Foi na sexta-feira à tarde às 19h30 que recebi um telefonema da Universidade.
Fiquei em pânico! Algo deveria estar mal nas instalações, um incêndio, uma
inundação devido a um rompimento de um cano de água? Todos os cenários de desgraça
passaram pela minha cabeça! O que se estaria a passar de tão grave na Universidade que
justificava um telefonema numa sexta-feira ao final da tarde?
Atendi o telefone com uma certa angústia mas fui imediatamente aliviado pelas
primeiras palavras - pensei eu! Mas há sempre uma calma antes da tormenta, o pior estava
para vir!
«Como vai fazer 25 anos que pertence a esta instituição, penso que será a pessoa indicada
para discursar no dia da Universidade!»
«Eu …? - fico muito lisonjeado e honrado mas há, certamente, alguém mais indicado para
discursar numa cerimónia» - retorqui eu entrando em pânico só de pensar que tinha que
discursar em frente de um plateia no anfiteatro da Universidade.
Do outro lado da linha, a pessoa justificava «porque tem 25 anos de casa …» e outras
lisonjas que me coíbo de referir, foram-me ditas para me ajudar a vencer este temor de falar
em público. Terminado o telefonema ficou acordado que teria o fim- de-semana para pensar
com calma no assunto e que logo daria uma resposta na segunda-feira. Claro que quando a
família lá de casa ficou a saber do assunto discutido ao telefone nem me deu hipótese de
qualquer ponderação até segunda-feira, pois só havia uma resposta. Tudo me leva a crer
que o telefonema na sexta-feira antes da hora de jantar não foi inocente, mas sim uma
técnica sofisticada e comprovada no campo da psicologia baseada na seguinte ideia: se
quem telefonou não me conseguir convencer, jamais a minha mulher e os meus filhos o
iriam permitir. E aqui estou eu!
Pois é, 25 anos nesta casa. Foi em setembro de 1990 que cheguei a esta instituição.
Era o Professor Abílio Marques da Silva o presidente da UCEH Unidade de Ciências Exatas
e Humanas. Eu vinha em requisição de serviço da Escola Secundária Tomás Cabreira onde
era professor efetivo/provisório de físico-química – nome pomposo que se dava, nessa
altura, aos professores que já faziam parte do quadro da escola mas que só efetivariam
depois de feita a profissionalização. Fiz a profissionalização em serviço na Escola Superior
da Educação no Campus da Penha no ano letivo de 1989/90.
Vim para a universidade à experiência. A minha formação académica na
Universidade de Coimbra não me deixara saudades agradáveis, a relação Professor-aluno
era distante e fria e eu não fazia ideia ao que vinha aqui na UALG. Mas naquele ambiente
de instalações provisórias encontrei um mundo humanizado, desafios constantes em que
todos os dias havia algo de novo a fazer ou obstáculos a vencer. Acabei por trocar a minha
1 nomeação definitiva no quadro da escola secundária para passar para a universidade onde
nem quadro de pessoal havia!
Naquele tempo não havia faculdades! Eram unidades: a UCEH, Unidade de
Ciências Exatas e Humanas, a UCTA, Unidade de Ciências e Técnicas Agrárias, e a
UCTRA, Unidade de Ciências e Tecnologias dos Recursos Aquáticos. Só existiam os
edifícios de alvenaria, os nossos gabinetes e os laboratórios que tinham as portas viradas
diretamente para a rua e durante a primavera, verão, outono e sempre que o tempo o
permitia estavam abertas, criando um ambiente propício à confraternização de todos os
funcionários nos corredores dos edifícios. Passado pouco tempo conhecíamos todos os
professores, técnicos superiores, administrativos e pessoal dos laboratórios de todas as
unidades. Verdade seja dita, também éramos poucos, em comparação com hoje.
Quando cheguei ao meu gabinete estava numa parede um esboço panorâmico de
todo o campus de Gambelas. Perguntei o que era aquilo e disseram-me que seria o
Campus de Gambelas em 2010 ao que respondi «nem em 2020, quanto mais em 2010!» E
aqui estamos nós, em 2015, com o Campus completo, à exceção das residências
universitárias.
