Curso de Aperfeiçoamento em Educação
para a Diversidade
Módulo II: Educação Escolar:
Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Porto Alegre, 2010
Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
República Federativa do Brasil
Ministério da Educação – MEC
Secretária de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD
Rede de Educação para a Diversidade
Universidade Aberta do Brasil – UAB/CAPES
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
SEAD – Secretaria de Educação à Distância UFRGS
Faculdade de Educação – FACED
Módulo II
Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Financiamento
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Realização
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Coordenação do curso
Célia Elizabete Caregnato
Coordenação de tutores
Patrícia Souza Marchand
Secretaria
Jonathan Henriques do Amaral
Revisão linguística
Maria de Nazareth Agra Hassen
Produção gráfica
Daniela Szabluk
Fotografia de capa
Antonio Jiménez Alonso, Stock.xchng
Elaboração do conteúdo
Célia Elizabete Caregnato
Luiz Eduardo Robinson Achutti
Maria de Nazareth Agra Hassen
Patrícia Souza Marchand
Apoio técnico à elaboração do conteúdo
Jonathan Henriques do Amaral
Ministério
da Educação
SECAD
Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade
Sumário
MÓDULO II
Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Introdução.................................................................................................................................. 5
1Direito à Educação como um Direito Social e Humano.................................................. 6
1.1 A conquista de direitos........................................................................................................ 6
1.2 Direito à educação na legislação brasileira.......................................................................... 9
1.3 A educação como um direito humano.............................................................................. 15
2Desigualdade e Diversidade na Sociedade Brasileira e no Ambiente Escolar........... 20
2.1 Desigualdade na sociedade brasileira................................................................................ 20
2.2 Etnocentrismo no ambiente escolar.................................................................................. 24
2.3 Diversidade e relações culturais........................................................................................ 28
2.4 Sabemos conviver com a diversidade na escola?............................................................... 32
3Investigação do Ambiente Escolar.................................................................................... 36
3.1 Etnografia.......................................................................................................................... 36
3.2 Fotoetnografia .................................................................................................................. 46
Introdução
A escola é o espaço social que proporciona a educação formal, prevista como direito legal de todos. Para atender a essa exigência, os professores planejam, ministram o ensino e avaliam. Mas não
é só isso. Os professores, as crianças e os adolescentes, os funcionários e os diretores, todos vivem
importante tempo de suas vidas na escola. Nela desenvolvem trabalhos e ideias planejados e outros
mais espontâneos, os quais revelam valores e modos de agir próprios da sociedade e de comunidades
das quais se originam.
Ora, como seres sociais, somos capazes de pensar e de agir de forma a valorizar o convívio com os
outros, diferentes de nós. No convívio também expressamos modos de pensar e de nos relacionar que são
altamente preconceituosos e incapazes de perceber e valorizar aqueles que são diferentes de nós: seja pela
sua história, sua cor de pele, seu sotaque ao falar, seu modo de vestir ou de andar e tantas outras características que diferenciam as pessoas.
Neste caderno, estamos preocupados em compreender a importância de sabermos viver e valorizar a
diversidade, especialmente no ambiente escolar. Trataremos, na Unidade I, do direito à educação, que não
pode ser apenas um direito legal e formal, mas deve ser efetivo no acesso, na permanência dos estudantes
em escolas que proporcionem qualidade no processo de aprendizagem. O direito à educação é considerado fundamental, está nas nossas principais leis, mas ele é também um direito humano, no sentido de que
é básico para cada de nós termos nossa dignidade reconhecida.
Particularmente na sociedade brasileira, o direito à educação de qualidade é algo em construção. Temos
importantes leis que procuram a assegurar e que significam aprimoramentos de compreensões e de práticas; entretanto, vemos a necessidade de grandes mudanças. Uma mudança cultural necessária diz respeito
ao tratamento do tema diversidade.
Diante disso, a Unidade II abordará o problema da desigualdade e da diversidade. Na parte inicial,
registra aquilo que é um fenômeno importante quando se pensa em Brasil: desigualdade socioeconômica.
Não se pode pensar no tema da diversidade e na democracia necessária para conviver com a diferença, se
ignorarmos a desigualdade, fonte de dominação e de discriminação social.
Colocamos a questão da diversidade na escola como um tema que precisa ser tratado no campo das relações culturais e abordamos o problema do etnocentrismo no ambiente escolar. Por fim, nos perguntamos:
sabemos conviver com a diversidade na escola? Queremos, quem sabe, poder ver relações e realidades
que não se apresentam para a nossa primeira percepção e, a partir daí, buscamos pensar formas de trabalho
que nos auxiliem a valorizar a diversidade na escola.
Na última parte deste módulo, na Unidade III, colocaremos o desafio para a compreensão da realidade
e investigação do ambiente escolar com uma contribuição especial da visão antropológica e da arte, em
especial, a fotografia. Juntos formam recursos valiosos para que estudemos o ambiente cultural da escola.
Em um texto muito didático, todos nós saberemos o que é uma etnografia e como podemos nos inspirar
nesse método para interpretar aquilo que vivemos no ambiente escolar.
Unidade I
Direito à educação como um direito social e humano
1.1 A conquista de direitos
Talvez você tenha nascido nos anos 80 ou mais recentemente. Neste caso, talvez você pense que
certos direitos estão aí desde sempre, ou pelo menos, se você não pensou sobre isso, mal se dê conta de
como é viver numa sociedade sem liberdade política e sem direitos sociais. Seria um lugar em que não se
escolhem os representantes políticos, não se tem direito a expressar opiniões de desagrado sobre governantes, e, do lado “social”, seria um lugar onde não se tem direito nem mesmo à educação básica, a direitos
trabalhistas (férias remuneradas, folgas, licença-saúde, licença-maternidade). Essas ausências já se fizeram
sentir no Brasil e nem faz tantas gerações assim.
O que queremos dizer com isso? Que o direito à educação e à aprendizagem não são direitos existentes
de maneira natural em uma sociedade. Eles precisam ser conquistados. Hoje sabemos que esses direitos
são reconhecidos, possuem legislação que lhes dá estabilidade e são práticas de forma mais avançada do
que eram no início ou, até mesmo, em meados do século XX. Vamos entender um pouco dessa história.
Luiz Eduardo Robinson Achutti
O que significa ter direito à educação?
O direito à educação em escolas, ou seja, à
educação formal, faz parte de um grupo de direitos
sociais garantidos em nossa Constituição Federal de
1988. Ele é garantido em nosso ordenamento legal
como sendo um dever do Estado e da família. Deve
ser promovido e incentivado com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho. Isso é o que diz
o artigo 205 da Constituição Federal. Mesmo assim,
precisa-se de outras ações para que todos tenham
garantido o direito à educação com qualidade e sem
desigualdade no acesso e na permanência na escola.
Não podemos ignorar que, para obtermos este direito, foi necessária a sua conquista no decorrer da história da humanidade. Segundo o cientista político italiano Norberto Bobbio (1992), os direitos são históricos e
nascem devido a certas circunstâncias, não nascem todos de uma vez só e nem estão garantidos para sempre.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Liberdades conquistadas
...a liberdade religiosa é um feito das guerras de religião; as liberdades civis, da luta dos parlamentares
contra os soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais, do nascimento, crescimento e
amadurecimento do movimento dos trabalhadores assalariados, dos camponeses com pouca ou nenhuma
terra, dos pobres que exigem dos poderes públicos não só o reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas, mas também a proteção do trabalho contra o desemprego, os primeiros rudimentos de
instrução contra o analfabetismo, depois a assistência para a invalidez e a velhice, todas elas carecimentos
que os ricos proprietários podiam satisfazer por si mesmos... (BOBBIO, 1992, p. 5)
Para que os direitos do homem possam existir de fato, é necessário que os regimes políticos sejam democráticos e que não haja Estados com poder concentrado e regimes de exceção, como a ditadura. Sendo
assim, a democracia é condição para que tenhamos direitos efetivados e respeitados. A garantia, a efetivação
de direitos e, entre eles, o direito à educação fazem parte da conquista da cidadania. A democracia é o governo do povo, de todos os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que tenham direitos de cidadania (BOBBIO,
2004) e ela é fundamental para que o direito à educação seja exercido plenamente.
Para ser um cidadão, o indivíduo deve ter assegurado constitucionalmente pelo Estado direitos e garantias fundamentais mínimas. Esses cidadãos, não tendo apenas direitos, deverão também cumprir seus deveres frente a este Estado. Bem, se os direitos foram sendo conquistados por meio da história, hoje podemos
subdividir os direitos do homem em quatro gerações.
Quatro gerações de direitos
1 Os direitos de primeira geração são os direitos naturais, isto é, uma vez nascido, o ser humano,
pelo simples fato de ter passado a existir, já seria portador desses direitos (que são de cada indivíduo). Por
exemplo, a liberdade.
2 Os direitos de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e culturais. Com a segunda geração de direitos, deixou-se de considerar apenas o indivíduo humano para estender direitos a comunidades
(família, minorias étnicas e religiosas, a humanidade etc.)
3 Os direitos de terceira geração são oriundos de necessidades específicas que passam a surgir na sociedade moderna, ou seja, o homem deixou de ser visto de forma genérica para ser visto em suas especificidades. Estes direitos baseiam-se em diversos critérios de diferenciação (sexo, idade, condições físicas) que
necessitam de condições específicas. Trata-se dos direitos ao meio ambiente sadio, ao desenvolvimento, à
paz. É nesta geração que se encontram os direitos que levarão em conta a diversidade.
4. Os direitos de quarta geração: que são os direitos relacionados com as conquistas biológicas.
Embora criados por um jurista tcheko, chamado Karel Vasak, essa noção de gerações de direitos foi
divulgada por Norberto Bobbio (em BOBBIO, 1992), sendo que a quarta geração foi acrescentada às três
originais por Paulo Bonavides. Não se deve, porém, entender que uma geração substitui a outra ou que a
ordem foi sempre esta em todas as nações.
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
Afinal, como ocorreu a conquista de direitos no Brasil?
O direito à educação é considerado um dos direitos sociais. Dizemos dos direitos sociais que eles garantem o equilíbrio na distribuição da riqueza coletiva. Por isso, se diz que a garantia dos direitos sociais permite
aos Estados democráticos buscarem a redução das desigualdades produzidas pelo capitalismo e garantirem
um mínimo de bem-estar para todos.
O ideal é que os direitos sociais convivam com os direitos civis e políticos. Nem sempre isso acontece:
pelo fato de se constituírem historicamente, eles percorrem caminhos diferentes de acordo com a sociedade. Foi o caso do Brasil no século passado, em especial nos períodos ditadoriais - tanto no chamado Estado
Novo, quanto na ditadura militar. Talvez, pela sua idade, você não tenha vivido o período da ditadura militar,
mas deve ter referências das pessoas mais velhas com quem convive. Mesmo que de maneira precária, a
ênfase estava mais nos direitos sociais. O mesmo se dera no chamado Estado Novo. Até como estratégia
para garantirem o poder, os estados ditatoriais acenam com direitos sociais para o povo.
Não tínhamos estabilidade política, nem garantias de ir e vir durante várias décadas do século XX, mas
se podia constatar a legislação para o trabalho e certo atendimento à saúde e à educação.
A conquista de direitos por uma sociedade pode apresentar contradições e retrocessos. Esse também
é o caso do Brasil e podemos verificar por meio da história de instabilidade política, com duas ditaduras que
comprometeram os direitos civis de ir e vir, de liberdade de expressão e de associação.
Posteriormente, tivemos a luta pela democratização no Brasil, a qual está em processo, pois criar cultura
democrática não é algo simples e nem de curto prazo. Tudo isso é diferente do percurso de outros países.
Ser um cidadão inglês, por exemplo, não é a mesma coisa que ser um cidadão brasileiro, porque a conquista
dos direitos percorre trajetos diferentes nesses países (CARVALHO, 2004).
Duas ditaduras no século XX no Brasil
Ditadura do Estado Novo – Getúlio Vargas – 1937 a 1945
Ditadura Militar – Governos militares – 1964 a 1984
No Brasil, com o processo de constituição de uma identidade nacional em crescente avanço, alguns direitos passaram a ser garantidos, e, entre esses, os direitos sociais. No período de governo de Getúlio Vargas, a
partir de 1930, foi dada atenção a direitos trabalhistas, sendo promulgada uma vasta legislação sobre o tema,
no período de 1930 a 1945. Esse se constituiu no grande momento da legislação social para o Brasil.
Os direitos civis e políticos foram mais amplamente reconhecidos com a Constituição de 1934. Entretanto,
durante períodos de ditadura, o que havia sido conquistado foi negado, deixou de existir como direito. Só os
sociais foram tendo continuidade durante os diversos governos e também se fizeram presentes no ordenamento
jurídico. Durante o período de ditadura militar, houve certa expansão de direitos sociais (CARVALHO, 2004),
mas os direitos políticos e civis foram reconquistados apenas com o período de abertura política, em 1985.
Você nota então que vive, de certo modo, um momento privilegiado em relação ao passado. Entretanto, você também percebe que não vive em um paraíso, que há muito a ser conquistado. Neste curso, o que
pode ser uma sensação de desconforto em relação à percepção de faltas vai ficando mais claro.
Como vimos, a cidadania requer a conquista e a garantia de direitos, e os direitos sociais são um
destes. A educação passa a ter, como um direito social, grande importância na conquista da cidadania.
Entretanto, temos o grande desafio de combinar com o direito à educação, o direito dos povos, das
etnias e dos grupos sociais que se especificam pela diferenciação de identidades na sociedade. Sobre
isso trataremos adiante.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
1.2 Direito à educação na legislação brasileira
O direito à educação para ser considerado um direito fundamental do indivíduo, deve estar presente
na legislação. Ele está presente e garantido na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional de 1996 e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. Veja como o direito à
educação está declarado em cada uma destas leis.
Constituição Federal de 1988
Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias
e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais; gestão democrática do ensino público na forma da lei; garantia de padrão de qualidade.
Art 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: ensino fundamental obrigatório
e gratuito, assegurado, inclusive, sua oferta para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; progressiva
universalização do Ensino Médio gratuito; atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; oferta
de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; atendimento ao educando, no ensino fundamental,
através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Art. 210 - Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica
comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
Art. 211 - A União, Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
Art. 212 - A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito e os estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e
cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção
e desenvolvimento do ensino.
