Rio de Janeiro, 10 de abril de 2015 ISSN: 2446-7014 • Número 11 BOLETIM GEOCORRENTE O Boletim Geocorrente é uma publicação quinzenal voltada à análise de fatos correntes do cenário internacional sob a lente teórica da Geopolítica, procurando identificar os elementos agravantes, motivadores e contribuintes para a escalada de conflitos e crises em andamento e seus desdobramentos. Para isso, o grupo de pesquisa ligado ao Boletim conta com integrantes de diversas áreas de conhecimento, cuja pluralidade de formações e experiências proporciona uma análise ampla de contextos e cenários geopolíticos e, portanto, um melhor entendimento dos problemas correntes internacionais. Essa publicação é vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos (PPGEM), do Centro de Estudos PolíticoEstratégicos (CEPE) da Escola de Guerra Naval (EGN). CONSELHO EDITORIAL Editor Responsável Leonardo Faria de Mattos (EGN) Editor Científico Francisco Eduardo Alves de Almeida (IGHMB) Editores Adjuntos Felipe Augusto Rodolfo Medeiros (EGN) Jéssica Germano de Lima (EGN) Noele de Freitas Peigo (FACAMP) Pesquisadores do Grupo de Geopolítica Corrente NORMAS DE PUBLICAÇÃO Esse Boletim tem como objetivo publicar artigos curtos tratando de assuntos da atualidade e, eventualmente, de determinados temas de caráter geral sobre dez macrorregiões do Globo, a saber: América do Sul; América do Norte e Central; África Subsaariana; Oriente Médio e Norte da África; Europa; Rússia e ex-URSS; Sul da Ásia; Leste Asiático; Sudeste Asiático e Oceania; Ártico e Antártica. Para publicar nesse Boletim, faz-se necessário que o autor seja pesquisador do Grupo de Geopolítica Corrente, do Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval. CORRESPONDÊNCIA Escola de Guerra Naval – Centro de Estudos Político-Estratégicos. Av. Pasteur, 480 - Praia Vermelha – Urca - CEP 22290-255 - Rio de Janeiro/RJ - Brasil (21) 2546-9394 E-mail:[email protected]. Aos cuidados do Editor Responsável do Boletim Geocorrente. André Figueiredo Nunes (UFRJ) Ariane Dinalli Francisco (PUC - Rio) Brenda Cardoso Severino Leão (UFRJ) Caio Ferreira Almeida (UFF) Carlos Henrique Ferreira da Silva Júnior (UFRJ) Daniel Costa Sampaio de Araujo (IUPERJ) Diane de Almeida Cruz Gustavo (PUC - Rio) Danilo Avellar Bragança (UERJ) Igor Lourenço Oliveira (PUC - Rio) João Victor Marques Cardoso (UFF) Lais de Mello Rüdiger (UFRJ) Louise Marie Hurel Silva Dias (PUC - Rio) Luciane Noronha Moreira de Oliveira (EGN) Luma Teixeira Dias (UFRJ) Marcelle Torres Alves Okuno (IBMEC) Matheus Souza Galves Mendes (UFRJ) Pedro Allemand Mancebo Silva (UFRJ) Raissa Pose Pereira (UFRJ) Sara Oliveira Dantas (IBMEC) Thayná Fernandes Alves Ribeiro (UFRJ) Vinícius de Almeida Costa (UFRRJ) Vinicius Guimarães Reis Gonçalves (UFRJ) Vivian de Mattos Marciano (UFRJ) Os textos contidos nesse Boletim são de responsabilidade única dos membros do Grupo, não retratando a opinião oficial da Escola de Guerra Naval nem da Marinha do Brasil. • • • • • América do Sul América do Norte e Central África Subsaariana Oriente Médio e Norte da África Europa • • • • • Rússia e ex-URSS Sul da Ásia Leste Asiático Sudeste Asiático e Oceania Ártico e Antártica Regiões América do Sul Fonte: El Comercio A Guerra do Pacífico ainda não acabou por Carlos Henrique Uma nova polêmica surge em meio ao litígio quanto à saída da Bolívia para o Oceano Pacífico. Após a negativa do cônsul geral chileno na Bolívia, Milenko Skoknic, a presidente do Chile, Michelle Bachelet, aceitou a ajuda humanitária oferecida por Evo Morales na região norte do país fronteiriça com o Peru, que sofreu gravemente com severas chuvas e inundações, em março. Contudo, não foi apenas o cônsul chileno que cometeu uma gafe nas relações diplomáticas entre os dois países. No dia 31 de março, foi anunciada a demissão do Ministro da Defesa da Bolívia, Jorge Ledezma, por ter levado mantimentos para região norte do Chile, trajando um casaco com o logotipo da campanha “El mar es de Bolivia”. Claramente, o Chile não ficou satisfeito com tal atitude – ainda mais com a proximidade do julgamento, na Corte Internacional de Justiça, do pleito boliviano para retomar sua saída para o Pacífico, que