As Dez Estranhezas do Acordo Ortográfico
As aulas de ortografia e acentuação não são as mesmas. Antes do Acordo Ortográfico, todos
– professores e alunos – entravam “em acordo”. Agora, estes últimos, diante das regras que são
expostas em sala de aula, mostram-se apreensivos, desconfiados e, o que é pior, mais resistentes à
aprendizagem da “última flor do Lácio”.
Diante desse cenário desafiador, cabe a nós, professores, convencê-los de que as
estranhezas do Acordo Ortográfico “podem” se tornar algo corriqueiro. A bem da verdade,
“deverão” assim se tornar, uma vez que não nos restaram alternativas: a partir de 1° de janeiro de
2013, o “estranho” passará a ser oficial.
Em razão disso tudo, tenho sugerido em sala de aula uma espécie de “gincana”: a escolha
pelos alunos das “dez mais” do Acordo. A expressão “dez mais” significa aquele rol de palavras
modificadas que têm provocado maior grau de espanto; que tem levado o usuário a questionar
“será mesmo?”; que o tem instado, em suma, a duvidar de que tudo aquilo possa ser verdade...
Deixei os alunos opinarem, o que para nós, professores, é muito importante. É claro que o
recurso pedagógico tem um bom propósito: tornar mais “leve”, com a dose certa de comicidade, o
que tem se mostrado duro... ”de roer”: a nova ortografia imposta pela Academia Brasileira de
Letras (ABL).
Aproveito este momento para revelar o resultado que obtive, na última semana, em uma
sala de aula de concursandos. Segue adiante a curiosa classificação, em ordem decrescente,
conforme consegui apurar:
10° lugar
O QUE ERA...
O QUE PASSA A SER...
MICROONDAS
MICRO-ONDAS
COMENTÁRIO: antes do Acordo, escrevia-se “microondas”, sem o hífen.
Este sinalzinho apareceu para evitar “a briga” das duas vogais, separandoas, mas tem provocado maior confusão em sala de aula. Agora se escreve
com hífen (MICRO-ONDAS)(1). O mesmo fenômeno ocorreu com o
ultrapassado “microônibus”, que agora cede passo à forma hifenizada
“micro-ônibus” (2).
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REFERÊNCIA:
(1) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 549.
(2) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 549.
9° lugar
O QUE ERA...
O QUE PASSA A SER...
ELE PÁRA PARA VER.
ELE PARA PARA VER.
COMENTÁRIO: no campo do acento diferencial, não mais se distingue a
forma verbal “PARA” – antes, com o acento agudo – da preposição
“PARA”. Agora ambas as formas são grafadas da mesma forma, sem o
acento agudo que as diferenciava. Cabe ao usuário perceber, por conta
própria, a função sintática dos termos e distingui-los. Que desafio!
Perceba o exotismo da forma “ele para para ver”! Será que vai pegar?
Preferimos “pagar pra ver”...
8° lugar
O QUE ERA...
O QUE PASSA A SER...
AUTO-ESCOLA
AUTOESCOLA
COMENTÁRIO: quem quer aprender a dirigir veículos, deve agora “se
guiar” bem... Não mais há hífen para AUTOESCOLA (1). Tenho
recomendado: “tire a carteira” na autoescola e aproveite para também
“tirar o hífen”...
O mesmo raciocínio se estende para INFRAESTRUTURA (2): antes, grafada
com hífen, mas agora grafada dessa forma.
REFERÊNCIA:
(1) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
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ed., São Paulo: Global, 2009, p. 92.
(2) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 457.
7° lugar
O QUE ERA...
O QUE PASSA A SER...
PÁRA-QUEDAS
PARAQUEDAS
COMENTÁRIO: a curiosidade mostra sua força em PARAQUEDAS. Antes
do Acordo, escrevia-se com o acento agudo no primeiro elemento (“pára“) e com hífen (“pára-quedas”). Agora devemos suprimir o acento e unir
tudo em PARAQUEDAS (1).
O problema é que isso não vale para outras situações análogas, o que
seria razoável: o “pára-lama”, o “pára-choque” e o “pára-brisa” de ontem
perderam o acento no primeiro elemento, mas mantiveram o hífen em
PARA-LAMA (2), PARA-CHOQUE (3) e PARA-BRISA (4). Quanta
uniformidade, hein?
REFERÊNCIA:
(1) LETRAS, Academia Brasileira de Letras.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 620.
(2) LETRAS, Academia Brasileira de Letras.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 619.
(3) LETRAS, Academia Brasileira de Letras.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 618.
(4) LETRAS, Academia Brasileira de Letras.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 618.