Art. 213 - Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei. Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo
para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver
falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado
a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
Art.227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996
Art.3º - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
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VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas
necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;
VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de
insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda
criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade.
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990)
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da
definição das propostas educacionais.
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;
VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar,
junto aos pais ou responsável, pela frequência à escola.
Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto
social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Como podemos verificar no quadro, o direito à educação é amplamente abordado na Constituiç ão
Federal de 1988, sendo considerado um direito fundante da cidadania, dando à Constituição de 1988 a
qualificação de “Constituição Cidadã”.
A condição referente ao direito à educação é estabelecida no Título III “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, Capítulo II “Dos Direitos Sociais”, artigo 6º, que determina que a educação é um direito social.
Sendo o direito social condição indispensável para a conquista da cidadania, o direito à educação, por ser
um direito social e humano, é também requisito indispensável para a conquista da cidadania. Isto fica claro
no artigo 205 da Constituição de 1988.
A educação é considerada na Constituição Federal de 1988 direito de todos, dever do Estado e da família e deve ser promovida pela sociedade. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) estabelece o direito à
educação como fundamental e, por assim ser, indispensável para a sobrevivência e a vida digna dos cidadãos
e, portanto, deve a educação ser oferecida a toda a população.
A garantia do direito à educação se efetivará pelo dever do Estado, e a família terá a co-responsabilidade
pela garantia do direito de educar seus filhos. O artigo 227 da CF/88 reforça o direito à educação de crianças
e adolescentes e oportuniza mecanismos para sua efetivação. Esse artigo mostra a importância que a educação
passa a ter como um dos direitos fundamentais assegurados a crianças e adolescentes com absoluta prioridade.
Acesso universal à educação
Se a educação, como um todo, é considerada direito fundamental, pressupõe-se que é dever do Estado
garantir o acesso (a todos) ao ensino médio – considerado apenas uma etapa da educação básica – como
forma de iniciar um processo de distribuição de justiça social, através da universalização do atendimento,
concretizando, deste modo, a finalidade do Estado (LIBERATI, 2004, p. 226).
A regulamentação do artigo 227 da CF/88 originou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei
nº 8.069 de 1990, que visa proteger os direitos da criança e do adolescente.
O ECA tem sido alvo de duras críticas. Isso talvez porque se faça confusão entre o fundamento e
determinadas práticas. Não será a primeira vez que uma lei boa seja confundida com algumas distorções
na sua efetividade.
Entretanto, ele é fundamental por assegurar direitos da infância e da adolescência e por isso o Estatuto
tem sido utilizado como instrumento legal nas ações judiciais que visam garantir o direito à educação para
crianças e adolescentes.
Nos artigos 2º e 3º do ECA, está estabelecido que as crianças e os adolescentes gozam de todos os
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, sendo asseguradas às
crianças e aos adolescentes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Segundo o ECA, é considerada criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e é considerado
adolescente entre doze e dezoito anos de idade.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei Nº 9.394 – de 1996 apresenta, no mesmo espírito da Constituição de 1988, em seu artigo 2º, a educação como dever da família e do Estado. O artigo 3º
traz, entre os princípios da educação, a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola; a
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo
de ideias e de concepções pedagógicas; o respeito à liberdade e o apreço à tolerância. Para estabelecer
a garantia destes princípios, faz-se necessário o desenvolvimento de um ensino não somente social, mas
humano, que leve em consideração a diversidade presente em nossa sociedade.
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
Deste modo, a educação na Constituição Brasileira é considerada um direito que deve ser extensivo
a todos, em especial a crianças e adolescentes. Conforme Wilson Donizeti Liberati: “A educação, como
direito de todos e dever do Estado, deve ser oferecida e desenvolvida de modo a permitir a completude da
finalidade do Estado de proporcionar o bem-estar de todos” (Liberati, 2004, p. 215).
Direito à educação é recente
Não existe atualmente nenhuma carta de direitos que não reconheça o direito à instrução – crescente,
de resto, de sociedade para sociedade – primeiro, elementar, depois secundária, e pouco a pouco, até mesmo, universitária. Não me consta que, nas mais conhecidas descrições do estado de natureza, esse direito
fosse mencionado. A verdade é que esse direito não fora posto no estado de natureza porque não emergira
na sociedade da época em que nasceram as doutrinas jusnaturalistas, quando as exigências fundamentais
que partiam daquelas sociedades para chegarem aos poderosos da Terra eram principalmente exigências de
liberdade em face das Igrejas e dos Estados, e não ainda de outros bens, como o da instrução, que somente
uma sociedade mais evoluída econômica e socialmente poderia expressar. (Bobbio, 1992, p. 75)
Muito antes da garantia do direito à educação no ordenamento legal vigente em nosso país, muitos
outros documentos internacionais já traziam esse direito presente em seus textos. A declaração do direito à
educação em alguns documentos internacionais:
Documentos
Internacionais
Artigos referentes à declaração do direito à educação
Art. XXVI - Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementaDeclaração Universal
res e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a
dos Direitos do
todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
Homem
[...]
1948
Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Convenção relativa
à Luta contra a
Discriminação no
Campo do Ensino
1960
Declaração dos
Direitos da Criança
(1959)
Art. 4.º - Os Estados-partes na presente Convenção comprometem-se ainda a formular, desenvolver e aplicar
uma política nacional visando a promoção, pelos métodos adequados às circunstancias e práticas nacionais, da
igualdade de possibilidades e de tratamento no domínio do ensino e, em especial, a:
a) Tornar gratuito e obrigatório o ensino primário; generalizar e tornar acessível a todos o ensino secundário
nas suas diversas formas; tornar acessível a todos, em condições de igualdade total e segundo a capacidade
de cada um, o ensino superior, e assegurar o cumprimento por todos da obrigação escolar prescrita pela lei;
b) Assegurar em todos os estabelecimentos públicos do mesmo grau um ensino do mesmo nível e condições equivalentes no que se refere à qualidade do ensino proporcionado;
c) Fomentar e intensificar, por métodos adequados, a educação das pessoas que não tenham recebido instrução primária ou que não a tenham recebido na sua totalidade e permitir que continuem os seus estudos
em função das suas aptidões;
d) Assegurar, sem discriminação, a preparação para a profissão docente.
PRINCÍPIO 7º
A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário.
Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de
iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.
Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.
A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Art. 10 - Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem que:
1. Deve-se conceder à família, que é o núcleo natural e fundamental da sociedade, a mais ampla proteção e
assistência possíveis, especialmente para a sua constituição e enquanto ela for responsável pela criação e educação dos filhos. O matrimônio deve ser contraído com o livre consentimento dos futuros cônjuges
Art. 13 - 1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido
de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam
ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre,
favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais,
Pacto Internacional
étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
dos Direitos
2. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício
Econômicos, Sociais
desse direito:
e Culturais
16 de dezembro de 1966 e a) A educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos.
b) A educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissional,
ratificada pelo Brasil em 24
deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente,
de janeiro de 1992
pela implementação progressiva do ensino gratuito.
c) A educação de nível superior deverá igualmente tornar-se acessível a todos, com base na capacidade de
cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino
gratuito.
d) Dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a educação de base para aquelas pessoas que
não receberam educação primária ou não concluíram o ciclo completo de educação primária.
e) Será preciso prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede escolar em todos os níveis de ensino, implementar-se um sistema adequado de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições
materiais do corpo docente.
Declaração Mundial
sobre Educação para
Todos: satisfação das
necessidades básicas
de aprendizagem
(1990)
Art. 1º – Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem
1. Cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar em condições de aproveitar as oportunidades
educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, expressão oral, cálculo
e solução de problemas) quanto aos conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidade,
valores e atitudes), necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas
potencialidades, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentais e continuar aprendendo. A amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e de satisfazê-las variam de acordo com cada país e cada
cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo.
[...]
Art. 3º. – Universalizar o acesso à educação e promover a equidade.
1. A educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças. Jovens e adultos. Para tanto, é necessário
universalizá-la e melhorar sua qualidade, bem como tomar medidas efetivas para reduzir as desigualdades.
Por que é tão importante garantir o direito à educação para toda a sociedade? O direito à educação é
fundante da cidadania, é base para o acesso aos demais direitos; desta forma é muito importante ter este
direito garantido e positivado em nosso ordenamento legal. Se para nós, professores, esse direito é bem
claro e presente, não significa que não precisemos reafirmá-lo constantemente.
Educação e cidadania
A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o Estado garante
que todas as crianças serão educadas, esse tem em mente, sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar
o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança frequentar a
escola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado. (MARSHALL, 1967, p. 73)
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
O acesso à educação é também um meio de abertura que dá ao indivíduo uma chave de autoconstrução e de se reconhecer como capaz de opções. O direito à educação, nesta medida, é uma oportunidade
de crescimento cidadão, um caminho de opções diferenciadas e uma chave de crescente estima de si
(CURY, 2002).
Vida em sociedade e direitos
... a relação entre o nascimento e crescimento dos direitos sociais, por um lado, e a transformação
da sociedade, por outro, é inteiramente evidente. Prova disso é que as exigências de direitos sociais
tornaram-se tanto mais numerosas quanto mais rápida e profunda foi a transformação da sociedade.
Cabe considerar, de resto, que as exigências que se concretizam na demanda de uma intervenção pública
e de uma prestação de serviços sociais por parte do Estado só podem ser satisfeitas num determinado
nível de desenvolvimento econômico e tecnológico; e que, com relação à própria teoria, são precisamente
certas transformações sociais e certas inovações técnicas que fazem surgir novas exigências, imprevisíveis
e inexeqüíveis antes que essas transformações e inovações tivessem ocorrido. Isso nos traz uma ulterior
confirmação da socialidade, ou da não-naturalidade, desses direitos (Bobbio, 1992, p. 76).
Portanto, exercer o direito à educação é essencial para a garantia de que todos os cidadãos participem
dos ambientes sociais e políticos de um país.
Além de ser um direito social, o direito à educação é também um direito humano. Por essa razão, agora
é importante procurarmos compreender o que significa uma educação para os direitos humanos.
Vamos por partes. Primeiro veremos o que realmente são os direitos humanos (e não o que diz certa
propaganda contra direitos humanos, muito presente, sobretudo em certos setores da imprensa e da política. Quem nunca ouviu falar que direitos humanos é defender bandidos? Bom, essa é só uma das distorções
produzidas para nos confundir.)
O que denominamos de direitos humanos são aqueles direitos relacionados à dignidade dos seres humanos. Os direitos humanos são princípios ou valores que permitem a uma pessoa afirmar sua condição
humana e participar plenamente da vida (GRACIANO, 2005). E, como isso abrange todas as pessoas, dá
margem à distorção mencionada antes.
Portanto, direitos humanos são direitos considerados fundamentais porque nos aproximam, independentemente do sexo, nacionalidade, etnia, classe social, profissão, opção política, crença religiosa ou convicção moral.
Uma definição para Direitos Humanos
Direitos humanos são aqueles comuns a todos sem distinção alguma de etnia, nacionalidade, sexo,
classe social, nível de instrução, religião, opinião política, orientação sexual, ou de qualquer tipo de julgamento moral. São aqueles que decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca de todo ser humano.
Os direitos humanos são naturais e universais; não se referem a um membro de uma nação ou de um Estado – mas à pessoa humana na sua universalidade. São naturais, porque vinculados à natureza humana e
também porque existem antes e acima de qualquer lei, e não precisam estar legalmente explicitados para
serem evocados. O reconhecimento dos direitos humanos na Constituição de um país, assim como a adesão
de um Estado aos acordos e declarações internacionais é um avanço civilizatório – no sentido humanista e
progressista do termo – embora o estatuto não garanta, por si só, os direitos. No entanto, a existência legal,
sem sombra de dúvida, facilita muito o trabalho de proteção e promoção dos DH. (Benevides, 2008, p.145)
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Leituras para conhecer mais sobre direito humanos e sociais
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A Cidadania Ativa. São Paulo: Ática, 1991.
_________. Cidadania e Direitos Humanos. Cadernos de Pesquisa. Fundação Carlos Chagas, nº 104, julho 1998.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia. São Paulo: Moderna, 1984.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação como desafio na ordem Jurídica. In: LOPES, Eliane Maria Teixeira. (org.).
500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte; Autêntica, 2000.
COSTA, Messias. A Educação nas Constituintes do Brasil: Dados e Direções. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
_______. A educação e a primeira constituinte republicana. In: FÁVERO, OSMAR (org.). A Educação nas Constituintes Brasileiras – 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 2001.
DIGIÁCOMO, Murillo José. Instrumentos jurídicos para garantia do direito à educação. In: LIBERATI, Wilson Donizeti
(org.). Direito à Educação: uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004.
VIEIRA, Evaldo. Democracia e política Social. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1992.
COMPARATO, F. K. Comentário ao artigo 1o da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 50 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos - conquistas e desafios. Brasília, 1999.
FÁVERO, OSMAR (org.). A Educação nas Constituintes Brasileiras – 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 2001.
1.3 A educação como um direito humano
Luiz Eduardo Robinson Achutti
Agora que nos certificamos do que são os direitos humanos, seguimos para uma conclusão importantíssima para compreender um dos papéis que nós, professores, como agentes da educação, cumprimos em
relação a eles. Isso porque a educação, por ser entendida fundamental para a dignidade humana, é também
um direito humano. E a escola tem papel básico na garantia deste direito humano, pois é o local onde a
aprendizagem sobre o tema deve ocorrer e também um local no qual esses direitos devem ser exercidos.
Assim, nós somos também agentes de direitos humanos e por isso não aceitamos ataques a tais direitos.
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
Aprendizagem sobre direitos humanos
Outro aspecto importante e que fundamenta a
Educação como um Direito Humano diz respeito ao
fato de que o acesso à educação é em si base para
a realização dos outros Direitos. Isso quer dizer que
o sujeito que passa por processos educativos, em
particular pelo sistema escolar, é normalmente um
cidadão que tem melhores condições de realizar e defender os outros direitos humanos (saúde, habitação,
meio ambiente, participação política etc). A educação
é base constitutiva na formação do ser humano, bem
como na defesa e constituição dos outros direitos econômicos, sociais e culturais (HADDAD, 2008, p. 4).
Equidade educativa
A equidade educativa significa igualar as oportunidades de todas as pessoas de acessar, permanecer e concluir a Educação Básica e, ao mesmo tempo, conseguir um ensino de alta qualidade, independente de origem
étnica, racial, social ou geográfica (GRACIANO, 2005, p.15).