deve ocorrer no início de maio. Descontente também está o presidente peruano, Ollanta Humala, com o caso de espionagem chilena, denunciado em fevereiro. De acordo com dados divulgados pelo Diário Oficial El Peruano, 3 suboficiais da Marinha de Guerra peruana estavam servindo como espiões para o Chile desde 2005. No dia 21 de fevereiro, Humala convocou seu chanceler no Chile para consulta, emitiu uma nota exigindo satisfações sobre o ocorrido e garantias de não reincidência. Insatisfeito com a resposta chilena à primeira nota, mas consciente da manutenção da política de boa vizinhança com o Chile, Humala enviou uma segunda nota, ainda na primeira semana de março, exigindo respostas mais efetivas do país vizinho. As respostas foram divulgadas no dia 1° de abril, sendo o conteúdo de ambas considerado secreto, a fim de dar sustento a boa relação construída sob percalços. A estabilidade política dentro da própria UNASUL, é condição primeira para que o bloco consiga avançar em seu projeto de unificação. Os fantasmas da Guerra do Pacífico (1879-1883) ainda comprometem seriamente esse processo. Argentina e Reino Unido: ameaça de possível conflito? América do Sul por Luma Dias No último dia 2 de abril, quando completou-se 33 anos do estopim da Guerra das Malvinas, a presidente argentina Cristina Kirchner assinou o Decreto n°503, que possibilitará a abertura dos arquivos secretos das Forças Armadas sobre o conflito. No discurso realizado em Ushuaia, o governo argentino divulgou o plano de apresentação de queixa formal quanto à questão do domínio britânico, direcionando-o ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon; ao presidente do Comitê Especial de Descolonização, o equatoriano Xavier Lasso; e ao presidente do Grupo 77 + China, o sul-africano Kingsley Mamabolo. Em sua página oficial na internet, a presidente é clara com relação ao tema: “No va a haber un 9 de Julio completo hasta que no podamos recuperar nuestras Islas Malvinas”. [2] Ocorre que tanto o Reino Unido quanto a Argentina estão em período pré-eleitoral, o que promove o acirramento dos jogos políticos e estratégicos. O secretário britânico de Defesa, Michael Fallon, levou ao Parlamento a suposta necessidade de fortalecer os armamentos empregados nas Malvinas: anunciou o deslocamento de dois helicópteros de guerra Chinook e a atualização do sistema de mísseis antiaéreo nas Ilhas, como medida preventiva a um suposto ataque argentino. Foi determinado, então, que os britânicos transferirão cerca de US$ 268 milhões em estrutura militar no território que é reivindicado historicamente pelos sulamericanos. Na justificativa para o aumento da militarização, Fallon alegou ainda que tem o objetivo de reforçar a defesa da região diante de um aumento da presença russa ao longo do globo, em consonância com a OTAN. A denúncia de Kirchner ao Comitê de Descolonização da ONU também vem em resposta a tais investidas. A Argentina reitera que a sua atitude é coerente com o Direito Internacional, enquanto acusa o Reino Unido de negligenciar as tentativas de diálogo e de recorrer ao suporte bélico. Com a ilha situada numa zona livre de armamentos nucleares, a irresolução deste embate pode criar tensões que alimentem o recurso à disputa armada, sobretudo quando se conhecem os principais motivos pelos quais as Malvinas são tão preciosas: as descobertas de petróleo na região, sua posição estratégica sobre o cruzamento austral e o seu tráfego marítimo. América do Norte e Central Reforma energética no México e autossuficiência norte-americana por Danillo Bragança Fonte: Milenio Diante de um cenário de incertezas sobre o tema das fontes energéticas em todo o planeta, um ator importante dentro dessa lógica desdobra-se em uma crise interna e de consequências a serem avaliadas no futuro: o México. O petróleo mexicano responde por 13% de toda a pauta de exportações do país, movimentando cerca de 45 bilhões de dólares, dos quais 38 bilhões são exportados somente para os Estados Unidos. A PEMEX, empresa estatal mexicana, controla a produção, fato que vem alterando-se com rapidez. Este cenário turbulento está relacionado, entre outras coisas, a uma baixa aguda