas, sem que fossem necessárias dramáticas adaptações.
Um outro conceito do Novo Institucionalismo que pode atuar de forma
complementar à análise do desempenho institucional (e sua aplicação na avaliação de
políticas públicas) é o de "conseqüências não intencionais" (unintended consequences).
Trata-se de resultados da implementação de algum arranjo institucional que, apesar de
serem observados na realidade, não foram previstos intencionalmente. Dessa forma, partese do princípio de que uma instituição é gerada para cumprir certos propósitos definidos no
seu desenho, assim, a avaliação do cumprimento dos resultados para o caso de uma política
pode levar à constatação de conseqüências não intencionais. Para tal, um levantamento das
intenções e metas projetadas para uma política pública, assim como, dos efeitos produzidos
após a implementação da mesma, é necessário para que sejam detectadas tanto
conseqüências não intencionais quanto a sua eficácia.
Deixando para trás a avaliação do momento do desenho institucional e as relações
que podem ser estabelecidas com o processo de formulação de políticas públicas, partimos
agora para um momento subsequente na construção deste modelo de análise. Se uma
política pública envolve um aglomerado de instituições ou arranjos institucionais, podemos
dizer que o seu processo de implementação constitui um momento de mudança
institucional. Isto é, a implementação de uma política pública, tendo em vista os arranjos
institucionais por ela trazidos, representará a superação ou mera substituição de instituições
anteriormente vigentes, constituirá a introdução de novas regras e procedimentos e,
portanto, gerará novas oportunidades e constrangimentos que impactarão de forma distinta
o comportamento dos atores envolvidos.
A principal, porém não única, validade da análise da mudança institucional quando
aplicada a políticas públicas está ligada a sua capacidade de proporcionar uma compreensão
mais profunda em relação a questões cruciais como: qual é a origem da mudança e do novo
arranjo institucional? E quais os efeitos provocados por tal alteração?
70
Concentrando inicialmente na primeira pergunta, explicações sobre as origens da
mudança institucional podem ser geradas a partir da aplicação do conceito de dependência
da trajetória (path dependence). Como já desenvolvido anteriormente no item 5.1.4, uma
análise realizada a partir da noção de dependência da trajetória possibilita a identificação e
investigação dos elos que conectam a cadeia de decisões ao longo do passado, presente e
futuro.
O emprego desse conceito na avaliação de políticas públicas e das instituições
envolvidas permite-nos perceber que certas trajetórias observadas ao longo dos processos
de tomada de decisão governamental estão condicionadas por escolhas e decisões
anteriores. Uma vez tomadas, tais decisões apresentam estabilidade no futuro, na medida
em que o curso estabelecido tende a ser reforçado.
Independentemente de outros fatores que possam influenciar a formulação e o
desenho de políticas públicas, assim como o de instituições, elementos que configuram o
princípio da robustez tendem a gerar certa inércia em relação a mudanças. Por tal motivo,
políticas públicas e suas instituições corporificam trajetórias históricas e momentos
decisivos. O que ocorre antes condiciona o que ocorre depois. Formuladores de políticas
públicas podem definir os aspectos institucionais centrais - como a metodologia – de uma
dada política, mas não o fazem em circunstâncias e contextos que eles mesmos criaram.
Além disso, suas escolhas influenciarão as regras e o conjunto de opções disponíveis dentre
as quais seus sucessores atuarão.
Portanto, a aplicação da noção de dependência da trajetória para a explicação do
processo de formulação e implementação de uma dada política pública – em analogia ao
processo de mudança institucional – pode ocorrer de duas formas. Primeiro, através da
investigação e mapeamento das políticas públicas implementadas anteriormente e das
instituições relacionadas a elas. Isto é, tal investigação constitui um levantamento histórico
das políticas públicas que foram implementadas e vigoraram anteriormente a política
pública analisada. Um esforço desse tipo pode gerar um conjunto de informações que tem a
capacidade de apontar a trajetória seguida, uma vez que o levantamento dos eventos e
71
arranjos institucionais passados podem indicar aqueles elementos que reforçam a
permanência num dado caminho.
As políticas públicas implementadas no passado, seja recente ou não, são a base
para as políticas que vierem a ser implementadas no presente e no futuro. A implementação
e funcionamento das políticas anteriores acabam por gerar um processo de aprendizagem
organizacional, o qual ocorre através da internalização de novos princípios, reforço àquelas
iniciativas bem sucedidas e repúdio àquelas que produziram resultados piores. Além disso,
a existência de uma política pública corresponde à percepção de toda uma sustentação
técnica e administrativa que envolve pessoal, estrutura física e administrativa. Tais
elementos – aprendizado organizacional e sustentação técnica e administrativa – vão
constituindo, num processo histórico e incremental, um ambiente propício e receptivo para
um dado conjunto de novas iniciativas, assim como, um terreno infértil para diversas outras
ações.
A segunda forma de aplicação da noção de dependência da trajetória na avaliação
da mudança institucional diz respeito à formulação de explicações a partir da análise da
influência recíproca entre instituições (e políticas públicas) e ideologia. Como já exposto
anteriormente no item 5.1.4, as percepções e ideologias dos atores são frutos de um
estreitamento conceitual proporcionado pela existência de instituições. Ao mesmo tempo,
percepções e ideologias atuam como fontes de inspiração para a reconfiguração
institucional.
Numa aplicação mais direta ao caso de políticas públicas, a influência recíproca
mencionada acima é evidenciada, de acordo com Hall e King (apud THELEN &
STEINMO, 1992), a partir da percepção de que as estruturas institucionais definem os
canais e mecanismos através dos quais novas idéias são traduzidas em políticas. Assim
como, a partir da constatação de que as novas idéias e pressupostos éticos, morais e
técnicos influenciam o desenho, metodologia e forma de implementação de novas políticas
públicas.
É por isso que a noção de dependência da trajetória torna-se um instrumento
conceitualmente relevante, pois mostra que mesmo as iniciativas inovadoras, em termos de
72
políticas públicas, surgem a partir das motivações e oportunidades fornecidas pela estrutura
institucional. E sendo assim, elas carregarão consigo elementos da estrutura anterior que
atuarão de forma a reforçar tendências já há algum tempo iniciadas.
Dessa forma, a idéia central de tal esquema analítico é que uma mudança
institucional ou a implementação de um política pública pode ter suas origens explicadas
quando são analisados os eventos históricos que a precederam, assim como, a relação entre
as instituições vigentes e canalização de novas idéias e princípios de ação. Além disso, a
noção de dependência da trajetória também é capaz de explicar porque certos resultados
insatisfatórios ou não intencionais são verificados no presente, através da análise do
caminho percorrido até então, buscando encontrar os vícios herdados das decisões tomadas
no passado.
Partindo agora para a consideração a respeito da segunda questão suscitada na
abordagem da mudança institucional – “quais os efeitos provocados pela alteração
(mudança institucional)?” – deveremos abordar o conceito de “custos de transação” e sua
aplicabilidade na avaliação de políticas públicas.
Como já discutido anteriormente (no item 5.1.4), custos de transação podem ser
entendidos, de forma grosseira, como todos os custos envolvidos no processamento e
efetivação de uma troca (AYALA, 199-). De forma um pouco mais específica, os custos de
transação incluem os custos dos recursos utilizados para a criação, manutenção, utilização e
alteração de instituições (Furubotn & Richter apud BENHAM & BENHAM, 1998). O elo
que conecta as duas decisões é o fato de que, muitas vezes, uma troca pode vir a ocorrer
e/ou se formalizar através de uma instituição. O exemplo tradicional são os contratos.
Para efeito da construção deste modelo de análise, é importante percebermos agora
que uma política pública pode ser enxergada enquanto uma dessas trocas que vêm a ocorrer
através de instituições. Num processo de troca, é fundamental sabermos quem são os
agentes da troca e o que está sendo trocado. Tomando, então, uma política pública como
uma troca, compõem as partes envolvidas o poder público e os cidadãos, e os objetos de
troca gerais são a contribuição tributária e a ação governamental. É claro que em cada
política pública os objetos de troca podem ser melhor especificados. E tal esforço é
73
imprescindível para que sejam identificados os elementos de custo envolvidos numa troca
do tipo políticas públicas.
De forma geral, o conjunto total dos custos de transação envolvidos na
formulação, implementação e manutenção de políticas públicas podem ser divididos em
três conjuntos:
a) custos de informação – consistem no custo de mensuração dos atributos de valor
envolvidos na troca (NORTH, 1990); custos de obtenção, processamento e
distribuição de informação para o planejamento, desenho institucional e tomada
de decisão; além de envolver os custos de aprendizagem organizacional e de
capacitação de pessoal;
b) custos de manutenção e utilização – envolvem os custos de manutenção de
organizações, monitoramento e avaliação de processos e resultados;
c) custos de imposição (enforcement) – compõem-se dos custos ligados à
imposição e garantia dos resultados da troca do acordo, e os custos relacionados
à renovação da troca e seus termos.
Entender os custos envolvidos na efetivação de uma troca ou na formulação,
implementação ou manutenção de uma política pública toma grande relevância quando
compreendemos que os custos de transação são determinados pela estrutura institucional
vigente. Pois, de acordo com NORTH (1990), é o arranjo institucional que determina como
cada um daqueles três conjuntos de custos de transação podem ser processados e
absorvidos pelos atores envolvidos. Tal constatação nos leva a inferir, portanto, que a
mudança institucional altera os custos de transação. Ou seja, a implementação de uma
política pública tem a capacidade de alterar, em algum nível, os termos da troca,
provocando alterações nos custos de transação.
Assim, voltando à pergunta que gerou toda discussão – “quais os efeitos
provocados pela alteração (mudança institucional)?” – chegamos ao ponto de poder dizer
que uma das conseqüências da mudança institucional ou da implementação de políticas
públicas é a alteração dos custos de transação.
74
A implementação de uma política pública, em analogia à mudança institucional, e
a conseqüente alteração dos custos de transação produzem ainda efeitos sobre o padrão de
comportamento dos atores envolvidos com as instituições resultantes da efetivação da troca.
A mudança institucional pode vir a reconfigurar a estrutura de incentivos e recompensas
colocada para os atores. E, como salienta NORTH (1990), a alteração dos custos de
transação acabará por incentivar esforços – por parte dos atores envolvidos - no sentido de
desenvolver convenções e normas que efetivamente aprimorem o processo de troca, com
vistas a reduzir os custos de transação.
Portanto, a partir desse cenário, indivíduos e organizações atuarão de forma a
maximizar seus interesses através da captura de novas oportunidades na estrutura de
incentivos reformulada, e através do desenvolvimento de novas regras que reduzirão os
custos de transação a partir do aprimoramento do processo de troca. Este esquema analítico
é baseado no modelo de comportamento estratégico dos atores. O Novo Institucionalismo –
em especial sua sub-corrente na Escolha Racional – parte do pressuposto de que os atores
possuem um conjunto fixo de preferências e atuam com vistas a maximizar seus interesses,
os institucionalistas, na Escolha Racional, estabelecem uma série de modelos de interação
estratégica entre os atores envolvidos. Esses modelos ganham utilidade na medida em que
permitem, mesmo que de forma hipotética, o estabelecimento de previsões dos cursos de
ação a serem adotados pelos atores, quando envolvidos numa situação problemática ou
conflituosa. No caso da análise de políticas públicas, esse esquema fornece uma visão mais
clara acerca dos interesses e conteúdos que se apresentam como relevantes na esfera de
discussão política.
75
6 - ANÁLISE NEOINSTITUCIONAL DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E DAS
MUDANÇAS PROVOCADAS SOBRE O ESTILO DE PLANEJAMENTO DA
PREFEITURA DE BELO HORIZONTE
Como desenvolvido no capítulo anterior, uma política pública envolve e se
constitui a partir da articulação entre um aglomerado de instituições, sendo possível e
frutífero, dessa forma, empreendermos a aplicação dos conceitos e ferramentas analíticas
do Novo Institucionalismo para o caso de avaliação de políticas públicas. Partindo daí, a
presente seção visa a realização de uma análise neoinstitucional do orçamento participativo.
Pressupondo, então, que o orçamento participativo envolve, cria, mantém, articula e muda
instituições, os esforços subseqüentes estarão concentrados na tentativa de aplicação do
esquema de análise neoinstitucional para o caso do orçamento participativo de Belo
Horizonte. Isto é, buscar-se-á operacionalizar a aplicação do esquema de avaliação de
políticas públicas construído anteriormente para o estudo da política do orçamento
implementada pela Prefeitura de Belo Horizonte.
Seguindo o esquema de avaliação elaborado no item 5.2.2, primeiramente serão
abordados os aspectos ligados ao desenho institucional, na tentativa de identificar em que
medida as instituições envolvidas na política do orçamento participativo contemplam os
requisitos ligados ao "bom" desenho institucional. Num segundo momento, a
implementação do orçamento participativo será tratada enquanto um processo de mudança
institucional, pois trás junto consigo a instalação de novos arranjos institucionais. A partir
daí, a mudança institucional será explicada com base na aplicação do conceito de
dependência da trajetória. Uma vez realizado o esforço de tentar explicar as bases da
origens da mudança, o prosseguimento se dará em direção à tentativa de identificação dos
efeitos gerados a partir da mudança institucional. Será abordada, então, a noção de custos
de transação e serão apresentadas uma série de alterações observadas na dinâmica de
planejamento da Prefeitura de Belo Horizonte - no que se refere ao processo do OP –
advindas da implementação de tal política.
76
6.1 – O Orçamento Participativo e o processo de desenho institucional
A avaliação do OP, neste momento, estará concentrada na análise dos aspectos,
elementos e princípios ligados ao desenho institucional.
6.1.1 - Funcionalidade e Legitimidade
Retomando a discussão realizada no capítulo anterior, podemos afirmar que o
surgimento de uma instituição é motivado por fatores ligados a sua funcionalidade –
cumprimento de suas funções – e a sua legitimidade – produção de aceitação e senso de
lealdade. Como já dito, é necessário que haja tanto uma socialização interna por parte dos
atores afetados, baseada na consistência dos arranjos da política, quanto uma efetividade
externa, ligada a uma harmonização ao ambiente institucional e à produção de resultados.
Tomando primeiramente a dimensão ligada à funcionalidade, devemos antes de
mais nada esclarecer que a presente discussão tratará meramente da eficácia ou produção de
resultados do OP e das instituições a ele ligadas. Não serão considerados os aspectos
relacionados à eficiência do OP, assim como não será empreendida uma avaliação
qualitativa mais detida de seus resultados. Dessa forma, o presente esforço representa uma
avaliação parcial do desempenho institucional. Tais ressalvas são necessárias, pois a
realização de uma avaliação completa do desempenho institucional representa uma tarefa
de alta complexidade que deve ser conduzida com muito cuidado, além de superar o escopo
deste estudo.
Tendo em mente a identificação dos resultados produzidos e a verificação do
efetivo funcionamento do orçamento participativo em Belo Horizonte, apresenta-se o
Quadro 6.1.2. Esse quadro expõe o volume de recursos, o número de empreendimentos
aprovados e os somatórios por setores e por anos de edição do OP, desde 1994 a 20012002. A partir de tais informações, podemos perceber que, em termos absolutos, trata-se de
montantes de dinheiro e quantidades de obras significativos destinados à decisão popular.
77
O fato de os recursos e empreendimentos terem sido aprovados – como indica o
quadro 6.1.2 – não implica necessariamente sua realização. O gráfico 6.1.1, por sua vez,
apresenta a situação dos empreendimentos e nos leva a verificar que do total de
empreendimentos aprovados até o ano de 2000, quase 80% das obras estão concluídas
enquanto os 20% restantes estão em andamento. Portanto, dos empreendimentos aprovados
até 2000, todos já tiveram seus trabalhos iniciados.
Gráfico 6.1.1
Situação dos Empreendimentos do Orçamento
Participativo em 2000
20,5%
OBRAS
CONCLUÍDAS
ATÉ 2000
OBRAS EM
ANDAMENTO
79,5%
Fonte: OP - SMPL - PBH - out/2000.
78
17
42
3.998.301
0
80
7
1
18
6
0
Emp.
1.245.785
0
6.167.504
892.000
33.349
2.703.504
319.947
0
OP 94
Recursos
OP 95
4.428.036
1.718.699
69.600
9.969.949
1.040.000
207.000
577.125
153.000
22.500
Recursos
OP 96
6.000.000
0
3.079.600
521.400
22.500
Recursos
(*)
0
8
3
1
Emp.