Aqui chegamos a um ponto fundamental para o nosso curso. Para que possamos então garantir a educação entendida como um direito social fundamental e também como um direito humano, é necessário
desenvolvermos uma educação para a diversidade. O propósito deste curso é desenvolver uma educação
para diversidade e criar estratégias para que você, professor, possa em sua sala de aula oportunizar acesso
a este direito, acima de tudo humano. O seu papel é fundamental para a constituição de alunos como cidadãos, capazes de conhecer, exercer e respeitar a todos os tipos de direitos.
Para que se possa a garantir um direito à educação sem preconceitos e desigualdades no acesso, na qualidade e na permanência dos estudantes na escola, temos garantir o direito à educação para a diversidade.
Educar para direitos
Afirmar que os direitos humanos são direitos “naturais”, que as pessoas “nascem” livres e iguais, não
significa dizer que a consciência dos direitos seja algo espontâneo. O homem é um ser que deve ser “educado” pela sociedade. A educação para a cidadania constitui, portanto, uma das dimensões fundamentais
para a efetivação dos direitos, tanto na educação formal quanto na educação informal ou popular e nos
meios de comunicação. (DIAS apud TOSI, 2006, p. 5).
É na escola que podemos não somente garantir o direito humano à educação como ensinar e promover
os direitos humanos. Todos os atores do sistema escolar - professores, estudantes, profissionais de serviço
e apoio escolar, direção, pais e comunidade escolar - podem se utilizar do espaço escolar para praticar os
direitos humanos em seu cotidiano.
A garantia do acesso à educação tem de vir acompanhada da garantia de permanência no exercício desse direito. Entra aí a importância do papel Estado e da família. Acesso é o primeiro passo; depois é preciso
garantir a permanência. E ela é facilitada quando há valorização da diversidade no espaço escolar. Educar
para a diversidade exige um processo de aprendizagem. Tal processo de aprendizagem trabalha com o
respeito às diferenças e a oposição a discriminações baseadas em questões raciais, de origem nacional ou
étnica, gênero, religião, idade, condição social, física ou mental, língua, orientação sexual, etc. Instiga o respeito e a convivência com a diversidade presente de várias formas em nossa sociedade.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Atenção!
Compete à escola, local por excelência de sistematização dos conhecimentos produzidos pela humanidade, implementar e desenvolver uma pedagogia participativa e democrática, fundada na dialogicidade e
na historicidade do ser humano, que inclua conteúdos, procedimentos, valores, atitudes e comportamentos
orientados para a compreensão, promoção e defesa dos direitos humanos, bem como para a sua reparação em caso de violação. Para tanto, é fundamental que a educação em direitos humanos seja incluída no
projeto político-pedagógico de cada unidade escolar, de forma a contemplar ações fundadas nos princípios
de convivência social, participação, autonomia e democracia. (DIAS, 2008, p.159)
A escola tem o papel de ensinar os direitos com o objetivo de tornar os sujeitos atores com condições
de defenderem e protegerem os direitos humanos. Desta forma, estaremos contribuindo para que ocorra
de fato educação visando fortalecer a diversidade.
Para conhecer mais sobre a aprendizagem em direitos humanos:
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos / Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. –
Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007.
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13165&Itemid=913
Direitos Humanos: capacitação de educadores / Maria de Nazaré Tavares Zenaide, et al. – João Pessoa:
Editora Universitária/UFPB, 2008. 2.V.
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13165&Itemid=913
Osmar Fávero; Timothy Denis Ireland (org.) Educação como exercício de diversidade. – Brasília: UNESCO,
MEC, ANPEd, 2005.
Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001432/143241por.pdf
BENEVIDES Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: de que se trata?.
Disponível em: http://www.hottopos.com/convenit6/victoria.htm
Referências
AWAD, FAHD MEDEIROS. Crise dos direitos fundamentais sociais em decorrência do neoliberalismo. Passo Fundo: UPF, 2005.
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Democracia e Direitos Humanos – reflexões para os jovens. Educação como
exercício de diversidade. Brasília : UNESCO, MEC, ANPEd, 2005.
BOBBIO, Norberto. Conceito de Democracia. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.
Dicionário de Política. Brasília: UNB, 2004. v.1, p.319-329.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
___. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
___. Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004
CURY, Carlos Roberto. Direito à educação: direto à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.116,
p.245-262, julho/2002.
DIGIÁCOMO, Murillo José. Instrumentos jurídicos para garantia do direito à educação. In: LIBERATI, Wilson Donizeti (org.).
Direito à Educação: uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004.
GRACIANO, Mariângela (org). Educação também é direito humano. São Paulo: Ação Educativa, Plataforma Interamericana
de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento – PIDHDD, 2005.
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
TOSI, Giuseppe. O significado e as consequências da declaração universal de 1948. Disponível em: http://www.redhbrasil.
net/documentos/bilbioteca_on_line/modulo1/6.o_significado_dudh_tosi.pdf
UNESCO. Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino. Paris, dezembro de 1960.
UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Tailândia,
março de 1990.
Anote no diário de bordo!
Atividade 1
A partir da realidade de sua escola registre práticas e/ou instâncias da escola que dificultam alcançar
a plenitude do direito à educação. Em outras palavras, para além do acesso à educação, o que seria necessário para exercer plenamente o direito à educação, visando à cidadania?
Para embasar suas discussões, leia o texto da Unidade I e, como sugestão, o texto “Educação também
é direito humano”.
Sugestão de Filmes
Para o Dia Nascer Feliz
Sinopse - Documentário sobre as diferentes situações que adolescentes de 14 a 17 anos, ricos e
pobres, enfrentam dentro da escola: a precariedade,
o preconceito, a violência e a esperança. Foram ouvidos alunos de escolas da periferia de São Paulo, Rio de
Janeiro e Pernambuco e também de dois renomados
colégios particulares, um de São Paulo e outro do Rio
de Janeiro. Documentário, tempo: 88 min. Ano 2005.
Fonte: http://br.cinema.yahoo.com/filme/13949
Entre os Muros da Escola
Sinopse - Baseado em livro homônimo de François Bégaudeau, apresenta sua experiência como
professor de francês em uma escola de ensino médio na periferia parisiense, lugar de mistura étnica e
social, um microcosmo da França contemporânea.
Drama, tempo: 128 min. Ano 2009.
Fonte: http://br.cinema.yahoo.com/filme/15264
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Para saber mais sobre Direitos
“...Os direitos humanos podem ser classificados em civis, políticos e sociais. Os primeiros são aqueles
que dizem respeito à personalidade do indivíduo (liberdade pessoal, de pensamento, de religião, de reunião
e liberdade econômica), através da qual é garantida a ele uma esfera de arbítrio e de liceidade, desde que
seu comportamento não viole o direito dos outros. Os direitos civis obrigam o Estado a uma atitude de não
impedimento, a uma abstenção. Os direitos políticos (liberdade de associação nos partidos, direitos eleitorais) estão ligados à formação do Estado democrático representativo e implicam uma liberdade ativa, uma
participação dos cidadãos na determinação dos objetivos políticos do Estado. Os direitos sociais (direito ao
trabalho, à assistência, ao estudo, à tutela da saúde, liberdade da miséria e do medo), maturados pelas
novas exigências da sociedade industrial, implicam, por seu lado, um comportamento ativo por parte do
Estado ao garantir aos cidadãos uma situação de certeza...” (BOBBIO, 2004)
Para saber mais sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos
Segundo o Plano Nacional em Direitos Humanos elaborado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (MEC, 2007, p.32):
são princípios norteadores da educação em direitos humanos na educação básica:
a) a educação deve ter a função de desenvolver uma cultura de direitos humanos em todos os espaços sociais;
b) a escola, como espaço privilegiado para a construção e consolidação da cultura de direitos humanos, deve assegurar que os objetivos e as práticas a serem adotados sejam coerentes com os valores e
princípios da educação em direitos humanos;
c) a educação em direitos humanos, por seu caráter coletivo, democrático e participativo, deve ocorrer
em espaços marcados pelo entendimento mútuo, respeito e responsabilidade;
d) a educação em direitos humanos deve estruturar-se na diversidade cultural e ambiental, garantindo
a cidadania, o acesso ao ensino, permanência e conclusão, a equidade (étnico-racial, religiosa, cultural,
territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras) e a qualidade da educação;
e) a educação em direitos humanos deve ser um dos eixos fundamentais da educação básica e permear
o currículo, a formação inicial e continuada dos profissionais da educação, o projeto político pedagógico da
escola, os materiais didático-pedagógicos, o modelo de gestão e a avaliação;
f) a prática escolar deve ser orientada para a educação em direitos humanos, assegurando o seu caráter transversal e a relação dialógica entre os diversos atores sociais.
Acesse os documentos legais
Estatuto da criança e do Adolescente
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira/ 1996
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm
Constituição Federal do Brasil \1988
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
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Unidade 2
Desigualdade, diversidade e diferenças na sociedade brasileira e no
ambiente escolar
Igual, desigual: utilizamos bastante estas noções até mesmo na Matemática, onde são sinais para comparar grandezas e compreender quando há diferença. Já a pobreza, diz-se que só conhecemos mesmo se
a vivemos. Se não a vivemos, nem por isso ela deixará de nos dizer respeito. E diferença no sentido que
utilizamos aqui não se refere somente a coisas quantificáveis.
Esta unidade, assim, apresenta a desigualdade social vigente na sociedade brasileira. A desigualdade em uma
sociedade tem causas socioeconômicas, políticas e também culturais. Por isso, iniciamos dando destaque para
aquilo que historicamente caracterizou a sociedade brasileira: a pobreza e a desigualdade socioeconômica.
Em um segundo momento, trataremos do tema do etnocentrismo, da discriminação e do preconceito
no ambiente escolar. Esses elementos do comportamento social e cultural também explicitam a existência
de desigualdade de poderes e do lugar social ocupado por diferentes pessoas de acordo com seu grupo
étnico, seu gênero, sua orientação sexual, entre outros.
O tema da diversidade cultural se coloca nesse contexto e, assim, é necessário entender o que é cultura,
interculturalidade e multiculturalismo. Por fim, diante da diversidade cultural e da convivência na diversidade e
entre diferentes, defendemos a valorização dos espaços públicos e da convivência democrática neles.
2.1 Desigualdade na sociedade brasileira
A desigualdade social não é um fenômeno natural. Ela é produzida pelas pessoas, ao relacionarem-se em
sociedade. Essa situação é verificada nos casos em que há importante desigualdade entre classes e/ou camadas
sociais (muitos muito pobres e poucos muito ricos), enquanto que a economia da sociedade e do país não é
considerada pobre. Significa que a renda está concentrada nas mãos de poucos e a isso chamamos “concentração da renda”. O Brasil, por exemplo, não é um país pobre, mas é muito desigual, como veremos a seguir.
O problema da desigualdade social na sociedade brasileira não é novo e vem ocorrendo no desenrolar
da história do país. As grandes camadas populacionais foram deixadas à margem de benefícios que o desenvolvimento econômico do país poderia ter-lhes proporcionado.
Desenvolvimento econômico do país
Aqui, a pobreza e as diversas formas de desigualdade sempre foram tão gritantes que o país só
parecia inteligível por meio de dualidades. Ainda
hoje, o desconcerto entre a pobreza contemporâ-
nea, numerosa e bárbara, e a imagem de um país
que se quer cosmopolita e moderno, revela o quanto
a sociedade brasileira ainda está distante de vencer
a pobreza. (POCHMAN e AMORIM, 2009, p.130)
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
O presidente do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – afirma que a pobreza brasileira é consequência “da ausência de reformas no campo, na ação do Estado e da fraqueza dos movimentos trabalhistas”.
O país não fez reformas necessárias: agrária, social e tributária (POCHMAN e AMORIM, 2009, p. 132).
No Brasil, a partir de 1980, o problema da desigualdade tornou-se ainda mais grave. Houve empobrecimento de pessoas que possuíam até então um nível de vida diferenciado. A partir desse período não seriam
apenas os antigos pobres, semialfabetizados e filhos de famílias numerosas, mas também os escolarizados e
filhos de famílias pequenas que passariam a ingressar no segmento pobre da população, tornando-se vítimas
da desigualdade social.
Empobrecimento nos anos 1980
...o Brasil afastou-se da trajetória de crescimento econômico, piorando significativamente os tradicionais problemas sociais, sobretudo em relação à pobreza e desigualdade. As políticas de corte neoliberal implementadas nestes anos, ao impactarem fortemente a economia do país, agregaram um novo contingente
aos antigos pobres do país, mas de perfil diferente do tradicional. (POCHMAN e AMORIM, 2009, p. 133.)
Apesar disso, durante a década de 1980, um dos fatores fundamentais a contribuir para o enfrentamento do problema da desigualdade foi a Constituição Brasileira de 1988. Nas décadas recentes, há sinais de
que estamos conseguindo enfrentar a pobreza e o preconceito contra os pobres?
Especialmente a partir dos anos 1990, houve o avanço da política previdenciária, que contribuiu para a
redução da pobreza rural, a estruturação da Lei Orgânica de Assistência Social e a política de seguro desemprego, os quais serviram como recursos para a diminuição de desigualdades praticadas em nossa sociedade.
Essas novidades que vieram com a nova Constituição brasileira contribuíram para o desenvolvimento de
políticas sociais e para a diminuição de desigualdades de rendimentos.
Portanto, foram se consolidando mudanças efetivas. Como consequência, as relações sociais tendem a
ser mais equilibradas e com perspectiva se ascensão social por parte de camadas pobres. Assim, ainda que
num ritmo longe do ideal, o enfrentamento da pobreza está ocorrendo, porém o preconceito em relação
aos pobres é algo que não se supera facilmente. Adiante trataremos do tema preconceito.
De qualquer forma, o Índice de Gini, um indicador que mede o grau de desigualdade em dada sociedade, manteve-se alto. Esse índice varia de 0 a 1, sendo zero (0), uma situação em que não haveria desigualdade e um (1) quando se tem a desigualdade social máxima. Segundo o relatório do PNUD - Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil - no ano de 2003 esse índice foi de 0,593. No mesmo
ano, o Brasil tinha 46,9% da renda nacional concentrados nas mãos dos 10% mais ricos, enquanto os 10%
mais pobres ficavam com apenas 0,7% da renda nacional (ONU, PNUD, 2003).