no preço do barril de petróleo e o “boom” da produção norte-americana, que vem experimentando crescimento acelerado, conforme relatório do Citigroup lançado este ano. Ainda segundo este relatório, os Estados Unidos rumam para um cenário de autossuficiência, algo que afeta em muito o cenário geopolítico de todo o planeta. Mesmo com uma ligeira redução da produção de óleo cru no país, por conta dos níveis de baixa do valor do brent, a expectativa é que até 2020 os norte-americanos ultrapassem a Arábia Saudita em números absolutos de barris produzidos, algo que pode influenciar a postura dos Estados Unidos com relação aos assuntos do Oriente Médio. O México, como deveria ser, também é afetado por esta condição. A PEMEX, neste processo de reforma energética que vem se desenrolando pelos últimos anos, deixaria de ser a principal operadora da produção de petróleo no país. Empresas estrangeiras, sobretudo norte-americanas como a Chevron, já participam ativamente dos leilões do primeiro lote, em fase de execução. Porém, o pouco sucesso com a prospecção de novos campos de exploração arrefeceu o interesse de empresas como a francesa Total e a anglo-holandesa Shell, que têm dado preferência para outros nichos, como o campo de Libra, no Brasil. Entretanto, a afirmação dos Estados Unidos como maior produtor de petróleo do planeta até 2020 tem forçado países como o México a dar continuidade aos programas de reforma neoliberal, removendo do Estado mexicano essa prerrogativa. [3] África Subsaariana Nigéria: transição democrática e desafios de uma potência emergente Fonte: Africa Confidential por João Victor Marques Após uma acirrada disputa eleitoral, sob a ameaça de boicotes e interferência do grupo terrorista Boko Haram, a vitória foi do candidato de oposição Muhammadu Buhari do partido Congresso de Todos os Progressistas (APC). A transferência do poder, que até o momento tem sido pacífica, sinaliza um passo vigoroso para a democracia do país. Ainda que as eleições tenham sido elogiadas pela União Africana (UA) e pelas Nações Unidas (ONU), não se pode ignorar as supostas irregularidades que envolvem os casos de pirataria/roubo armado a navios com o financiamento das campanhas políticas. De acordo com dados da Câmara de Comércio Internacional (ICC), nota-se uma maior incidência de pirataria na região do Golfo da Guiné em anos eleitorais, o que reforça a hipótese de relação entre a atividade ilícita e a utilização das receitas obtidas para financiamento eleitoral, ainda com o fato de que piratas teriam sido acobertados por políticos. O aumento de ataques no delta do Níger é também relacionado à concentração das Forças Armadas ao norte do país, em combate ao Boko Haram, situando a luta contra a pirataria a um plano secundário. Buhari, um general reformado considerado rígido, promete exterminar a corrupção e o Boko Haram, tendo para isso como preconício seu antigo mandato (1984-1985). Durante esse, quinhentos políticos e oficiais corruptos foram presos, e soldados chadianos foram expulsos após a invasão de ilhas nigerianas do Lago Chade. No que tange à situação econômica, seu antigo mandato não foi eficiente em equilibrar as finanças nacionais, o que pode ser um risco no atual cenário de baixa cotação do barril do petróleo, que corresponde a 70% da receita nigeriana. A Nigéria é projetada pelo Instituto de Estudos de Segurança (ISS) para ser a maior potência africana no cenário global em 2040, dotada de fortes potencialidades para garantir seus interesses no continente e assumir as demandas da África em negociações multilaterais. A transição democrática já representa um voto de esperança e um incentivo à boa governança, aumentando a credibilidade do país perante a comunidade internacional. Contudo, será necessário aguardar para saber se Buhari será capaz de transformar o potencial nigeriano em políticas assertivas, que garantam desenvolvimento econômico e segurança em terra e no mar. Oriente Médio e Norte da África O conflito no Iemên: uma prévia do embate entre Arábia Saudita e Irã? por André Nunes O Iêmen é um país com uma população de aproximadamente 26 milhões de habitantes, cuja maioria é árabe muçulmana