XIX CONIC III CONITI VII JOIC CTG - UFPE - 2011 VARIABILIDADE GENÉTICA DOS GENES PERIOD E DEFENSINA NAS POPULAÇÕES DE Lutzomyia longipalpis (DIPTERA: PSYCHODIDAE) DE NATAL (RIO GRANDE DO NORTE) E TRIUNFO (PERNAMBUCO) Moises Thiago de Souza Freitas1 ; Valdir de Queiroz Balbino2 1 Estudante do Curso de Ciências Biológicas Bacharelado- CCB – UFPE; E-mail: [email protected], 2 Docente/pesquisador do Depto de Genética – CCB – UFPE. E-mail: [email protected]. Sumário: Por ainda não haver um consenso entre os pesquisadores sobre o status taxonômico de Lutzomyia longipalpis (Diptera: Psychodidae) no Brasil, faz-se necessário o desenvolvimento e a aplicação de métodos de análise mais robustos que contribuam para o esclarecimento desta questão. Neste trabalho, foram avaliados os polimorfismos de um segmento do gene period em duas populações simpátricas de Sobral, Ceará, correspondentes aos fenótipos “uma pinta” e “duas pintas”, simbolizadas por 1S e 2S, respectivamente. Foram analisadas 46 sequências nucleotídicas de 493 pb de extensão, nas quais estão inseridas um trecho de 266 pb frequentemente frequentemente utilizado em estudos de genética de populações e filogeografia de Lu. Longipalpis. Os resultados derivados do uso das diferentes metodologias de análise genético-populacional aqui empregadas (e.g. Fst e ad hoc [∆K]) mostraram que o marcador period não se apresenta como uma ferramenta útil para estudos filogeográficos de Lu. longipalpis, uma vez que foram identificados haplótipos compartilhados entre indivíduos com fenótipos distintos pertencentes a populações diferentes. Palavras-chave: genética de populações; Leishmaniose; Lutzomyia longipalpis INTRODUÇÃO A controvérsia acerca do status taxonômico de Lutzomyia longipalpis foi levantada pela primeira vez por Mangabeira (1969), ao observar que espécimes machos coletados nos Estados do Ceará e do Pará diferiam quanto ao número de pintas presentes nos tergitos abdominais – um ou dois (1S e 2S, respectivamente). Desde então, a possibilidade da existência de espécies crípticas de Lu. longipalpis tem sido um tema recorrente na literatura, motivando a realização de uma série de trabalhos voltados para o esclarecimento do status taxonômico desta espécie. A primeira espécie formalmente reconhecida como integrante do complexo Lu. longipalpis foi descrita com base no estudo de caracteres morfométricos, sendo denominada Lu. pseudolongipalpis (Arrivillaga et al, 2001). Mais recentemente, Vigoder et al. (2010) propuseram o reconhecimento de Lu. cruzi também como integrante do complexo Lu. longipalpis. Diversos estudos têm sido realizados para o reconhecimento das espécies do complexo Lu. longipalpis, envolvendo a análise de um grande número de populações representativas de áreas das Américas do Sul e Central (Bauzer et al. 2007). De uma forma geral, os resultados obtidos sugerem a existência de um número ainda indefinido de espécies no complexo Lu. longipalpis na Região Neotropical (Lanzaro et al. 1993, Arrivillaga et al. 2002). O status taxonômico da Lu. longipalpis no Brasil também é bastante controverso, uma vez que alguns autores consideram as populações distintamente separadas no Brasil como associadas a uma espécie única (e.g. Mukhopadhyay et al. 1997, Balbino et al. 2006), enquanto que outros XIX CONIC III CONITI VII JOIC CTG - UFPE - 2011 reconhecem a existência de espécies crípticas alopátricas e simpátricas (e.g. Bauzer et al. 2002a, Hamilton et al. 2004). Recentemente, Peixoto et al. (2001) isolaram novos marcadores (cac e desat), considerados como marcadores de especiação, por interferirem na determinação do nicho ecológico dos insetos. É neste mesmo contexto que o marcador molecular period também se encontra inserido, controlando assim o ciclo circadiano dos insetos, além de ser geralmente considerado como uma boa opção uso para se traçar padrões filogenéticos de Lu. longipalpis (Bauzer 2002a). Neste trabalho, descreve-se uma análise de 46 sequências do gene period na população Lu. longipalpis de Sobral (CE), através de softwares de análise populacional e filogenética. MATERIAIS E MÉTODOS Inicialmente foram realizadas coletas no município de Sobral, Ceará; os espécimes pertencentes à espécie Lutzomyia longipalpis foram triados com auxilio de um estereomicroscópio e posteriormente armazenados em recipientes contendo álcool 90%. Em seguida, foram realizadas as extrações de DNA dos espécimes utilizando-se uma metodologia baseado no uso de Chelex 5% (Bio Rad). A