Índice de Gini
O índice de Gini mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda
domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos
tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da
sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula).
<htp://www.pnud.org.br/> Acesso 02.01.2010
21
22
Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
Com base no Índice de Desenvolvimento Humano – IDH -, o Brasil ocupa uma posição bem mais
confortável. Isso se deve ao fato de que o IDH privilegia itens em que o país está mais bem posicionado:
indicadores de educação (alfabetização e matrículas), longevidade (esperança de vida ao nascer) e renda,
por meio do PIB (renda per capita). Esse índice varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) a um
(desenvolvimento humano total), sendo que o Brasil teve pontuação de 0,813, no ano de 2007 (PNUD).
Assim, está entre os países considerados de alto desenvolvimento humano - aqueles com IDH superior a
0,800. Cabe ressaltar que esse índice dissimula situações de pobreza mais drásticas, uma vez que um dos
seus elementos de medida é a renda per capita, considerada por meio do PIB – Produto Interno Bruto.
O PIB indica toda a riqueza nacional e não sua forma de distribuição. Da mesma maneira, o número de
matrículas em escolas não revela as diferenças na educação escolar de ricos e pobres.
Índice de Desenvolvimento Humano – IDH
O conceito de Desenvolvimento Humano é a base do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH),
publicado anualmente, e também do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Ele parte do pressuposto
de que, para aferir o avanço de uma população, não se deve considerar apenas a dimensão econômica,
mas também outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana. Esse enfoque é apresentado desde 1990 nos RDHs, que propõem uma agenda sobre temas relevantes ligados ao desenvolvimento humano e reúnem tabelas estatísticas e informações sobre o assunto.
A cargo do PNUD, o relatório foi idealizado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq (1934-1998).
Atualmente, é publicado em dezenas de idiomas e em mais de cem países.
<http://www.pnud.org.br/idh/> Acesso 02.01.2010
Apesar da importância da economia brasileira no cenário internacional e da redução de desigualdades
na última década, a sociedade brasileira ainda ocupa uma posição claramente negativa quando se focaliza a
desigualdade de renda entre os brasileiros e na relação com os outros países pesquisados. O Brasil se situa
ainda entre os 10% de países com pior distribuição de renda (BARROS et al., 2009, p. 123). A pesquisa do
IPEA mostra que entre 2001 e 2007 o grau de desigualdade no Brasil declinou 7%, com o coeficiente de
Gini passando de 0,593 para 0,552.
Pobreza e política
...pode-se concluir que a política perpassa, portanto, as possibilidades de enfrentamento da pobreza.
Contudo para que haja vontade de superar esta cruel realidade, é necessário que os trabalhadores e os
mais carentes consigam representar seus interesses no debate e nos rumos do país. Quando isto ocorrer,
chega-se ao patamar de possibilidades necessárias para o decisivo avanço nas políticas públicas. Isso é o
que parece ter ocorrido no período mais recente – sinal de amadurecimento político do país após mais de
duas décadas de regime democrático (POCHMAN e AMORIM, 2009, p. 134).
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Quando tratamos do tema desigualdade, precisamos estar atentos a questões econômicas e também
políticas. Nesse sentido, o Brasil é um país com experiência democrática recente (tivemos governo militar
até 1984). A construção de cultura democrática em uma sociedade é uma experiência que tende a ocorrer
de forma crescente, mas não sem contradições; tende a produzir uma sociedade mais participativa, menos
desigual e capaz de gerar experiências e valores que favorecem a convivência entre pontos de vista e modos de vida diferentes. Há quem confunda esse clima de convivência dos diferentes com bagunça. Ou que,
maldosamente, coloque notícias de corrupção e convivência de opiniões, respeito às diferenças, tudo no
mesmo saco para fazer desacreditarmos da democracia.
Apesar do clima democrático, há importantes razões para estarmos alertas do ponto de vista das relações sociais, enquanto houver tamanha desigualdade entre nós. As relações de poder, que fazem parte da
vida em sociedade, podem ser organizadas de forma a respeitar preceitos democráticos e a valorizar a participação das pessoas, grupos e segmentos sociais. Podem, porém, ao contrário, tornar-se um instrumento
para a afirmação de uns sobre outros e um meio de exercício de submissão. Ora, em situação de grande
desigualdade socioeconômica, a consequência imediata é o exercício de poderes de forma desordenada,
diminuindo-se o respeito a regras e a instituições da democracia na sociedade.
Por tudo isso, estamos vendo como o que parece ser uma solução boa e simples, de repente se torna
algo complexo e que precisa de todo o nosso investimento para ser de fato boa.
Seguindo. Esse tipo de desigualdade que é social, mas tem como pano de fundo as relações econômicas
e políticas, não permite o acesso equânime à produção e ao consumo de bens. Ela também se constitui em
elemento importante para a geração, manutenção e/ou aprofundamento de relações sociais discriminatórias
e preconceituosas. Na sociedade brasileira, assim como em outras sociedades com alta desigualdade, há
preconceitos contra pobres e contra etnias que, por questões históricas, foram postas à margem da sociedade e passaram a ser identificadas com a pobreza. É o caso das etnias indígena e de afrodescendentes.
Etnia
A etnia é o termo que utilizamos para nos referirmos às características culturais – língua, religião,
costume, tradições, sentimento de ‘lugar’ – que são partilhadas por um povo (HALL, 1997, p. 67).
Além de relações sociais desiguais, existem diferenças entre grupos sociais e indivíduos, o que compõe a
diversidade como um elemento de vida em sociedade. No entanto, posturas conservadoras que permitem
a afirmação de poderes de uns sobre os outros com pretensão de superioridade tendem a não suportar a
convivência com aqueles que são considerados diferentes.
Atenção
A diversidade existente na sociedade pode ser um fator de vida e de convivência dinâmica entre as pessoas, nas quais as diferenças se constituem em elemento positivo para compreensão de si e para o reconhecimento do outro. Entretanto, pode também constituir-se em elemento de disputas e afirmação de poderes
desiguais entre segmentos sociais. É o caso de discriminações e preconceitos de gênero e sexualidade e em
relação a pobres e a etnias.
Para compreendermos melhor o tema da diversidade e da convivência social a partir dela, é necessário
buscar amparo na ideia de cultura e de trocas culturais. Antes disso, porém, é necessário identificarmos
formas pelas quais ocorrem manifestações de desigualdade e de exercício de poder de uns sobre os outros.
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
2.2 Etnocentrismo no ambiente escolar
Somos seres sociais com modos de pensar e de agir, crenças e valores produzidos por meio de interação social. Assim, fazemos escolhas e ocupamos espaços na família, com amigos e na sociedade, os quais
permitem a afirmação de nosso pertencimento a determinados grupos sociais. Pertencer a um grupo social
é importante, pois a partir disso se produzem trocas fundamentais para a nossa existência como indivíduos,
para nossa capacidade produtiva e para a perspectiva de futuro que construímos.
Entretanto, aquilo que permite a afirmação positiva dos indivíduos/das pessoas no cotidiano também é
fonte de contradições e dificuldades para a convivência social. Isso pode ser visto por meio de uma expressão cunhada pela Antropologia e altamente esclarecedora: o etnocentrismo. Todos somos etnocêntricos,
é uma tendência natural: estamos centrados em nossa visão de mundo e nossos valores, entendendo-os
como referenciais para organizar nosso modo de vida em grupo. O problema é que, em geral, o modo pelo
qual vemos e julgamos os outros também passa por esta tendência.
Etnocentrismo
A palavra etnocentrismo foi criada pelo sociólogo americano Willian G. Summer e aparece pela primeira vez em 1906 em seu livro Folkways. Segundo sua definição “o etnocentrismo é o termo técnico para
esta visão das coisas, segundo a qual nosso próprio grupo é o centro de todas as coisas e todos os outros
grupos são medidos e avaliados em relação a ele. (...) Cada grupo alimenta seu próprio orgulho e vaidade,
considera-se superior, exalta suas próprias divindades e olha com desprezo as estrangeiras. Cada grupo
pensa que seus próprios costumes (folkways) são os únicos válidos e, se ele observa que outros grupos têm
outros costumes, encara-os com desdém.” (CUCHE, 2002, p. 46).
Em geral, essa postura vem acompanhada por uma pretensão de superioridade em relação àqueles
que estão sendo objeto de comparação – o outro, o diferente. Assim, pode expressar-se uma profunda
dificuldade em reconhecer a legitimidade daqueles que são diferentes em seu modo de ser e de pensar. Na
prática, isso pode levar a conflitos velados ou explícitos e até de intolerância com o modo de ser dos outros.
Uma forma de reagirmos ao nosso próprio etnocentrismo se dá por meio do conhecimento. Ao estudarmos este conceito, já estamos promovendo uma auto-reflexão que talvez ajude a controlar esta postura.
Um exemplo cômico e ficcional de etnocentrismo é protagonizado pelo personagem português Diogo
da mini-série televisiva A Invenção do Brasil. O português fala com o cacique:
– Tenho um projeto para aumentar a glória dos tupinambás!
– Massacrar os inimigos?
– Não! ... Comércio! Venderemos comida aos brancos que chegarem em navios.
– E nós vamos morrer de fome? Estás doido?
– Cozinharemos e caçaremos mais.
– Isso dará muito mais trabalho.
– Mas trocaremos por muitas mercadorias!
– E eu preciso de mais para que?
– Juntando, em breve estarás rico!
– E do que me servirá ficar rico?
– Rico não precisa trabalhar!
– Rico faz o quê?
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
- Nada, fica parado, deitado na rede.
- Mas eu já estou deitado na rede!
O exemplo cômico mostra que o valor acumulação não é um valor indígena, mas o jovem português
não havia entendido que se tratava de uma forma cultural e não de algum atraso em relação à ideia de comércio e acumulação ou “progresso”. Além disso, a circularidade do raciocínio expõe a fragilidade do valor
atribuído à acumulação de bens e riquezas.
Se todos os choques ou encontros de formas culturais fossem sempre ingênuos, nem precisaríamos debater o etnocentrismo. Ocorre que a versão perversa deste etnocentrismo em relação a grupos indígenas
se dá quando algumas pessoas se mostram indignadas que as poucas terras que lhes restaram não sejam
tomadas para a exploração da agroindústria ou outra forma de “uso rentável”. Mais perverso é ainda quando
esse sentimento se torna uma política.
Também é uma forma de etnocentrismo hierarquizar as religiões, fazendo entender que algumas são mais
relevantes do que outras. Incluir o critério cor da pele em uma seleção de emprego é etnocentrismo e é ilegal.
Por óbvio, o potencial danoso do etnocentrismo é mais grave sempre que ele parte de um grupo mais poderoso em relação a outro menos poderoso. Daí a importância de leis que, além de medidas compensatórias
e além de visarem equilibrar as diferenças, também se preocupem em dispor sobre discriminações e as punir.
Posturas discriminatórias e a lei
Em contexto de desigualdade social e cultural, as manifestações baseadas em posturas etnocêntricas tendem a ser efetivas e são vistas, na prática, por meio de atitudes discriminatórias e preconceituosas. A discriminação é um tipo de postura que distingue ou separa o outro, isto é, aquele possui a condição considerada
diferente. Em última análise, a discriminação social e cultural é praticada por aqueles que possuem poder
para isso, produzindo segregação ou isolamento daqueles que são vítimas de atitudes discriminatórias.
A Constituição Brasileira não admite preconceito e discriminação. A definição legal e a intenção dos legisladores, no entanto, nem sempre conseguem repercussão na sociedade, especialmente porque mudanças de
comportamento social e cultural só resultam de processos históricos relativamente longos, nos quais ocorre
a formação de novas compreensões e valores pelo conjunto das pessoas que formam a referida sociedade.
Discriminação na Constituição Brasileira
Título I Dos Princípios Fundamentais
Art 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988
Embora a existência de limite legal e de punição possa contribuir para limitar a incidência de ações discriminatórias em relação a etnias, a gênero e a orientação sexual, por exemplo, ainda assim não significa que o
preconceito tenha sido superado. Uma postura preconceituosa, exercida de maneira velada, pode manterse relativamente dominada enquanto houver fatores externos de repressão, vindo à tona como discriminação, quando se produzirem condições sociais que o permitam. Portanto, a discriminação é mais explícita e o
preconceito é algo íntimo, que o indivíduo carrega consigo. Ambos são componentes de relações perversas
entre seres humanos, porque excluem pessoas afrontando a ética da convivência.
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
Proconceito
Verbete preconceito: [De pre- + conceito.] Substantivo masculino. 1. Conceito ou opinião formados
antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; ideia preconcebida. 2. Julgamento
ou opinião formada sem se levar em conta fato que os conteste; prejuízo. 3. P. ext. Superstição, crendice;
prejuízo. 4. P. ext. Suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões, etc.:
O preconceito racial é indigno do ser humano. Dicionário Aurélio, Versão Eletrônica, Ed. Positivo, 2004
As posturas discriminatórias e preconceituosas existentes na sociedade manifestam-se
de que maneira no ambiente escolar?
Etnocentrismo e escola
A escola, a família e a sociedade são espaços de socialização e de educação. O ambiente escolar é
por definição um ambiente em que a educação é planejada, visando ao presente, mas principalmente
ao futuro do indivíduo na sociedade. Por sua vez, a família educa a partir de uma condição e de parâmetros próprios, mais afetivos do que a ideia de racionalidade planejada, função da instituição escola.
Além da escola e da família, os indivíduos constituem seus modos de pensar e agir, suas visões de mundo com base na convivência em seus grupos sociais de lazer e trabalho. Todos esses espaços sociais
permitem trocas culturais que contribuem para a constituição do modo de ver o mundo sintetizado
em cada um de nós.
É preciso prestar atenção, para além daquilo que a escola planeja ensinar e é da função institucional,
àquilo que constitui o ambiente escolar no cotidiano. Embora os ambientes escolares tenham a diversidade como elemento constitutivo, a “escola conduz espontaneamente ao monoculturalismo” (GRIGNON,
1995, p.180). Essa afirmação nos mostra que a escola contribui para o reforço de culturas dominantes. Por
meio da pretensão de universalização, ou seja, em nome do ensinar igual para todos, a escola muitas vezes
não leva em consideração as diferenças entre seus estudantes. Assim, todos têm de aprender o mesmo,
independentemente de sua trajetória de vida, de suas habilidades, interesses e valores.