OP 97
7.000.000
605.300
2.719.200
969.000
197.000
Recursos
40
17
2
7
2
6.468.779 22
1.941.410
901.600
7.224.519
1.522.210
0
82 14.230.181 47 13.711.110
8
2
10
3
2
Emp.
30
3
0
46
(*)
4
11
5
1
Emp.
OP 98
1.541.200
7.779.000
0
0
8
0
5.224.000
461.800
3.876.354 19 15.796.700
2.631.632
0
2.122.000
7.223.000
2.279.000
1.263.000
Recursos
7.005.000
0
35 17.156.000
13
1
59 32.869.000
Total
5.297.747
1.955.600
Recursos
50.169.562
5.307.949
15
20
82
26
10
Emp.
1.433.000
75
5
33 58.948.689 221
10 21.288.736
0
57 112.679.144 396
(*)
6
17 24.917.029
4
4
Emp.
OP 2001-2002
(*) 16.000.000
4
12
0
0
Emp.
OP 99-2000
Recursos
(*) 14.000.000
3
6
5
2
Emp.
6.325.500 25 29.405.900
5.237.562
799.100
835.600
1.055.400
450.600
Recursos
79
15.360.390 171 18.185.909 166 33.165.470 90 33.948.339 100 21.211.748 68 74208600 124 85.917.000 131 281.997.456 850
Fonte: Criação do próprio autor a partir de dados da SMPL - PBH / 2000.
(*) o setor habitação definiu nos OP 94 e 95, 15 empreendimentos do tipo construção de moradias e distribuição de material. A partir do OP 96 foram
contempladas 4.002 famílias com unidades habitacionais.
Total
Urbanização
(vilas e
favelas)
Saúde
Meio Ambiente
Infra-estrutura
Habitação
Esporte e
Lazer
Educação
Des. Social
Cultura
Setores
Quadro 6.1.2
Distribuição Setorial dos Recursos e Empreendimentos Aprovados nos Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002 (em R$ 1,0)
O Quadro 6.1.3 apresenta o número de participações nas diversas instâncias e
etapas do OP desde a edição de 1994 à de 2001-2002. Esse quadro nos mostra que, também
em termo absolutos, um número considerável de pessoas tem se envolvido na dinâmica do
orçamento participativo.
Quadro 6.1.3
Partcipação Popular nos Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002
Instâncias
OP 94
OP 95
OP 96
OP 97
OP 98
OP 992000
OP
Cidade
OP 20012002
Abertura
Municipal
(...)
(...)
2.000
1.900
1.260
1.300
-
2.500
3ª Rodada de
Assembléias
Populares (*)
6.202
14.461
17.597
17.937
11.871
16.325
-
31.369
Fóruns Setoriais
(**)
-
990
-
-
-
-
-
-
OP Habitação
-
-
13.762
5.904
2.811
4.898
-
13.402
Fóruns
Regionais de
Prioridades
Orçamentárias
1.128
1.243
1.314
1.334
1.050
1.651
-
1.944
Encontro
Municipal de
Prioridades
Orçamentárias
500
450
630
700
600
(***)
-
(...)
Abertura da PréConferência do
OP Cidade
-
-
-
-
-
600
650
-
Fonte: OP - SMPL - PBH - out/2000
(...) informações inexistentes
(*) a participação popular na 3ª Rodada define o número de delegados aos Fóruns Regionais e a escolha
dos empreendimentos
(**) realizado somente em 1995 - experiência embrionária do OP Cidade
(***) em 1998 o Encontro Municipal de Prioridades Orçamentárias foi substituído pela abertura da
Pré-conferência OP CIdade
81
A apresentação de todas essas informações – recursos e empreendimentos
aprovados, situação dos empreendimentos e número de participações – tem como objetivo
sustentar a idéia de que o orçamento participativo e as instituições a ele relacionadas
contemplam de forma positiva o requisito de funcionalidade. Tal afirmação se justifica,
pois, sendo o OP uma política que envolve instituições (desde normas, regras,
procedimentos, convenções e organizações) que se propõem incorporar a participação
popular na tomada de decisão sobre recursos orçamentários, a constatação empírica da
realização deste propósito – não questionando a forma e extensão de sua realização – nos
leva a dizer que o OP “funciona”, isto é, produz resultados.
Além disso, corroborando a afirmação acima, apresenta-se um mapa (Figura 6.1.4)
com a localização georreferenciada dos empreendimentos aprovados pelo OP e realizados
até 2000. A análise desse mapa, de acordo com técnicos da antiga16 Secretaria Municipal de
Planejamento, possibilita perceber que as concentrações de pontos – que correspondem a
empreendimentos – encontra-se, em sua maioria, nos aglomerados de vilas e favelas. Tal
constatação nos leva a inferir que, de alguma forma, o princípio da inversão de prioridades
está sendo exercitado. Através da participação popular na definição do orçamento, tem
ocorrido a realização de investimentos nas áreas mais carentes da cidade. Dessa forma, a
análise do mapa sugere que, além de apresentar resultados ligados à incorporação da
participação popular e à definição de investimentos, o OP produz seus efeitos sobre aquelas
áreas da cidade de maior carência relativa.
Na tentativa de aprofundar mais a discussão acerca da inversão de prioridades,
apresentam-se dados de uma pesquisa realizada por SOMARRIBA (2000) em que são
comparadas as gestões de 1989-1992 (anterior à implementação do OP) com a de 19931996 (primeiros anos de "funcionamento" do OP-BH). Os dados trabalhados nessa pesquisa
demonstram que houve uma efetiva mudança de prioridades de uma gestão para outra.
16
Denominação da secretaria anterior à reforma administrativa empreendida em 2001.
82
Figura 6.1.4
Localização Georeferenciada dos Empreendimentos Aprovados – OP 94 a 99
Fonte: PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c
83
Em primeiro lugar, os dados apontam que o governo da Frente BH Popular17
(1993-1996) tem procurado atuar sobre a questão da escassez de moradias. Diferentemente
da gestão anterior, que evitava esforços nessa área por julgar que a política habitacional não
é de competência do município e por temer a atração de uma massa de pessoas vindas do
interior em busca das moradias ofertadas, a segunda gestão optou por uma ação afirmativa
em face da gravidade da situação das famílias que vivem em áreas de altíssimo risco e
também da chamada população de rua (SOMARRIBA, 2000).
O quadro a seguir (6.1.5) mostra o número de famílias beneficiadas pelos vários
tipos de intervenção definidos para os dois primeiros Orçamentos Participativos:
Quadro 6.1.5 - Famílias beneficiadas por tipos de intervenções no setor habitação Belo Horizonte - Orçamento Participativo - 1994-1995
Programa
Famílias Beneficiadas
Lotes Urbanizados
1.313
Conjuntos Habitacionais
1.475
Unidades Habitacionais (auto-construção)
741
Melhorias Habitacionais (auto-construção)
534
TOTAL
4.063
Fonte: SOMARRIBA (2000).
De acordo com a pesquisa, essas intervenções abrangem desde a aquisição e
regularização dos terrenos até o financiamento de material de construção para reformas. Do
total de 168 favelas existentes na cidade, 90 delas (53,6%) receberam recursos para
programas na área habitacional nos dois primeiros OPs (SOMARRIBA, 2000).
Um segundo indício que revela que o governo da Frente BH Popular atuou em
favor das camadas mais pobres é a ênfase sobre as obras de saneamento. Apenas no âmbito
do OP, foram definidas 220 obras de saneamento para 1994 e 1995. Nos anos de 1996 e
1997, embora se tenha procurado orientar os participantes dos Fóruns Regionais do OP para
escolha de obras de maior porte, quase 80% das 190 intervenções definidas referem-se a
obras de saneamento, infra-estrutura e urbanização de vilas e conjuntos habitacionais. De
acordo com a pesquisa, os dados totais relativos a 1989-1992, somados às obras viárias e de
17
Articulação partidária encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores.
84
saneamento, compreendem 50 intervenções, 19 das quais constaram como paralisadas no
relatório da SUDECAP elaborado ao final daquela gestão (SOMARRIBA, 2000).
Um outro aspecto levantado pela pesquisa, que vai além da produção de
resultados, diz respeito à qualidade das intervenções antes e depois do OP. A título de
exemplo, cita-se que, ao contrário da gestão 1989-1992, a administração subsequente não
realizou calçamento e asfaltamento de vias sem a prévia execução dos serviços de
saneamento necessários. A pesquisa constatou, através de manifestações de participantes
das assembléias populares e de depoimentos de técnicos envolvidos com as duas
administrações, que as intervenções mais complicadas, em área de risco eminente nas
comunidades mais carentes, foram efetivamente priorizadas a partir de 1993, sendo grande
parte delas definidas pela própria população no âmbito do OP (SOMARRIBA, 2000).
Por estarmos tratando da funcionalidade das instituições ligadas ao OP, devemos
reconhecer a principal crítica colocada a esta política. Muitos advogam que, em termos
relativos, o Orçamento Participativo compreende uma parte muita limitada dos recursos do
orçamento municipal – variando em torno de 5% (SOUZA, 2000). Embora se reconheça
que a funcionalidade de uma política desse tipo possa ficar comprometida quando os
recursos envolvidos se situam em um patamar modesto, é necessário matizar esta questão.
Tal como afirmam AZEVEDO & MARES GUIA (2001), em primeiro lugar, além da
população, setores importantes da própria Administração Municipal têm exercido
crescentes pressões para a elevação do montante de recursos alocados através do
Orçamento Participativo. Em segundo lugar, sabe-se que os ganhos dessa prática
ultrapassam em muito o acesso a bens públicos de primeiro nível, demandados pela
população da cidade.
Transferindo agora o foco para a questão da legitimidade, é importante
relembrarmos que a produção de aceitação e senso de lealdade são imprescindíveis para o
sucesso de uma política pública. É a partir da existência de algum nível de legitimidade que
atores tornam-se receptíveis e adotam posturas construtivas de envolvimento.
85
Tentar identificar se uma política e as instituições a ela relacionadas possuem
legitimidade ou não pode ser uma tarefa extremamente complexa e delicada. Dessa forma,
o presente trabalho pretende apresentar uma análise mais geral de algumas informações
que, de certo modo, nos possibilitam identificar indícios acerca da legitimidade que o
orçamento participativo de Belo Horizonte foi e vem sendo capaz de gerar.
O Quadro 6.1.6 apresenta o resultado de uma pesquisa18 realizada de 1993-1996
com participantes e delegados do OP em que foi questionado o caráter inovador do
orçamento participativo de Belo Horizonte.
Quadro 6.1.6 - Opinião sobre caráter inovador do OP
Opinião sobre o OP
Freqüência
Percentual
É uma coisa nova na cidade, porque a população está podendo
708
decidir para onde vai o dinheiro da prefeitura
85,1
Não é uma coisa nova na cidade, porque outras administrações
35
já discutiram o orçamento com o povo
4,2
Não sabe avaliar
34
4,1
Não respondeu
55
6,6
TOTAL
832
100,00
Fonte: SOMARRIBA & DULCI, 1997.
O fato de a absoluta maioria dos indivíduos ter concordado que o OP é uma
inovação nos permite inferir que tal política é considerada uma modificação em relação ao
padrão de gestão orçamentária anterior. É claro, que a simples constatação de que o OP seja
considerado uma inovação não necessariamente corresponde à produção de aceitação e
lealdade. Mas, pressupondo um contexto em que as práticas governamentais vigentes têm
sido vigorosamente criticadas, é de se esperar que uma inovação – seja ela qual for – gere
expectativas em relação a uma possível melhoria de situação. Dessa forma, acredita-se que
o caráter inovador do OP, de algum modo, lhe confere um grau de empatia e aceitação, que
pode ser encarado como uma base fértil para o estabelecimento de lealdades.
18
Ver SOMARRIBA & DULCI (1997).
86
Além da constatação do caráter inovador do OP, uma outra pesquisa da prefeitura,
realizada em 199919, que tomou como amostra o conjunto de pessoas que já tinha
conhecimento do orçamento participativo, tendo pelo menos ouvido falar, argüiu sobre a
importância do Orçamento Participativo.
Gráfico 6.1.7 - Avaliação da Importância do Orçamento Participativo
Nenhuma
Importância
2%
Pouco Importante
3%
NS/NR
8%
Muito importante
52%
Importante
35%
Fonte: PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c.
A partir desse gráfico, tomando um índice acumulado, temos que 87% dos
entrevistados considera o orçamento participativo uma política pública importante.
Ainda buscando avaliar a aceitação do OP, apresenta-se uma pesquisa realizada
por FARIA (1996) junto a membros das COMFORÇAS das regionais Barreiro e CentroSul, na edição do OP 96. Nessa pesquisa foram consideradas as variáveis abaixo.
19
Pelo Instituto de Pesquisa Doxa.
87
Quadro 6.1.8 - Avaliação do OP/96 pelas COMFORÇAS Barreiro e Centro-Sul
Avaliação
Melhorou a vida dos
moradores do bairro
Tornou mais transparente a
aplicação dos recursos
Tornou a prestação de
serviço mais eficiente
A população é atendida de
forma mais igualitária
Contribuiu para fortalecer a
cidadania
Não mudou em nada
NR/NS
Total
Barreiro
Centro-Sul
( %)
76,9
(Freq.)
11
(%)
47.8
(Freq.)
20
16
69.6
18
69,2
12
52.1
17
65,2
14
60.9
12
46,1
14
60.9
14
53,8
0
2
23
8.7
100
0
1
26
3,8
100
Fonte: FARIA, 1996
Quase todas as variáveis avaliadas apresentaram um nível de concordância maior
do que 50%. Isso significa que, na pior das hipóteses, o OP em Belo Horizonte conta com
uma massa de indivíduos envolvidos, dos quais, no mínimo a metade, acredita que a
existência de tal política constitui um aprimoramento da atuação governamental.
Além da relação entre o caráter inovador, sua importância e a produção de
legitimidade, outro indício que pode indicar que a política do orçamento participativo em
Belo Horizonte encontra aceitação junto a sua população é o número de participações que a
mesma vem mobilizando ao longo dos anos. O Quadro 6.1.320, que apresenta o número de
participações nas diversas edições do OP em Belo Horizonte, demonstra que a adesão
popular é cada vez maior (crescente ao longo do anos) e indica, em termos absolutos, um
número consideravelmente grande de indivíduos que optaram por se envolver na discussão
popular do orçamento. Porém, quando analisado em termos relativos, o número de
participações no OP revela um paradoxo.
“A participação quantitativa relativamente pouco expressiva, levando-se em
conta que se chegou a atingir somente cerca de duas a três dezenas de milhares
88
de participações de cidadãos para uma população de dois milhões de
indivíduos, desvaloriza, por um lado, junto à opinião pública, a capacidade do
processo de cumprir os objetivos de democratização que ele se postula.
Entretanto, a adesão ativa e estável de entidades e lideranças, que representam,
tácita ou explicitamente, os interesses de diversos segmentos, movimenta
positivamente a sociedade, confirmando, por outra via, os propósitos
democráticos do processo participativo” (SILBERSCHNEIDER, 1998).
Por fim, a análise da inserção do orçamento participativo na dinâmica política de
Belo Horizonte também é capaz de nos fornecer alguns indicativos de sua legitimidade. De
acordo com um membro da coordenação do OP no período de 1993 a 1999, o último
processo eleitoral revelou que o orçamento participativo de Belo Horizonte foi capaz de
gerar uma aceitação tanto pelas diversas alianças partidárias concorrentes, a partir da defesa
da política em suas promessas de governo, quanto pelo envolvimento ativo e construtivo
por parte de alguns vereadores (Entrevista, em 18 de outubro de 2001). Tal fato mostra-se
interessante na medida em que outras experiências brasileiras têm evidenciado atritos entre
membros do legislativo local e a política do orçamento participativo. Isso ocorre, pois, estes
atores percebem seu espaço de atuação política invadido pelo OP. Em alguma extensão,
esse problema parece estar equacionado em Belo Horizonte.
6.1.2 - Princípios orientadores do desenho institucional
Retomando a discussão realizada nos itens 5.1.3 e 5.2.2 acerca da identificação e
definição dos princípios que poderiam orientar o desenho institucional no sentido de uma
ressonância moral mais profunda, empreende-se a tarefa de tentar identificar em que
medida esses princípios que configuram o “bom” desenho institucional foram
contemplados na construção institucional relacionada à formulação do orçamento
participativo de Belo Horizonte.
20
Vide pag. 81.