Ao mesmo tempo que as unidades começaram a passar para os novos edifícios com
os seus longos corredores e as portas dos gabinetes fechadas, foi-se lentamente perdendo
aquele ambiente dos edifícios de alvenaria.
Lembro-me das primeiras consultas para compras de material onde compilávamos
em Excel uma longa lista de material a comprar. Tentámos convencer as empresas a
receber a lista numa diskette de 720 Kb que enviaríamos por correio, bastando-lhes a eles
preencher os valores dos itens pedidos poupando-se, assim, muito tempo e dinheiro. Mas
nesse tempo nem todas as firmas tinham computadores e outras nem sabiam o que era
isso do Excel.
Lembremo-nos que, naquele tempo, os aparelhos de fax funcionavam com papel
térmico que não podia apanhar a luz direta do sol pois ficaria todo preto; que a internet era
ainda insipiente e que havia uma sala com monitores e teclados onde os docentes
comunicavam com colegas no outro lado do mundo por uma coisa chamada e-mail!
Mas, como funcionário desta instituição, não posso deixar de falar (em nome de
todos) de tantos colegas que, como eu, trabalham e se dedicam de corpo e alma a esta
instituição.
Uma grande quantidade de pessoas que passam despercebidas mas que, como as
pequenas rodas dentadas dum motor complexo de elevada cilindrada que é uma
universidade, funcionam como o óleo lubrificante que mantém essas rodas a rodar!
2 Pessoas que muitas vezes fazem mais e vão um pouco além das tarefas que lhes são
exigidas no seu dia-a-dia, para que não entre um grão de areia dentro desta máquina
complexa comprometendo a sua eficiência e funcionamento:
- O colega que faz a distribuição do correio, que traz aquela encomenda que foi entregue na
Penha e cuja transportadora se recusa a vir a Gambelas entregar porque a morada dizia
Penha;
- O colega que gere os espaços, que arranja em cima da hora uma sala, um data show ou
um computador para o docente poder dar a aula prevista mas que não ficou marcada,
resolvendo ali o imprevisto para que a aula possa ser dada.
- Os colegas que, entre si, pedem ajuda porque houve aumento de alunos implicando
aumento do número de turmas e as compras de reagentes e material feitas baseadas nos
consumos do ano anterior não vão chegar para este semestre. Quando verificamos a falta
desse material - que pode ser um reagente, um pequeno aparelho, ou material de vidro combinamos um empréstimo que pode chegar ao limite de se emprestar de manhã, ir
buscar à hora do almoço, para ainda se poder usar na nossa aula da tarde.
- Os colegas que quando a aula excede o seu horário ficam até mais tarde para lavar o
material, colocá-lo na estufa para secar e ainda vêm mais cedo de manhã para o poderem
retirar, já seco, arrumando-o e colocando-o nas bancadas de trabalho antes da aula da
manhã começar. Só assim, essa aula poderá funcionar plenamente.
- Os colegas que, para além das suas responsabilidades diárias, ainda arranjam tempo para
fazer o BackOffice para os diversos eventos de divulgação do departamento como: envio de
emails a divulgar os eventos, receção dos emails a confirmar as presenças, organização
dos espaços, distribuição de tarefas pelos grupos de apoio e, inclusivamente, cozinhando
croquetes, chamuças e rissóis, indo aos supermercados comprar pão, queijo, fiambre,
sumos e águas para os respetivos coffee break ou lanches para os convidados e
assistentes, sacrificando muitas vezes o seu dia de descanso ao sábado para ajudar nesses
eventos.
Estou apenas a falar daqueles nos quais participei e que melhor conheço, como as
Olimpíadas da Química, Química +, Campeonatos de Matemática de Sub 12 e 15 e
Olimpíadas da Matemática, mas há um sem número de eventos em outros departamentos
ou escolas, como o dia Aberto da Universidade que não deixa nenhum funcionário, de uma
forma ou de outra, sem dar a sua contribuição para o sucesso dum evento desta magnitude.