Um exemplo é a percepção do sotaque. Qual sotaque no uso da língua é percebido e qual sotaque é
considerado neutro? “O sentimento hierárquico da língua escrita repercute sobre a língua oral: o sotaque
dominante é percebido, ou melhor, não percebido, é sotaque zero, o sotaque em relação ao qual os outros sotaques, populares e regionais, se fazem ouvir...” (GRIGNON, 1995, p.180). Percebermos diferentes
sotaques não é problema, mas é problema quando o sotaque é motivo de riso, deboche, isolamento social.
O mesmo se dá com o uso de expressões faladas que são típicas de uma região e surge fortemente quando
se tem um aluno transferido de outro local. O que já era problema se agrava se a instituição, por meio de
seus vários agentes, não interfere. Durante muito tempo, professores, funcionários e diretores fecharam os
olhos para atitudes deste tipo.
A instituição escola ainda não construiu caminhos para o reconhecimento da diversidade cultural e social
em suas práticas curriculares e nem para a integração equilibrada da diversidade que existe no seu interior.
Desta forma, a escola também pratica discriminação por meio de suas ações cotidianas ou de suas omissões.
Assim, é necessário interpretar a escola não apenas como uma instituição que trabalha com o conhecimento e que forma para o futuro, mas também como um espaço sociocultural no qual se expressa a
diversidade de maneira própria, sendo também expressão daquilo que existe na sociedade.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
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A desigualdade socioeconômica e outras formas de desigualdade - nas relações étnicas, de gênero, de
sexualidade –, inevitavelmente, se fazem presentes no ambiente escolar. O ambiente da escola não é homogêneo e sem contradições, pois ali se desenvolvem relações entre indivíduos e grupos sociais. Uma vez
que os estudantes e profissionais que frequentam diariamente a escola também coexistem fora dela, os elementos de convivência no seu interior resultam de um conjunto de traços internos e externos à instituição.
J. Santomé (1998), preocupado com as alternativas curriculares apresentadas por escolas diante da
necessidade de tratar o tema da diversidade, alerta para riscos de criar modos de tratamento inadequados
à questão. Ao tratar da diversidade pode-se cair na trivialização, quando trata o tema de um grupo social
marginalizado com superficialidade e banalidade; na desconexão, quando não se tratam os temas a partir de
situações concretas e cotidianas, mas se reduz o problema a homenagem a um grupo social naquele que
seria seu dia no ano; estereotipagem, quando se recorre a estereótipos para falar de coletivos sociais; souvenir, quando o traço cultural é trabalhado como algo exótico. Santomé chama a atenção para a necessidade
de se observarem esses riscos, sob pena de pretender respeitar o tema da diversidade e cair na banalização
e reprodução da cultura preconceituosa.
Esteja atento (a)
Quando se trata o tema da diversidade na escola, é preciso estar atento para não cair em novas práticas preconceituosas e de desvalorização da cultura dos outros. A escola exerce papel fundamental para
continuidade, reforço ou mudança de práticas discriminatórias e preconceituosas em nossa sociedade.
Os professores são os agentes que ocupam lugar estratégico para a manutenção ou para a superação de
práticas escolares etnocêntricas.
Luiz Eduardo Robinson Achutti
Escola atuante
A escola possui um papel fundamental na construção de mudanças sociais, mas, para isso, necessita
optar por esse caminho. As mudanças no que se refere à valorização da diversidade cultural e social são
indispensáveis para que tenhamos uma sociedade democrática de fato. Tais modificações na sociedade não
dependem apenas da escola; porém, sem ela, serão muito mais lentas e precárias. Os sujeitos da escola
– professores, funcionários, estudantes, dirigentes – precisam assumir a postura do reconhecimento da diversidade - de experiências, de valores, de pontos de vista, de visões de mundo -, a fim de valorizá-la para a
produção de transformações cruciais para a convivência social. É necessário aprender a ver e ouvir o outro,
admitindo-o na sua maneira de ser.
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
Todos nós precisamos admitir que aquilo que consideramos verdade é resultado de uma posição que adotamos, e não o resultado de uma ‘natureza’ ou de uma ‘essência’ das coisas. Assim, entenderemos que nossos
valores são relativos frente aos outros. A partir dessa capacidade humana, é possível constituir ambientes de
convivência multiculturais, interculturais, nos quais a diversidade pode manifestar-se como elemento que fortalece espaços públicos. É indispensável que a escola e seus sujeitos desenvolvam práticas desse tipo.
Espaço público
O termo “público” denota dois fenômenos intimamente correlatos, mas não idênticos.
Significa, em primeiro lugar, que tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem a
maior divulgação possível. (...) de uma esfera pública na qual as coisas possam emergir da treva da existência resguardada (...). (ARENDT, 2000, p. 59)
Em segundo lugar, o termo “público” significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos
nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele. (...) o mundo ao mesmo tempo separa e estabelece
uma relação entre os homens.
(...) O que torna tão difícil suportar a sociedade de massas não é o número de pessoas que ela abrange, ou pelo menos não é este o fator fundamental; antes, é o fato de que o mundo entre elas perdeu a
força de mantê-las juntas, de relacioná-las uma às outras e de separá-las. (ARENDT, 2000, p. 62)
2.3 Diversidade e relações culturais
A sociedade é formada por indivíduos e grupos sociais que produzem e reproduzem relações sociais
na sua dimensão cultural. Essa dimensão cultural precisa ser compreendida quando tratamos da escola e
daquilo que ocorre no seu interior. Porém, é importante termos presente que não existe apenas uma ideia
de cultura, da mesma forma que as relações e os fenômenos sociais não se formam da mesma maneira nos
diversos lugares ou grupos em que possam ser considerados.
Não podemos falar em cultura como algo único, uma essência de um grupo social. Sabe-se que não
existem culturas em “estado puro”, havendo continuamente construção, desconstrução e reconstrução de
processos sociais (CUCHE, 2002, p.137).
Cultura
Se a cultura não é um dado, uma herança que se transmite imutável, de geração em geração, é
porque ela é uma produção histórica, isto é, uma construção que se inscreve na história e mais precisamente na história das relações dos grupos sociais entre si. (CUCHE, 2002, p.143)
Quando falamos em cultura, precisamos considerar a sua dinamicidade, em contraposição à ideia de
que apenas sua origem, essência ou tradição é que definem sua existência. É preciso reconhecer que, além
disso, existem inúmeras culturas definidas a partir de diversos parâmetros.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Diversidade cultural
...A diversidade cultural faz parte da sociedade complexa, remetendo-se não apenas a grupos étnicos
ou nacionais bem delimitados, mas também a diferenças de geração, gênero, sexo e classe, entre outros
(GEERTZ, 1999, p.13).
Conforme Geertz (1999) e Hall (1997), a ideia de cultura permite que reconheçamos uma variedade
de modos de vida, de histórias e de identidades de grupos que é muito superior àquilo que tínhamos como
conceito de cultura há algumas décadas. A cultura nacional é forma de reconhecimento cultural no interior
de uma nação.
Identidade nacional
...não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma
cultura nacional busca unificá-las numa identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo
à mesma e grande família nacional (HALL, 1997, p. 64).
Crise de identidade
No final do século XX ocorreu uma mudança estrutural e, com a relativização da identidade nacional, aconteceram transformações no modo como os indivíduos veem suas próprias identidades, antes
fortemente sintetizadas na idéia de nação. Ocorre a fragmentação das “paisagens culturais de classe,
gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade (...) Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma crise de
identidade para o indivíduo” (HALL, 1997, p. 9).
Ocorre que no interior de uma nação há diferentes identidades ligadas a diferentes grupos sociais. Pretensões políticas tentam unificar essa diversidade de identidades numa única: a identidade nacional. Essa situação da existência de diversas identidades culturais nomeadas a partir de uma só – a nacional - mostra que,
quando falamos em identidade cultural, ela pode existir sem haver consciência por parte dos indivíduos.
Na atualidade está posta a necessidade de identificação e reconhecimento de diferenças entre grupos
sociais. Reconhecer características categoriza diferenças existentes entre nós e eles, entre os que serão incluídos naquela definição e aqueles que serão excluídos (CUCHE, 2002, p.177), e isso precisa ser feito em
sentido positivo. Em outras palavras, quando falamos de uma sociedade que precisa ser mais democrática,
esse movimento precisa ocorrer no sentido do aprimoramento da convivência e da capacidade de comunicação entre os grupos sociais, a partir de suas características.
As diferenças e a diversidade, portanto, são concretas na vida em sociedade e estão intimamente
vinculadas às questões da cultura, sendo vistas de formas variadas conforme a interpretação dominante.
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
Identidade
“...a identidade é então um jogo de lutas sociais. Nem todos os grupos têm o mesmo ‘poder de
identificação’, pois esse poder depende da posição que se ocupa no sistema de relações que liga os
grupos. Nem todos os grupos têm o poder de nomear e de se nomear” (CUCHE, 2002, p.186).
Diferença
A diferença é antes de tudo uma realidade concreta, um processo humano e social, que os homens
empregam em suas práticas cotidianas e encontra-se inserida no processo histórico. Assim, é impossível
estudar a diferença desconsiderando-se as mudanças e as evoluções que fazem dessa idéia uma realização
dinâmica. Constatada em determinado momento e sociedade, qualquer diferença é, ao mesmo tempo, um
resultado e uma condição transitória. Resultado, se consideramos o passado e privilegiamos o processo
que resultou em diferença. Mas ela é igualmente um estado transitório, se privilegiamos a continuidade
da dinâmica, que vai necessariamente alterar este estado no sentido de uma configuração posterior (SEMPRINI, 1999, p.11).
Como a diversidade se relaciona com o multiculturalismo
e a interculturalidade?
A noção de multiculturalismo tem origem na sociedade norte-americana e expressa naquela sociedade, segundo Semprini (1999), questões de diferenças, direitos de minorias frente a maiorias e problemas
relativos a identidades culturais e ao seu reconhecimento (p. 43). O mesmo autor afirma que, no interior
do multiculturalismo, existe mais de uma vertente. Uma delas é de cunho político, por meio da qual as minorias e grupos sociais reivindicariam direitos ao Estado; outra, de cunho culturalista, que é composta pelos
movimentos sociais, que possuem uma base histórica comum, mas se estruturam em torno de sistemas de
valores e estilos de vida diferentes. Nesse caso, é o sentimento de exclusão o fator de união dessas pessoas.
Multiculturalismo é, então, uma das formas de ver a diversidade cultural. De qualquer forma, não existe
consenso sobre o significado de multiculturalismo, e muitas vezes o termo aparece com adjetivos como “conservador, liberal, celebratório, crítico, emancipador, revolucionário” (CANDAU, 2008, p. 49). Isso significa que
a ideia de multiculturalismo se refere à existência de múltiplas culturas na sociedade; entretanto, admitir esse
fato não indica de que modo ele será tratado, podendo remeter a ações com sentidos muito diversos.
Multiculturalismo
A noção de multiculturalismo possui muitas maneiras de ser traduzida e pode ser portadora de diferentes
ideologias para pensar e agir sobre a diversidade cultural. Essas ideologias podem ser até mesmo opostas.
Pode significar um esforço para romper com práticas de dominação existentes no presente ou pode significar
o oposto, reconhecer a existência para criar novas formas de dominação. É necessário estar atento!
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Há um modo de compreensão desse tema que consideramos especialmente importante: é aquele que
valoriza a convivência entre diferentes culturas. Sim, algo importante a se considerar é o valor da convivência
social; portanto, aquilo que afasta do fortalecimento de práticas democráticas de participação e tomadas de
decisão igualitárias não se constitui em caminho para aprimoramento da vida social nem para a educação na
escola. As propostas pedagógicas não podem querer afirmar identidades culturais estimulando isolamentos,
mas sim a convivência.
A interculturalidade também é uma noção que indica diferentes formas de compreensão sobre a relação
entre culturas. Fleuri (2003) indica vários tipos de realidade. Por exemplo, a redução da cultura a grupos
vistos como folclóricos; a visão do “diferente que caracteriza a singularidade e a irrepetibilidade de cada
sujeito humano” e, ainda, interculturalidade é entendida em alguns casos, como sinônimo de “mestiçagem”
(FLEURI, 2003, P. 17). O mesmo autor ressalta a presença da ideia de intercultura na Europa e a vê como
um fator de fortalecimento da relação entre diferentes culturas.
Educação e intercultura
A educação passa a ser entendida como o processo construído pela relação tensa e intensa entre
diferentes sujeitos, criando contextos interativos (...) torna-se um ambiente criativo e propriamente formativo, ou seja, estruturante de movimentos de identificação subjetivos e socioculturais. Nesse processo,
desenvolve-se a aprendizagem não apenas das informações, dos conceitos, dos valores assumidos pelos
sujeitos em relação, mas, sobretudo a aprendizagem dos contextos em relação aos quais esses elementos
adquirem significados. Nesses entrelugares, no espaço ambivalente entre os elementos apreendidos e os
diferentes contextos a que podem ser referidos, é que pode emergir o novo, ou seja, os processos de criação
que podem ser potencializados nos limiares das situações limites. (FLEURI, 2003, p.31-32)
Nesse sentido, incluir o reconhecimento à diversidade cultural no cotidiano escolar, nas atividades pedagógicas, nos temas abordados, no currículo, não é somente uma questão política, mas também uma questão de aprendizagem social. É preciso “incluir” as diferenças para possibilitar ou facilitar a aprendizagem dos
“diferentes”, de maneira que eles possam compreender a linguagem utilizada na escola (FLEURI, 2003, p.
20). Porém, é igualmente necessário que todos os participantes do ambiente escolar possam compreender
as linguagens específicas de maneira a superar posturas etnocêntricas.
Interculturalidade
Para Catherine Walsh, a partir do Equador, a interculturalidade é
(...) um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em
condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade. Um intercâmbio que se constrói entre
pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença.
Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas, e as
relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados.
Uma tarefa social e política que interpela o conjunto da sociedade, que parte de práticas e ações
sociais concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e solidariedade. Uma meta a
alcançar. (Walsh apud CANDAU, 2008, p. 52)
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
Então, se por um lado, a diversidade e as diferenças constituem a realidade, a capacidade de reconhecer a
cultura do outro não é algo dado. Isso depende do desenvolvimento de compreensões e de práticas. Se esse
aprendizado é possível na sociedade e também entre os estudantes, tanto mais é uma necessidade entre os
professores/educadores, já que se constituem em autoridade legítima e referência no ambiente escolar.