89
Analisando conjuntamente os princípios da revisão e da robustez, é possível
perceber, a partir da leitura do histórico do orçamento participativo de Belo Horizonte
(Capítulo 4), que o processo de construção institucional associado ao desenho do OP, além
de contemplar o exercício destes dois princípios, foi capaz de articulá-los de forma
harmônica. Tal articulação ocorre na medida em que o desenvolvimento da política pôde
conciliar a realização de mudanças e alterações em sua metodologia e dinâmica de
"funcionamento" sem que o objetivo central – participação popular nas decisões
orçamentárias – nunca deixasse de ser tratado em primeiro plano. Enquanto o princípio da
robustez está ligado à intactibilidade do núcleo central da política, o princípio da revisão
ressalta a importância da realização de adaptações e incorporações marginais para que a
política se desenvolva e se aprimore frente aos diversos desafios internos e externos.
Em aproximadamente 8 anos de existência do orçamento participativo, foram
realizadas diversas alterações em sua metodologia. Essas mudanças refletiram não só na
dimensão do planejamento (foco da análise deste trabalho), como também nos processos
gerenciais e administrativos no interior da prefeitura e na cultura associativa e participativa
da sociedade como um todo. Mesmo dentro da dimensão do planejamento, as alterações
foram vastas e visavam, em sua maioria, o aprimoramento das técnicas e critérios
empregados desde o processo de diagnóstico, passando pelo processamento das demandas,
à elaboração dos projetos das obras e empreendimentos. Algumas delas, consideradas no
âmbito deste estudo como as mais significativas, podem ser distinguidas a partir de dois
conjuntos: captação e qualificação de demandas; e viabilização e organicidade.
No que diz respeito ao primeiro conjunto, foram introduzidas à metodologia, de
forma aprimorar os processos de captação e qualificação das demandas, os critérios de
abrangência social e relevância social; o Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU); a
qualificação de demandas a partir de sua interação e relação com instrumentos de
planejamento como o Plano Diretor, os Planos Diretor Regionais, os Planos Globais
Específicos (PGE), dentre outros; e a implantação do Orçamento Participativo Cidade. Em
relação ao segundo conjunto, que envolve medidas que têm por objetivo o aumento da
capacidade organizativa e de viabilização das demandas por parte da prefeitura, foram
90
empreendidas as seguintes ações: busca por maior precisão na elaboração dos projetos de
obras e empreendimentos; levantamento da capacidade executiva dos órgãos responsáveis
pela realização das obras (URBEL E SUDECAP); busca por maior cooperação e
articulação institucional intersetorial; estabelecimento de uma nova regionalização intramunicipal a partir das Unidades de Planejamento (UP); introdução da bianualidade para o
processo do orçamento participativo; e criação da Secretaria Executiva e do Grupo
Gerencial do OP.
Todas estas alterações na metodologia e na dinâmica de "funcionamento" do OP
apresentadas acima serão objeto de uma análise mais detalhada no item 6.2. No momento,
tais alterações representam o exercício do princípio da revisão, ou seja, a realização de
adaptações graduais e contínuas visando o desenvolvimento e aprimoramento em curso da
política pública. Em seguidas, estas mesmas alterações serão tratadas enquanto efeitos
surtidos a partir da implementação da política do orçamento participativo. Efeitos estes que,
como será demonstrado a seguir, indicaram mudanças na forma e dinâmica de
planejamento da prefeitura de Belo Horizonte.
Tendo em vista o princípio da sensibilidade à complexidade motivacional - que diz
respeito à importância de se considerar o aglomerado de motivos que orientam as ações dos
indivíduos envolvidos - o orçamento participativo e as instituições a ele ligadas podem ser
avaliados a partir de duas vias complementares, que se realizam em momentos distintos. A
primeira via, que enfatiza o momento do “surgimento” da política, representa a tentativa de
avaliar se a existência do OP e suas instituições constituem um ato responsivo por parte do
poder local, que considera o conjunto de demandas a ele colocadas e produz respostas. A
segunda via, que por sua vez enfatiza momentos de revisão da política, busca avaliar até
que ponto as instituições ligadas ao OP incorporam mecanismos de consulta ao público
sobre a criação de novas regras ou mudanças metodológicas. Acredita-se que a passagem
por ambos os caminhos é capaz de gerar uma política pública sensível às motivações dos
grupos e indivíduos ligados a ela.
Em diversos estudos sobre o orçamento participativo de Belo Horizonte
(SOMARRIBA & DULCI, 1997; AZEVEDO & AVRITZER, 1994; BOSCHI, 1999; dentre
91
outros) é comum encontrarmos, nas seções que enunciam seus antecedentes e histórico, a
relevância do papel dos movimentos sociais urbanos. É possível dizer que os movimentos
sociais urbanos possuíam como objetivo geral o desenvolvimento de uma estratégia junto
ao estado com vistas a gerar melhorias urbanas. Parte desses movimentos incluía
associações de bairro, vilas, favelas e associações que buscavam a melhoria de serviços,
como por exemplo o transporte para determinadas regiões. Os ativistas desses movimentos
foram responsáveis por um impacto significativo na arena societária, contribuindo
fortemente para que fosse criado um ambiente sócio-político propício para o surgimento de
experiências participativas. Sendo assim, os estudos mencionados acima atribuem o
surgimento do OP de Belo Horizonte, em grande parte, ao cenário favorável que a ação
destes movimentos produziu. Ou seja, associações de bairro e movimentos para melhoria
dos serviços públicos no nível regional e da cidade constituíram-se em grupos de pressão e
demandaram do poder público local a abertura de canais de participação. A resposta do
governo veio materializar-se sob o formato institucional do orçamento participativo.
Portanto, mesmo que estejamos desconsiderando uma série de outras variáveis
intervenientes21, podemos dizer que o orçamento participativo representa, de alguma forma,
a contemplação da primeira via ligada ao princípio da sensibilidade à complexidade
motivacional.
Tomando então a segunda via, podemos dizer que o orçamento participativo de
Belo Horizonte, através das instituições que envolve, incorpora também essa dimensão do
princípio da sensibilidade à complexidade motivacional - que diz respeito à participação na
revisão do processo. Diversas das mudanças citadas anteriormente, quando se tratou do
princípio da revisão, surgiram a partir de sugestões dos participantes e delegados nos
espaços institucionais das assembléias, fóruns e conselhos do orçamento participativo,
como confirma o histórico apresentado no Capítulo 4. Além disso, outros tipos de
alterações na metodologia e nos processos ocorreram por iniciativa do próprio corpo
técnico da prefeitura que, a partir de seu envolvimento, percebiam a necessidade de
mudança em relação a certos processos. De acordo com a Assessora de Planejamento da
21
Dentre as quais uma delas, ligada à ideologia do Partido dos Trabalhadores, será discutida no item 6.2.
92
Secretaria Municipal de Planejamento da PBH, a cada edição do orçamento participativo,
ao final dos trabalhos, as COMFORÇAS e o Conselho da Cidade aprovam a metodologia
que regulará o processo na sua próxima realização. Nesse momento, a prefeitura apresenta
as alterações propostas - tanto pelos participantes quanto pelos técnicos - buscando
sugestões e/ou apresentando as razões que justificam tais mudanças (Entrevista, em 01 de
outubro de 2001). Sendo assim, no que diz respeito à segunda via do princípio da
sensibilidade à complexidade motivacional, o OP-BH vincula o seu processo de revisão à
necessidade de atender de forma mais precisa os interesses daqueles envolvidos em sua
dinâmica.
A partir da análise, mesmo que simplificada, do orçamento participativo de Belo
Horizonte com base nas duas vias - surgimento e revisão - que compõem o princípio da
sensibilidade à complexidade motivacional, torna-se possível a proposição de que o OP e as
instituições a ele ligadas incorporam este princípio fundamental ao “bom” desenho
institucional.
Como já exposto anteriormente (item 5.2.2), a aplicação do princípio da
publicidade a políticas públicas associa-se muito ao aspecto relativo à legitimidade
apresentado anteriormente. Enquanto o princípio da publicidade postula que uma política
pública deve possuir atributos e características que possam ser defensáveis publicamente, a
questão da legitimidade relembra que uma política pública produzirá os resultados
esperados de forma proporcional à sua capacidade de gerar aceitação e senso de lealdade
nos grupos direta e indiretamente afetados por ela. Talvez, a questão da legitimidade não só
esteja associada ao princípio da publicidade, como parece ir ainda além, no sentido de que a
produção de aceitação e, de certa forma, de uma internalização, parece pressupor que uma
determinada política seja capaz de apresentar elementos moralmente aprováveis por parte
do público envolvido. Sendo assim, uma vez constatada acima a legitimidade da política do
orçamento participativo, assume-se que o princípio da publicidade encontra-se contemplado
e presente em tal política pública.
Considerando, por fim, o princípio da variabilidade, é possível dizermos que o
orçamento participativo de Belo Horizonte contempla tal princípio na medida em que
93
incorpora um arranjo institucional inovador em termos de políticas públicas. O Capítulo 2
deste trabalho apresenta a relação entre o processo de descentralização e o surgimento de
políticas públicas inovadoras nos governos locais e situa o orçamento participativo nesse
contexto. Por ser uma inovação, o orçamento participativo representa a experimentação e a
busca de novos arranjos institucionais que possuem um papel fundamental num contexto
mais amplo de reforma do estado e reconfiguração dos processos de gestão pública. Além
disso, o princípio da variabilidade se manifesta ainda no interior do orçamento participativo
de Belo Horizonte a partir da inventividade no desenvolvimento institucional (novas regras
e convenções), e no aprimoramento de todo o processo. As mudanças e adaptações na
metodologia do OP, mencionadas anteriormente, refletem nada mais do que a
experimentação na busca de um aperfeiçoamento cada vez maior da política. Outro ponto
ligado ao princípio da variabilidade que merece menção é o fato de a Prefeitura de Belo
Horizonte realizar intercâmbios com outras administrações locais. A Assessora de
Planejamento (SMPL/PBH) afirma que essas trocas de informação puderam ser verificadas
a partir da convocação de técnicos que antes atuavam em outras prefeituras com
experiência de OP, da promoção de alguns seminários envolvendo outros municípios22 ou
para a discussão da atuação do partido; e da realização de reuniões e da troca de materiais
com representantes de outras administrações (Entrevista, em 01 de outubro de 2001). Estas
iniciativas não só atuam de forma a ampliar o intercâmbio de experiências e soluções, mas
também através da geração de um estoque de conhecimento sobre a dinâmica do orçamento
participativo capaz de abrir novos horizontes para a gestão local.
6.1.3 – Enforcement
Como já desenvolvido anteriormente, nos itens 5.1.3 e 5.2.2, a elaboração e
operacionalização de mecanismos que atuem de forma a garantir que uma política pública e
suas instituições possuam caráter de sanção e não deixem de produzir resultados representa
um momento de considerável importância no processo de desenho institucional. A análise
22
Destaca-se a realização do Congresso Brasileiro de Controle Social do Orçamento Público, patrocinado
pela PBH, em agosto de 1999, envolvendo mais de mil participantes, representantes de 20 estado, 74
94
desses aspectos permite perceber o nível de estabilidade do arranjo institucional de uma
dada política e a sua capacidade de manter contínuo o seu "funcionamento".
No caso do orçamento participativo, podemos partir do pressuposto de que, assim
como qualquer outra política pública, o mesmo representa um acordo, um compromisso que
a administração assume com os cidadãos no sentido de realizar uma determinada ação ou
tarefa. A partir daí, a análise destes mecanismos de enforcement pode tomar duas direções.
A primeira, diz respeito à existência de instrumentos que forneçam garantias de
que o compromisso será cumprido. Ou seja, mecanismos que criem a obrigação e
imposição dos resultados esperados, no caso do OP, a participação popular efetiva e a
realização dos empreendimentos aprovados. A segunda, por sua vez, está relacionada à
renovação do acordo ou compromisso assumido, uma vez tendo o prazo relativo à
conclusão de seu "ciclo de vida" expirado. Isto é, existem mecanismos que garantam que o
OP será realizado ano após ano, ou de dois em dois anos como atualmente é feito? O que
garante que o OP não será extinto ao final de um mandato?
Abordando o primeiro ponto, podemos dizer que o orçamento participativo de
Belo Horizonte considerou no processo de desenho de suas instituições a construção desse
tipo de mecanismo de enforcement. NORTH (1998) ressalta a existência de um tipo de
mecanismo de imposição e garantia dos resultados esperados para políticas públicas.
Segundo o autor, os resultados esperados a partir de uma política pública e das instituições
nela envolvidas podem ser garantidos ou impostos através do estabelecimento de normas de
comportamento que desloquem o locus do enforcement do governo para os participantes.
No caso do OP-BH, isso pode ser verificado através das COMFORÇA - Comissões
Regionais de Acompanhamento e Fiscalização da Execução do Orçamento Participativo.
As COMFORÇAS são eleitas anualmente - bianualmente a partir de 1999 - em cada região
da cidade, compondo-se de representantes populares escolhidos nas assembléias. Desde a
sua criação, o regimento das COMFORÇA estabeleceu como suas atribuições23:
municípios e diversas entidades e movimentos sociais.
23
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c.
95
a) acompanhar e fiscalizar a execução orçamentária, o cronograma de obras, os
gastos e a prestação de contas;
b) detalhar, complementar e redimensionar, ouvindo a comunidade interessada, as
prioridades definidas pelo Fórum Regional de Prioridades, quando se
estabelecerem razões subvenientes;
c) promover debates com assessores, órgãos ou entidades específicas para
subsidiar as decisões internas;
d) solicitar esclarecimentos e informações às autoridades municipais acerca de
políticas públicas, prioritariamente aquelas com repercussão orçamentária;
e) realizar reuniões com representantes do orçamento participativo nas sub-regiões
para discutir o andamento da execução orçamentária dos investimentos
aprovados no fórum regional;
f) convocar e organizar, bianualmente, juntamente com os órgãos da PBH, o
Fórum de Prioridades Orçamentárias;
g) designar pelo menos dois de seus membros para acompanhar o processo de
abertura de propostas, quando da licitação dos investimentos aprovados pelo
Fórum Regional de Prioridades Orçamentárias;
h) discutir o comportamento de membros da COMFORÇA quanto a denúncias
concretas de proveito pessoal, podendo, em caso de comprovação, propor a
exclusão de seu mandato.
Além das COMFORÇA, o orçamento participativo de Belo Horizonte incorpora
em sua engenharia institucional outras instâncias de controle público. Nesses espaços de
participação, os cidadãos adquirem informações sobre o processo e têm a capacidade de
questionar e fiscalizar os procedimentos. O Quadro 6.1.9 apresenta uma lista destas
instâncias e informa o número de pessoas que delas participam.
96
Quadro 6.1.9 - Controle Público no Orçamento Participativo de Belo Horizonte
Instâncias de Participação
Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias
(delegados)
Comissões Regionais de Acompanhamento e
Fiscalização da Execução do Orçamento
Participativo - COMFORÇA
Comissão Municipal do Orçamento Participativo
- CMOP
Comissão da Cidade
Conselho da Cidade
Número de Participantes
2490 eleitos no OP 2001-2002
1508 eleitos desde o OP 94 ao 2000
337 eleitos no OP 2001-2002
55 representantes eleitos a cada edição
108 representantes eleitos a cada edição
78 representantes eleitos a cada edição
Fonte: PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c.
A CMOP é composta, paritariamente, por representantes das COMFORÇA e da
prefeitura e tem como objetivo aprimorar a participação popular organizada nas decisões do
OP. A importância da CMOP consiste no fato de a mesma constituir um fórum municipal
no qual estão representadas todas as regionais. Por isso, a CMOP é responsável, juntamente
com a prefeitura e as COMFORÇA, pela convocação e organização dos Fóruns Regionais e
pela apreciação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e do Plano Plurianual de Ação
Governamental (PPAG).
A Comissão da Cidade surgiu no contexto da implantação do OP Cidade,
coordenando a Pré-Conferência Municipal de Prioridades Orçamentárias e os Fóruns
Setoriais que a compunham. A Comissão da Cidade foi composta, paritariamente, por 108
membros entre sociedade civil e prefeitura, abrangendo representação em todos os setores
que participaram das Pré-Conferências.
Quando da efetiva consolidação do OP Cidade, na segunda metade de 1999, o
mandato e as atividades da comissão foram encerradas, sendo substituída pelo Conselho da
Cidade. O Conselho da Cidade coordenou a 1ª Conferência da Cidade, no final de 1999,
com a participação de mais de 700 delegados dos diversos setores. Este conselho tem como
atribuição definir as prioridades orçamentárias no nível da cidade através da tentativa de
geração de consenso entre as diversas visões setoriais.
