NA DIREÇÃO DA EQUIDADE PEDAGÓGICA NA AULA Agustín Navarra, Ph.D., CORD International, Waco, Texas, USA (com a colaboração do Dr. Claudio de Moura Castro e do Dr. Leno S. Pedrotti) 1 Introdução Na década dos 90, quase todos os países da América Latina começaram uma série de reformas educativas desenhadas para ajudar os estudantes a se preparar para os desafios do mundo atual. Durante esse tempo, os governos desses países focaram, e continuam focando, suas políticas em direção a vários temas importantes numa reforma. Entre as prioridades estabelecidas para a educação pública, as principais são eficiência, modernidade e equidade. Este artigo trata sobre uma destas prioridades: a equidade. Nos círculos educacionais, o termo equidade normalmente é usado para se referir à equidade socioeconômica, ou seja, até que ponto todos os estudantes tem acesso às oportunidades educativas, independente dos seus níveis socioeconômicos. Neste artigo, o término equidade faz referencia à equidade pedagógica, ou seja, até que ponto todos os estudantes tem acesso à informação que está sendo ensinada numa determinada aula, independente dos seus estilos de aprendizagem. Consegue-se equidade pedagógica somente quando são usadas técnicas de ensino que facilitam a aprendizagem de todos os estudantes. Como estamos ensinando? Qual seria a nossa resposta à pergunta sobre se a pedagogia usada para ensinar matemáticas e ciências nas escolas de ensino médio e pósmédio da América Latina é eqüitativa? Antes de tentar dar uma resposta, é bom lembrar que estudos e pesquisas demonstram que as pessoas aprendem de forma diferente. 2 Da mesma forma como duas pessoas não tem a mesma aparência, caminham ou falam exatamente da mesma forma, duas pessoas não aprendem exatamente da mesma forma. Cada pessoa tem um estilo de aprendizagem diferente. Por isso, é possível considerar diferentes os alunos em função de como percebem e processam a informação, ou seja, em função de como aprendem. O autor confirmou esse fato através de pesquisas informais com professores de ensino médio de países de América Latina, os quais quase unanimemente expressaram frustração já que somente alguns poucos dos seus alunos pareciam estar aprendendo aquilo que era ensinado. Deve-se esclarecer que o “ensino médio” recebe diversos nomes, como preparatória, liceus, ensino médio ou ensino superior, segundo o país. Uma olhada superficial à paisagem educacional em países da América Latina revela uma clara desconexão entre as técnicas pedagógicas e de avaliação em uso e a forma como os estudantes 1 O autor deseja expresar seu agradecimento ao Prof. Julio K. Inafuco (Colégio Bom Jesus, Paraná, Brasil) pela sua valiosa contribuiçaõ durante a traducão deste trabalho em Português. 2 David A. Kolb, Experiential Learning: Experience as the Source of Learning and Development (Prentice-Hall, 1984). 1 aprendem. Enquanto a maioria dos estudantes (mais de 65 por cento segundo alguns estudos) aprende melhor através da experimentação ativa (ou seja, fazendo, executando, expressando os seus sentimentos e defendendo suas conclusões), a pedagogia majoritariamente em uso está orientada principalmente à minoria dos estudantes que aprende melhor mediante recepção passiva, ou seja, observando, escutando e pensando. Em outras palavras, as práticas docentes estão desenhadas, na sua maioria, para satisfazer as necessidades de uma minoria de estudantes. As necessidades da maioria são amplamente ignoradas. Num estudo sobre uma desconexão similar nos Estados Unidos, o Dr. Dale Parnell fez referencia a este último grupo de estudantes como a “maioria descuidada.” 3 A pedagogia convencional (tanto nas escolas da América Latina como nas dos Estados Unidos) prepara uma quantidade de estudantes relativamente pequena (formada por aqueles alunos considerados “inteligentes”) para usar “habilidades intelectuais,” enquanto que deixa para os outros a aquisição de “habilidades manuais.” Infelizmente, estes dois grupos de estudantes não são considerados simplesmente diferentes. Aqueles que podem aprender facilmente “habilidades intelectuais” são considerados superiores. Esse é claramente um caso de iniqüidade pedagógica. A iniqüidade pedagógica, ou seja, a discriminação entre os estudantes que tem uma inclinação natural para as “habilidades intelectuais” y aqueles que se supõe são incapazes de adquirir algo mais sofisticado que as “habilidades manuais”, é injusta e irracional. É um problema real que requer uma solução. Uma causa do problema