A conta do risco regulatório
JOAQUIM, Gustavo; MELLO, João M. de; CARRASCO, Vinicius. “A conta do
risco regulatório”. Valor Econômico. São Paulo, 19 de março de 2014.
Uma característica marcante do atual governo é o aprofundamento do
intervencionismo microeconômico. Os titereiros de Brasília sabem melhor do
que o mercado. Devem, portanto, decidir que preços são adequados e quais
retornos são satisfatórios para os investidores. A atuação governamental no
setor elétrico ilustra particularmente bem o procedimento. Quando a conta
começou a chegar, na forma de baixo apetite para investir, o governo,
estupefato, ficou alguns meses se perguntando, como um amante desprezado:
"Faço de tudo, dou subsídio, turbino o BNDES, e ainda assim o investimento
não vem". Claro, os investidores não estavam acanhados a despeito da atuação
do governo, mas sim por sua causa: o intervencionismo cria risco para as
empresas, principalmente aquelas sob a tutela direta do governo, como as
regulamentadas. Esses pontos são razoavelmente consensuais entre os
analistas independentes. Mas, até onde sabemos, ninguém quantificou o efeito
do risco regulatório no Brasil. Neste artigo relatamos os resultados de uma
pesquisa que fizemos sobre o tema.
Usando dados de milhares de empresas de mais de cinquenta países,
relacionamos duas variáveis: a taxa de retorno demandada por investidores e a
qualidade institucional do país no qual as empresas operam. O retorno foi
medido pela razão preço sobre lucro (P/L) das empresas. Quanto maior o P/L
menos retorno exigem os investidores. Alternativamente, quanto maior o P/L,
menor o desconto demandado por um investidor para ter "direito" aos lucros da
empresa. Embora não seja ideal, o P/L tem a vantagem de estar disponível para
muitas empresas em diferentes países (foi obtida do site do prof. Damodaran na
New York University, www.pages.stern.nyu.edu/~adamodar/). A medida de
qualidade institucional foi construída pelo Banco Mundial e, segundo o banco,
"captura a percepção da habilidade do governo formular e implantar regulação e
políticas sensatas que permitam e promovam o desenvolvimento do setor
privado". A medida faz sentido: Argentina e Venezuela estão lá embaixo no
ranking, enquanto Noruega e Suécia estão bem colocadas.
Mesmo quando os leilões não fracassam, as tarifas de pedágio ficam bem mais
altas do que poderiam ser.
A Teoria de Finanças ensina que os retornos de um ativo são determinados
pelo componente não diversificável de seu risco, isto é: todo risco difícil de se
segurar contra fará com que o ativo comande prêmio, expresso em maior
retorno. Além da qualidade regulatória, há outros fatores de risco que afetam a
taxa de retorno exigida pelos investidores. Por isso, nossos exercícios
econométricos levam em conta o risco-soberano, a taxa de crescimento do país
no qual a empresa opera, o setor no qual a empresa atua e, mais importante,
uma medida do risco sistemático ao qual a empresa está exposta, o beta do
modelo CAPM. Portanto, nossas estimativas capturam o efeito da qualidade
institucional sobre o retorno demandado pelos investidores para além das
variáveis listadas. Não surpreendentemente, encontramos que, quanto maior a
qualidade institucional, menor o retorno demandado. A interpretação é simples:
expropriações, na forma de renegociação de contratos, são menos verossímeis
em países mais organizados.
Infelizmente, não só perdemos para os países avançados, como nossa
qualidade institucional está abaixo da média dos emergentes. Façamos o
seguinte exercício: e se passássemos a ter a qualidade institucional do México,
que coincide com a média dos emergentes da nossa amostra? Nossas
estimativas mostram que a taxa de retorno anual demandada pelos investidores
no Brasil cairia em 1,5 ponto percentual. É um impacto brutal. Por exemplo, o
retorno regulatório permitido para as empresas de distribuição de energia
elétrica é 7,57% ao ano. Se tivéessemos a qualidade institucional do México, a
remuneração do capital poderia ser 20% menor. Ganhariam os consumidores
de energia porque a tarifa cairia.
Melhoraria a distribuição de renda porque, mantendo constante a taxa de
crescimento da economia, uma queda na remuneração do capital melhora a
distribuição de renda, como mostrou o economista francês Thomas Piketty.
O caso mais gritante é infraestrutura: com os gargalos que temos, os
investidores deveriam se estapear nos leilões. Afinal, há muito valor a ser
gerado pela melhoria das estradas e diminuição do custo de escoamento da
safra. Todos os leilões deveriam ser um sucesso estrondoso. Mesmo quando os
leilões não fracassam, as tarifas de pedágio ficam bem mais altas do que
poderiam ser. Fizemos uma conta ilustrativa para o leilão de concessão da BR
163, um dos leilões mais bem sucedidos.
Se tivéssemos a qualidade institucional do México, a tarifa vencedora no leilão
seria 13% mais baixa. Considerando a expectativa quando todas as praças de
pedágio estiverem operando, estamos a falar de uma economia de R$ 52
milhões para o usuário somente em 2016. Isso é só uma parte ínfima da malha
rodoviária brasileira. A economia, considerando todas as rodovias e todos os
setores regulamentados, seria gigantesca. Risco regulatório se manifesta em
frete e tarifa de energia mais caros, para citar dois casos, o que encarece toda a
cadeia produtiva. Não é à toa que nossos preços são exorbitantes, o PIB patina
e as empresas têm dificuldade de exportar. Não, a solução não é desvalorizar o
câmbio nominal. É só o governo não atrapalhar.
Gustavo Joaquim é mestrando em economia na PUC-Rio.
João Manoel P. de Mello é PhD em Economia por Stanford, professor
titular do Insper e microeconomista da Pacifico Gestão de Recursos.
Vinicius Carrasco é PhD em Economia por Stanford e professor do
departamento de economia da PUC-Rio
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