sunita. O Estado depende economicamente da exportação de petróleo e atualmente enfrenta escassez de recursos hídricos e alimentícios, bem como, alto índice de desemprego, frente a um grande crescimento populacional. Nos últimos meses o conflito entre as forças regulares do Iêmen e o grupo xiita zaidista conhecido como houthis (nomenclatura referente ao comandante – Hussein Badreddin al-Houthi – supostamente assassinado pelo exército iemenita em 2004) levou o país à beira de uma guerra civil: em fevereiro deste ano o presidente Abdrabbuh Manṣour Al-Hadi foi destituído e o Parlamento nacional dissolvido. [4] Fonte: Al Arabiya Al-Hadi exilou-se na Arábia Saudita, solicitando auxílio militar. Então, foi constituída uma coalizão composta pelos países da península arábica (exceto Omã), somados à Jordânia, Egito, Sudão, Marrocos e Paquistão – países de maioria sunita –, que deu início à operação “Tempestade Decisiva”. Supõe-se que os Estados Unidos estejam indiretamente envolvidos, providenciando apoio logístico, técnico e de inteligência. O Iêmen possui posição geográfica estratégica por controlar o estreito Bab al-Mandab, que liga o mar Vermelho ao golfo de Aden. Nesse sentido, o Egito e a Arábia Saudita temem que os houthis interceptem a passagem pelo local, impedindo o fluxo marítimo de petróleo produzido no Oriente Médio. Para os sauditas, aliás, o acesso irrestrito ao mar da Arábia é fundamental para diminuir sua dependência comercial do Golfo Pérsico, já que também existe o temor de o Irã fechar o estreito de Ormuz. Para Israel, que tem demonstrado apoio à causa árabe, o estreito também tem importância estratégica, visto que, sem a passagem, perderia acesso ao oceano Índico e o abastecimento marítimo de petróleo pelo estreito de Tiran. Embora os houthis sejam uma milícia xiita, há indícios de que seriam um ator político independente sem uma direta subordinação ao governo de Teerã. O grupo alega agir em defesa da comunidade, da cultura e das tradições zaidistas, supostamente discriminadas no Iêmen, e teria buscado apoio iraniano para servir de contrapeso às hostilidades sauditas e norte-americanas. A complexidade dos desdobramentos no Iêmen tem demonstrado que um dos principais aspectos da região é a questão segurança dos estreitos marítimos, além do latente conflito entre sunitas, liderados pelos sauditas; e os xiitas, liderados pelos iranianos. A tragédia da Tunísia: desafios externos e internos Oriente Médio e Norte da África por Sara Oliveira No dia 18 de março deste ano, a Tunísia sofreu um ataque terrorista que fez 22 vítimas no Museu Nacional de Bardo, localizado a poucos metros do Parlamento. De acordo com os serviços de segurança do país, os jovens responsáveis pelo ataque - Yassine Abidi e Hatem Khachnaoui - estiveram antes em um campo de treinamento de grupos extremistas em Darna, na Líbia. Depois da intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e da queda do ditador Muammar Kadhafi, em 2011, a Líbia deixou de ser um Estado unificado, como resumido pelo ministro francês de Relações Exteriores, Laurent Fabius, em janeiro: “há dois governos, dois parlamentos e uma completa confusão”. Uma sede fica em Trípoli e outra em Tobruk, no leste do país (esta já reconhecida por grande parte da comunidade internacional). Ambos os lados têm suas alianças militares e lutam pelo controle do território e pela lucrativa indústria do petróleo. O governo de Tobruk acusa o outro de colaborar com terroristas e, de acordo com analistas, as cidades de Trípoli, Benghazi, Darna e Sabratha estão sendo realmente usadas como campos de treinamento extremistas para os conflitos no Iraque e na Síria. Porém, a Tunísia tem também desafios internos. Com uma população de apenas 11 milhões de habitantes, o país é um dos principais “fornecedores” de combatentes para os conflitos no Iraque e Síria, número que varia de 3.000 a 7.000 combatentes. De acordo com a mídia local, pelo menos 500 desses combatentes [5] já retornaram à Tunísia. Outro desafio é a taxa de desemprego dentro dos jovens com curso superior, que supera os 30%, dado preocupante para um país que possui 40% de habitantes com menos de 25 anos. Sem qualquer