é que a pedagogia convencional considera erradamente que as “habilidades intelectuais” e as “habilidades manuais” são incompatíveis quando na realidade não é assim. É possível ensinar de forma que seja possível desenvolver as duas habilidades, e um sentido de justiça requer que tentemos faze-lo. Continuar com práticas obsoletas que ensinam “habilidades intelectuais” a alguns estudantes e “habilidades manuais” a outros tem o efeito de condenar a alguns estudantes a caminhos educativos de baixo nível nos quais eles aprenderão algumas poucas e antiquadas habilidades vocacionais. É óbvio o efeito pernicioso de aplicar práticas docentes obsoletas. As estatísticas, tanto nacionais quanto internacionais, com relação à repetência e à deserção mostram claramente que alguma coisa não está funcionando como deveria. Freqüentemente os médios da imprensa e as agencias do governo tratam a respeito do problema. Por exemplo, um artigo num jornal de grande difusão na América Latina disse: “Conseguir que 2 mais 2 seja igual a 4 foi tarefa de mestres e professores ao longo dos anos. Porém, os métodos de ensino e aquilo que se procura inculcar mudaram muito desde os tempos dos nossos avôs, quando se ensinava "de memória" e por repetição. Hoje se pretende que os jovens reflexionem e proponham formas próprias de resolver problemas. …as matemáticas languideceram sob um método baseado em memorizar procedimentos rígidos, inamovíveis e sem relação com a experiência cotidiana.” 4 O problema da iniqüidade educativa também foi reconhecido pela Secretaria de Educação Pública de México, cuja visão a longo prazo do sistema escolar de escolas preparatórias de 3 Dale Parnell, The Neglected Majority (Community College Press, 1985). Clarin (Rep. Arg.) As matemáticas, uma matéria que os jovens não conseguem aprender. www.clarin.com.ar, consultado em Abril 2004. 4 2 México fala de escolas que “ensinem de uma forma que ajude os estudantes a encontrar formas benéficas e variadas para aceder ao conhecimento.” 5 Este artigo não trata sobre as origens nem as causas da iniqüidade pedagógica, porém sugere práticas docentes alternativas que já foram provadas e demonstraram ter sucesso na criação de ambientes mais eqüitativos na aula. Estas sugestões são uma resposta ao grande reconhecimento da necessidade de mudanças na pedagogia utilizada nas nossas aulas. Uma Alternativa Melhor Da mesma forma que economistas e legisladores falam da reasignação de recursos fiscais para conseguir equidade econômica, nós professores podemos reasignar nossos recursos docentes para alcançar equidade pedagógica. Quem foi professor sabe que, na maioria das vezes, só um grupo de estudantes (freqüentemente pouco numeroso) segue as diretrizes do professor e faz exatamente aquilo que é esperado que faça. Algum de vocês poderá se perguntar: que podemos fazer nós (os professores) na aula para mudar essa situação? A resposta é que podemos fazer muito. O impacto cumulativo e progressivo de ações individuais de parte de professores tenazes pode ser muito grande. Se cada professor contribuir com o seu “grão de areia,” a equidade pedagógica pode ser alcançada. Por isso, o propósito deste artigo é apresentar técnicas pedagógicas alternativas que ajudem a criar um ambiente na aula no qual a maioria dos estudantes (se não todos) possa aprender aquilo que está sendo ensinado. Estas técnicas pedagógicas alternativas são elementos ou ingredientes que permitem pôr em ação cinco formas de aprendizagem por parte dos estudantes. No seu conjunto, estas cinco formas de aprendizagem recebem o nome de metodologia REACT de ensino contextual, esta sigla está formada pelas letras iniciais das cinco formas de aprendizagem envolvidas e que serão descritas brevemente a continuação. 6 • Relação. Consiste em aprender no contexto de experiências cotidianas ou conhecimento preexistente. • Experimentação. Consiste em aprender no contexto da exploração, descobrimento e invenção (em outras palavras, aprender fazendo). • Aplicação. Consiste em aprender conceitos no contexto de colocar os conceitos em prática (seja em laboratórios ou em projetos, por exemplo). • Cooperação. Consiste em aprender no contexto de compartilhar e interagir (em outras palavras se trata da aprendizagem cooperativa). • Transferência. Consiste em aprender no contexto da aplicação do conhecimento em situações fora da aula. Quando os professores aplicam a metodologia REACT para ensinar contextualmente (metodologia que já foi provada com sucesso em alguns países da América Latina), estão criando ambientes de aprendizagem nos quais todos os estudantes podem aprender. Quanto mais elementos da metodologia são aplicados no processo de ensino, mais contextual é o ensino. Além 5 Secretaria de Educação Pública de México, Reforma Integral da Educação Secundária, Junho de 2004. Crawford Mike. Ensino Contextual – Pesquisa, fundamentos e técnicas para melhorar a motivação e o sucesso dos estudantes na matemática e ciências (CORD, 2004). 