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
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6° lugar
O QUE ERA...
O QUE PASSA A SER...
ANTI-SOCIAL
ANTISSOCIAL
COMENTÁRIO: o hífen existia antes do Acordo no prefixo anti- quando a
palavra posterior iniciava-se por -h, -r ou -s. Assim, escrevia-se “antisocial”, para indicar os seres arredios de contatos sociais. A nosso ver, tais
pessoas, geralmente “estranhas”, ficarão bem mais esquisitas com a
forma ANTISSOCIAL (1)... Você não acha?
REFERÊNCIA:
(1) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 65.
5° lugar
O QUE ERA...
O QUE PASSA A SER...
CONTRA-RAZÕES
CONTRARRAZÕES
COMENTÁRIO: o hífen existia antes do Acordo no prefixo contra- quando
a palavra posterior iniciava-se por -h, -r, -s ou vogal. Assim, escrevia-se
“contra-razões”, ainda que se tratasse de um neológico termo jurídico,
não aceito pela Academia Brasileira de Letras, no Vocabulário Ortográfico
de Língua Portuguesa (4ª edição). Antes preocupávamos com o prazo
delas, no ambiente forense; agora, devemos prestar atenção ao prazo e
também à grafia: recomenda-se escrever CONTRARRAZÕES (1), sem o
hífen e com a duplicação da letra -r.
O mesmo raciocínio se estende a outros prefixos, quando antecederem as
letras -s e -r. Portanto, agora se escreve semissoberania e semisselvagem
(1), arquirrival (2), contrarregra e contrassenso (3), ultrassom (4), entre
outros casos.
REFERÊNCIA:
(1) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
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ed., São Paulo: Global, 2009, p. 749.
(2) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 78.
(3) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 215.
(4) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 823.
4° lugar
O QUE ERA...
O QUE PASSA A SER...
CO-AUTOR e CO-AUTORA
COAUTOR e COAUTORA
COMENTÁRIO: as lides agora deverão ter “mais unidos” os integrantes do
mesmo lado da relação jurídico-processual... Escrevem-se, sem hífen,
COAUTOR e COAUTORA (1). Os operadores do Direito devem procurar se
acostumar às formas, em plena “coautoria de esforço” para a assimilação
da novidade...
REFERÊNCIA:
(1) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 199.
3° lugar
O QUE ERA...
O QUE PASSA A SER...
CO-RESPONSÁVEL
CORRESPONSÁVEL
COMENTÁRIO: aqui apareceu a “medalha de bronze”. Este é mais um caso
de supressão do hífen, que deu lugar a um termo de grafia pouco
estética: CORRESPONSÁVEL (1).
Na mesma linha, seguem os termos relacionados: corresponsabilidade,
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corresponsabilizar, corresponsabilizante e corresponsabilizável (2).
REFERÊNCIA:
(1) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 222.
(2) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 222.
2° lugar
O QUE ERA...
O QUE PASSA A SER...
CO-HERDEIRO
COERDEIRO
COMENTÁRIO: os alunos escolheram a forma COERDEIRO, agora escrita
sem o hífen e sem o -h, como a novidade merecedora da “medalha de
prata” do exotismo... Tenho sugerido um macete: esquecendo-se da
grafia imposta pela ABL, pense naquele carneirinho novo e tenro,
chamado “cordeiro”. Basta escrever este nome e inserir a vogal -e entre
as letras -o e -r! Descobrirá a forma recomendada: COERDEIRO (1). Que
estranha “herança” o novo Acordo nos deixou...
REFERÊNCIA:
(1) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 201.
1° lugar
O QUE ERA...
O QUE PASSA A SER...
CO-RÉU e CO-RÉ
CORRÉU e CORRÉ
COMENTÁRIO: e, como “medalha de ouro”, houve uma unanimidade na
escolha do termo mais extravagante. Todos escolheram as novas formas
CORRÉU (1) e CORRÉ (2). De tão diferentes, dispensam comentários.
Merecem, sim, que se dê “tempo ao tempo”, a fim de que o operador do
Direito possa acreditar que terá mesmo que as utilizar na lide. Paciência...
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Aliás, os latinos já diziam: “Com tempo e perseverança, tudo se alcança”.
REFERÊNCIA:
(1) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 222.
(2) LETRAS, Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5.
ed., São Paulo: Global, 2009, p. 221.
Como se notou, a divertida “gincana” permitiu que se escolhessem as “dez mais” do
Acordo, como indicadoras do sério desafio que nós, professores, estamos assumindo em
sala de aula para continuar a demonstrar que Olavo Bilac tinha razão: nossa língua, apesar
de “inculta”, continua a ser bela...
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