quantidade de DNA das amostras foi definida por espectrofotômetro, onde foram observadas a concentração e razão (medida da eficiência da extração). Em seguida, foram realizadas as reações de amplificação com o kit Go Taq (PROMEGA), seguindo as orientações do fabricante. Os produtos de PCR foram purificados com o kit Kit Wizard® Genomic DNA Purification e seqüenciados na Plataforma de Sequenciamento do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (Fiocruz/Recife). Foi utilizado o kit BygDye Terminator v3.1 Matrix Standard (Applied Biosystems) e os mesmos iniciadores usados nas reações de amplificação. Para cada espécime foram realizadas quatro reações de seqüenciamento, sendo duas reações com cada iniciador. Foi analisado o índice de fixação (Fst) pareado, que estima a diferença genética entre os pares de populações (Hudson, 1992), com a ajuda do software Arlequin versão 3.1 (Excoffier et. al., 2005) utilizando-se 1000 permutações aleatórias. As análises de estruturação genética das populações de Lu. longipalpis foram realizadas com a metodologia ad hoc (∆K) (Evanno et al. , 2005 ), através do software Structure 2.3 (Pritchard, 2000), que se baseia num algoritmo de agrupamento bayesiano para estimar a probabilidade de um indivíduo pertencer a um dado grupo/população. A análise foi realizada com amostras da população de Sobral (CE) por meio da sua divisão em dois grupos correspondentes aos fenótipos 1S e 2S, sendo que cada um desses grupos foi analisado quanto a sua estruturação genética. RESULTADOS Para a análise dos polimorfismos do gene period, observou-se que os valores de Fst obtidos ao se comparar os fenótipos 1S e 2S de Sobral foram estatisticamente significativos, indicando que essas populações podem, de fato, representar espécies geneticamente diferentes. Esta tendência foi observada ao se utilizar tanto o fragmento de 493 pb quanto o fragmento de 266 pb, sendo que o valor de Fst obtido com o fragmento maior foi estatisticamente mais significativo. Demonstrou-se, assim, que a utilização de fragmentos com um maior número de sítios polimórficos resulta na obtenção de padrões mais condizentes com a história evolutiva de uma população. As análises de estruturação genética para populações simpátricas de Sobral (1S e 2S), por sua vez, também indicaram uma subdivisão em dois subgrupos principais (valor ad hoc de K = 2). XIX CONIC III CONITI VII JOIC CTG - UFPE - 2011 DISCUSSÃO A análise feita com o Arlequin versão 3.1 (Excoffier et. al., 2005) demonstrou que a formação dos dois principais grupos nas análises de Fst baseadas no marcador per são similares às descrições de Araki et, al. 2009. Os resultados apontados pela análise com a metodologia ad hoc (∆K) (Evanno et al., 2005 ) mostraram que algumas das inconsistências deste marcador se devem ao fato de existirem haplótipos compartilhados entre indivíduos com fenótipos distintos pertencentes a populações fenotípicas diferentes. Isto ocorre em decorrência de duas possibilidades: (1) retenção de polimorfismo ancestral, ou (2) introgressão gênica. Embora a primeira possibilidade seja mais parcimoniosa e esteja associada a um processo de especiação incipiente, é difícil determinar qual processo esteja ocorrendo. Contudo, é evidente a existência de espécies irmãs, mesmo que estas não apresentem uma distribuição geográfica uniforme. As espécies irmãs podem apresentar capacidades vetoriais distintas, conferindo a este processo de especiação incipiente uma importante conseqüência epidemiológica (Mazzoni et al. 2008). CONCLUSÕES O estudo dos polimorfismos do gene period com as metodologias aqui apresentadas demonstraram que o marcador apresenta limitações nas análises filogeográficas, decorrentes da identificação de haplótipos compartilhados entre indivíduos com fenótipos distintos e pertencentes a populações diferentes. AGRADECIMENTOS Ao Programa PIBIC/CNPq e à PROPESQ, pelo auxilio financeiro; aos membros dos Laboratórios de Genética Molecular Humana (LGMH) e de Bioinformática e Biologia Evolutiva (LABBE) do Departamento de Genética da UFPE, pelo apoio recebido. REFERÊNCIAS Araki AS, Vigoder FM, Bauzer LG, Ferreira GE, Souza NA, Araujo IB, Hamilton JG, Brazil RP, Peixoto AA (2009). Molecular and behavioral differentiation among Brazilian populations of Lutzomyia longipalpis (Diptera: Psychodidae: Phlebotominae). PLoS Negl Trop Dis 3: e365. Araki AS, Vigoder FM, Bauzer LGSR, Ferreira GEM, Souza NA, et al. 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