6 3 do mais, o ensino que segue a metodologia REACT é consistente com os resultados de estudos e recomendações de expertos referentes a vários aspectos da aprendizagem, por exemplo, o funcionamento do cérebro, 7 os estilos de aprendizagem 8 e as inteligências múltiplas. 9 Comecemos com o elemento chamado relação. Os seres humanos têm uma inclinação natural a buscar conexões entre aquilo que já sabem e aquilo que estão aprendendo. 10 Isso significa que os alunos são capazes de aprender princípios científicos (por exemplo, o Teorema de Pitágoras ou o princípio de Lavoisier) de forma mais rápida e mais completa se os mencionados princípios são apresentados em contextos conhecidos para os alunos. Quando os princípios a ser ensinados estão desconectados da experiência e conhecimento prévios, inclusive os alunos mais capazes podem mostrar condutas de principiantes. Quando os professores apresentam esses princípios como ferramentas, especialmente como ferramentas que podem ajudar o aluno a resolver problemas que enfrenta na sua vida pessoal fora da aula, os alunos se sentem mais motivados e experimentam menos dificuldades. Ensinar os estudantes a relacionar aquilo que conhecem com aquilo que não conhecem estimula uma das funções mais naturais e benéficas do cérebro humano. A validade desta proposição foi recentemente reafirmada por vários professores brasileiros que reconhecem a necessidade de apresentar informação em contextos conhecidos: Devido à localização rural da nossa escola, a maioria dos alunos trabalha ou está relacionada com a “cultura do feijão”; por isso, tentamos relacionar as atividades da aula com a realidade dos estudantes. Lauro Maron e João Carlos Alves Pereira Jr. “...Chegamos á conclusão que trabalhar contextualmente em matemática significa fazer a conexão com a vida cotidiana e entender que se dominamos a matemática, sua aplicação é mais fácil, mais significativa, mais agradável e da respostas a perguntas como “por que”, “para que” y “como” estudar matemática” Sônia Maria Leite Mazur e Iracema Alves de Oliveira Salvaterra “Como professores de matemática, freqüentemente nos perguntam: Quantos litros contêm uma garrafa cujas medidas são…?” ou “Quantos litros contêm um balde cujas medidas são...?” Depois de resolver esse problema, as pessoas que nos perguntaram dizem: “¡É isso que tem que ensinar na escola!”, esquecem que seguramente esse tema foi estudado na escola, mas distanciado da realidade. ...” Leila de Fátima Abreu, Nellen L. Mehl e Odair J. da Silva11 Através das suas experiências, estes professores descobriram que apresentar novos conceitos dentro de contextos conhecidos pelos alunos é uma parte essencial do processo de ensino e aprendizagem. Agora, a metodologia REACT convoca os professores para ir além. Depois de 7 R. N. Caine and G. Caine, Making Connections: Teaching and the Human Brain (Alexandria, Va.: Association for Supervision and Curriculum Development, 1993). 8 David A. Kolb, op. cit. 9 Howard Gardner, Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences (New York: Basic Books, 1983), 4–6. 10 Caine and Caine, op. cit. 11 Agustín Navarra, “Capacitação de Professores em Matemática Contextual: Projeto de Sucesso no Brasil” (com a colaboração do Dr. Cláudio de Moura Castro e do Dr. Leno S. Pedrotti) (CORD International, Waco, Texas, USA, 2003). 4 tudo, nos livros de textos convencionais atualmente em uso, muitos problemas apresentam novos conceitos em contextos conhecidos. Mas esses problemas fracassam na tentativa de envolver os alunos porque proporcionam todos os dados necessários para sua resolução. Na maioria dos casos, os alunos só devem fazer a identificação e aplicação da fórmula matemática correta ou realizar os passos estabelecidos. Em outras palavras, na pedagogia convencional, não é esperado que os alunos determinem os dados que faltam e menos ainda que eles mesmos juntem os dados. Em contrapartida quando é esperado que os alunos identifiquem e juntem os seus próprios dados, eles entram no problema e aprendem