97
Todas estas instâncias de controle público acima mencionadas têm, cada uma a seu
modo, ampliado os espaços democráticos e a participação cidadã no cotidiano da
administração municipal (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c.).
Indo em direção à segunda dimensão do enforcement acima mencionada, constatase a inexistência de qualquer tipo de instrumento formal que garanta a continuidade do
orçamento participativo em Belo Horizonte. O compromisso político - único elemento de
garantia presente - demonstra-se insuficiente e incapaz de manter a continuidade da
política, por exemplo, numa situação de mudança de mandato. A garantia da continuidade
requer no mínimo a institucionalização formal e legal do processo. Do contrário, como
ilustra a recente experiência do município de Betim, a alternância de partidos no poder
pode pôr fim a uma experiência já consolidada e exitosa, podendo representar um
retrocesso político considerável. A inexistência de mecanismos que garantam a
continuidade de uma política - como por exemplo, a sua institucionalização formal e legal constitui um fator de instabilidade e incerteza, que nada colabora para a construção de um
relacionamento de parceria entre a sociedade civil e o governo local.
A análise do orçamento participativo e do processo de desenho institucional a ele
relacionado possibilitou perceber que o OP e sua estrutura institucional contemplam em
grande parte os requisitos, princípios e elementos que constituem o "bom" desenho
institucional. O orçamento participativo de Belo Horizonte demonstrou conseguir produzir
resultados e ser eficaz, atestando portanto sua funcionalidade; gerar aceitação e senso de
lealdade, revelando sua legitimidade; considerar todos os cinco princípios orientadores do
"bom" desenho institucional, sendo assim, flexível, robusto, sensível às demandas, legítimo
e inovador; e, por fim, revelou possuir mecanismos que dão garantia em relação ao
cumprimento dos compromissos assumidos no seu âmbito. Apenas ficou a ser preenchido o
requisito das garantias ligadas a sua continuidade que, mesmo constituindo um elemento
extremamente relevante, revela-se fundamentalmente complexo, envolvendo restrições e
constrangimentos de ordem jurídica e administrativa.
98
6.2 – Mudança institucional: origens e efeitos das mudanças provocadas sobre o estilo
de planejamento
Como já desenvolvido anteriormente, uma política pública envolve um
aglomerado de instituições ou arranjos institucionais. Assim sendo, podemos dizer que o
seu processo de implementação constitui um momento de mudança institucional. Como
menciona JEPPERSON (1991), toda entrada implica a saída de algum outro lugar. Isto é, a
implementação de uma política pública, tendo em vista os arranjos institucionais por ela
trazidos, representará a superação ou mera substituição de instituições anteriormente
vigentes, constituirá a introdução de novas regras e procedimentos e, portanto, gerará novas
oportunidades e constrangimentos que impactarão de forma distinta o comportamento dos
atores envolvidos.
Diante de um cenário de mudança institucional, inicialmente, colocam-se como
ponto de partida para análise as seguintes questões: qual é a origem da mudança e do novo
arranjo institucional? E quais os efeitos provocados por tal alteração?
A busca por elementos que possam fornecer indícios de respostas a essas questões
irá nortear a análise subsequente. Num primeiro instante, o foco residirá sobre a tentativa de
identificação das bases da origem da mudança institucional provocada pela implementação
do orçamento participativo em Belo Horizonte. Num segundo momento, a reflexão se dará
em cima das mudanças advindas do processo de alteração do arranjo institucional. Essa
reflexão terá como base as seguintes indagações: terá o processo de mudança institucional
modificado as identidades dos atores políticos, redistribuído recursos políticos e incutido
novas normas? E de que modo as novas instituições, instaladas a partir da implementação
do orçamento participativo, influenciaram as práticas de governo?
6.2.1 – Dependência da trajetória: identificando os fatores que sustentaram a mudança
institucional
Iniciando pela busca de indícios que forneçam uma melhor compreensão sobre as
origens da mudança institucional, no caso a implementação do OP, será aplicado o esquema
99
de análise de políticas públicas a partir da visão neoinstitucional, desenvolvido no item
5.2.2. De acordo com o referido esquema, a noção de dependência da trajetória (path
dependence) permite, de certa forma, explicarmos as políticas públicas e as decisões
governamentais atuais a partir da observação do efeito condicionante que as escolhas e
decisões anteriores possuem. Sendo assim, esse conceito pode ser valiosamente aplicado
para geração de hipóteses acerca da origem de uma política pública. Ainda rementendo ao
esquema de análise anteriormente proposto, deve ser relembrado que o conceito de
dependência da trajetória pode ser aplicado de duas formas: a) através da investigação e
mapeamento histórico das políticas públicas (e instituições envolvidas) implementadas
anteriormente; e b) por meio da análise da influência recíproca entre instituições (e políticas
públicas) e ideologia.
Primeiramente, a dedicação estará voltada à primeira forma de aplicação do
conceito de dependência da trajetória para o caso do orçamento participativo de Belo
Horizonte.
Nas palavras de SOMARRIBA (2000):
“o orçamento participativo iniciado em Belo Horizonte em 1993, foi o
coroamento de um processo de mudança institucional que vinha
acontecendo no município desde fins dos anos 70 e que teve avanços
maiores no final dos anos 80. Seu antecedente mais imediato está na Lei
Orgânica do Município, na qual foi incluída (...) a idéia de que a
administração da cidade se faria envolvendo instâncias de participação
popular”.
Além do disposto no Lei Orgânica, o orçamento participativo de Belo Horizonte
foi antecedido pelas seguintes políticas: o PRODECOM (Programa de Desenvolvimento de
Comunidades); o PRODASEC (Programa de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as
Populações Carentes do Meio Urbano); o PROPAR (Programa Participativo de Obras
Prioritárias); a subdivisão em Administrações Regionais e a criação dos Conselhos
Comunitários (AZEVEDO, 2001; FARIA, 1996; FJP, 1992; SOMARRIBA, 2000).
100
O PRODECOM foi concebido em 1979 com o objetivo de gerar melhorias urbanas
em vilas e favelas. Era um programa do governo estadual gerido pela Secretaria de Estado
do Planejamento e Coordenação Geral (SEPLAN), porém, contava com a parceria intensiva
da prefeitura. Com o PRODECOM, o Estado pretendia responder, ao mesmo tempo, à
crescente presença das organizações reivindicatórias urbanas, que se multiplicavam no
período, e à relevância de estimular a expansão das mesmas, definidas como interlocutores
legítimos do programa (SOMARRIBA, 2000). Foi um programa público - coerente e
articulado - de extensão dos benefícios representados pelo saneamento básico e ambiental e
pela saúde pública às populações faveladas. O PRODECOM rompia, explicitamente, com o
paradigma, até então dominante, de ação estatal na periferia urbana de Belo Horizonte,
orientado no sentido da remoção da população favelada. O objetivo da ação do Estado nas
favelas voltava-se para a melhoria da qualidade de vida nesses locais, pois o PRODECOM
reconhecia tacitamente que o problema das favelas era a exclusão de sua população ao
consumo de serviços, como eletrificação, abastecimento de água e redes esgoto, que
descrevem um padrão mínimo aceitável de qualidade de vida urbana (FJP, 1992).
O PRODECOM significou a criação de uma arena política onde técnicos do
Estado e lideranças associativas das favelas acordavam a implantação dos projetos. Nesse
sentido, foram ampliados os graus de porosidade do Poder Público e de suas políticas em
relação às associações comunitárias no plano da implantação das decisões públicas que
afetavam diretamente a sua base (FJP, 1992).
No período de 1983-1986, progressivamente, o programa foi se fragmentando
quando, no nível estadual, passou a ser gerido pela Secretaria de Estado do Trabalho e da
Ação Social (SETAS). Essa Secretaria não possuía a centralidade política que dotava o
PRODECOM de autoridade e recursos no momento em que era conduzido pela SEPLAN.
Além disso, o desempenho e a continuidade do programa foram comprometidos pela
dispersão da equipe técnica e pelos novos arranjos políticos metropolitanos que ampliaram
101
o controle clientelista sobre as políticas públicas e sua implantação nas favelas24 (FJP,
1992).
Da mesma forma, o PRODASEC foi concebido em 1979 e tinha como foco os
moradores das áreas periféricas da região metropolitana. Esse programa visava a promoção
de ações sócio-educativas e culturais voltadas para a população carente ocupante dessas
áreas. Assim como o PRODECOM, as ações do PRODASEC iam no sentido de mobilizar
o esforço e a capacidade associativa da população para solucionar os problemas através de
uma prática comunitária (FARIA, 1996).
O PROPAR, por sua vez, consistia na realização de assembléias regionais, com a
presença do prefeito, nas quais eram sugeridas as obras que os participantes julgavam
prioritárias em suas áreas. Tais assembléias não tinham, entretanto, caráter minimamente
deliberativo. Serviam apenas para indicar, de forma descontínua e nada sistemática, as
principais preocupações dos moradores de cada região (SOMARRIBA, 2000).
De fato, esse programa apresentou resultados práticos muito limitados. Em razão
da ausência do caráter deliberativo das assembléias, a SUDECAP (Superintedência de
Desenvolvimento da Capital) continuou concentrando não somente a atribuição de realizar
as obras do município, mas também a definição e hierarquização das mesmas, em
articulação direta com o gabinete do prefeito e em estreita sintonia com as empreiteiras
executantes de obras públicas (SOMARRIBA, 2000).
Com o objetivo de criar esferas de governo mais próximas e mais sensíveis às
demandas da população, o município foi dividido em Administrações Regionais. A
implantação dessas Administrações Regionais, hoje 9 no total, foi um processo lento,
marcado por avanços e recuos.
SOMARRIBA (2000) descreve que as duas primeiras Administrações Regionais
(AR) - Venda Nova e Barreiro - começaram a funcionar ainda no início da década de 70.
De certa forma, essas AR foram implantadas inicialmente em razão da distância entre essas
regiões e o centro da cidade. Do ponto de vista legal, eram definidas amplas atribuições
24
Para uma avaliação rica e detalhada do PRODECOM, tanto no plano teórico quanto no nível dos resultados
102
para as AR, como a promoção de licitações de obras e serviços, a execução direta dessas
obras e serviços, a participação nas atividades de planejamento municipal, cabendo-lhes
elaborar planos e programas setoriais em articulação com o Conselho de Municipal de
Planejamento e de Desenvolvimento. Apesar disso, as primeiras regionais começaram
atuando de forma limitada, sem autonomia, apenas executando as obras definidas pelo nível
central. A transferência de recursos financeiros era irrisória e as AR não tinham poder
efetivo para definir quaisquer melhorias urbanas. Nesse sentido, acabavam atuando como
mediadores políticos entre as lideranças populares e o prefeito, em moldes clientelistas.
Uma década depois, em 1983, foram criadas as outras sete regionais. Apesar da
ampliação do número de AR, foram realizadas profundas restrições no papel das mesmas, o
que comprometeu um processo efetivo de descentralização intramunicipal. Nesse momento,
suas atribuições se restringiam à prestação de informações (tributárias, econômicas, etc.)
aos munícipes e encaminhamento para o nível central dos requerimentos feitos por esses
(SOMARRIBA, 2000).
O quadro de precariedade gerencial das AR só veio a ser melhorado a partir de
1989, com a implementação de uma série de medidas, como a nomeação de
administradores regionais com experiências passadas de participação nessas formas de luta
e movimentos e a proposta de criação de Conselhos Comunitários vinculados às
Administrações Regionais.
SOMARRIBA (2000) destaca que a proposta dos Conselhos Comunitários
frutificou apenas em Venda Nova e no Barreiro, em decorrência do maior envolvimento
dos administradores regionais com a idéia, bem como da maior densidade organizativa dos
setores populares locais e da configuração mais clara de uma identidade regional nas duas
áreas.
De fato, os maiores avanços no processo de descentralização políticoadministrativa em Belo Horizonte somente vieram a ocorrer a partir de 1993, na
administração do PT. Deste momento em diante, as Administrações Regionais assumiram o
concretos, ver FJP (1992).
103
papel de instâncias mais diretamente responsáveis pelo relacionamento com a população na
implementação do OP (SOMARRIBA, 2000).
O mapeamento e investigação histórica realizados acima apontam que o orçamento
participativo de Belo Horizonte já contava com algumas condições prévias favoráveis a sua
implementação. Ainda que de maneira tímida, a articulação com as instâncias organizadas
da sociedade já estava presente em vários dos setores da máquina pública municipal
(AZEVEDO & MARES GUIA, 2001). As iniciativas relembradas há pouco não chegaram
a inaugurar um novo estilo de governar, mas criaram condições institucionais para tal
(SOMARRIBA, 2000).
Dessa forma, podemos dizer que essas políticas listadas acima atuaram de maneira
a consolidar uma base para a implementação do OP. A existência e o funcionamento do
PRODECOM, do PRODASEC, do PROPAR, das Administrações Regionais e dos
Conselhos Comunitários acabaram por gerar um processo de aprendizagem organizacional,
no qual a administração municipal foi capaz de internalizar novos princípios, num processo
lento e gradual de construção institucional. Além disso, essas iniciativas empreendidas no
passado, de alguma forma, deixaram como "herança" toda uma sustentação técnica e
administrativa, envolvendo pessoal, estrutura física e administrativa.
O ponto a que se pretende chegar, portanto, é que as ações realizadas no passado
acabaram por constituir, num processo incremental, um ambiente favorável e propício à
implementação do orçamento participativo em Belo Horizonte. Assim, podemos afirmar
que, de alguma forma, o OP-BH se funda na dependência de uma trajetória histórica, em
que a ação do presente reflete o desempenho de um determinado conjunto de atividades no
passado. "O lugar a que se pode chegar depende do lugar de onde se veio e, simplesmente,
é mais difícil chegar a certos lugares a partir de onde se está" (PUTNAM, 1996).
Partimos, nesse momento, para a análise da segunda forma de aplicação do
conceito de dependência da trajetória, definida no esquema de avaliação de políticas
públicas a partir da visão neoinstitucional desenvolvido no item 5.2.2. A noção de
104
dependência da trajetória passa, então, a enfocar a relação de influência recíproca entre
instituições (que constituem uma determinada política pública) e ideologia. Isto é, a
dependência da trajetória passa a ser observada a partir da ênfase sobre o papel das idéias
no processo de mudança institucional. A idéia central aqui é a percepção de que as
estruturas institucionais definem os canais e mecanismos (constrangimentos e
oportunidades) através dos quais novas idéias são traduzidas em políticas, assim como,
novas idéias e pressupostos éticos, morais e técnicos influenciam o desenho, a metodologia
e a forma de implementação de novas políticas públicas e das instituições a elas ligadas.
GOMÀ & SUBIRATS (1998) chamam atenção para o fato de que tais idéias e
pressupostos constituem o referencial de uma política. Isto é, representam a forma como
estão organizadas as percepções dos atores em relação ao sistema. Essas percepções ou o
referencial de uma política influenciam de maneira decisiva nos critérios de julgamento e
formação de preferências, nas pautas de interação com os demais atores e na avaliação
tanto do processo de implementação quanto dos impactos de uma política. O
compartilhamento de percepções no nível de grupos organizados acarreta a formação de
comunidades epistêmicas. Uma vez formado, esse grupo de indivíduos que compartilham
os mesmos valores e princípios em relação a determinadas situações atua de forma a
influenciar a formação de políticas públicas concretas.
No caso do orçamento participativo de Belo Horizonte, a hipótese explicativa da
origem de tal política reside no reconhecimento do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus
aliados locais como uma dessas comunidades epistêmicas.
Como já descrito no item 3.2, a política do orçamento participativo, tal como
conhecemos hoje, consolidou-se e desenvolveu-se em Porto Alegre numa seqüência de
gestões do Partido dos Trabalhadores, que vem até os dias de hoje acumulando quase 12
anos de trabalho continuado. Dessa forma, é possível dizer que a política do orçamento
participativo está profundamente conectada ao PT, sendo viável afirmar que a mesma
constitui o principal “produto” deste partido. O que se pretende destacar aqui é a relação
entre o idéario do PT e o desenvolvimento da política do orçamento participativo. Para tal,
deveremos relembrar um pouco a história e os princípios desse partido.