2.4 Diversidade na escola: sabemos conviver com as diferenças?
Luiz Eduardo R. Achutti, Maria de Nazareth A. Hassen, Stock.xchng
A diversidade de grupos e de traços culturais na sociedade é um dado da realidade, especialmente para
países constituídos por diferentes etnias como o Brasil. Da mesma forma, os segmentos sociais de gênero
e orientação sexual que reivindicam consideração de sua identidade e interlocução a partir dela também
constituem aquilo que entendemos como diversidade. Reconhecer a diversidade é lidar com as diferenças
que existem entre as pessoas e grupos na sociedade.
Portanto, é indispensável reconhecer as diferenças, de forma a respeitar a diversidade. Isso só pode
ocorrer em ambiente onde as pessoas e os grupos sociais tenham possibilidade de acesso igualitário às
oportunidades sociais. Por isso a valorização das diferenças e da diversidade passa pela oportunidade igualitária de ter voz e poder fazer-se ouvir. O tema da diversidade, assim, requer considerar a relação entre
diferença e igualdade.
É nisso que reside o sentido da palavra convivência. Trata-se de admitir que existem diferenças e que,
na vida social, elas dão origem à heterogeneidade na sociedade. Esta, vista como componente de vitalidade
que qualifica a vida humana e o meio cultural. Por sua vez, para fortalecermos a convivência será preciso
mais um requisito, pelo menos: a ideia de que existe um espaço na sociedade que é igualitário e é de todos.
O espaço público é o lugar da convivência, e ele ganha mais força quanto mais compreendemos e praticamos a arte de conviver com aqueles que são diferentes de nós.
Convivemos também com o risco de por ênfase nas diferenças de maneira extremada e isso pode
produzir isolamento, chegando-se ao individualismo, pois somos todos, de fato, todos diferentes. O mundo
social, entretanto, não se divide num ‘nós’ bem delimitado, em contraposição a um ‘eles’ - mesmo dentro
do ‘nós’ há os ‘outros’. Ou seja, não há cultura coesa, única.
É preciso considerar que, se as culturas se transformam com o passar do tempo, o reconhecimento
do outro permite nossa própria mudança, donde a necessidade de superar o etnocentrismo. No caso do
ambiente escolar e das práticas pedagógicas e sociais no seu interior é preciso combinar a articulação entre
o reconhecimento valorização da diferença e da diversidade com possibilidades equânimes de ser reconhecido, ou seja, é preciso combinar diferença com direitos iguais.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Enfrentar o monoculturalismo e promover direitos de todos
...essa preocupação supõe o reconhecimento e a valorização das diferenças culturais, dos diversos saberes e práticas e a afirmação de sua relação com o direito à educação de todos/as. Reconstruir o que consideramos “‘comum” a todos e todas, garantindo que nele os diferentes sujeitos socioculturais se reconheçam,
assegurando, assim, que a igualdade se explicite nas diferenças que são assumidas como referência comum,
rompendo, dessa forma, com o caráter monocultural da cultura escolar. (CANDAU, 2008, p. 52)
A valorização da convivência que permite ao mesmo tempo a afirmação de diferença e da igualdade
depende, não apenas, mas fortemente, do professor/educador. É ele que desenvolve o planejado no currículo, mas também está em interação com o conjunto de sujeitos – estudantes, direção, funcionários – no
processo das relações socioculturais que ocorrem no cotidiano da escola.
A tarefa não é simples, mas diferenças étnicas e culturais, de gênero e de gerações, de orientação sexual
precisam ser vistas e compreendidas como parte da vida em sociedade para que sejam admitidas e valorizadas na convivência escolar. Aquilo que é objeto de desigualdade, produzindo poderes de uns sobre os
outros, não contribui para o aprimoramento da vida em sociedade. A escola, os professores e todos os seus
sujeitos precisam ser protagonistas de um novo tempo social, capaz de fortalecer a convivência a partir das
diferenças e da diversidade. É indispensável que aceitemos o desafio que nos é colocado.
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SANTOMÉ. J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
SEMPRINI. Andrea. Multiculturalismo. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
POCHMANN, Marcio e AMORIM, Ricardo L. C. Pobreza e mudanças sociais recentes no Brasil. CASTRO, Jorge Abraão
de; RIBEIRO, José Aparecido Ribeiro. Situação social brasileira 2007. Brasília: IPEA, 2009 p. 129 a 149. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/default.jsp
Anote no Diário de Bordo!
Atividade 2
É possível ver desigualdade socioeconômica na comunidade do entorno da escola e/ou no lugar de
onde vêm os seus estudantes? A pobreza é fácil de ser constatada? Descreva de que forma você vê a desigualdade existente no ambiente escolar e social em que vive.
Atividade 3
Você já presenciou situações de preconceito e/ou discriminação de gênero, etnias ou orientação sexual
na escola onde atua como professor(a)? Procure relatar com detalhes, porém sem citar nomes das pessoas envolvidas. Pode criar nomes fictícios. Para o nosso exercício, importa conhecer a situação sem que
possamos identificar as pessoas.
Atividade 4
Na sua escola e na sua sala de aula é possível constatar a diversidade que caracteriza a sociedade
brasileira. Faça um levantamento dos diferentes traços culturais que caracterizam grupos sociais que
frequentam a escola e com os quais você interage.
Para saber mais
Retrato das desigualdades de gênero e raça - 3ª edição
Disponibiliza informações sobre a situação de homens, mulheres, brancos e negros no Brasil. Apresenta indicadores oriundos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Possui onze blocos temáticos, quais sejam: população; chefia
de família; educação; saúde; previdência e assistência social; mercado de trabalho; trabalho doméstico
remunerado; habitação e saneamento; acesso a bens duráveis e exclusão digital; pobreza, distribuição e
desigualdade de renda; uso do tempo. Os dados cobrem o período de 1993 a 2007.
Referência: PINHEIRO, Luana et alli. Retrato das desigualdades de gênero e raça. 3. ed. Brasília, IPEA, SPM,
UNIFEM, 2008.
Onde encontrar: www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/081216_retrato_3_edicao.pdf
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Para saber mais
Projeto de estudo sobre ações discriminatórias no âmbito escolar
Pesquisa realizada em 2008 pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), em convênio
com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). O estudo teve como
objetivo central mensurar situações de discriminação e preconceito no ambiente escolar, envolvendo sete
áreas temáticas: étnico-racial, gênero, orientação sexual, geracional, territorial, pessoas com necessidades especiais (deficiências) e socioeconômica. Para o estudo, foram entrevistados alunos, pais de alunos,
professores, diretores e funcionários de escolas de todo o território nacional.
Referência: MAZZON, José Afonso (Coord). Projeto de estudo sobre ações discriminatórias no âmbito escolar,
organizadas de acordo com áreas temáticas, a saber, étnico racial, gênero, orientação sexual, geracional, territorial,
de necessidade especiais e socioeconômica: sumário dos resultados da pesquisa. São Paulo: FIPE, julho, 2009.
Onde encontrar: www.observatoriodaeducacao.org.br/images/pdfs/fipe.pdf
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Apresenta inúmeras informações sobre a situação socioeconômica do Brasil, tais como indicadores,
censos demográficos, estatísticas de emprego e desemprego, dentre outras. Permite a recuperação de
dados por estados e municípios.
Onde encontrar: www.ibge.gov.br
Fundação de Economia e Estatística (FEE)
A FEE elabora e divulga informações estatísticas e análises sobre a realidade socioeconômica gaúcha.
Disponibiliza um banco de dados socioeconômicos, textos para discussão, além do IDESE (Índice de Desenvolvimento Socioeconômico), um índice sintético, inspirado no IDH, que abrange um conjunto amplo de
indicadores classificados em quatro blocos temáticos: educação; renda; saneamento e domicílios; saúde.
Onde encontrar: www.fee.rs.gov.br
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
Órgão vinculado ao Governo Federal. Realiza estudos, pesquisas e avaliações sobre o sistema educacional brasileiro. Disponibiliza publicações gratuitas, dados sobre avaliações de todos os níveis de ensino,
dentre outras informações.
Onde encontrar: www.inep.gov.br
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
Órgão vinculado ao Governo Federal. Desenvolve pesquisas para fornecer suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação e reformulação de políticas públicas e programas de
desenvolvimento brasileiros. Possibilita acesso a dados socioeconômicos, resultados de estudos e pesquisas
e outras publicações.
Onde encontrar: www.ipea.gov.br
Ciladas da Diferença: artigo acadêmico
Neste artigo, o sociólogo Antônio Flávio Pierucci analisa a apropriação por movimentos sociais de esquerda de um discurso tradicionalmente ligado à direita conservadora: a defesa das diferenças. Segundo o
autor, tal apropriação não se faz sem algumas consequências drásticas.
Referência: PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da Diferença. Tempo Social. São Paulo, vol. 1, 1990.
Onde encontrar: http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/pdf/vol02n2/CILADAS.pdf
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Unidade 3
Investigação do Ambiente Escolar
Luiz Eduardo Robinson Achutti
3.1 Etnografia
Talvez você nunca tenha ouvido falar nessa palavra, etnografia. A primeira coisa que você faz então é tentar
entender sua composição, isto é, sua origem etimológica. Você concluirá que Etnografia é a soma de etno mais
grafia. Bom, grafia é fácil, vem de grafar que é registrar por meios escritos. Etno... você precisará pensar se já
viu em outra palavra e lembrará talvez de etnia. Etnia, étnico... Registrar as etnias? Bingo! Bem, quase isso: e
se não é exatamente isso, a culpa não é sua. Ocorre que atualmente o termo etnografia ampliou seu sentido
original, e ela já não trata apenas de etnias. E temos que ter cuidado para não associar etnia a raça.
Etnia = Já vimos páginas atrás, não? Equivale a comunidade humana, presente em dado território,
ligada por afinidades linguísticas, religiosas, culturais. Também inclui, em geral, semelhanças genéticas.
Daí a associação de etnia ao termo raça.
Raça = Fatores morfológicos (cor de pele, constituição física, traços faciais) que constituem uma
divisão da espécie humana. O termo caiu em desuso por levar a discriminações inaceitáveis, pois baseadas
na aparência. No século XX, o antropólogo Franz Boas questionou a validade desta noção e foi seguido
pelos demais antropólogos.
Veremos mais tarde como etnografia vai assumir outra definição do objeto a ser grafado, mas você já
tem uma pequena ideia do que se trata.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Quem faz etnografia?
Em geral são os antropólogos. Mas eles emprestam esta possibilidade a quem observe alguns quesitos
importantes no fazer da etnografia. Enquanto a gente não aprende a fazer perfeitamente como se faz, podemos falar em uma pesquisa de inspiração etnográfica.
Antes de prosseguir faça um esforço para lembrar o que você sabe de antropologia, quem são antropólogos, o que fazem. Não vá confundir com arqueólogos (aqueles pesquisadores que investigam os rastros
humanos na Terra para saber como viviam os povos antigos, as culturas desaparecidas). Até tem muitas
afinidades (os arqueólogos são um tipo especial de antropólogos) e semelhanças, mas hoje em dia há mais
antropólogos pesquisando o presente e a própria sociedade do que havia antes.
Vídeo realizado por estudantes portugueses sobre o que é a antropologia:
http://www.youtube.com/watch?v=x8NlvdXUoiY&feature=related
Quando era este antes?
Era no início da antropologia. Os antropólogos eram estudiosos que queriam conhecer as sociedades
consideradas então exóticas, isto é, diferentes da sociedade do homem ocidental. Os primeiros antropólogos da era moderna eram, assim, europeus a serviço de seus países, que queriam conhecer melhor as
colônias (raramente com boas intenções: em geral, era conhecer para melhor dominar). Mas depois a antropologia se redimiu dessa origem duvidosa e faz pesquisas que, muitas vezes, servem para apoiar as lutas
dos grupos oprimidos.
Qual é a situação hoje?
Hoje cada vez temos menos sociedades tão estranhas assim. A globalização mudou bastante a forma
original das culturas. Ficamos todos um tanto parecidos. Só que essa parecença não é igualdade, e muitas
diferenças culturais se mantêm.
Epa ! Apareceu aí um termo ainda não bem explicado: Cultura! E outra expressão: Diferenças culturais!
Cultura
Também já tocamos no conceito de Cultura
nesta Unidade. Vamos reforçar um pouco mais
seu sentido. Cultura é um conceito-chave para a
antropologia. E a gente comete muitos erros ao
pensar no que é a cultura. Tem gente que ainda
pensa que cultura é a soma de artefatos de um
grupo. Vem a imagem de vasinhos de cerâmica.
Não! Cultura é um termo muito mais complexo
do que isso. Não trata apenas de produções materiais, é muito mais uma visão de mundo que
herdamos do nosso grupo, do grupo com que
vivemos e no qual nos socializamos e que faz com
que vejamos nossa forma total de viver como se
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
ela fosse a única, ou a mais “natural”. Os antropólogos nos mostram como o que achamos natural é
na verdade cultural, isto é, tornado natural apenas porque é a cultura com a qual nos acostumamos.
Vamos a uns exemplos?
A gente imagina que dar nomes aos nossos filhos é sempre escolher conforme determinados critérios
para nós “óbvios”: nome bonito ou um nome que homenageia um parente, uma pessoa a quem admiramos, enfim, um nome escolhido. Os índios guarani achariam isso muito estranho. Para eles, o nome tem
que ser revelado. Para eles o nome é determinado pela região do céu de onde vem a alma da criança, e
cada lugar tem seus “moradores” e suas características. Por isso, o nome é sonhado pelo rezador e isso
pode acontecer um bom tempo após o nascimento. E se depois a criança vier a apresentar problemas, significa que é bom trocar de nome. O pajé sonha com outro nome, ele é trocado, e a criança nem lembrará
que teve aquele primeiro nome.
Por que um grupo acha uma coisa normal e o outro acha outra coisa?
Não é certamente porque haja algo como uma forma universalmente correta de dar nomes às crianças.
Quem definiu essa forma foi a cultura. Se você tivesse nascido ou crescido entre os guarani, acharia estranhíssimo que entre nós o padre que batiza a criança não tenha sonhado com um nome para ela e ainda
precise perguntar aos pais que nome ela terá!