os conceitos teóricos correspondentes de forma muito mais fácil. A identificação e recoleção de dados têm a ver com o segundo dos elementos da metodologia REACT: experimentação. Esse elemento faz referência a aprender no contexto da exploração, descobrimento e invenção, em outras palavras, aprender fazendo. Quando os alunos juntam os seus próprios dados, sentem-se donos do problema. Não continuam recebendo conhecimento de forma passiva, senão que procuram ativamente por ele. Este modo “ativo” permite aos alunos aprender mais rápida y facilmente e reter essa informação por mais tempo. É muito provável que cientistas, como Pitágoras e Lavoisier chagaram as suas teorias através de um processo de exploração, descobrimento e invenção. Outros grupos de professores do Brasil disseram o seguinte sobre o assunto: “Embora estivessem interessados no problema que estavam resolvendo, observamos que alguns alunos tinham dificuldades. Porém, como conseqüência do envolvimento requerido pela tarefa, as dificuldades foram superadas gradualmente.” Lucimara de Fátima Novochadlo, Maria de Fátima dos Santos, e Maria Goretti Prestes Galvan “...Ainda com as dificuldades e desafios enfrentados durante a realização deste laboratório, pude perceber um significativo crescimento interno em mim; o grande esforço realizado foi totalmente recompensado pelo interesse e entusiasmo percebido nos alunos para entender esta função (quadrática). “Trabalhar fora da aula e enfrentar os desafios é sempre uma nova experiência.” Hionete Zafalon Gazzoni, Margarida T. Hirata, e Maria Amélia Barbosa “Com este projeto quisemos melhorar nossa prática docente através de: a) usar alternativas de ensino, b) incorporar várias experiências cotidianas concretas, e c) organizar um estudo sobre o uso do dinheiro nas famílias dos nossos alunos. Quisemos fazer uma pergunta crucial: “Como gastamos nosso dinheiro”?”. Para estimulá-los a pensar, planejamos o estudo de uma amostra com os dados pesquisados nas famílias dos nossos alunos, que eles juntaram durante vários meses anteriores. Os resultados foram excelentes, tivemos um 95% de participação dos alunos nessa aula.” Tânia Maisa Hartmann, Ivonete Barp, e Veroni Elsa Ruschel 5 O “envolvimento” observado por estes professores é precisamente o elemento experimentação em ação. E segundo eles dizem, teve uma função fundamental em ajudar os alunos a superar as suas dificuldades. Isso leva ao terceiro elemento da metodologia REACT: aplicação. Este é o momento de colocar em ação os dados reunidos, seja numa fórmula ou num processo que gerará uma solução satisfatória do problema. Dito de outra forma, este é o momento de aplicar o de colocar os dados a trabalhar. Isto constitui uma parte essencial do processo de aprendizagem ativa. Nesse momento, quando os alunos aplicam os dados que eles mesmos juntaram, é que eles percebem o valor daquilo que foi pedido para aprender. Quando os alunos podem ver como um princípio científico (geralmente expressado como uma fórmula o uma definição) pode ser aplicado num problema cotidiano usando dados reais que eles mesmos conseguiram, adquirem motivação para aprender. Esta forma de aplicação do conhecimento é também muito útil para chegar nos alunos que conformam a “maioria descuidada” que de outra forma mostrariam pouco interesse em aprender conceitos abstratos. Infelizmente, muitos estudantes nunca experimentaram o entusiasmo de pôr na prática a aprendizagem ativa. Outro grupo de professores brasileiros (comprometidos com a aprendizagem ativa) disse: “Muitos estudantes disseram que nunca perceberam a aplicação quando estudaram como calcular potências e raízes em cursos anteriores.” Ilcelene Marengoni da Costa, Ilseu Versa e Regiane Slongo “Durante essa atividade de laboratório observamos a importância de trabalhar a matemática de forma contextual, porque, partindo de um problema concreto, conseguimos trabalhar com funções quadráticas..., nas quais os alunos verificam a aplicabilidade a problemas da vida diária. A experiência foi muito proveitosa, abordando temas como intervalos, medições, estimação de resultados, conceitualização de área, aplicação de funções quadráticas e análise crítica de resultados.” Professores Michel Abboudi Junior, Mara Silvânia Fiamengo e Meire Mançan Galbero Agora vamos ao quarto elemento da metodologia REACT: cooperação. A maioria dos problemas que enfrentamos na vida pode ser resolvida somente através dos esforços de duas ou mais pessoas. Poucos problemas da vida real são