105
O Partido dos Trabalhadores estabeleceu-se formalmente em 1981 a partir de uma
coalizão de sindicalistas radicais, movimentos sociais, grupos religiosos (as CEBs), além de
políticos e intelectuais de esquerda. Desde então, uma cultura de democratização influencia
a plataforma do partido na qual a “democratização do processo de tomada de decisão” e a
“inversão de prioridades” são os princípios orientadores mais arraigados (ABERS, 2000).
Ênfase particular é destinada à defesa da ampliação da participação, o que se manifesta,
enquanto proposta prática, na abertura de canais institucionais de consulta permanente junto
à população, para sua participação direta ou indireta (SILBERSCHNEIDER, 1998).
Dessa forma, a ideologia do PT busca representar uma alternativa ao padrão
clientelista e populista de governar que, através da incorporação da participação popular é
capaz de gerar políticas sociais capazes de enfrentar demandas básicas na área de saúde,
educação, habitação e transporte (PALOCCI et al, 1997). Essa proposta de gestão
alternativa, como já dito, tem como elemento central a questão da participação popular,
aliada à ética, à transparência, à desprivatização do poder público e à inversão de
prioridades (ANANIAS, 1997; GENRO, 1997).
Desde 1988, quando um número significativo de cidades elegeu prefeitos do PT,
políticas participativas de todo tipo vêm sendo implementadas (ABERS, 2000), dentre elas
conselhos municipais populares e participação nas decisões orçamentárias. As experiências
empreendidas nesse período provocaram o amadurecimento da concepção de participação
definida pelo partido e aprimoraram os processos e metodologias, de modo a torná-los cada
vez mais efetivos.
Mesmo que ainda não seja possível falarmos sobre um "modo petista de
governar", como afirma GENRO (1997), o fato de o partido firmar-se no cenário político
nacional e assumir a direção de frações do Estado, possibilita-lhe implementar seus
princípios ético-políticos e programáticos que constituem sua visão de mundo.
É a partir desse ideário e princípios que, em 1993, na administração do PT, o
Prefeito Patrus Ananias inicia o processo de implementação do orçamento participativo de
Belo Horizonte. Seguindo a estratégia partidária nacional, a política do orçamento
participativo era o ponto central da plataforma eleitoral do candidato a prefeito. O Capítulo
106
4 deste trabalho apresenta um histórico detalhado do processo de implementação e
desenvolvimento do orçamento participativo em Belo Horizonte que sucedeu o referido
momento.
Com base no que foi exposto acima, torna-se mais claro o papel da ideologia no
processo de formação de uma política pública e dos arranjos institucionais ligados a ela.
Percepções e idéias são as fontes de inspiração para a reconfiguração institucional. Indo
além, devemos reconhecer que a relação entre ideologia e instituições - no caso, aquelas
relacionadas a políticas públicas - é de influência recíproca. Não só as idéias influenciam as
instituições, como também as instituições atuam como "filtros", através do estreitamento
conceitual que são capazes de proporcionar. Como foi citado anteriormente, primeiro a
política molda as instituições, mas posteriormente as instituições moldam a política
(Montesquieu apud PUTNAM, 1996).
Essa última idéia nos conecta com o próximo momento do trabalho, que visa
analisar que tipo de efeito foi verificado a partir da mudança institucional, cujas origens
foram explicadas a partir dos eventos históricos que precederam a implementação do OP,
assim como da relação entre os arranjos institucionais vigentes e a canalização do ideário e
princípios de ação do Partido dos Trabalhadores.
6.2.2 – A noção de custos de transação e os efeitos da mudança institucional
Como já anunciado anteriormente, a análise dos efeitos provocados pela mudança
institucional (implementação do OP) terá como orientação a noção de custos de transação.
Assim como exposto no item 5.2.2, os custos de transação são determinados pela estrutura
institucional vigente. Dessa forma, um processo de mudança institucional, que provoca a
reconfiguração da estrutura de oportunidades e constrangimentos, consequentemente, acaba
por alterar os custos de transação.
Relembrando rapidamente, os custos de transação podem ser entendidos como
todos os custos envolvidos no processamento e efetivação de acordos, trocas e
compromissos. Como no caso de políticas públicas, tais acordos, trocas e compromissos
107
muitas vezes ocorrem através de instituições, os custos de transação também podem ser
entendidos como o custo dos recursos utilizados para a criação, manutenção, utilização e
alteração de instituições. Estes custos, portanto, incluem, como já mencionado
anteriormente, custos de informação; custos de manutenção e utilização; e custos de
imposição (enforcement)25.
Para que sejam verificados, de forma mais precisa, os elementos de custo
envolvidos numa política pública, é imprescindível que o acordo ou a troca que a
caracteriza seja identificado. No caso do orçamento participativo de Belo Horizonte, o
acordo/troca envolvido é o seguinte:
-
A Prefeitura de Belo Horizonte abre mão do seu direito ou competência
constitucional de produzir reservadamente todo o orçamento municipal,
concedendo parte dele à decisão popular. A participação popular, por sua vez,
atua para a prefeitura como uma forma de diagnóstico de demandas e
necessidades, além de gerar a co-responsabilização26 dos participantes pelos
resultados de tal atuação política, e de incrementar as bases de legitimidade do
governo;
-
A população contribui com seu envolvimento no processo orçamentário, uma vez
que através da participação poderá defender e definir diretamente suas
necessidades e prioridades.
A partir do esclarecimento da troca ou acordo envolvido no orçamento
participativo, poderemos proceder, com base nas informações sobre tal política fornecidas
ao longo deste trabalho, à identificação dos custos associados a essa troca e dos elementos
que compõem cada um daqueles conjuntos de custos de transação citados acima.
No que diz respeito ao conjunto ligado aos custos de informação - que consistem no
custo de mensuração dos atributos de valor envolvidos na troca; custos de obtenção,
25
O conceito de custos de transação é definido e discutido nos item 5.1.4 e 5.2.2.
A compreensão que espera-se obter do termo co-responsabilização pode ser ilustrada a partir da seguinte
citação: "...se a comunidade definiu como prioritário o alargamento de uma rua o programa assume todos os
custos materiais e a comunidade assume os custos políticos e sociais da pressão dos interesses privados
prejudicados com a produção daquele bem coletivo." [FJP, 1992]
26
108
processamento e distribuição de informação para o planejamento, desenho institucional e
tomada de decisão; além de envolver os custos de aprendizagem organizacional e de
capacitação de pessoal - podemos identificar no orçamento participativo os seguintes
elementos:
-
custos envolvidos no desenvolvimento da metodologia e dos procedimentos;
-
custos ligados ao planejamento e desenho do ambiente organizacional e
institucional do OP-BH, incluindo a definição de funções, papéis e atribuições
para os atores envolvidos;
-
custos relativos à coleta de dados nos órgãos responsáveis pela execução da
política, nas assembléias populares e nas comissões de fiscalização;
-
custos envolvidos no tratamento estatístico desses dados;
-
custos relacionados à produção de folhetos (convocações para reuniões e
assembléias, prestação de contas, etc.), de relatórios técnicos para os órgãos
decisores e de revistas (como a PlanejarBH);
-
custos com treinamentos iniciais, tanto do corpo técnico e burocrático quanto dos
participantes, através de seminários de sensibilização;
-
custos envolvidos no processo de internalização e desenvolvimento de
habilidades no decorrer do processo, por parte daqueles ligados à condução da
política;
-
custos de capacitação de lideranças populares, por meio da realização de cursos e
reuniões.
O segundo conjunto - os custos de manutenção e utilização - envolvem os custos
de manutenção das organizações, monitoramento e avaliação de processos e resultados. No
caso do OP, estes custos se manifestam:
-
na implantação das novas unidades organizacionais criadas a partir da
implementação do OP-BH;
109
-
na manutenção das estruturas responsáveis pela coordenação de todo o processo
orçamentário participativo, incluindo custos fixos e variáveis;
-
no processo de negociação representado pela fragmentação organizacional das
agências públicas municipais e na negociação com as instâncias de participação
popular e controle público;
-
no monitoramento dos custos incorridos por estas organizações;
-
nos custos relativos ao desempenho de avaliações tanto dos processos quanto dos
resultados, voltadas ao controle e aprimoramento da política.
Por fim, os custos de imposição (enforcement) compõem-se dos custos ligados à
garantia dos resultados da troca ou acordo e os custos relacionados à renovação da troca e
seus termos. Com relação à garantia dos resultados, no caso do OP-BH, os custos estariam
ligados à: a) manutenção das estruturas organizacionais - incluindo custos fixos e variáveis
- que correspondem às instâncias de participação e controle público do orçamento
participativo, a saber: Fóruns Regionais de Prioridades Orçamentárias (seus delegados),
COMFORÇAS, CMOP, comissão da Cidade, e Conselho da Cidade27; e b) negociação
destas organizações e instâncias de participação popular com a prefeitura, incluindo os
custos de preparação e realização de reuniões, além dos custos ligados ao processamento
das decisões nelas tomadas.
Do ponto de vista da renovação da troca ou acordo, a inexistência de mecanismos
formalmente instituídos com tal função28, exime a absorção de custos, como o de
manutenção de organizações e de realização de negociações. Porém, a incerteza provocada
pela ausência de instrumentos de enforcement que garantam a renovação do acordo gera um
cenário de instabilidade que, por sua vez, pode ser incorporado pelos atores envolvidos sob
a forma de custos de transação.
O esforço realizado não tem como objetivo entrar em detalhe a respeito de cada
elemento ou conjunto que compõem os custos de transação envolvidos na troca exposta,
27
28
Estas organizações e instâncias de participação foram descritas no item 6.1.
Aspectos discutido no item 6.1.
110
mesmo porque, como citaram BENHAM & BENHAM (1998), trata-se de elementos cuja
mensuração e operacionalização é extremamente difícil na vida real. Tratou-se apenas de
identificar tais elementos quanto a sua natureza e inserção no processo, pois, eles
constituem as condições básicas para a viabilização da troca ou acordo envolvido na
dinâmica do OP-BH. A identificação de tais custos apresentam como utilidade o fato de
clarear que tipo de custos de transação estão sendo absorvidos pelos atores envolvidos.
A preocupação, por parte da Coordenação do Orçamento Participativo de Belo
Horizonte, em relação à identificação dos custos e condições básicas para a viabilização da
política pôde ser constatada em entrevista com o Secretário Municipal de Planejamento. O
entrevistado revelou que a busca por uma melhor apropriação de todos os custos envolvidos
no processo é um dos desafios atuais. A partir das informações relativas a esses custos a
discussão com a população poderia ser substancialmente aprimorada, tornando o processo
ainda mais claro e transparente (Entrevista, em 30 de outubro de 2001).
Cabe ainda destacar que, além dos custos mencionados acima, a mudança
institucional, pelo simples fato de constituir uma mudança, incorre todos os custos relativos
à adaptação aos novos arranjos, tais como, reformulação de processos, capacitação de
pessoal, adequação da estrutura física e administrativa, ou seja, todos aquelas atividades
que configuram o processo de re-aprendizado organizacional. Estes custos também devem
ser contabilizados no conjunto de custos de transação.
Dispor de uma mínima visualização dos custos de transação envolvidos na troca
ou acordo possibilita compreender a base da motivação dos atores para a busca de
aprimoramento dos termos da troca, assim como, das instituições nela envolvidas. Como já
salientado por NORTH (1990), a alteração dos custos de transação acabará por incentivar
esforços, por parte dos atores diretamente envolvidos, no sentido de desenvolver
convenções e normas que reduzam os custos de transação gerados, através do
estabelecimento de termos e regras que tornem o processo de troca mais estável e confiável.
111
A próxima etapa desta análise se concentrará em identificar e comentar cada uma
dessas convenções, normas e adaptações, realizadas ao longo da história, incorporadas à
metodologia do orçamento participativo de Belo Horizonte, de forma a aprimorá-lo e
desenvolvê-lo.
Todas as mudanças na metodologia do orçamento participativo, a serem abordadas
aqui, encontram-se historicamente situadas no Capítulo 4 deste trabalho. Além disso, para
fins de maior organização da análise subsequente, a totalidade de mudanças e adaptações à
metodologia foi categorizada a partir de dois grandes conjuntos: a) captação e qualificação
de demandas; e b) operacionalização e organicidade.
O primeiro, ligado à captação e qualificação de demandas, envolve iniciativas e
ações destinadas à constituição de um aparato capaz de colher e selecionar as reais
prioridades ou ações mais necessárias, num contexto de abundância de demandas e recursos
escassos, de forma a incorporá-las num referencial de atuação política lógico e sustentável.
Além disso, como menciona SOMARRIBA (2000), as mudanças verificadas na
metodologia do OP-BH, no que diz respeito à captação e qualificação de demandas, têm
como objetivo evitar a “captura” do processo por agentes políticos com maior capacidade
de mobilizar recursos, que conseguem fazer valer seus interesses, não questionando a
legitimidade dos mesmos, muito embora reste dúvida com relação ao seu caráter prioritário.
Como, por exemplo, ocorreu numa regional a priorização de iniciativas nas áreas de saúde e
educação que, quando confrontadas com as carências de infra-estrutura da região, não
poderiam ser consideradas prioritárias em nenhuma hipótese. Segundo a autora, esta
preocupação vinha sendo manifestada tanto pelos administradores regionais quanto pelos
membros das COMFORÇAS. SOMARRIBA (2000), destaca também que tais mudanças
buscam tentar impedir que sejam reproduzidas no âmbito do OP ações políticas de corte
clientelista.
Sendo assim, o conjunto relativo a captação e qualificação de demandas envolve
as seguintes mudanças: a adoção dos critérios de abrangência social e relevância social; o
desenvolvimento e aplicação do Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU); a definição
dos pré-requisitos de planejamento urbano, relacionando as demandas com os instrumentos
112
de planejamento – como o Plano Diretor, os Planos Diretores Regionais, os Planos Globais
Específicos (PGE), dentre outros; e a implantação do Orçamento Participativo Cidade.
Por sua vez, o segundo conjunto – operacionalização e organicidade – envolve
iniciativas e ações que tratam do processo de transformação das prioridades selecionadas
em ações viáveis. Constitui o aparato capaz de transformar demandas sociais em ações
governamentais concretas, através da inserção das primeiras no ambiente organizacional da
prefeitura, tornando-as metas de execução para as diversas agências municipais.
Estão incluídas nesse conjunto as mudanças e adaptações à metodologia ligadas a:
busca por maior precisão na elaboração dos projetos de obras e empreendimentos;
levantamento da capacidade executiva dos órgãos responsáveis pela realização das obras
(URBEL e SUDECAP); ampliação da autonomia financeira das Administrações Regionais,
através da instituição de cotas de manutenção e elevação do limite para realização de
licitações para obras; busca por maior cooperação e articulação institucional intersetorial;
estabelecimento de uma nova regionalização intra-municipal a partir das Unidades de
Planejamento (UP); introdução da bianualidade para o processo do orçamento participativo;
e criação do Grupo Gerencial do OP.
A seguir, cada uma destas iniciativas e adaptações, realizadas ao longo da história
no sentido de aprimorar e evoluir o processo de participação no orçamento público, será
comentada individualmente.
a) Captação e Qualificação de Demandas:
a.1) Critérios de Abrangência Social e Relevância Social.
Estes critérios de planejamento foram incorporados à metodologia em 1998, no
processo de elaboração do OP 99-2000. O emprego desses critérios tem como objetivo
propiciar uma melhor qualidade no processo de definição de prioridades e ações a serem
empreendidas, na medida em que atuam de forma a qualificar objetivamente as demandas
apresentadas nas assembléias populares, fornecendo uma base para a análise comparativa
113
das propostas. O critério de abrangência social leva em consideração uma estimativa do
número de pessoas e da extensão dos benefícios que podem vir a ser gerados por uma dada
reivindicação. E o critério de relevância social qualifica uma determinada proposta a partir
do número de vezes que foi apresentada enquanto demanda em Fóruns do OP anteriores
sem que tenha sido neles aprovada (PREFEITURA MUNCIPAL DE BELO HORIZONTE,
2000c). A pontuação das demandas a partir desses critérios passou a ser conhecida como
“nota das obras”. Da introdução da pontuação em diante, a escolha dos empreendimentos
prioritários passou a ser definida da seguinte forma: o voto popular nas assembléias
representa 51% e o resultado da pontuação 49%29. Essa mudança exigiu inúmeras
negociações com as lideranças, que se sentiam ameaçadas de perder o controle político do
processo, assim como levou os coordenadores do orçamento participativo a se dedicarem
intensivamente para conceber e pontuar as demandas apresentadas (PREFEITURA
MUNCIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000b).
a.2) O Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU).