Existe também o fato de que as culturas se modificam. Vamos pensar num exemplo retirado da nossa
forma cultural. Quando morre uma pessoa, seu corpo é velado em uma capela mortuária. Há algum
tempo atrás, isso nem existia. As pessoas eram veladas na sala da casa. Quando se comenta isso com os
mais jovens e mais urbanizados, eles ficam espantados, acham muito estranho, mal sabem que foi o que
aconteceu com seus bisavós, tataravós, em alguns casos... avós. O mesmo ocorre com o nascimento.
Atualmente as futuras mamães na nossa cultura decidem bem cedo em que hospital terão seus bebês,
enquanto que suas avós ou bisavós os tinham em casa com uma parteira. Isso faz parte do que os antropólogos chamam de medicalização: nossa cultura em ritmo rápido transferiu aspectos biológicos da vida
para espaços hospitalares e portanto não privados: um fenômeno cultural estudado por um dos ramos da
antropologia, a antropologia da saúde.
Cultura, dito assim de forma bem simplificada, é um conjunto de pressupostos (coisas que já estão
conosco), modos de pensar, hábitos que, sem encontrar resistência, influenciam as pessoas a construir sua
visão de mundo.
E agora já podemos saber quem são os antropólogos.
São profissionais do campo das Ciências Sociais que pesquisam o homem em cultura. E uma vez que
façam essa pesquisa sobre a cultura, eles a registram. A forma desse registro, isto é, o documento produzido
por eles para descrever a cultura pesquisada, chama-se etnografia. Viu como a etimologia contém etnia e
agora falamos em cultura?
O conceito de cultura se sobrepõe ao de etnia, uma vez que podemos encontrar cultura onde não haja
necessariamente uma origem comum, afinidades religiosas, etc.
Se no passado, os antropólogos pesquisaram culturas diferentes da sua, hoje as pesquisas ocorrem
frequentemente muito perto de onde o antropólogo vive. Ele pesquisa na sua própria cidade. Ele pesquisa subculturas e observa que um mesmo indivíduo pode ser entrevistado por um antropólogo que
está pesquisando tribos juvenis e também logo a seguir pode ser entrevistado por outro antropólogo que
está pesquisando sociabilidade no trabalho. Isso porque nosso jovem em questão é um straight edge e
trabalha como escriturário.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Straight edge – uma das tantas tribos juvenis, os straight edges adotam um estilo de vida constestador, que passa por uma crítica ao mundo do consumo, prega a abstinência de drogas lícitas ou ilícitas, porque, segundo creem, substâncias que alterem o estado psíquico promovem a anestesia política e refreiam
o espírito contestador. Tem origem no movimento punk e em algumas bandas hardcore.
As tribos juvenis ou tribos urbanas, em geral, associadas a estilos musicais, proliferam de maneira
impressionante: Clubbers, Emos, From Uk, Plastic, Góticos, Manos, Pagodeiros, Skinheads, dentre outras.
Tribos urbanas – Este conceito foi cunhado por Michel Maffesoli, que escreve O Tempo das Tribos
(MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1998). Para ele, tais associações de jovens também produzem um tipo de
resistência ao poder instituído e ela se dá por meio da música, da aparência e do estilo, e visa corroer a
legitimidade do poder praticando um tipo de “resistência subterrânea”.
Etnografia, portanto, pode ser assim definida:
Texto produzido pelos antropólogos que descreve uma determinada cultura, por ele investigada de
forma exaustiva, de acordo com o método etnográfico, e que tem o compromisso de dar voz ao grupo
pesquisado e analisá-lo a partir de conceitos presentes na teoria antropológica.
O que veremos daqui por diante faz parte do método etnográfico.
A fonte de dados da pesquisa antropológica é a observação direta (contato prolongado com as pessoas no seu meio natural, no local onde elas vivem) por um período de tempo nunca curto, das formas
de viver de um grupo delimitado. Chamamos isso de “trabalho de campo”. Antropólogos do passado se
contentavam com narrativas de viajantes sobre povos que viviam em terras longínquas. Hoje, a pesquisa
se volta para grupos presentes na nossa própria sociedade. O local de pesquisa pode ser uma comunidade, uma escola, um hospital, uma empresa, um agrupamento social de qualquer natureza. Vários
pesquisadores têm feito etnografia de escolas, etnografia da sala de aula. Você que é professor(a) se beneficiará muito de pesquisar sua própria escola, ou algum espaço dentro dela. Os autores abaixo escrevem
precisamente sobre essa possibilidade.
ANDRÉ, Marli. Etnografia da Prática Escolar. São Paulo. Papirus. 1995
___ (org.) O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas, São Paulo: Papirus, 2001.
ANDRÉ, Marli. A abordagem etnográfica: uma nova perspectiva na avaliação educacional. Tecnologia
Educacional, ABT, nº 24, set/out.
ANDRADE, A. S. O cotidiano de uma escola pública de primeiro grau: um estudo etnográfico. Cadernos de Pesquisa, São Paulo (73): 26-37, maio 1990.
Por fazermos muitas etnografias, podemos comparar culturas (e/ou subculturas, grupos culturais). Um
filósofo chamado Gadamer (1997) disse que a etnografia é uma “fusão de horizontes”, o que já é uma imagem boa para pensar na finalidade desse tipo de pesquisa. E ele disse também que a etnografia é como uma
conversa intercultural sem imposições.
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
Esse lance da ausência de imposições dá bem uma linha da posição política do etnógrafo, ele ajuda a
produzir uma conversa com o “Outro”, para ampliar a consciência, nunca a unanimidade ou A verdade. Isso
também porque quando olhamos o Outro e o conhecemos no seu modo de ver o mundo, também refletimos sobre nós mesmos e aprendemos a nos ver. E por isso Todorov (1988) diz que ela é um tipo de tradução.
Funciona assim. Vou fazer uma comparação com um fato que tem leve equivalência, ainda que apenas
no plano individual. Quando nos hospedamos na casa de outra pessoa e vemos como ela dispõe seus
móveis, como estrutura a sua rotina, como cozinha, como guarda suas coisas, imediatamente comparamos
com nosso modo de fazer as mesmas coisas. E, na volta à nossa casa, talvez adotemos algumas das coisas
que nosso anfitrião faz e, por outro lado, ficamos aliviados em retomar algumas de nossas rotinas e coisas
que preferimos às que ele tem. Esse vai-e-vem nos faz ver coisas que antes não víamos. E nos faz mudar
também. Saímos transformados dessas experiências de ir ao outro e voltar ao nosso eu.
Com base nisso, podemos agora compreender a antropologia, essa ciência social praticada pelos antropólogos que legaram a etnografia e seu método à pesquisa sobre o humano.
Podemos dizer que a antropologia é uma forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, o que faz
com que também se constitua numa busca de respostas para entendermos como somos a partir do “Outro”
que funciona como um espelho. Trata-se de um campo do conhecimento que nos situa na fronteira de
vários mundos culturais, abrindo janelas entre tais mundos e, com isso, nos possibilitando alargar as possibilidades de sentir, agir, refletir sobre o que nos torna esses seres singulares, os humanos.
Para saber mais sobre o tema:
http://www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html
O método etnográfico...
O chamado método etnográfico não é um tema livre de debate e questionamento. Não vamos entrar nas
discussões presentes nas diferentes correntes antropológicas. Ah, sim, a antropologia não é um todo uniforme.
Há várias correntes com diferentes pressupostos, base teórica e forma de atuação. Vamos pular este capítulo
sem nenhuma culpa, só tentando entender como é que a coisa evoluiu no que diz respeito à etnografia.
Nasce na Polônia em 1884 aquele que viria a ser conhecido como o pai da etnografia. Tem o nome
pomposo de Bronislaw Malinowski e ele teve uma tremenda importância porque foi um bem sucedido desbravador das culturas. No seu livro Argonautas do Pacífico Ocidental (publicado em 1922), que praticamente todo antropólogo tem em casa, mesmo que só tenha lido a introdução, ele conta como os habitantes das
ilhas Trobriand (extremo oriental da Nova Guiné) realizavam trocas cerimoniais com os habitantes de outras
ilhas, as quais se dão por meio de viagens cuidadosamente planejadas. Em rotas fixas, braceletes de conchas
brancas e colares de conchas vermelhas viajavam em direções opostas. Só que o que parece simples esconde uma enorme complexidade. Os fatos não são só sua aparência. Além de os detalhes das trocas serem
fixados e regulamentados por um conjunto de regras e convenções, nestas singelas trocas intercomunitárias,
chamadas Kula, estão embutidas questões de fundamental importância como organização social, casamento
e parentesco, economia religião, ritual, mitologia, cultura material e política. O que aos olhos de um observador desavisado poderia parecer uma situação inútil (viaja-se daqui para lá carregando bijuterias, que depois
voltam e a cena se repete), aciona uma série de instituições, selam a paz e estruturam a vida social.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Não precisamos nos preocupar em aprofundar suas conclusões. Para nós, aqui o importante é saber
que a instância da descoberta se deu no campo, no contato direto com as populações. Sua pesquisa mostrou a toda a comunidade antropológica que uma sociedade só pode ser bem descrita e entendida a partir
da compreensão das relações variadas que os humanos estabelecem no seu grupo e das ligações entre as
instituições presentes em cada sociedade. Da análise dos costumes de um grupo, decorre a compreensão
de todo um sistema social e cultural.
A narrativa, encontrável na etnografia, apresenta os atores sociais tal como eles se apresentam sob a perspectiva deles. Para isso, é necessário conhecer o significado local da ação, o significado que as pessoas mesmas dão a
seus atos. Mas não fica só nisso. O pesquisador reúne fios aparentemente desconectados para tecer o seu texto.
É bem verdade que ele deixa claro no texto o que foi dito pelos pesquisados e o que é interpretação sua.
Enfim, por tudo isso, a etnografia só é entendida como fruto de um trabalho de campo.
Trabalho de Campo
Há alguns tipos de pesquisas em que o pesquisador se lança na investigação, munido de hipóteses, de
pré-teorias, de entendimentos do que será encontrado para que a investigação confirme ou descarte.
Na antropologia não é assim, não precisamos de hipóteses. O grande barato é que a pesquisa de campo
lança um desafio à previsão. E os antropólogos não veem problema nisso, o objetivo é mesmo romper as
expectativas iniciais. A descoberta do não previsto é que dá emoção a cada ida a campo.
Uma vez que o pesquisador tenha uma pergunta, uma questão ou um problema de pesquisa, ele busca
um local onde fazer uma pesquisa que possa dar conta dessa pergunta, questão ou problema. Esse local é o
que chamamos de “campo”, campo de pesquisa. No campo, encontram-se os sujeitos da pesquisa. Fala-se
em “delimitação de campo de pesquisa”. Quando lá na origem os antropólogos pesquisavam grupos nativos
de alguma região, o campo estava previamente delimitado. É o caso dos trobriandeses. Hoje, pesquisamos
grupos culturais na nossa sociedade. Delimitar é definir que grupo é esse: recicladoras mulheres moradoras
da Vila X, jovens emos que se reúnem nos domingos em frente ao Centro Comercial X, idosos que vivem
em casa e mantêm atividades sociais, professores de educação de jovens e adultos da Escola X ou mesmo
Escola X. É evidente que a delimitação está vinculada à questão de pesquisa.
Os bons companheiros
Nós vamos seguir desse ponto, mas antes vamos falar em um companheiro inseparável do antropólogo. Este companheiro não fala, mas também não complica. Não intervém, não dá ideias, mas as aceita de
bom grado. Ele está presente do início ao fim do trabalho de campo e tem uma importância que nenhum
antropólogo negaria. Segredos vão ficar reservados apenas a ele, mas a instância da descoberta, o desabafo,
o alívio, a alegria, a recordação do que não pode ser esquecido, tudo isso estará nele. Já adivinharam que
se trata de um caderno, que nós chamamos Caderno de Campo. Alguns chamam de Diário de Campo.
Há quem já use as modernas tecnologias (computadores de bolso, os handhelds, smartphones, microcomputadores, e o que mais vier). Os mais conservadores, românticos ou simplesmente menos conectados,
seguirão com seu caderninho convencional, de bolso, no qual anotarão, a cada ida a campo, tudo o que
acharem relevante narrar. Por meio do diário, o pesquisador perceberá a alteração de seus sentimentos e
impressões ao longo do tempo. E também ali estarão os dados brutos (aquilo que é descrito, mas ainda
não analisado ou interpretado) que, posteriormente, agrupados e relacionados, se transformarão em dados
analisados (isso porque eles serão comparados com as teorias e conceitos já existentes).
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
O que se escreve no diário de campo?
Tudo o que foi observado, as falas das pessoas,
a forma como são proferidas, as reações que provocam nos demais, os gestos, a maneira como se
portam, o ambiente físico, e tudo o que parecer relevante e até o que não parecer relevante, mas se
apresentar à memória. Por falar nela, o que se recomenda é que o pesquisador faça suas anotações no
caderno de campo o mais proximamente possível da
observação. Se deixar para anotar no dia seguinte, o
filtro que a passagem de tempo implica já fará com
que se anote com menos detalhe e com mais perdas.
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Essas informações esquecidas poderiam ser valiosas.
Mas o diário também aceita de bom grado os sentimentos, os desabafos. Por isso, ele é pessoal e impublicável (bem, é para ser... A viúva do nosso já velho conhecido Malinowski acabou publicando postumamente
seus diários, que resultaram em interessantes aulas de caderno de campo, mas também expuseram situações
delicadas no que diz respeito ao plano dos sentimentos e percepções. Por isso, recomendamos atenção a
quem legamos nossos diários de campo, principalmente se nos tornarmos pesquisadores famosos).
Por tudo isso, percebemos que realmente pesquisador e caderno de campo são bons companheiros, e
convivem bem na sua intimidade.
Voltando a falar do trabalho de campo
Vimos que o trabalho de campo é um requisito metodológico do ofício do antropólogo, é a instância
da descoberta e por isso ele não está comprometido com hipóteses. Trabalho de campo consiste no deslocamento do pesquisador do seu meio para o meio onde vivem as pessoas pesquisadas. Ele contata com as
pessoas, integra-se a elas, com o objetivo de conhecer o grupo por dentro. Por isso, ele participa na medida
do possível das atividades desse grupo, para viver experiências equivalentes. Chamamos a esta técnica de
pesquisa de Observação Participante.
A partir do trabalho de campo, o pesquisador descreve, traduz, explica e interpreta as relações sociais que
estuda. Ele não fica só na mera descrição, mas busca entender o significado subjacente embutido nas ações.