resolvidos por indivíduos trabalhando em forma isolada. Isto é particularmente verdadeiro numa empresa. Os lugares de trabalho de hoje são muito diferentes dos postos de trabalho do passado. A diferencia de muitos trabalhos do passado, a maioria dos trabalhos na atualidade exige que os empregados sejam capazes de trabalhar eficientemente em equipes, e isso continuará a ser verdadeiro no futuro. Os estudantes de hoje (trabalhadores de amanhã) necessitam ver o trabalho em equipe como uma atividade natural. Esta é a ração pela qual nós (professores) devemos dar as boas vindas à oportunidade de preparar nossos alunos para aprender no contexto de compartilhar e interagir. Através da cooperação, ou seja, através de compartilhar e interagir com seus pares, os alunos conseguem seus melhores resultados, tanto individuais como coletivamente. Através da cooperação, os alunos aprendem a adaptar suas estruturas de opinião à realidade do seu entorno. Nas aulas multiculturais de hoje (e 6 para as empresas multiculturais de amanhã), abrir as mentes dos alunos à validade de estruturas de opinião que diferem das suas próprias estruturas é uma vantagem importante. 12 Permitir aos alunos trabalhar em equipe também nos da a nós (professores) mais oportunidades de observar, diagnosticar e intervir. 13 A aprendizagem cooperativa exige habilidades por parte dos professores. A simples formação de equipes de estudantes não garante que haverá aprendizagem cooperativa. Para que exista aprendizagem cooperativa, o professor deve se certificar de implementar os seguintes cinco elementos essenciais: • Interdependência positiva (sentir que afundamos ou nos salvamos juntos) • Interação motivadora face a face (ajuda entre colegas de equipe, aplaudir seus sucessos e esforços) • Rendição de contas individual e grupal (cada um de nós tem que contribuir para que o grupo alcance os seus objetivos) • Desenvolvimento de habilidades interpessoais e de trabalho em pequenos grupos (comunicação, confiança, liderança, toma de decisões e resolução de conflitos) • Processos dinâmicos de grupos (reflexões sobre como está trabalhando a equipe e como fazer para que funcione melhor) 14 A efetividade da aprendizagem cooperativa foi demonstrada não somente através das experiências de muitos professores e seus alunos mas também através de pesquisas e estudos. Existem pesquisas que demonstram que os alunos aprendem melhor quando expressam suas idéias aos seus colegas, discutindo e defendendo as suas opiniões. 15 , 16 Este processo dialético ajuda os alunos a internalizar o conhecimento e a apagar as fronteiras artificiais entre professores y alunos, sem sacrificar a qualidade do conteúdo. 17 Este último ponto foi ressaltado por alguns professores colegas do Brasil, que fizeram a seguinte observação: “Podemos observar que é possível trabalhar contextualmente e desenvolver o espírito de equipe, sem perder conteúdo científico.” Lucimara de Fátima Novochadlo, Maria de Fátima dos Santos e Maria Goretti Prestes Galvan “Esta atividade de laboratório foi muito significativa, não somente para as aulas envolvidas, senão também para toda a escola, porque chegou até aulas de outros 12 Bandura, A. Self Efficacy in Changing Societies (Cambridge University, New York, 1995). Calvin D. Crabill, cited by Neil Davidson, Cooperative Learning in Mathematics (Addison-Wesley Publishing Company, Inc., 1990). 14 David W. Johnson and Roger T. Johnson, cited by Robert J. Marzano, Debra J. Pickering, and Jane E. Pollock, Classroom Instruction that Works (Association for Supervision and Curriculum Development, 2001), 85–86. 15 L. S. Vigotsky, Mind in Society: The Development of Higher Psychological Processes (Harvard University Press, 1978). 16 John Dewey, cited by Bruce A. Marlowe and Marilyn Page, Creating and Sustaining the Constructivist Classroom (Thousand Oaks, Cal.: Corwin Press Inc., 1998). 17 Paulo Freire, cited by Paul Taylor at http://www.infed.org/thinkers/et-freir.htm, consulted in January 2005. 