Trabalho 689
Tuberculose nas Populações Indígenas e Não-indígenas de Rondônia: Uma análise comparativa
com base no SINAN1
M.S.c Linconl Uchoa Sidon2
Dr. Paulo Cesar Basta3
RESUMO
A tuberculose (TB) permanece como uma das principais causas de morbi-mortalidade entre as populações
indígenas do Brasil1. Nos últimos anos, estudos revelaram que o problema atinge, principalmente, os
povos (etnias) que habitam a Região Amazônica, os quais reportam os mais elevados níveis de incidência
do país, com destaque para os Suruí e Warí em Rondônia (RO)2,3,4.. No entanto, a real magnitude desse
problema permanece desconhecida para as mais de 200 etnias existentes. OBJETIVO: Analisar aspectos
epidemiológicos-operacionais da TB em Rondônia (Amazônia Ocidental), comparando os indicadores e
informações entre as populações indígenas e não-indígenas, com base nos casos notificados durante um
período de dez anos (1997-2006), junto ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) da
Secretaria de Estado da Saúde (SESAU/RO). METODOLOGIA: Análise retrospectiva descritiva, com
busca nominal para identificação dos casos indígenas, contornando a inconsistência do preenchimento da
variável de identificação da raça/cor no SINAN/TB, tendo em vista que em RO, o sobrenome do indígena
é aquele que identifica o grupo étnico ao qual pertence. Este é um subprojeto da pesquisa ampliada,
denominada “Tuberculose entre os povos indígenas de Rondônia”, cuja apreciação pelo Comitê de Ética
em Pesquisa (CEP) da Escola Nacional de Saúde Pública gerou o parecer Nº 14/07. RESULTADOS E
DISCUSSÕES: Ao fim do processo de depuração, limpeza e classificação do banco de dados, 6.407
(96,6%) foram utilizados para análise. O preenchimento da variável raça/cor demonstrou que em 53,3%
dos casos notificados não havia qualquer informação dentre as categorias disponíveis para notificação no
SINAN. No entanto, a partir da classificação foi possível constatar que 6,5% (420) dos casos eram
indígenas e 93,5% (5.987) não-indígenas. Com base nessa classificação, a distribuição pela variável zona
de residência demonstrou que 80,0% dos não-indígenas residiam em áreas urbanas, enquanto 81,9% dos
indígenas residiam na zona rural (Teste χ2Zona=1.000,0; gl=4; p<0,0001 - Decênio). Em relação ao tipo de
entrada, destacaram-se as desproporções de recidivas entre os casos indígenas (12,6%) em relação aos
não-indígenas (6,1%), a situação de reingressos após-abandono nos não-indígenas (4,7%) em relação aos
indígenas (2,4%) e transferências, com 4,8% para 1,9%, respectivamente (Teste χ 2Entradas=38,3; gl=5;
p<0,0001). A distribuição dos casos segundo a variável “sexo” demonstrou que a TB foi mais comum nos
homens (62,6%) em relação às mulheres (37,4%), sem diferenças significativas para os casos indígenas e
não-indígenas. A média de idade dos casos não-indígenas foi de 38,8 anos, quase 8 anos acima da média
estimada para os indígenas (31,4 anos) no mesmo período (Teste T-Idade = 6,8; 6405 gl; p<0,0001). A
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distribuição segundo as faixas etárias revelou que os casos não-indígenas concentraram-se na faixa entre
25-34 anos (22,3%), com baixo percentual entre as crianças menores de 15 anos (4,4%). Todavia, esses
percentuais quase se inverteram para os indígenas, entre os quais 33,0% dos casos concentram-se nos
menores de 15 anos e 10,2% ocorreram entre 25-34 anos durante o decênio analisado (Teste χ 2Etário=593,3;
gl=7; p<0,0001). Quanto a forma clínica, a TB pulmonar foi mais frequente entre os indígenas (91,0%)
em relação aos Não-indígenas (87,5%), desse modo, as formas “extrapulmonares” foram mais elevadas
nos não-indígenas (10,7%) em relação aos Indígenas, com 7,4% (Teste χ2FCLINICA= 4,7; gl=3; p<0,194 Decênio). O Coeficiente Médio de Incidência (CMI) estimado para os casos notificados no decênio foi de
38,3/100.000 habitantes (TB todas as formas), reduzindo consideravelmente ao passar de 46,4/100.000
(1997) para 28,8/100.000 (2006), com coeficiente anual máximo de 46,4/100.000 em 1997 (Gráfico 5.5).