perspectiva econômica, a juventude tunisiana acaba exposta a visões distorcidas do grupo Estado Islâmico (EI) e se torna alvo fácil de ideologias extremistas. Nesse sentido, é importante para a segurança da Tunísia o monitoramento das fronteiras, principalmente com a conturbada Líbia, sem descuidar também à situação interna, com ações de reabilitação aos militantes que retornam, com políticas voltadas ao desenvolvimento social e à educação; numa tentativa de desconstruir as narrativas extremistas do EI, que tanto atraem os jovens tunisianos. Europa Après Charlie: e agora? por Louise Hurel O polêmico atentado ao jornal Charlie Hebdo, no dia 07 de janeiro deste ano, foi retratado por muitos jornais como sendo o “11 de setembro francês”. Pode-se entender o quebra-cabeça nacional e internacional pós-Charlie por três ângulos diferentes. O primeiro é o da internacionalização do protesto: o evento provocou respostas contrárias à “satirização” da intolerância religiosa em prol da defesa de um secularismo defensor da liberdade de imprensa. Os acontecimentos marcantes transbordaram para além da Europa e ganharam resistência, força e oposição na forma de protestos no Afeganistão, Paquistão, Níger, Argélia e Jordânia. Muitos deles terminaram em tumulto, violência e até em mortes, como no caso do Paquistão. Vale ressaltar que diversos representantes de Estado desses países se pronunciaram condenando igualmente a discriminação. O Parlamento paquistanês inclusive aprovou uma resolução condenando a charge, interpretada como provocação e perpetração de um discurso de ódio. A segunda perspectiva é a da retomada dos gastos militares após o atentado. De acordo com a Lei de Programação Militar francesa (LPM), estavam previstos grandes cortes no número de militares entre os anos de 2014 a 2019. Contudo, o presidente François Hollande sinalizou que, após os ataques ao Charlie, tais reduções foram revistas e muito provavelmente não ocorrerão. Antes, teriam que reduzir aproximadamente 16.000 militares somente nos anos de 2014 e 2015, agora estes começam a se articular como força de promoção da segurança interna do país. Por fim, observa-se o evento pelo ângulo das relações entre Israel e França. O premiê israelense Benjamin Netanyahu, ao visitar o país após o atentado a um mercado kosher a que se seguiu o de Charlie, chamou os judeus franceses a irem à Israel. Mesmo sendo amplamente criticada, a proposta estava baseada indiretamente no fato de que, em 2014, 7.000 judeus saíram da França rumo a Israel. Além disso, 10.000 homens foram mobilizados para promover a segurança de escolas judaicas e sinagogas, o que sinaliza uma crescente preocupação com um possível anti-semitismo na França. A partir do atentado e de suas implicações, a esperança de maior integração na Europa, que permeava diversas esferas institucionais, passou a ser grandemente criticada, principalmente em termos culturais e religiosos. Europa Leste europeu e a operação Dragoon Ride por Daniel Araujo No início deste mês, teve fim o percurso do comboio de blindados do 2º Regimento de Cavalaria do Exército dos Estados Unidos, que saiu do nordeste da Alemanha no fim do mês passado, passando pela [6] República Tcheca, Polônia, Lituânia e Letônia. O Fonte: Wikimedia grupo percorreu cerca de 1.700 km, com 120 veículos e 500 soldados, como parte de uma operação denominada Dragoon Ride, que demandou alta complexidade diplomática e cooperação entre os Estados para sua realização. Segundo o Tenente Coronel Craig Childs, oficial do Exército dos Estados Unidos na Europa (em inglês, USAREUR), a operação é uma reação às ações da Rússia no Leste europeu, constituindo clara demonstração de força. Algo importante de se observar é a ausência de bandeiras nos veículos e na farda dos soldados, nem mesmo a da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Para alguns analistas, isso indica tratar-se de uma operação também para exposição do alinhamento geopolítico aos Estados Unidos por parte dos países do Leste Europeu que participaram do exercício. É preciso destacar que, diferentemente da Polônia; Alemanha, Estônia, Lituânia e República Tcheca estão passando por uma