13 7 professores de outras áreas de conhecimento. ... Houve uma boa dose de interação, não somente dentro dos grupos, mas também entre grupos... “Podemos também driblar a escasés de algum equipamento e, em geral, a aprendizagem foi significativa”. Professoras Glaci Matoso Mendes, Afonsina Mattoso Compagnoni e Maria Aparecida Pankievicz “... Os resultados obtidos no nosso trabalho sobre funções foram melhores do esperado. O interesse e a participação dos alunos, como também os seus desejos de descobrir coisas foram elevados. ... Aprenderam tão bem os conceitos, que consideramos desnecessário avaliar os nossos alunos nesses temas. ... A participação dos alunos foi tão evidente que outros professores estavam surpresos pelo que estava acontecendo na nossa aula. A dinâmica foi muito alta, mesmo o equipamento usado na nossa aula de matemática sendo extremamente estranho para uma aula de matemática. ..., mas o importante aqui é a satisfação manifestada pelos alunos quando simplesmente diziam “agora estou aprendendo”.” Professores Edélcio Pelisson e Salete Terezinha Klein Conhecendo a fortaleza da aprendizagem cooperativa, poderíamos nos perguntar: Por que nosso sistema educativo continua, de forma geral, promovendo práticas docentes que fazem que a aprendizagem seja mais difícil que fácil? Por último, passamos ao quinto elemento da metodologia REACT: transferência. 18 Depois que um estudante aprende algo novo num contexto da vida real, pode usar esse conhecimento recentemente adquirido para resolver problemas em outros contextos. Ou seja, um princípio aprendido num contexto pode ser transferido a problemas em outros contextos. Existem diferentes formas de definir e conceitualizar a transferência de conhecimento. Alguns autores vêm a transferência como o grado ou nível no qual uma conduta se repete na frente de novas situações. Outros consideram a transferência equivalente à aprendizagem ou como um componente de uma conduta inteligente. Qualquer que seja a forma como seja conceitualizada a transferência de conhecimento, seus resultados são totalmente positivos para o aluno. Está demonstrado que a transferência tem lugar mais facilmente em pessoas que experimentaram mais. Por isso, se o nosso objetivo é uma pedagogia mais eficaz, nossas estratégias pedagógicas devem estar desenhadas especificamente para estimular e facilitar a transferência de conhecimento desde situações conhecidas a situações desconhecidas. Desta forma, nós (professores) podemos ajudar os alunos a transitar mais comodamente em direção à zona de “desenvolvimento próximo” e ajuda-los a chegar a um novo estádio de desenvolvimento. 19 O professor deveria não só ensinar o processo geral de transferência de conhecimento mas também ajudar os alunos a procurar oportunidades nas quais exista algum grau de transferência possível e útil. Enquanto os alunos não desenvolverem o hábito de transferência de 18 The author wishes to express his gratitude to Dr. Sandra Harwell of CORD for her valuable contribution to his remarks on transferring. 19 Vigotzky, op. cit. 8 conhecimento de um contexto a outro, os conceitos acadêmicos são quase “idéias inertes.” 20 A transferência de conhecimento também reforça os outros elementos da metodologia REACT. Por exemplo, a relação, na qual os alunos são estimulados a relacionar aquilo que está sendo ensinado com aquilo que eles já sabem. Quando os alunos são capazes de transferir conhecimento de contextos conhecidos a contextos novos, sua bagagem de conhecimento cresce. E enquanto mais a pessoa sabe, quanto mais contextos conhece, mais fácil é relacionar conceitos conhecidos com conceitos desconhecidos. A metodologia REACT mantém a motivação dos alunos porque é essencialmente cíclica. Cada ato de transferência marca a terminação de uma iteração do ciclo mas ao mesmo tempo gera o começo da próxima iteração. Em resumo, enriqueceremos nossas práticas pedagógicas quando: a) preparemos projetos e atividades nas quais coloquemos os problemas e exercícios dentro de situações ou contextos conhecidos que tem relação com a vida diária fora da aula, b) motivemos os alunos para que identifiquem e reúnam os dados necessários, c) criemos ambientes nos quais os alunos possam aprender e aplicar princípios científicos, d) estimulemos os alunos a trabalhar cooperativamente em equipes, e e) ajudemos os alunos a descobrir as conexões que permitam transferir o conhecimento de um contexto a outro. Quando se faz isso, está sendo usada a metodologia REACT de ensino contextual, criando ambientes dinâmicos de aula nos quais todos os alunos têm a mesma oportunidade de aprender, sem importar seu tipo de inteligência ou seu estilo de aprendizagem. Ou seja, quanto mais profundamente usemos os elementos da metodologia REACT, mais perto estaremos de alcançar uma verdadeira equidade pedagógica. E com isso, estaremos “cuidando” a “maioria descuidada”. Lembremos: Nós (professores) somos os principais propulsores da metodologia Nas seções precedentes deste artigo há observações e opiniões de um grupo de professores de matemática de Brasil que aplicaram a metodologia REACT de ensino contextual durante quase dois anos e acreditam firmemente nela. 21 (É importante mencionar que esses professores aprenderam a metodologia através de um processo de capacitação e preparação de dois anos.) 20 A. N. Whitehead, cited by Ministerio de Educación do Perú, Propuesta de Diseño Curricular Básico de Educación Secundaria de Menores (2002). 