Embora lançado em 1996, o IQVU somente foi incorporado ao processo do
orçamento participativo a partir de 2000 - na definição do orçamento de 2001-2002 - sendo
alvo de intensas discussões nesse período de 4 anos. O IQVU foi elaborado com a intenção
de orientar a distribuição dos recursos do orçamento participativo, apesar de cada vez mais
vir sendo reconhecido como um instrumento de grande utilidade para as atividades de
planejamento em diversos setores e políticas30. Até 1999, a repartição espacial dos recursos
era feita considerando-se o tamanho e a renda da população de cada uma das Regiões
Administrativas de Belo Horizonte. A partir de 2000, o IQVU foi associado aos critérios já
29
O cálculo final é feito a partir de planilha e software especialmente elaborado para combinar a pontuação
com o resultado da votação.
30
Um exemplo disso, é o emprego do IQVU como critério de distribuição do recurso do Programa BolsaEscola entre as regiões da cidade, por parte da Secretaria Municipal de Educação. PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE (2000b).
114
empregados. Dessa maneira, as Unidades de Planejamento (UP)31 simultaneamente mais
populosas e com qualidade de vida urbana mais baixa passaram a receber mais recursos.
O IQVU possui a capacidade de mensurar a oferta de serviços e recursos urbanos,
bem como o acesso da população aos mesmos, dessa forma, apresenta-se como um índice
essencialmente urbanístico. Sua composição, estrutura e forma de cálculo enfatizam
aspectos fundamentalmente vinculados ao ambiente construído; é calculado a partir de
indicadores que quase sempre se reportam ao lugar; estes privilegiam informações sobre a
oferta de equipamento ou dados vinculados aos mesmos e, no cálculo, foram considerados
como mais importantes os setores de habitação e infra-estrutura, variáveis de maior peso no
índice. Além desses aspectos, os valores obtidos para cada unidade intramunicipal são
corrigidos pelo tempo de deslocamento necessário para se acessar os serviços considerados,
fora do local de moradia (utilizando-se transporte coletivo), partindo-se de diversos lugares
da cidade. Este tempo de deslocamento resulta numa "medida de acessibilidade" incluída
no modelo formal de cálculo do IQVU e faz com que os valores obtidos para o índice
reflitam também dois aspectos essenciais na qualidade de vida nas cidades: a qualidade do
transporte coletivo e da malha viária urbana. Formulado especialmente como um
instrumento de gestão urbana, o IQVU permite identificar as regiões da cidade onde há
menor oferta e acesso aos serviços (e que, portanto, devem ser priorizadas na distribuição
das verbas disponíveis), bem como os serviços que devem ser priorizados nestas regiões
para elevar seu IQVU (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000a).
O índice expressa a oferta e o acesso da população a serviços e recursos urbanos,
na medida em que contempla variáveis temáticas ligadas ao abastecimento, à assistência
social, à cultura, à educação, aos esportes, à habitação, à infra-estrutura urbana, ao meio
ambiente, à saúde, à segurança urbana e a serviços urbanos (como, postos de gasolina,
agência de correios, etc.). A partir dessas 11 variáveis, foram elaborados 75 indicadores
calculados de forma georreferenciada para as 81 Unidades de Planejamento do município
de Belo Horizonte. O cálculo final do IQVU permite que seja estabelecida uma hierarquia
31
A divisão do município em Unidades de Planejamento será discutida logo adiante.
115
entre estas unidades, além de proporcionar a percepção das prioridades espaciais e setoriais
do município (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000a).
Um dos elementos importantes do processo de construção do IQVU foi a
incorporação da participação de seus usuários imediatos (Administrações Regionais e
outros setores da PBH), os quais opinaram acerca do elenco de variáveis temáticas, bem
como, determinaram o peso de cada variável. Além disso, após elaborado o índice (1996), o
intervalo de tempo até a sua implementação na dinâmica do OP foi preenchido por diversas
discussões entre a coordenação do OP, os administradores regionais e os membros do
Conselho da Cidade. Estas discussões visavam a capacitação dos grupos envolvidos no
processo para análise do índice e treinamento na utilização do mesmo. Esse processo de
capacitação buscava demonstrar que a efetiva aplicação do índice ajustava-se precisamente
aos objetivos do OP de inverter democraticamente as prioridades de governo, destinando
mais recursos públicos às áreas mais necessitadas32 (PREFEITURA MUNICIPAL DE
BELO HORIZONTE, 2000a).
a.3) Pré-requisitos de planejamento urbano.
A partir do OP 99-2000, elaborado em 1998, foram introduzidos na metodologia
parâmetros que buscavam constituir pré-requisitos de planejamento urbano para a avaliação
e qualificação de demandas. Esses parâmetros visavam atuar de forma a pré-selecionar as
demandas que possuíssem articulação e integração com os instrumentos de planejamento
urbano vigentes. Estes instrumentos de planejamento incluem: o Plano Diretor; os Planos
Diretores Regionais; os Planos Globais Específicos (PGE) para vilas e favelas; a Lei de Uso
e Ocupação do Solo; e as diretrizes das áreas de saúde e educação; dentre outros
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000c). A partir dessa alteração,
demandas que não apresentavam conformidade ou iam contra as disposições dos
instrumentos de planejamento - nos casos em que esses eram aplicáveis - não deveriam
constituir objetos sujeitos à priorização em assembléias populares, ressalta a Assessora de
32
Para mais informações a respeito do IQVU, ver NAHAS (2000) e PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO
HORIZONTE (2000a).
116
Planejamento - SMPL/PBH (Entrevista, em 01 de outubro de 2001). O pressuposto de tal
mudança é o de que os instrumentos de planejamento possuem a capacidade de orientar os
empreendimentos a serem realizados, na medida em que diagnosticam as principais
necessidades e apontam ações estratégicas para solucionar os problemas. Assim, seriam
evitados casos, como por exemplo a priorização de uma determinada obra que poderia ter
sua realização inviabilizada tecnicamente por prescindir da realização de outra intervenção
(estruturante) não prevista na primeira.
a.4) Orçamento Participativo Cidade.
A implementação do Orçamento Participativo Cidade teve início em 1998. O OP
Cidade é então introduzido com o objetivo de ampliar a abrangência da participação
popular do nível regional para a cidade como um todo, democratizando as decisões sobre os
investimentos estruturantes da cidade e os gastos com políticas sociais. A metodologia
geral desse processo baseia-se no conceito de planejamento estratégico e de gerenciamento
por diretrizes, e tem como resultado final a elaboração de Planos Estratégicos Setoriais.
Nesses planos são hierarquizadas as ações sociais da prefeitura nas áreas de educação,
saúde, desenvolvimento social e cultural, esporte, turismo e eventos, assuntos da
comunidade negra, abastecimento, desenvolvimento econômico, bem como as ações de
planejamento e intervenções urbanas. Além dos planos, o processo do OP Cidade também
visa definir linhas estratégicas intersetoriais, ou seja, ações articuladas desenvolvidas por
diferentes órgãos da PBH. O Orçamento Participativo Cidade constituiu, portanto, um
avanço da metodologia do orçamento participativo de Belo Horizonte que tornou viável a
discussão partilhada entre governo, servidores e sociedade sobre os problemas e soluções
para a cidade, buscando não só a melhoria das ações em cada setor, mas também, uma
maior integração intersetorial da prefeitura33 (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO
HORIZONTE, 2000).
33
Mais detalhes sobre a metodologia do OP Cidade em Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (2000a).
117
b) Operacionalização e Organicidade:
b.1) Precisão na elaboração dos projetos.
Nos primeiros anos de funcionamento do orçamento participativo em Belo
Horizonte, a decisão popular no processo de definição e priorização de obras regionais
acabou por revelar explicitamente a incapacidade gerencial dos órgãos executores da
prefeitura (SUDECAP e URBEL) para atuar de forma pré-programada. Tais órgãos não se
encontravam preparados para esclarecer e expor antecipadamente para a população os
critérios técnicos ligados à concepção do projeto executivo do empreendimento, nem para
atuar de forma transparente em relação à economicidade dos custos do empreendimento, à
efetividade e moralidade da condução do processo licitatório, dentre outras deficiências
(SILBERSCHNEIDER, 1998).
Tais deficiências em relação aos mecanismos de accountability do processo,
juntamente com as dificuldades encontradas no que diz respeito ao dimensionamento do
impacto financeiro do empreendimento previsto, acabavam por contribuir para a imprecisão
na elaboração dos projetos das obras e empreendimentos. Nesse período, tanto a
SUDECAP quanto a URBEL deixaram de considerar diversos elementos nas vistorias de
algumas obras. Estes elementos acabavam sendo identificados posteriormente, quando
tinham que ser executados sem terem sido orçamentariamente previstos. A SUDECAP e
URBEL atuavam a partir da herança de um pragmatismo executivo - que coloca as decisões
executivas sob pressões conjunturais e de interesse – e de uma cultura gerencial baseada na
improvisação – que não se preocupa em antecipar obstruções executivas. Dessa forma,
estes órgãos executores não dispunham de um banco de projetos ou mesmo de rotinas
sistemáticas para levantamento dos itens a comporem as planilhas de custos (como por
exemplo, estudos de bacia, drenagem e sondagem de terrenos, etc.) [SILBERSCHNEIDER,
1998].
118
O resultado foram graves erros de estimativa de custos na elaboração do projetos
de obras e empreendimentos do OP. O Quadro 6.2.1 a seguir demonstra esta situação que
marcou os primeiros anos do orçamento participativo em Belo Horizonte.
Quadro 6.2.1
Valores Estimados e Orçados nos Orçamentos
Participativos de 1994 a 1996 (em R$ 1 milhão)
OP
94
95
96
Total
Estimado Orçado Variação/Erro (%)
15,350
25,554
66,5
18,185
33,487
84,1
27,175
35,346
30,1
60,710
94,387
55,5
Fonte: SILBERSCHNEIDER, 1998.
O erro nas estimativas das primeiras três edições do OP (55,5%) chegou a
representar aproximadamente um valor de R$ 33,667 milhões (Silberschneider, 1998).
Nos anos subsequentes, 1997 e 1998, diante da impossibilidade de aprimoramento
rápido das vistorias, para minimizar a fragilidade das estimativas, a prefeitura considerou
nos cálculos uma margem de erro geral igual a 50%, elevando substancialmente os custos
de todos empreendimentos (SILBERSCHNEIDER, 1998).
A partir de então, houve considerável evolução na precisão dos projetos. Tal
resultado foi atingido a partir de um melhor equipamento dos órgãos executores, ampliação
do quadro de pessoal e definição de procedimentos e processos para as vistorias dos futuros
empreendimentos e para a elaboração dos projetos, de forma a reduzir os erros de
estimativa. A título de exemplo, o Superintendente da SUDECAP informou em entrevista
que, a partir de 1996, o nível de desajuste entre estimado e realizado nos projetos de obras
mantinha-se em torno de 24%, margem de erro admitida pela legislação vigente, que é de
25% (SOMARRIBA, 2000).
119
b.2) Levantamento da capacidade executiva da URBEL e SUDECAP.
Ao longo de sua história, o orçamento participativo definiu um número expressivo
de empreendimentos, 850 no total (ver Quadro 6.1.2, pag. 79). Isto representa, de forma
ilustrativa, considerando as 7 edições já realizadas, a definição e encaminhamento de uma
nova obra, em média, a cada 4 dias. Essa proporção constitui um ritmo extremamente
acelerado, levando em consideração que todo o processo envolve vistoria, elaboração de
projeto, realização de licitações e a própria execução da obra.
Assim, a capacidade executiva dos órgãos da prefeitura foi desnudada logo nas
primeiras edições do OP. Para os quatro primeiros anos foram definidas 527 obras (62% do
total já aprovado), o que fatalmente implicou em atrasos e não cumprimentos dos prazos
estabelecidos para a entrega dos empreendimentos às comunidades. Na medida em que o
cenário de atrasos alimentava uma crise de credibilidade para as próximas edições do OP, a
prefeitura, a partir do quarto ano, reduziu o número possível de intervenções a serem
aprovadas, sem alterar o montante de recursos em discussão (SILBERSCHNEIDER, 1998),
passando de 171 no OP 94 para 68 no OP 9834. Tal iniciativa foi embasada numa avaliação
da capacidade executiva da URBEL e SUDECAP, que buscava identificar até que ponto os
compromissos assumidos com a população poderiam ser cumpridos. Além disso, esforços
foram concentrados no sentido de produzir informações sobre o estágio do andamento de
cada obra, como meio de promover o seu monitoramento e prestar contas permanentemente
às lideranças populares (SILBERSCHNEIDER, 1998).
É importante ressaltar também que, principalmente no caso da URBEL, foram
empreendidas iniciativas no sentido de tentar ampliar a capacidade executiva dos órgãos,
com maior transferência de recursos financeiros e aumento do quadro de pessoal.
A partir daí, a executabilidade das edições subsequentes do OP apresentaram
melhor performance. O Gráfico 6.1.1 (pag. 78 – item 6.1) ilustra essa situação. Dos 719
empreendimentos definidos até 2000, aproximadamente 80% (576) encontrava-se já
concluído, sendo que os 20% restantes constavam como obras em andamento, não
existindo, portanto, nenhum empreendimento aguardando o início de sua execução.
120
b.3) Maior autonomia financeira para as Administrações Regionais.
As Administrações Regionais ganharam maior autonomia financeira a partir da
adoção de duas medidas por parte da administração municipal. A primeira delas, que se
concretizou em 1994, refere-se a instituição de uma "cota de manutenção" para as AR. Isto
é, todas as regionais passaram a receber um volume mínimo de recursos, destinado à
manutenção de suas atividades, cujo processo de liberação ocorre de forma bem mais
simples e ágil do que o anteriormente utilizado na transferência da dotação orçamentária
descentralizada. No ano seguinte, 1995, a segunda medida de ampliação da autonomia das
AR é materializada através do Decreto Municipal Nº7.878/95. A partir de tal decreto as AR
ficam autorizadas a realizar licitações para obras de valor muito superior ao que era
permitido até então. Com isso, as AR puderam assumir pequenas obras do OP, aumentando
a capacidade executiva e a eficiência do governo na realização das melhorias urbanas
decididas pela população (SOMARRIBA, 2000).
Além disso, ambas as medidas empreendidas contribuíram para a constituição de
instâncias de governo descentralizadas de efetiva capacidade de atuação. Tal fato revela-se
extremamente importante pois a descentralização intra-municipal não ocorre apenas através
da instituição de Administrações Regionais, é preciso também dotá-las dos instrumentos
básicos para que possam agir concretamente junto a população que lhe é próxima.
b.4) Integração e articulação intersetorial.
Ao longo das 7 edições do orçamento participativo realizadas em Belo Horizonte,
principalmente a partir da implantação do OP Cidade, era comum o surgimento de
sugestões, levantadas tanto pelo corpo técnico e gerencial quanto pela população, em
relação à necessidade de uma melhor integração e articulação entre os diversos órgãos da
PBH. Para que essa integração intersetorial ocorresse era necessário uma reformulação
considerável dos processos de trabalho e da estrutura organizacional existente.
34
ver Quadro 6.1.2, pag. 79, item 6.1.
121
Inicialmente, foram criados os Grupos de Trabalho Intersetoriais de coordenação,
integração e gerenciamento, com o objetivo de articular as ações dos diversos órgãos,
definir diretrizes, planejar a execução e cumprir prazos. A atuação desses grupos culminou
na reforma administrativa implantada na PBH em 200035. Essa reforma teve como
diretrizes orientadoras a aglutinação das secretarias municipais a partir de seu objeto de
ação e a intensificação da descentralização para as estruturas de ponta (AR). A aglutinação
das secretarias resultou na formação da Secretaria Municipal de Coordenação de Políticas
Urbanas e da Secretaria Municipal de Coordenação de Políticas Sociais, como os melhores
exemplos da integração intersetorial, localizadas num nível hierárquico superior às
secretarias setoriais (meio ambiente, educação, saúde, cultura, etc.). O processo de
descentralização, por sua vez, foi intensificado na medida em que as Administrações
Regionais foram transformadas em Secretarias Municipais de Gestão Regional e passaram
a ser dotadas de uma estrutura organizacional de maior capacidade executiva e
administrativa, buscando aprofundar a relação da população com as instâncias de governo
regionalizadas (Jacinto, 2001).
b.5) Regionalização a partir de Unidades de Planejamento (UP).