rápida militarização, trabalhando em alerta contra a iminência de um possível ataque russo e realizando alistamentos em massa. Além disso, contam com uma grande concentração de materiais bélicos enviados recentemente pelos Estados Unidos, como 100 veículos blindados de combate, entre eles M1 Abrams e M2 Bradley, assim como a presença de navios da OTAN, no porto de Ventspills, Letônia, desde 09 de maio de 2014. Segundo alguns analistas, essa permanência pode ter desenvolvido a percepção da União Europeia acerca da importância estratégica desse porto. Neste ano, o bloco receberá um aporte do Fundo de Coesão da União Europeia de 25,6 milhões de euros para revitalização da infraestrutura portuária para alocação das tripulações e melhor atracação dos navios. O objetivo é inclusive trazer o mencionado porto de volta à operação, já que ele se encontrava paralisado até então, devido às sanções ocidentais à Rússia. Rússia e ex-URSS Fonte: RT Mar ou lago: um problema oceanopolítico por Caio Almeida A IV Conferência do Mar Cáspio, ocorrida em setembro de 2014 em Ashtrakhan (Rússia), significou um importante passo para um consenso no direito de navegação e pesca dos cinco Estados costeiros do Mar Cáspio com a determinação de 15 milhas náuticas para soberania sobre mar territorial e de 10 milhas náuticas para pesca exclusiva. A importância econômica e estratégica do Mar Cáspio reside nas incalculáveis reservas de óleo e gás ainda não totalmente exploradas e na pesca do turjão para produção de caviar. Devido a particularidades geográficas, os Estados costeiros e a comunidade internacional nunca chegaram a um consenso se o Cáspio é de fato um lago ou um mar. Tanto a legislação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (em inglês, UNCLOS) quanto o posicionamento da comissão de especialistas em nomes geográficos da organização são imprecisos. Para Irã e Rússia, interessa que o Mar Cáspio seja classificado como lago, de modo que a comunidade internacional não tenha direito de legislar sobre ele, tornando, na prática, esses dois Estados “donos” do mar territorial devido ao peso de suas Marinhas. Por esse mesmo motivo, Azerbaijão, Cazaquistão e Turcomenistão advogam que o Cáspio é um mar e deve ser regulado pelas [7] convenções internacionais, que confeririam direitos iguais de navegação e exploração econômica para todos os Estados costeiros. A Rússia foi bem sucedida na mencionada Conferência do Cáspio ao determinar que ficasse proibida a navegação e exploração econômica de Estados não-caspianos no mar Cáspio. Contudo, em 2005, não conseguiu impedir que fosse inaugurado o gasoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), operado por um consórcio liderado pela British Petroleum e capaz de escoar gás para Turquia sem passar por território russo. Atualmente, a inciativa ocidental de construir um gasoduto em um consórcio liderado pela austríaca OMV, chamado projeto Nabucco, que escoaria gás do Cazaquistão para a Áustria passando pela Bulgária, Romênia, Hungria e Turquia foi desbancada por projetos mais competitivos liderados pela Gazprom, empresa russa. Em construção desde 2012, tais projetos são chamados South Stream, cujo objetivo é escoar gás da Rússia para Áustria passando pela Bulgária, Grécia, Itália e Mar Negro, e Nord Stream, já em funcionamento e escoando gás da Rússia para Alemanha do Mar Vybord a Greifswald. Sul da Ásia Bangladesh: violência recorrente por Ariane Francisco Fonte: Deutsche Welle O atual conflito em Bangladesh tem suas origens na guerra de independência (1971), e seus principais atores são os partidos Awami League (AL) e o Bangladesh National Party (BNP). Entre 1976 e 1990, o país sofreu sucessivos golpes e contra-golpes de Estado. A partir de 1990, apesar de sempre contestadas, eleições têm sido realizadas regularmente e os dois partidos se revezam no poder. Em meio ao processo eleitoral de 2014, porém, quando as pesquisas davam provável vitória ao BNP, a ex-Primeira Ministra Khaleda Zia (líder deste partido) insistiu no estabelecimento de um governo provisório e rejeitou todas as propostas da AL de um mandato com poderes limitados para o primeiro ministro durante as