Não quero particularizar um grupo de funcionários em especial, por ser da minha
área, mas só devo falar do que conheço melhor. Não tenho dúvidas que nas outras
categorias ou secções surgem também situações e problemas particulares do serviço que
têm que ser resolvidos e que o são, pela dedicação dos funcionários que lá trabalham: os
3 serviços técnicos, os serviços de informática, os recursos humanos, a comunicação, os
serviços financeiros e patrimoniais, as contabilidades, as secretarias, os laboratórios e peço
desculpa se me esqueci de alguém ou de alguma secção mas esta instituição é muito
grande e, apesar de cá estar há 25 anos, não conheço tudo.
Não gostaria de deixar de falar dos colegas que se aposentaram ao longo destes
anos e que tantas saudades nos deixaram. Uma vida dedicada ao serviço público sempre
visando promover o bem-estar e a qualidade do trabalho desta instituição.
Não posso no entanto, deixar de lamentar que, não tendo sido possível substituí-los,
tivéssemos sofrido mais uma acumulação de trabalho que, apesar de tudo, executamos
com o mesmo profissionalismo e dedicação de sempre.
Também não posso deixar de falar dos docentes que também são funcionários
desta instituição e que também eles lutam, resolvem e despendem o seu tempo e energia a
resolver problemas, ultrapassar obstáculos inerentes à sua área e a divulgar os seus
trabalhos científicos contribuindo assim para o reconhecimento e prestígio desta instituição
em Portugal e no estrangeiro.
Nem posso deixar de falar da contribuição da equipa reitoral que certamente não
tem dia nenhum em que não necessite resolver problemas de pequena, média, ou grande
dimensão e daqueles que são para resolver para ontem. Do Magnífico Reitor com as suas
deslocações às várias instituições governamentais, públicas e particulares, na divulgação
do melhor que aqui fazemos.
O mundo mudou muito neste pequeno espaço de tempo. Há não muitos anos a vida
seguia um caminho linear. Casávamos, constituíamos uma família, educávamos os nossos
filhos, tínhamos um emprego para a vida e eles, os nossos filhos, continuariam o círculo da
vida como a conhecíamos.
Mas agora não. De repente, somos confrontados com uma realidade que nos era
desconhecida ou escondida. Damo-nos conta que o mundo mudou em todas as frentes, na
social, na tecnológica e na económica. Começámos por ouvir repetidamente palavras como
globalização, neo-liberalismo e economia aberta. Depois, veio o défice público, a dívida
pública, privada, empresarial, o crédito mal parado, o resgate financeiro etc etc… As
pessoas a quem confiámos os destinos deste país pintaram-nos um quadro muito negro
com palavras indecifráveis para o comum dos mortais como: PECS, recapitalização da
banca, resgate, crise e colapso financeiros, frases como “vivemos acima das nossas
posses”, etc, etc.
Hoje conhecemos muito bem e na pele as consequências destas palavras todas somadas.
Hoje, o amanhã é imprevisível.
4 Se há 25 anos me tivessem dito que a minha vida daria uma volta de 360º, um
círculo completo e que depois voltaria a exercer as funções para as quais entrei nesta
instituição, não acreditaria. Depois de 20 anos de serviço dedicado aos aparelhos de
absorção atómica e de análise elemental, 20 anos em que passaram por mim centenas de
alunos nas aulas práticas com a absorção atómica, dezenas de alunos com trabalhos de fim
de curso, alunos que ajudei na sua investigação fornecendo os dados iniciais para a
estruturação da sua investigação para os seus mestrados e doutoramentos, eis-me aqui,
novamente nos mesmos pré fabricados para onde entrei há 25 anos.
Como disse há pouco, o amanhã é imprevisível e temos todos que estar preparados para
essa imprevisibilidade.
O esboço do Campus de Gambelas de que falei no início – aquele que eu não
acreditei estar completo em 2020, está concluído. Mas não parámos por aqui. O número de
alunos inscritos na UALG tem aumentado nestes últimos anos, o edifício 2 está concluído, o
CRIA tem novas instalações para atrair novas start ups e eu sinto que a instituição continua
a crescer e eu quero continuar a fazer parte desse crescimento participando nos desafios
que se aproximam.
Hélio Santos Martins
Licenciado em Farmácia pela Universidade de Coimbra
Técnico superior da Universidade do Algarve
Faro, 16 de dezembro de 2015
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a intervenção de Hélio Martins