21 Agustín Navarra, “Capacitação de Professores em Matemática Contextual: Projeto de Sucesso no Brasil” (com a colaboração do Dr. Cláudio de Moura Castro e do Dr. Leno S. Pedrotti) (CORD International, Waco, Texas, USA 2003). 9 Mas esses professores não estão sós, também há professores pioneiros em outros países da América Latina que estão aplicando a metodologia REACT. No México, um grupo selecionado de professores de matemáticas de escolas preparatórias quis modificar aspectos importantes da sua prática docente cotidiana. Levando em conta esse objetivo, esses mestres aplicaram a metodologia REACT durante quase três anos. (Esses maestros também passaram por um período de capacitação de dois anos.) Como era de se esperar, o efeito positivo nos seus alunos foi importante. Por exemplo, as taxas de deserção caíram entre 20% e 45%. Também houve melhoras qualitativas. As atitudes dos alunos foram mais positivas e estavam melhor preparados para assumir responsabilidades. Os alunos também se mostravam mais dispostos à idéia de trabalhar em equipes e a apreciar o valor de outras matérias acadêmicas, não somente matemática. 22 No Chile, um projeto piloto em matemática contextual que impactou 16 850 estudantes também gerou resultados positivos. (Novamente, os professores passaram por um período de preparação e capacitação de mais de dois anos.) Os estudantes mostraram uma mudança favorável de atitude com relação à escola, à matéria e inclusive com relação aos seus colegas. Quando foi perguntado sobre as suas experiências, quase 70% dos estudantes disseram que a atmosfera criada pela aplicação da metodologia REACT fez com que eles quisessem aprender e fez com que a aprendizagem fosse mais fácil e divertida. Além disso, um estudo independente informou que 92% dos professores participantes ressaltaram que o trabalho em equipe foi “a experiência positiva mais valiosa.” Os dados quantitativos sobre esse projeto também mostraram resultados positivos. 23 Um grupo de professores pioneiros de Puerto Rico 24 também está aplicando a metodologia REACT y obtendo resultados favoráveis sobre os que desejam falar. Um dos professores de matemáticas participante nesse projeto escreveu: Dei o nome [a atividade de “as batidas do coração”] MEU CORAÇÃO BATE POR TI. Gostaria de lhes dizer que os alunos mostraram um grande interesse. A participação foi grande e a atmosfera “muito boa” porque a atividade consistia em exercícios aeróbicos e os alunos puderam ver que isso tinha a ver com as batidas dos seus próprios corações. Foi realmente uma atividade enriquecedora para os estudantes. . . . Também trabalhamos uma atividade denominada “Furacão”, que é muito importante no nosso caso, devido ao fato de termos muitos furacões nesta área. Foi um sucesso; os alunos aprenderam e qualificaram a atividade de forma muito positiva. Os alunos formaram grupos e visitaram casas da vizinhança para obter dados sobre seus tanques de água (capacidade e volumem, etc.) Vilma Cintrón González Outra professora de matemáticas de Porto Rico (Rosa Ortiz) mediu a aprendizagem dos seus alunos através de pré e pós-avaliações. Além de avaliar a habilidade de raciocínio abstrato dos 22 DGETI, “Memória da IV Reunião Somatória Nacional de Matemáticas Aplicadas a Contextos Tecnológicos” (SEP, SEIT, DGETI, October 1996). 23 Agustín Navarra, Do Contextual Teaching and Learning Work in Any Context? (Contextual Teaching Exchange, November 2001). 24 Projeto Matemática Contextualizada. Departamento de Educação de Porto Rico, Área de Preparação Tecnológica: Documentos de trabalho (2003–2005). 10 seus alunos, ela também focou de uma forma mais ampla o processo de aprendizagem, já que juntou pensamento abstrato com desempenho de competências (às quais ela chama habilidades). Algumas das competências que ela mediu foram: 1) Escrever uma proposição baseada na informação observada num gráfico. 2) “Traduzir” proposições verbais em expressões algébricas e expressões algébricas em proposições verbais. 3) Colocar valores a expressões com variáveis. 