Em 1999, na elaboração do OP 2001-2002, juntamente com a incorporação do
IQVU à metodologia do OP, procedeu-se à utilização da regionalização a partir das
Unidades de Planejamento. As UP são unidades espaciais definidas para o Plano Diretor da
Cidade (de 1995) e tiveram seus limites estabelecidos respeitando-se os critérios de: a)
homogeneidade do padrão de ocupação do solo; b) continuidade da ocupação; c) limites das
Regiões Administrativas da prefeitura; e d) limites das grandes barreiras físicas naturais ou
construídas. Vale ressaltar que as 8 maiores vilas e aglomerados de favela da cidade
compõem unidades a parte, e à época da implantação dessa regionalização, abrangiam cerca
de 48% da população favelada da cidade. As UP apresentam maior ou menor grau de
homogeneidade interna, sendo algumas delas compostas por um único bairro ou por um
35
Nesse sentido, o Secretário Municipal de Planejamento menciona que o OP Cidade serviu de inspiração
para a reforma administrativa, contribuindo para constituir a proposta de intersetorialidade expressa na
122
único aglomerado de favelas (mais homogêneas), e outras compostas por bairros e/ou parte
de bairros, juntamente com uma pequena favela ou conjunto habitacional (menos
homogêneas). A introdução das UP como referência espacial para o processo do OP vem
ocorrendo de forma gradual, a partir da promoção de reuniões com representantes de
instâncias intermediárias (sub-regiões), para que posteriormente, uma vez criadas as
condições necessárias, as futuras edições do OP sejam feitas em cada Unidade de
Planejamento. As UP, uma vez ligadas ao IQVU e ao IVS, proporcionam uma base de
informações georreferenciada de fundamental importância para o planejamento municipal36
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2000a).
b.6) Bianualidade.
A bianualidade foi introduzida à metodologia do OP em 1998, quando estava em
curso o processo de elaboração do OP 99-2000. A partir daí, a definição de prioridades
passou a acontecer de dois em dois anos, com recursos financeiros proporcionalmente
equivalentes. Essa alteração foi necessária para que fosse possível introduzir a discussão
das políticas sociais e urbanas no nível da cidade, isto é, o OP Cidade. No período de um
ano era praticamente inviável promover simultaneamente os dois processos participativos,
setorial (Cidade) e Regional, incluindo o de Habitação, devido à evidente concorrência,
superposição de agendas e conseqüente desgaste tanto do corpo técnico quanto dos
participantes com o processo participativo. Com a bianualidade, em cada mandato, a
população aprova, intercaladamente, dois orçamentos de obras regionais e de habitação e
dois orçamentos sociais e de ações urbanas. A introdução da bianualidade trouxe como
conseqüência a melhoria da capacidade de resposta e planejamento da administração
municipal na realização dos empreendimentos, possibilitando a compatibilização de prazos
envolvidos, por exemplo, na licitação de projetos, na execução das obras, nas
desapropriações e nas discussões das políticas setoriais (PREFEITURA MUNICIPAL DE
BELO HORIZONTE, 2000b). Além disso, a ampliação do prazo para dois anos têm
restruturação administrativa da Prefeitura (Entrevista, 30 de outubro de 2001).
123
proporcionado, como relata o Secretário Municipal de Planejamento, a execução de
empreendimentos escolhidos nos OPs anteriores que ainda não haviam sido iniciados e,
assim, está possibilitando a atualização da pauta de obras e a manutenção do compromisso
entre o poder público e os cidadãos (Entrevista, em 30 de outubro de 2001).
b.7) O Grupo Gerencial do OP.
Num contexto em que a entrega de um conjunto considerável de obras vinha sendo
atrasada e diante da percepção da ausência de uma sistematização de informações para o
acompanhamento e monitoramento dos empreendimentos, foi encaminhada, em 1995, a
constituição do Grupo Gerencial do OP. O Grupo Gerencial, então, inicia uma nova fase de
coordenação do OP na medida em que passou a desempenhar a tarefa de conceituar, reunir
e divulgar o estágio de execução das obras, além de articular os órgãos nelas envolvidos,
desde sua origem no âmbito das discussões do OP até sua conclusão final. O objetivo
principal do Grupo Gerencial era o de ampliar a capacidade de operacionalização da pauta
de obras da Prefeitura. Ao longo do processo, o grupo tornou-se o gerente de fato das obras
aprovadas no orçamento participativo37. Sua atuação logrou a produção de informações
sobre o estágio dos empreendimentos, desde detalhes sobre a natureza dos projetos
executivos, passando pela gerência dos eventuais aditivos aos contratos, até o
acompanhamento das medições, em um formato eficaz, como os órgãos envolvidos não
haviam experimentado até então. Durante o seu funcionamento, o Grupo Gerencial cumpriu
um importante papel de provocar a reflexão de parcela significativa da gerência, sobretudo,
da SUDECAP, para o estabelecimento de um padrão de qualidade em seus serviços. Uma
vez sendo uma estrutura paralela, em 1997, o Grupo é extinto, sob a alegação da
necessidade de que a estrutura formal absorvesse seus ganhos de qualidade. De acordo com
um membro da coordenação do OP no período de 1993 a 1999, os corpos técnicos da
36
Para uma lista das Unidades de Planejamento e sua hierarquização a partir do IQVU e do IVS, ver
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE (2000a).
37
O(s) Grupo(s) Gerencial(ais) são compostos por técnicos da própria PBH, recebendo remuneração
adicional. Este formato de atuação resultou em novos relações trabalhistas, com clara valorização da
capacidade técnica, maior atribuição de responsabilidades e gratificações monetárias ligadas ao desempenho
(SOMARRIBA, 2000).
124
SUDECAP e da URBEL argumentavam que não deveria haver diferenciação em termos de
qualidade (executiva e operacional) das obras do OP em relação às demais obras
(Entrevista, em 18 de outubro de 2001). Sendo assim, a extinção do Grupo Gerencial
ocorreu paralelamente a uma maior profissionalização da equipe de coordenação do OP.
Essas mudanças foram, em grande parte, pressionadas pela necessidade de atualização da
pauta de obras do OP, ou seja, conclusão dos compromissos ainda pendentes
(PREFEITURA
DE
BELO
HORIZONTE,
2000b;
SILBERSCHNEIDER,
1998;
SOMARRIBA, 2000).
A análise das alterações e mudanças realizadas na metodologia do orçamento
participativo acima descritas, quando tomadas no seu conjunto, sugerem uma tendência de
aperfeiçoamento em curso orientada pela incorporação, de forma mais densa e consolidada,
de uma cultura de planejamento.
Quando observamos em sua totalidade as iniciativas acima implementadas,
podemos de alguma forma afirmar que a metodologia atual do orçamento participativo em
Belo Horizonte estabelece uma dinâmica de democratização da administração pública que
associa a intensificação das atividades de planejamento à participação popular.
As mudanças efetuadas no conjunto intitulado "captação e qualificação de
demandas" foram efetuadas com o intuito de aprimorar o processo de seleção e
hierarquização de demandas, diante de um cenário em que as carências e necessidades são
abundantes e os recursos disponíveis são escassos. Além disso, essas alterações lograram a
integração do processo de definição de ações a um marco lógico e sustentável de atuação
estatal. Tal afirmação relaciona-se, principalmente, com a adoção dos pré-requisitos de
planejamento urbano. A introdução desses pré-requisitos visou evitar a seleção de ações,
obras e empreendimentos isolados, ou seja, desconectados de uma visão sustentável de
médio ou longo prazo. A atenção aos pré-requisitos de planejamento urbano provoca, em
alguma extensão, a formação da percepção, por parte dos participantes e dos representantes
da prefeitura, de que a forma mais eficiente de alocar os recursos escassos é a escolha de
demandas que estejam situadas em planos de ação. Isso ocorre, pois pressupõe-se o
125
reconhecimento de que estes planos constituem proposições racionais baseadas em
diagnósticos e avaliações das melhores alternativas de ação. Deve ser destacado, assim
como afirma o Coordenador do OP, que iniciativas como a adoção dos pré-requisitos de
planejamento urbano na dinâmica do OP têm sido responsáveis pela introdução e
incorporação, de forma mais sólida, dos instrumentos de planejamento na atuação e
desenvolvimento do programa político da PBH (Entrevista, em 23 de outubro de 2001).
Da mesma forma, buscando aprimorar a seleção de demandas, a adoção dos
critérios de abrangência social e relevância social possibilitou um acréscimo de
informações no processo de tomada de decisões para a definição das obras. A escolha dos
empreendimentos passa a ter que levar em consideração o número de pessoas a serem
beneficiadas e a recorrência da demanda nas edições do OP. Tal fato introduz ao processo a
necessidade de antever os possíveis efeitos da ação a ser selecionada e evidencia carências
que não puderam ser supridas nos processos anteriores. Além disso, a incorporação desses
critérios associa a vontade do povo, expressa por seus representantes, à técnica, uma vez
que tais critérios definem um procedimento decisório objetivo, pré-definido e transparente.
O IQVU, por sua vez, também atua de forma a diagnosticar carências, através da
pontuação que designa às regiões da cidade. Mais do que isso, o IQVU associa a
identificação de necessidades à distribuição efetiva de recursos, ou seja, regiões de menor
"qualidade de vida urbana" recebem um maior volume de recursos para obras e
empreendimentos. Sendo assim, o IQVU "sugere" as melhorias que devem ser realizadas
numa região, uma vez que representa um diagnóstico detalhado que constitui um aporte
considerável de informações para uma tomada de decisão mais bem fundamentada.
Por fim, o Orçamento Participativo Cidade inaugurou a possibilidade de captação
de demandas no nível da cidade, ampliando o escopo do processo do nível regional para o
setorial. Além de estender o processo do OP, o OP Cidade reforça a cultura de
planejamento na medida em que se estrutura a partir de uma metodologia baseada no
planejamento estratégico e no gerenciamento por diretrizes. Para cada setor (educação,
saúde, desenvolvimento social e cultural, esporte, turismo e eventos, assuntos da
comunidade negra, abastecimento, desenvolvimento econômico e urbano) é elaborado um
126
plano e também são definidas linhas estratégicas intersetoriais, que visam articular os
diferentes órgãos da PBH.
Tomando o conjunto ligado à operacionalização e à organicidade, é importante
ressaltar que, mesmo que algumas alterações processadas no seu âmbito apresentem uma
maior afinidade com a dimensão da gestão, o que pretende-se destacar aqui é o componente
nelas presente ligado à pré-programação. Essa programação antecipada, ainda que
associada às atividades de gerenciamento, revela-se como atividade de planejamento.
O principal problema que deu origem às mudanças que constituem o conjunto
"operacionalização e organicidade" estava relacionado à capacidade dos órgãos da
prefeitura de cumprir os compromissos com a população. Sendo assim, as atividades de
planejamento ganharam maior relevância, na medida em que a fiscalização popular através das COMFORÇAS - impunha a necessidade de cumprimento de metas e prazos
estabelecidos na dinâmica do OP. O planejamento passou a ser encarado como um
instrumento capaz de propiciar a elevação da capacidade operacional e gerencial dos
diversos órgãos da administração municipal. Nesse sentido, é possível dizer que o OP e a
necessidade de maior planejamento introduzida por ele, "possuem um impacto
modernizador sobre as agências públicas municipais, verificado através do aumento da
eficiência destes órgãos" (AZEVEDO & MARES GUIA, 2001).
Tal como afirma o Coordenador do OP, a introdução de tal política provocou o
desmascaramento da argumentação técnica antes utilizada para justificar a atuação dos
órgãos executores da PBH. Isso gerou uma inversão nas relações de trabalho dessas
agências com os demais órgãos da prefeitura e com os cidadãos. Essa inversão constituiu a
mudança de um padrão em que o discurso técnico definia as ações para outro em que as
decisões advêm da deliberação popular e foi, por sua vez, responsável por uma qualificação
fenomenal desses órgãos executores, refletindo até na melhoraria dos padrões de construção
(Entrevista, em 23 de outubro de 2001).
O enfrentamento inicial das dificuldades técnicas e gerenciais pela inadequação da
estrutura e rotina internas da prefeitura ao exercício do poder compartilhado com a
população produziu mudanças como o exemplo da SUDECAP, citado por SOMARRIBA
127
(2000). Quando entrevistado pela autora, o Superintendente desse órgão revelou que já em
1996, todas as 170 obras por ele conduzidas estavam sob monitoramento completo, desde a
evolução dos custos às eventuais alterações de prazo. Além disso, foi mencionado que os
diferenciais entre planejado e realizado mantinham-se no nível de 24%, muito abaixo do
nível anteriormente praticado (por volta de 50%). Claramente, o entrevistado atribuía tais
mudanças à existência do OP: compromissos publicamente firmados com a população,
submetidos à fiscalização e que precisavam ser cumpridos.
Como ilustrado através do exemplo acima, um melhor gerenciamento e
monitoramento do processo do OP foi alcançado através de atividades como a elaboração
mais detalhada, cuidadosa e precisa de projetos que, por sua vez, evidencia a relevância do
momento de planejamento como a oportunidade de pensar, analisar e elaborar aquilo que
será feito adiante. O aumento da precisão na elaboração dos projetos revela a melhoria da
atuação pré-programada dos órgãos da PBH, que passam, então, a estar preparados para
esclarecer e expor para a população, de forma transparente e antecipada, os critérios
técnicos ligados à concepção dos projetos executivos dos empreendimentos, a
economicidade de seus custos e o dimensionamento de seu impacto financeiro.
A iniciativa de levantamento da capacidade executiva da URBEL e SUDECAP
representou a produção de um conjunto de informações crucial para o processo. Quantas
demandas podem ser assumidas e cumpridas? A resposta a essa pergunta pode ser feita a
partir de um diagnóstico que, por sua vez, informa os limites e possibilidades executivas da
interação entre Estado e sociedade sob formato do OP. Foi a partir da análise dessas
informações que, no OP 98, o número de empreendimentos foi restringido para 68, em
comparação às 171 obras definidas no OP 9438. A busca e consolidação de informações
mais consistentes em relação à capacidade executiva dos órgãos responsáveis pelas obras
revelam a preocupação e a importância concedida à atividade de planejamento, como etapa
anterior à execução.
38
Deve ser lembrado que, apesar da redução do número de empreendimentos, a parcela de recursos destinado
ao OP 98 não foi alterada proporcionalmente.
128
A constatação da limitação da capacidade executiva não sugere apenas que o
número de empreendimentos assumidos pela PBH deve ser menor, mas também, que deve
haver uma ampliação dessa capacidade nos órgãos responsáveis. Essa ampliação não só
ocorreu nas principais agências executivas da prefeitura (URBEL e SUDECAP), como foi
estendida às Administrações Regionais. Através do aumento da cota de manutenção e do
limite para realização de licitações, as AR tornaram-se capazes de absorver a execução de
um maior número de obras. Além disso, a maior autonomia das AR também tem como
objetivo a intensificação do processo de descentralização intra-municipal. A partir de
medidas como as acima mencionadas, afirma o Secretário Municipal de Planejamento, o
poder público municipal conseguiu dotar-se de uma capacidade gerencial e operativa para a
execução das obras do OP que não poderia ser verificada na década de 80. “Atualmente, os
órgãos estão mais preparados e gastam com mais eficiência os recursos” (Entrevista, 30 de
outubro de 2001).
Ao longo da história do orçamento participativo em Belo Horizonte, a necessidade
de uma integração e articulação intersetorial demonstrou-se crescente, principalmente a
partir da implantação do OP Cidade. Como já dito, a intersetorialidade desejada implicaria
uma reformulação considerável dos processos e estrutura existentes. Assim, foram criados
os Grupos de Trabalho Intersetoriais que, dentre outras atribuições, tornaram-se um espaço
para a reflexão e planejamento da restruturação da prefeitura. Mais uma vez, a atividade de
planejamento apresenta-se como elemento importante dentro das alterações verificadas na
dinâmica do orçamento participativo.
A regionalização a partir das unidades de planejamento constitui uma iniciativa
que veio, novamente, atuar de forma a consolidar uma cultura de planejamento na PBH.
Além de estarem associadas ao Plano Diretor da cidade, a adoção da UP como referência
espacial para o processo do OP proporciona uma base de informações georreferenciadas de
fundamental importância para tomada de decisão e, também, para o planejamento em todas
as áreas e setores de atuação da prefeitura.
A alteração da metodologia do OP que diz respeito à introdução da bianualidade
trouxe como conseqüência a melhoria tanto da capacidade de resposta quanto do
129
planejamento da realização dos empreendimentos. Essa mudança foi fundamental para que
fosse possível a compatibilização dos prazos envolvidos em ações, como, a licitação de
projetos, a execução de obras e a discussão das políticas setoriais. O fato de o processo se
realizar de dois em dois anos não só facilita como incentiva as atividades de planejamento.