Nos não-indígenas o CMI foi de 36,0/100.000 habitantes, com discreta tendência de redução para o
decênio, passando de 43,3/100.000 (1997, nível máximo) para 27,4/100.000 em 2006. Nos indígenas o
CMI atingiu 515,1/100.000 habitantes para o decênio, mas também apresentou uma clara tendência de
redução até o final do período, passando de 759,6/100.000 (1997, nível máximo) para 273,4/100.000
(2006). Dentre as informações de desfecho dos casos, com exceção do óbito, destaca-se que as
populações indígenas apresentaram os melhores percentuais de cura e abandono em relação aos nãoindígenas. Assim, destaca-se que a média do coeficiente de mortalidade para o decênio foi de
24,0/100.000 entre os casos indígenas, contra 2,0/100.000 para os não-indígenas.
É importante destacar que os casos indígenas ocorreram, em sua maioria, na “zona rural” desses
municípios, enquanto os não-indígenas se concentraram nas áreas urbanas, o que revela diferentes
cenários e necessidades de estratégias que atendam com eficiência os dois contextos. A diferença
observada na média de idade, entre indígenas e não-indígenas, pode ser resultado de suas próprias
estruturas etárias, visto que os indígenas apresentam uma população mais jovem em relação aos nãoindígenas5. Contudo, a ocorrência de casos em menores de 15 anos parece representar um evento
sentinela (elevado nível de prevalência de TB ativa na comunidade) ou indicar falhas nos serviços de
diagnóstico6. O Coeficiente Médio de Incidência (CMI) estimado para os indígenas no decênio
(515,1/100.000 habitantes) foi 14 vezes maior que o descrito para os não-indígenas (36,0/100.000),
entretanto, os níveis anuais de incidência reportados em ambos os grupos apresentaram uma tendência de
redução, mais acentuada nos indígenas em relação aos nos não-indígenas, mas essa situação pode ser
consequência da desatualização dos casos diagnosticados nos últimos anos relacionados a esta análise,
ainda não disponíveis junto ao SINAN/TB/RO. A distinção dos casos de TB notificados segundo suas
características sócio-demográficas e geográficas pode contribuir não só para a reorientação das estratégias
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de prevenção e controle da TB, mas também para a efetividade dessas ações, seja em nível federal,
estadual ou municipal, já que as disparidades nas taxas de morbi-mortalidade entre indígenas e nãoindígenas ainda não estão documentadas no país. Apesar das limitações existentes nos dados obtidos junto
ao SINAN/TB/RO (1997-2006), os resultados mostraram-se úteis para a realização de estudos
epidemiológicos e operacionais, contemplando aspectos das desigualdades étnico-raciais em saúde. Além
disso, os achados apontam que os indígenas adoecem mais cedo e em maior proporção em relação aos
não-indígenas. Desse modo, recomenda-se que ações específicas sejam desenvolvidas para o controle da
TB entre grupos prioritários, especialmente entre as populações indígenas, dado que essas populações
apresentam nuanças epidemiológicas, operacionais e geográficas que dificultam seu acesso aos serviços
eficientes de controle da TB, especialmente o diagnóstico e o tratamento.
Referências Bibliográficas:
1. Coimbra Jr. CEA, Basta PC. The burden of tuberculosis in indigenous peoples in Amazonia, Brazil. Trans R Soc Trop Med
Hyg; 2007; 101: 635-636.
2. Escobar AL, Coimbra Jr. CEA, Camacho LA, Portela MC. Tuberculose em populações indígenas de Rondônia, Amazônia,
Brasil. Cad Saúde Pública; 2001; 17: 285-298.
3. Basta PC, Coimbra Jr. CEA, Escobar AL, Santos RV. Aspectos epidemiológicos da tuberculose na população indígena Suruí,
Amazônia, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop; 2004; 37: 338-342.
4. Garnelo L, Brandao LC, Levino A. Dimensões e potencialidades do sistema de informação geográfica na saúde indígena.
Rev Saúde Pública, 2005; 39: 634-640.
5. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Tendências Demográficas: Uma Análise dos Indígenas com Base nos
Resultados da Amostra dos Censos Demográficos 1991 e 2000. Coordenação de população e indicadores sociais. Rio de
Janeiro: 2005; 144.
6. Basta PC, Alves LCC, Coimbra JR CEA. Padrões radiológicos da tuberculose pulmonar em indígenas Suruí de Rondônia,
Amazônia. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., Uberaba; 2006; 39: 221-223.
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Resumo extraído da Dissertação de Mestrado “Tuberculose nas Populações Indígenas de Rondônia (1997-2006), Amazônia
Ocidental – Brasil: Uma Análise com Base no SINAN”, apresentada a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ).
Enfermeiro Mestre em Saúde Pública, Colaborador do Conselho Federal de Enfermagem, Brasil, E-mail:
[email protected].
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Médico, Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ).
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