4) Identificar modelos em figuras geométricas. Os resultados obtidos aparecem nos seguintes gráficos. O gráfico da esquerda apresenta os resultados da pre-avaliação e o gráfico da direita apresenta os resultados da pós-avaliação. A melhora dos alunos foi significativa. Conclusão É amplamente reconhecido que o sucesso de qualquer programa educacional depende em última instância da sua capacidade para ajudar os professores para que eles ajudem os seus alunos. Os professores são as peças fundamentais, já que os melhores planos de estudos e os mais atualizados livros de texto podem fracassar se não proporcionam aos professores as ferramentas e a autoridade para ajudar os seus alunos a aprender. Por isso, de todos os fatores que determinam o êxito de uma iniciativa de reforma educacional, a pedagogia, ou seja, aquilo que os professores fazem dentro da aula, é o mais crítico. Sem uma pedagogia eqüitativa, não será conseguida nunca a equidade na aula. Durante mais de médio século, os professores da América Latina tiveram diversos níveis de contato com os princípios básicos do ensino contextual. Mas, a contextualização do ensino tem sido esporádica e pouco eficaz devido à ausência de pautas sistemáticas de aplicação dos seus princípios na aula. Esta é precisamente a razão pela qual a metodologia REACT é tão importante, porque proporciona pautas sistemáticas que permitem aos professores obter resultados consistentes ao longo do tempo. Mas a maioria dos professores não está ainda preparada para aplicar a metodologia REACT de forma eficaz. Para realizar esta aplicação de forma eficaz é necessária uma mudança paradigmática fundamental que a maioria dos professores não pode realizar sem um programa bem elaborado de desenvolvimento profissional. Ou seja, não será possível conseguir o efeito através de eventos isolados de capacitação senão através de um processo sustenido de desenvolvimento profissional desenhado para ajudar aos 11 professores a dominar o ensino contextual. 25 Por isso é tão importante que demos atenção àquilo que tem a dizer os professores pioneiros que, depois de um processo sustenido de capacitação profissional, adquiriram as habilidades necessárias para iniciar o caminho em direção à equidade educativa na América Latina. O trabalho frutífero destes valentes pioneiros proporciona informação valiosa (tanto quantitativa como qualitativa) a respeito do efeito positivo da aplicação da metodologia REACT na aprendizagem dos estudantes. Esta informação também confirma as recomendações dos pesquisadores que enfatizam a necessidade de contextualizar a pedagogia. Embora os resultados citados provêm principalmente da aplicação da metodologia REACT em matemática (que para muitos alunos é a maior barreira para triunfar na escola), é razoável inferir que é possível obter resultados positivos similares em outras áreas, como por exemplo, ciências. Uma professora de física de Porto Rico disse: Tive a idéia de aplicar a metodologia [REACT] a um grupo de alunos bastante indisciplinados. Decidi fazer mesmo depois que meus colegas me advertiram que com esse grupo de alunos nada funcionaria bem, que eles sempre obtiveram resultado reprovados. Sabia que esse grupo era a prova de fogo da metodologia [REACT] … Trabalhamos num projeto durante cinco dias. Hoje os alunos terminaram e fizeram uma apresentação. . . . Tirei algumas fotografias porque sei que ninguém acreditaria no bom desempenho dos alunos. Estou realmente entusiasmada. A metodologia [REACT] passou a prova. FUNCIONA. Magda Mendoza González Os professores podem fazer muito para que a nossa pedagogia seja eqüitativa. Quando os professores criam ambientes na aula que atendem o amplo espectro de estilos de aprendizagem que existe dentro de praticamente qualquer população estudantil, todos os estudantes têm a mesma oportunidade de aprender. A metodologia REACT oferece aos professores as ferramentas necessárias para criar esses ambientes. Alguns poucos professores pioneiros já deram os críticos primeiros passos. Está disposto a se unir a eles? *** Sobre o autor: o Dr. Agustín Navarra é Vice presidente de Operações Internacionais de CORD, uma organização sem fins lucrativos dedicada à pesquisa educacional, com sede em Waco, Texas. Para contatar o autor, por favor escreva a CORD, 601 Lake Air Drive, Waco, TX 767105841; ou ao e-mail [email protected]; ou ligue para o telefone 800-972-2766, ext. 274. 25 Sandra H. Harwell, Teacher Professional Development: It’s Not an Event, It’s a Process (CORD, 2003). 12