mesmas. Suas demandas não foram aceitas e ela optou pela convocação de protestos violentos e, por fim, pelo boicote às eleições. A crise desencadeada é a mais violenta da história do país, com ataques sendo feitos por ambos os lados. Após um ano do ocorrido a violência continua. Com o boicote de 2014, candidatos do AL concorreram sem grande oposição, diminuindo ainda mais presença do BNP no parlamento, que já vinha se enfraquecendo devido a sua associação com o regime paquistanês pré-independência. Uma série de ataques violentos tem sido parte do dia-a-dia da população. Os simpatizantes do BNP vêm utilizando táticas de street-power, com o uso massivo de coquetéis Molotv. A ação do governo para a contenção dessa violência tem sido, porém, tão negativa quanto esta: com prisões e mortes arbitrárias e desaparecimentos. Já são mais de 500 mortos e centenas de feridos. Um dos grandes problemas do conflito é que sua perpetuação pode incorrer em grandes vácuos de poder, os quais, ainda que de pequena dimensão, já têm sido aproveitados por grupos jihadistas. Eles, apesar de minoria, têm grande poder econômico no país e ligações fortes tanto com o Paquistão quanto com o Afeganistão. [8] A reconciliação intercoreana: dilema de segurança e jogos de poder Leste Asiático por Marcelle Torres Há três perspectivas acerca do futuro do regime norte-coreano: manutenção do status quo; fim do regime, intervenção humanitária e abertura econômica; e reconciliação intercoreana e abertura do país, sendo esta última a mais defendida pela comunidade internacional. Todavia, uma reunificação por absorção ou uma reconciliação por tratado de paz e modernização da Coreia do Norte? A primeira hipótese é a absorção de uma das partes pela mais capaz, no caso, da Coreia do Norte pela Coreia do Sul, como no ocorrido com a Alemanha em 1990. Entretanto, o grande impasse da tese de reunificação por absorção está no cerne do binômio custo x benefício e quanto o projeto custaria aos cofres sul-coreanos. Além disso, parte-se do pressuposto de que a transição seria por vias pacíficas, o que não condiz com o perfil da Coreia do Norte, dependente da manutenção do regime comunista para a perpetuação da dinastia Kim no poder. Já a segunda, em vias de execução, é a partir da abertura silenciosa, lenta e gradual do país mediante acordos e negociações de cunho econômico com vistas à modernização no médio e longo prazos. A Coreia do Sul já investe hoje em grandes projetos bilaterais, como a Zona Especial de Kaesong, onde operam jointventures entre empresas estatais do Norte e privadas do Sul, e avalia a construção de um centro de logística agrícola nos arredores de Pyongyang. Enquanto Washington usa a possibilidade de uma “ameaça nuclear” norte-coreana como justificativa para manter e aumentar sua presença militar na região, Pequim utiliza-se do poder de mercado e barganha no comércio com a Coreia do Norte e Moscou promove grandes projetos trilaterais de infraestrutura envolvendo as duas Coreias - como a ligação das ferrovias norte e sul-coreanas à rede transiberiana e a construção de gasodutos e linhas de transmissão da província de Primorye à Coreia do Sul passando pela Coreia do Norte; cabe à Seul rapidamente posicionar-se à frente das negociações e mostrar que encontrar um modus vivendi com a Coreia do Norte é preferível a um status quo que possa sair de seu controle. Sudeste Asiático e Oceania Mar do Sul da China: desenhando novas estratégias por Thayná Fernandes Buscando firmar sua soberania sobre territórios em disputa, Pequim, desde o final do ano passado, vem construindo uma série de “ilhas artificiais” ao longo do Mar do Sul da China. Essa região possui como áreas de tensão as ilhas Spratly, Paracel e o atol de Scarborough; disputadas também por outros países como Filipinas, Taiwan e Vietnã. Com uma nova estratégia de construir e povoar ilhas, a China vai estabelecendo um possível controle em seu mar meridional e, dessa forma, impõe aos Estados do entorno sua política marítima. Não por acaso, entretanto, Indonésia e Japão firmaram no dia 24 de março um Acordo Bilateral em Defesa tendo como objetivo principal fortalecer suas Marinhas, infraestrutura