Por fim, o Grupo Gerencial do OP desempenhou um papel extremamente relevante
no que diz respeito à melhoria dos processos envolvidos na dinâmica do OP como um todo.
Sua atividade de monitoramento e articulação organizacional provocou a reflexão nos
órgãos executores dos empreendimentos do OP em relação à qualidade dos projetos, à
versatilidade e agilidade das licitações e, principalmente, à qualidade dos contratos em
termos de aditivos e comprometimento das empreiteiras, incutindo valores afins ao
planejamento e à programação. Os resultados da atuação do Grupo Gerencial foram tão
positivos que optou-se por sua extinção sob o argumento de que as demais obras da
prefeitura deveriam ter o mesmo padrão de qualidade (executiva e operacional) das obras
do OP. Tal fato representa uma externalização ou um transbordamento das mudanças
qualitativas no âmbito do OP para o resto da PBH. A partir daí, à luz do exemplo do Grupo
Gerencial, logrou-se ampliar o nível de profissionalização das estruturas ligadas à execução
das obras.
O processo de aprimoramento e desenvolvimento percebido ao longo da história
do orçamento participativo em Belo Horizonte sugere que a participação popular tem o
potencial de proporcionar melhorias na capacidade de tomada de decisão e torna mais
eficazes as respostas do governo às demandas colocadas pela comunidade. Ao mesmo
tempo, como relata o Secretário Municipal de Planejamento, o OP traz o administrador à
realidade, pois, “num programa como esse não é possível atuar como vendedor de ilusões”.
A necessidade de manutenção da legitimidade impede que se possa prometer aquilo que
não se pode cumprir e, nesse cenário, o papel das atividades de planejamento no
levantamento de informações relevantes é crucial (Entrevista, em 30 de outubro de 2001).
Após a análise da relação das mudanças verificadas na dinâmica do OP com a
consolidação de uma cultura de planejamento mais efetiva, deve ser destacado que também
130
foi definido um estilo para este planejamento. Nas palavras de um membro da coordenação
do OP no período de 1993 a 1999:
"ao longo das três últimas administrações (incluindo a atual) é possível dizer
que o funcionamento do OP implicou uma reparadigmação da cultura de
planejamento. Essa mudança de paradigma começou a ocorrer a partir do
momento em que as obras, principalmente as de caráter local, passaram a ser
definidas diretamente pela população, sendo assim constituída uma nova
arena negocial envolvendo o governo, os órgãos executivos e os cidadãos"
(Entrevista, em 18 de outubro de 2001).
A partir da avaliação das mudanças e da própria natureza do OP, podemos afirmar
que toda esta atividade de planejamento que passa a ser vista como fundamental para o
aumento da eficiência dos órgãos e do processo é marcada pela existência de critérios prédefinidos, objetivos e transparentes. O desenvolvimento desse tipo de planejamento
possibilita a consolidação de uma relação entre Estado e sociedade civil caracterizada pela
accountability, controle público e maior capacidade de governança.
AZEVEDO & MARES GUIA (2001) ressaltam ainda que o orçamento
participativo cria condições institucionais que estimulam a consolidação de uma
"comunidade cívica", na medida em que estabelece uma dinâmica que tem como base
critérios objetivos, impessoais e universais.
SOMARRIBA (2001) também menciona uma situação que pode ilustrar o que está
sendo dito. Segundo a autora, a partir da implementação do OP, a procura das
Administrações Regionais por parte dos moradores e líderes locais para reivindicações e
demandas do seu interesse, forma que possibilitava ações de cunho clientelista, restringiuse muito na medida em que as demandas passaram a ter que ser canalizadas para o OP.
Com isto, as instâncias regionais se transformaram em espaços institucionais impessoais e
efetivamente públicos.
Assim, o que pretende-se afirmar aqui, a partir de todas estas considerações, é que
as novas práticas político-administrativas, implementadas através do OP, alteraram de
131
forma positiva todo o funcionamento do governo municipal. Tal afirmação é ratificada pelo
Secretário Municipal de Planejamento, quando este menciona que ao longo das duas
últimas gestões (anteriores a 2000) o OP produziu um efeito impressionante de mudança de
comportamento por parte dos funcionários públicos da prefeitura. A partir da cultura de
controle público que o OP inaugura, cria-se no servidor uma mentalidade de negociação,
discussão e efetivo compartilhamento de poder (Entrevista, em 30 de outubro de 2001). O
orçamento participativo enquanto política conseguiu estabelecer uma relação entre a
prefeitura, seus órgãos gestores, a comunidade e a Câmara dos Vereadores completamente
diferente à da gestão anterior à sua implementação. Isso porque, como coloca o
Coordenador, o OP em Belo Horizonte não é encarado enquanto uma política pública
isolada e sim como parte de um modelo de gestão39. Por esse motivo, necessita do
comprometimento de todos os órgãos do governo para que seja possível a produção efetiva
os resultados esperados (Entrevista, em 23 de outubro de 2001). Somente nesse cenário é
possível falarmos de um orçamento participativo qualificado.
39
A partir de entrevista com o Secretário Municipal de Planejamento, defini-se como ponto a ser aprofundado
no prosseguimento desta pesquisa a relação entre a implementação do OP e o surgimento dos conselhos
gestores vinculados à estrutura da PBH. De acordo com o entrevistado, “aproximadamente 90% dos
conselhos vinculados à Prefeitura surgiu após a implementação do OP” (Entrevista, em 30 de outubro de
2001). Tal afirmação, pode evidenciar o caráter do OP enquanto experiência fundante da prática participativa
de gestão na PBH, demonstrando impactos significativos na dimensão do planejamento municipal.
132
7 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
7.1 - Validade da contribuição neoinstitucional para o estudo de políticas públicas
O arcabouço teórico do Novo Institucionalismo revela-se muito rico quando
aplicado à avaliação de políticas públicas, pois gera interessantes possibilidades de análise.
Tomando como exemplo o esquema de avaliação de políticas públicas desenvolvido neste
trabalho, devemos destacar que a abordagem neoinstitucional permite:
-
considerar os aspectos ligados ao desenho das instituições que constituem uma política
pública, identificando a presença de elementos associados ao bom desenho
institucional;
-
analisar as bases sobre as quais emergem as políticas atuais, tanto a partir de uma ênfase
sobre o processo histórico que as precede, quanto da atribuição de grande relevância ao
papel das idéias na sua formação;
-
identificar e visualizar os custos de transação envolvidos numa política pública,
permitindo a verificação das condições básicas necessárias para a viabilização de uma
interação entre Estado e sociedade nesses moldes;
-
a partir da visualização dos custos, tomá-los como a base da motivação para o
empreendimento de esforços no sentido de aprimorar os termos da troca envolvida na
política pública. Esse processo de aprimoramento resulta na alteração de normas e
procedimentos que, por sua vez, influenciam o comportamento dos atores, tanto no
Estado quanto na sociedade.
Como o processo de avaliação de políticas públicas abre a possibilidade de
interação entre diversas áreas de conhecimento, a utilização de um aparato teórico
interdisciplinar, como o do Novo Institucionalismo, torna-se interessante mediante a
oportunidade de captura da potencialidade de cada uma de suas sub-correntes. Cada uma
das suas ramificações parece revelar dimensões diferentes e particulares do comportamento
133
humano e dos efeitos que as instituições podem ter sobre ele. Em muitas situações, a
possibilidade de cruzamentos entre estas distintas visões, como o emprego de conceitos de
diferentes correntes, pode gerar análises bastante densas e interessantes, assim como
aprimorar o debate teórico interno em cada sub-divisão.
Deve ser reconhecido aqui que o esquema de avaliação de políticas públicas a
partir
da
visão
neoinstitucional
apresentado
nesse
trabalho
necessita
de
um
aprofundamento. Reconhece-se, também, que tal aprofundamento deverá inicialmente
partir de uma reflexão mais densa e bem informada sobre o relacionamento entre políticas
públicas e instituições. Acredita-se, que a partir de uma iniciativa como essa o presente
esquema de análise pode se apresentar ainda mais válido.
134
7.2 - Orçamento Participativo e Planejamento: conclusão
A análise do orçamento participativo de Belo Horizonte, à luz do aparato teórico
do Novo Institucionalismo, aponta para um processo de reaculturação gerencial baseado na
maior relevância que passa a ser atribuída às atividades de planejamento. Como
demonstrado ao longo do trabalho, a dinâmica do orçamento participativo e as alteração
que este sofreu em relação a sua metodologia e funcionamento tornaram imprescindível a
pré-programação da atuação dos órgãos da prefeitura. O atendimento das demandas e o
cumprimento dos compromissos assumidos pela administração junto à população fez com
que a capacidade operacional e gerencial da prefeitura tivesse que ser ampliada; e isso foi
alcançado através do planejamento. Mais do que isso, a dinâmica de funcionamento do
orçamento participativo e das instituições que o compõem atuaram de forma a influenciar
uma cultura de planejamento transparente, objetiva, impessoal e baseada em critérios
estáveis e pré-definidos40.
Retomando as indagações colocadas como orientadoras da reflexão central deste
trabalho: "terá o processo de mudança institucional modificado as identidades dos atores
políticos, redistribuído recursos políticos e incutido novas normas? E de que modo as novas
instituições, instaladas a partir da implementação do orçamento participativo, influenciaram
as práticas de governo?"; devemos, então, buscar possíveis respostas.
De fato, como verificado ao longo desta análise, o orçamento participativo e as
instituições a ela agregadas modificaram as identidades dos atores envolvidos e
redistribuíram recursos políticos - efetivando a participação popular e o controle por parte
do cidadão, desmascarando obstruções técnicas e impondo ao administrador público a
necessidade de lidar com o compartilhamento de informações e poder -, além de também
incutir novas normas e convenções - alterações na sua metodologia que visavam o
aperfeiçoamento e o melhor funcionamento do processo.
40
Um melhor detalhamento a respeito dos elementos que sustentam essa conclusão pode ser encontrado ao
final da seção 6.2.2.
135
Todos esses efeitos, oriundos da mudança institucional, acabaram por influenciar
novas práticas de governo, resultaram na necessidade de desenvolvimento e incorporação
de uma cultura de planejamento, por sua vez, caracterizada pela transparência, objetividade,
e impessoalidade.
Portanto, a experiência do orçamento participativo de Belo Horizonte nos coloca
que, de fato, as instituições constituem uma orientação para a ação humana e representam
elementos que influenciam o comportamento dos indivíduos e grupos, na medida em que
fornecem tanto os constrangimentos quanto as oportunidades.
136
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141
9 - APÊNDICE
142
Relação de Entrevistas:
-
Claudinéia Jacinto
Assessora de Planejamento
Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação Geral / Prefeitura de Belo
Horizonte
Entrevista realizada em 01 de outubro de 2001 em Belo Horizonte / MG.
-
Wieland Silberschneider
Diretor de Desenvolvimento de Recursos Humanos - Secretaria de Estado da
Fazenda/MG.
Coordenador do Orçamento Participativo de Ipatinga – de 1990 a 1993.
Membro da Coordenação do Orçamento Participativo de Belo Horizonte no Gabinete
da Secretaria Municipal de Planejamento – de 1993 a 1999.
Entrevista realizada em 18 de outubro de 2001 em Belo Horizonte / MG.
-
Geraldo Magela Arco Verde
Coordenador do Orçamento Participativo
Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação Geral/ Prefeitura de Belo
Horizonte
Entrevista realizada em 23 de outubro de 2001 em Belo Horizonte / MG.
-
Rodrigo Fernandes Barroso
Secretário Municipal de Planejamento
Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação Geral / Prefeitura de Belo
Horizonte
Entrevista realizada em 30 de outubro de 2001 em Belo Horizonte / MG
143
Quadro 9.1
Descentralização fiscal: países latino americanos selecionados
Participação dos governos subnacionais
no total de gastos
Países
1990
46,3
17,7
35,3
7,2
3,0
1,6
10,1
17,8
3,5
1,9
9,8
Argentina
Bolivia
Brasil
Chile
Costa Rica
República Dominicana
Guatemala
México
Nicaragua
Paraguai
Peru
1997
43,9
36,3
36,5
8,5
2,8
2,6
10,3
26,1
9,6
2,6
24,4
no total de receita tributária
1990
38,2
15,1
30,9
6,4
2,3
0,5
1,3
19,0
2,5
0,8
1,2
1997
41,1
19,1
31,3
7,0
2,3
0,2
1,7
20,6
8,3
2,0
2,1
Fonte: World Bank, World Development Repport 1999 2000
Quadro 9.2
Estratégias de descentralização: países latino americanos selecionados
Condições políticas
Países
Tipo de
Estado
Argentina
Federal
Brasil
Federal
Chile
Unitário
Colombia
Unitário
Venezuela
Federal
Descentralização Fiscal
Niveis de
Eleições
Aumento de
subnacio
Governo
transferencias
nais
subnacionais
23 Provinicas
e 1100
municípios
26 Estados e
4973
municípios
Capacidade de Tranferencia
Endividamento de funções
autonomia na
provisão de
serviços
sim
reorganizado e
varia por
provincia
Varia por
provincia
Restringida
incentivadas
sim
Sim - forte
Sim, apesar
de um pouco
restringida
Restringida
sim, com
sim, com
superposição ambiguidades
Sim
Não
Restringida
sim
Flexivel
sim
Restringida
negociação
com estados
13 regiões e
só
335 comunas comunas
32 Depart.
1025
municipios
21 Estados e
282
municípios
Maior
autonomia
Tributária
Descentralização nos
Gastos
sim
Sim - forte
(fundamento)
sim
Previstos fortes
Fonte: GREMAUD, 2000.
144
Sim,
fortemente
restringida
Sim, apesar
de um pouco
restringida
sim
sim, limitada a
alguns
serviços
sim, limitada a
alguns
serviços
sim
1.836.417
1.693.000
2.188.399
1.577.577
1.560.000
1.342.136
1.816.396
Leste
Nordeste
Noroeste
Norte
Oeste
Pampulha
Venda Nova
3.185.700
2.099.700
3.080.110
2.740.800
3.803.000
3.372.350
3.183.000
2.472.279
3.228.531
3.077.130
2.090.100
3.081.000
2.731.000
3.803.000
3.278.350
3.179.480
2.472.279
3.236.000
1.901.100
1.286.000
1.795.900
1.694.300
2.225.000
1.891.200
1.840.000
1.389.486
1.951.200
7.350.000
8.726.000
6.489.000
9.075.000
7.190.100
4.914.000
6.656.900
6.231.200
8.011.000
4.337.000
8.348.000
6.929.000
8.352.000 10.652.000
7.200.000
6.852.000
5.547.700
7.264.700
27.269.426
17.453.936
26.575.910
23.724.177
33.641.209
27.027.008
27.807.397
21.447.367
28.813.464
0
0
6.000.000
7.000.000
5.237.562 14.000.000 16.000.000
48.237.562
145
15.360.390 18.185.909 33.165.470 33.948.339 21.211.748 74.208.600 85.917.000 281.997.456
Total
Fonte: OP - SMPL - PBH - out/2000
Obs.: valores aprovados à época, não incorporando valores aditivos.
Habitação
2.088.000
1.385.000
2.054.000
1.820.300
2.617.810
2.242.108
2.190.500
1.648.191
2.140.000
15.360.390 18.185.909 27.165.470 26.948.339 15.974.186 60.208.600 69.917.000 233.759.894
1.428.432
Centro-Sul
Subtotal
1.918.033
Barreiro
Distribuição de Recursos Regionais e para Habitação Aprovados nos Orçamentos Participativos
de 1994 a 2001-2002 (Valores em R$ 1,00)
OP 2001Regional
OP 94
OP 95
OP 96
OP 97
OP 98
OP 99-2000
Total
2002
Quadro 9.3
Gráfico 9.4
Distribuição de Recursos para Empreendimentos Regionais e para Habitação
nos Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002 (valores em R$ 1,00)
85.917.000
74.208.600
33.165.470
33.948.339
21.211.748
15.360.390 18.185.909
OP 94
OP 95
OP 96
OP 97
OP 98
OP 992000 (*)
Fonte: OP - SMPL - PBH - out/2000.
Obs.: valores aprovados à época, não incorporando valores aditivos.
(*) recursos aprovados para 2 anos - orçamento bianual.
147
OP 20012002 (*)
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ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E PLANEJAMENTO MUNICIPAL