e guardas costeiras. Estabeleceu-se também cooperação em tecnologia e equipamentos de defesa. Apesar de nenhum dos dois países estarem em disputa por territórios na região, “a linha de nove traços” (The Nine Dash Line) - que demarca as reivindicações marítimas da China na região - interpõem-se à Zona Econômica Exclusiva indonésia. Para o Japão é uma oportunidade de investir e, de certa forma, influenciar os países do Sudeste Asiático. Recentemente, as Filipinas decidiram continuar os processos de construção de pistas de pouso nas Ilhas Spratly, após fazer uma pausa nessa iniciativa por conta dos questionamentos que levou às cortes internacionais contra a China. Sem obter resultados favoráveis, decidiu retomar suas atividades alegando que tal ato não [9] alteraria o “status quo” da região. No mesmo sentido, Malásia e Vietnã também estão melhorando suas instalações nas ilhas de seus interesses. Cabe lembrar que há uma série de bases militares de diversos países localizadas no entorno da região. Essa corrida por soberania sobre ilhotas pareceria infundada, não fosse a estimada existência de grandes reservas de óleo e gás no Mar do Sul da China, e aproximadamente cinco trilhões de dólares (por ano) em comércio marítimo que cruzam essa região. A lenta missão de conquista territorial na Antártica Ártico e Antártica por Raissa Pose Seguindo a comemoração de 30 anos desde a sua primeira estação de pesquisa na Antártica, a China conduz sua 31ª expedição com um objetivo controverso, definir a localidade e construir sua 5ª estação na região. A nova estação científica faz parte do projeto do país de aumentar sua presença naquele continente para, no futuro, ter lugar entre os países pioneiros a explorar a área que é rica não apenas em diversidade marinha, mas também em petróleo, carvão, ferro e gás. A missão chinesa é uma das maiores atualmente em operação no continente, com 281 pesquisadores, que, segundo o governo de Pequim, visam construir uma pista de pouso para aviões, realizar diversas pesquisas científicas e estabelecer a localização definitiva da nova estação, a princípio, para lá instalar algumas antenas do sistema de navegação satelital chinês, o Beidou. Esse último objetivo é o que está causando controvérsia entre os países presentes no continente, principalmente na Austrália, que alega que o sistema de satélite poderia ser usado para teleguiar mísseis de longa distância, o que é proibido pelo Tratado da Antártica. Entretanto, o tratado também prevê o uso de equipamentos militares para fins científicos e, por isso, não há como embargar os planos chineses sem provas concretas. Pelo Tratado da Antártica, a mineração está proibida até 2048. Em 33 anos a situação geopolítica da região vai passar por reformulações e, quanto maior a presença dos Estados, maior será a credibilidade de suas reinvindicações. A presença chinesa, que já nomeou 359 áreas geológicas e possui quatro estações científicas na região, ainda está atrás de outros países que também procuram estabelecer sua posição no território para obter maior poder de negociação. Ainda assim, a Austrália vê a expansão da China no continente como uma ameaça à sua reinvindicação de aproximadamente 43% do território antártico. A quinta base científica será instalada em solo reivindicado pelos australianos, que já é localidade de três das quatro bases chinesas, aumentando ainda mais o atrito geopolítico sobre as questões polares entre os dois atores. Dicas de artigos selecionados • PROJECT SYNDICATE - 03/04/2015 The Future of the Iran Nuclear Deal - by Richard N. Haass • THE NEW YORK TIMES - 08/04/2015 Putin meets with Alexis Tsipras of Greece, raising eyebrows in Europe - by David M. Herszenhorn and Liz Alderman • JAPAN TIMES - 07/04/2015 History in Japan’s textbooks gets government makeover - by Jiji Kyodo • THE DIPLOMAT - 08/04/2015 China: The World’s new peacekeeper? - by Emma Campbell-Mohn • PEW FORUM - 02/04/2015 The future of world religions: population growth projections, 2010-2050 • STRATFOR - 09/04/2015 U.S Investments in Cuba will reinforce the Military [Ao clicar sobre os títulos das reportagens, abrem-se os respectivos links] [10]