Vou apresentar dois exemplos de pesquisas nas quais trabalhei. Uma delas foi feita em uma pequena comunidade na qual um grupo de adultos frequentava um curso de alfabetização. Num certo
momento da pesquisa, em que tentava entender suas motivações, percebendo que havia algo além do
que é esperado entre alfabetizandos adultos, pude descobrir que esta comunidade, que passara recentemente a ser procurada por pessoas da capital do estado, em geral, mais escolarizadas (estudantes,
profissionais, atraídos por um parque de conservação ambiental ali implantado), sofria o impacto desse
novo momento. A chegada do asfalto, ao romper o isolamento, também tinha contribuído, para a alteração do perfil de pessoas que buscavam o local. E então a descoberta se deu gradualmente até chegar
ao ponto: eles não se alfabetizavam para pegar ônibus, nem ler receitas, listas de compras, produtos no
mercado, textos religiosos. Eles queriam aprender a falar como falavam os recentes frequentadores do
local. Eles haviam percebido que havia uma diferença entre eles e esses novos frequentadores, a diferença se tornava visível na maneira de falar e eles entendiam que, se aprendessem a ler e a escrever,
em breve estariam falando como falavam os mais letrados. A novidade para mim é que alguém pudesse
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
querer aprender a ler e a escrever não para ler e escrever, mas para FALAR! Posso lhes garantir que,
se minha pesquisa tivesse sido feita com entrevistas e poucas observações, dificilmente teria chegado
a este ponto, que surgiu numa conversa casual que deu o ponto de partida para outras conversas em
que a ideia se solidificou.
Em outra ocasião, tentei entender por que uma vila muito pobre de Porto Alegre tinha como reivindicação, acima de qualquer outra, a troca de nome. Bem, há realmente vilas que têm nomes muito estranhos
(Maria Degolada, Cachorro Sentado, Buraco Quente), mas a vila em questão se chamava Vila do Respeito.
Algum tempo convivendo com os moradores e fui conhecendo a história da vila, fortemente vinculada a
uma família de bandidos que tinha sido a origem do nome. E então descobri que Respeito se devia ao fato
de que a vila gozava da fama de local perigoso, em que para entrar tinha que ter “respeito”, um sentido
da palavra que para mim era novo. Assim, o nome identificava a vila a uma condição que os moradores
mais recentes, trabalhadores, repudiavam. É preciso registrar que isso não era dito, eles se recusavam até
mesmo a tocar no fato, diziam inicialmente que não queriam porque não queriam. No decorrer da pesquisa, descobri que eles tinham até problema de crédito nos estabelecimentos comerciais da redondeza
quando mencionavam o endereço, além de vergonha nas escolas ao matricular os filhos ou preencher
fichas de trabalho.
O que quis dizer com esses exemplos? Que a pesquisa de campo é fundamental para compreendermos
os grupos culturais, que só por meio dela podemos os compreender por dentro, para melhor interpretar
os significados culturais. Interpretar é buscar a ordem estrutural da sociedade, é captar os significados da
realidade sociocultural para os atores sociais nela implicados.
Um alerta ! Trabalho de campo é em geral trabalhoso, causa angústias, ansiedade e cansaço, isso porque
cada ida a campo é uma dúvida, não sabemos se vamos encontrar facilidades ou não, não sabemos sequer
se o que ficou combinado com as pessoas será mantido, não sabemos como reagir a fatos que nos pegam
de surpresa. Mas é também um espaço de comunicação com o Outro que nos humaniza, que nos faz superar preconceitos culturais, que nos faz ver que há diferenças aparentes entre os seres humanos, mas que
comungamos de uma natureza comum. Já tendo pesquisado num dos locais mais difíceis de alcançar o nível
da compreensão e da identificação (refiro-me à minha pesquisa de mestrado feita com presos do Presídio
Central de Porto Alegre), posso garantir que conhecer o Outro é reconhecer o quanto temos dele, por
mais que nos pensemos diferentes ou superiores ou mais “normais”.
Vale também dizer que, ao falar da etnografia, estamos falando do que se chama, em Pesquisa, de abordagem qualitativa. Isso porque estamos em busca da qualidade do dado pesquisado, aquela dimensão que
tenta dar conta dos significados das ações e da forma de ser humanos, impossíveis de serem percebidos por
meio de equações, médias e estatísticas.
Ainda antes de falar na Observação Participante, é importante dizer desse tipo de pesquisa que ela tem
muito de trabalho artesanal, que precisa da criatividade e capacidade de raciocinar. Se é verdade que não
saímos a campo com hipóteses, também é verdade que elas se tornam fundamentais ao longo da pesquisa na busca das respostas a questões que também vão surgindo no desenrolar do trabalho de campo. As
pesquisas qualitativas iniciam com uma questão, um problema de pesquisa e terminam com um produto
provisório, capaz de dar origem a novas interrogações.
E, por fim, o sucesso do trabalho de campo, que é aparentemente uma instância prática da pesquisa,
depende do conhecimento teórico de que deve dispor o pesquisador. Ele deverá reconhecer no campo
a base conceitual que domina, pois a teoria é sempre uma explicação do real a ser vivida e revivida nele.
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Observação Participante
O etnógrafo se interessa em realizar uma combinação de técnicas de pesquisa, como entrevistas (que
para a antropologia é em geral uma conversa intencional), levantamento de material documental, bibliográfico, instrucional, legal. Mas a menina dos olhos do trabalho de campo na antropologia é a observação
participante. O nome já diz muito e diferencia a observação participante das seguintes outras observações
em que o observador tem os seguintes papéis:
• Observador total – não interage com o grupo pesquisado, não é visto (lembrem daquelas paredes espelhadas separando o grupo do observador)
• Participante total – interage plenamente com o grupo, fazendo-se passar por um seu integrante.
• Participante observador – interage com o grupo, revelando parcialmente sua condição.
Os antropólogos repudiam por motivos éticos os casos acima. Para a antropologia, só o Observador
Participante, que revela ao grupo pesquisado quem é e do que trata sua pesquisa atende aos quesitos éticos
presentes no Código de Ética do Antropólogo, da Associação Brasileira de Antropologia, a ABA.
Código de Ética
Constituem direitos das populações que são objeto de pesquisa a serem respeitados
pelos antropólogos:
1. Direito de ser informadas sobre a natureza da pesquisa.
2. Direito de recusar-se a participar de uma pesquisa.
3. Direito de preservação de sua intimidade, de acordo com seus padrões culturais.
4. Garantia de que a colaboração prestada à investigação não seja utilizada com o intuito de prejudicar
o grupo investigado.
5. Direito de acesso aos resultados da investigação.
6. Direito de autoria das populações sobre sua própria produção cultural.
Constituem responsabilidades dos antropólogos:
1. Oferecer informações objetivas sobre suas qualificações profissionais e a de seus colegas sempre que for
necessário para o trabalho a ser executado.
2. Na elaboração do trabalho, não omitir informações relevantes, a não ser nos casos previstos anteriormente.
3. Realizar o trabalho dentro dos cânones de objetividade e rigor inerentes à prática científica. (http://www.
abant.org.br/index.php?page=3.1)
O antropólogo tem em mente que boa parte da forma de ser dos grupos é baseada no não-dito, algo
que está lá, mas não é verbalizado, até porque quem faz a síntese dos fatos, isto é, quem apresenta os fatos,
as razões e os sentimentos de forma sistematizada não é o ator social. Ele fornece os indícios seja por meio
do que diz, seja por meio do que faz, mas principalmente pela comparação entre o dito e o feito. Um dos
mais importantes antropólogos brasileiros, Roberto Cardoso de Oliveira (1998), escreve um livro fundamental para pensar o trabalho do antropólogo que tem exatamente este título, do qual destaco o primeiro
capítulo: olhar, ouvir, escrever, uma das melhores aulas sobre antropologia.
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A etnografia, o registro escrito
Quando a pesquisa de campo se encerra? Os antropólogos costumam utilizar o critério da saturação,
ou seja, quando percebe que suas idas a campo já não lhe trazem dados novos.
Uma vez encerrada a pesquisa de campo, deve resultar dela o seu registro que é a etnografia-objetoconcreto-texto. O melhor caminho para saber como se registra a pesquisa é lendo o maior número possível
de etnografias, das clássicas às contemporâneas.
Algumas etnografias dignas de serem lidas:
Franz Boas – A arte primitiva (1927)
Malinowski – Argonautas do Pacífico Ocidental (1924)
Evans Pritchard - Os Nuer (1940)
Levi-Strauss – Tristes Trópicos (1955)
Geertz – Negara: o estado teatro do século XIX (1980)
Marshal Sahlins – Ilhas de História (1985)
E dois brasileiros:
Roberto Cardoso de Oliveira – Do índio ao bugre: o processo de assimilação dos Terêna (1976)
Eduardo Viveiros de Castro - Os Araweté: Os Deuses Canibais (1986)
O que fizeram seus autores? Deram um tratamento ao material recolhido no campo, ordenando,
classificando e analisando. Se os dados no caderno de campo aparecem caóticos, chega o momento de os
sistematizar, agrupando-os por temas, hierarquizando estes temas e pensando em um sumário, que funciona como um ordenamento das ideias.
O material deve ser tratado, o que nos conduz à teorização dos dados, isto é, um cotejo, comparação,
confronto entre a teoria existente e dominada pelo pesquisador e tudo aquilo que a investigação apontou,
confirmando ou refutando as teorias existentes. Um grande antropólogo, muito citado também em outros
campos de investigação, chamado Clifford Geertz (1989, p. 25) disse que:
“os textos antropológicos são eles mesmos interpretações e, na verdade, de segunda
e terceira mão. (Por definição, somente um nativo faz a interpretação em primeira
mão: é a sua cultura) Trata-se, portanto, de ficções; ficções no sentido de que são algo
construído, algo modelado - o sentido original de fictio - não que sejam falsas, não
fatuais ou apenas experimentos de pensamento.”
Para este antropólogo, nossa capacidade de captar os fatos em campo não é tão importante quanto a
interpretação que lhes damos e - vejam que interessante - a forma que encontramos de reduzir a perplexidade. Claro! Se vamos tentar entender uma realidade a partir da forma como a vivem os seus protagonistas,
também vamos ser levados a naturalizar esta realidade. Reduziremos a perplexidade!
Ele também enfatiza o fato de que, ao registrarmos na etnografia nossas interpretações de segunda mão, abrimos a possibilidade de serem consultadas a qualquer momento por alguém que também poderá reinterpretá-las.
A etnografia é um texto antropológico, uma construção elaborada sobre as construções de outras pessoas,
os nativos daquela cultura.
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Por isso, diz Geertz (1989, p. 20): “fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de construir uma
leitura de) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de clipes, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escritos não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de
comportamento modelado”.
Para ele, o êxito do trabalho antropológico depende do tipo de esforço intelectual que ele representa:
“um risco elaborado para uma descrição densa.”
Querem coisa melhor do que correr esse risco? Boa etnografia!
Aqui seria bom levantar da cadeira e ir a uma locadora procurar os seguintes filmes que não são filmes
etnográficos (deixemo-los para os mais especialistas na matéria), mas nos ajudam a refletir sobre cultura a
partir de ficções ou documentários:
• A encantadora de baleias (2002, dir: Niki Caro)
• Por que os camelos choram (2003, dir: Byambasuren Davaa e Luigi Falorni
• Os deuses devem estar loucos (1980, dir: Jamie Uys) (veja as primeiras partes do filme, antes que
vire uma comédia duvidosa)
• As ruas de Casablanca (2000, dir: Nabil Ayouch)
• Lugar nenhum na África (2001, dir: Caroline Link
• Questão de imagem (2004, dir: Agnès Jaoui)
• Edifício Máster; O Princípio e o Fim (ou qualquer outro dirigido por Eduardo Coutinho)
3.2 Fotoetnografia
Uma vez que já sabemos um pouco da etnografia, podemos deduzir que fotoetnografia é uma etnografia
feita com fotos. Bem, é um pouco isso. O que a fotoetnografia quer nos dizer é que é possível mostrarmos
um pouco da cultura dos grupos que estudamos por meio da imagem fotográfica. Assim como existe o filme
etnográfico, também existe uma forma de documentar a cultura por meio de fotografias. E esse é o nosso
próximo desafio: conhecer a fotoetnografia e produzir um pequeno ensaio fotoetnográfico da escola.
Tempo e espaço são as balizas da fotografia. Fotografias são recortes, escolhas no tempo para espaços
pré-determinados. Mas não é só para a fotografia, ou para os fotógrafos que tempo e espaço são as reais
formas de fixação. Viver com saúde, sobretudo saúde mental, também é uma questão de tempo e espaço.
Para viver devemos ter uma noção de tempo, tempo cotidiano articulado ao nosso tempo total de vida.
Também precisamos saber nos orientar no espaço individual que nos cabe para que possamos habitar com
a soma dos espaços dos outros, o espaço social.
Luiz Eduardo Robinson Achutti
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Definição de Fotoetnografia
Fotografar é fazer inscrições sobre um suporte de prata, a fim de recolher pequenas porções do reflexo
da realidade, é aprisionar a luz do instante presente para fixar breves fragmentos do passado. A fotografia
é uma operação exercida sobre o passado ou sobre um presente recente. As fotografias são recortes arbitrários, traduções da realidade. Suas margens delimitam as escolhas feitas pelo fotógrafo para demarcar o
tempo e o espaço; elas são o resultado de um só gesto, um gesto último e definitivo, aquele de apertar o
disparador; é um ato intencional determinado pelo ponto de vista particular daquele que olha e adota uma
certa posição frente à realidade. Uma fotografia é a materialização de um olhar, é o discurso de um olhar.
Discurso este hoje construído por meios digitais nos mais diferentes tipos de câmeras. A qualidade da câmera importa menos do que a qualidade do olhar...
Quando se decide apertar o disparador, trata-se apenas de uma decisão final, o resultado de várias outras decisões prévias. Atualmente, o uso de câmeras automáticas deixam a gente mais livre com mais tempo
para olhar e fazer escolhas.
Para fazer fotos etnográficas, é preciso primeiramente conhecer bem o tema que será tratado para
escolher as ferramentas apropriadas, sem jamais perder de vista que o objetivo, na verdade, é relatar visualmente uma situação bem específica e sua relação com a realidade. Contrariamente ao que se costuma
acreditar, o trabalho de interpretação não se efetua apenas após, mas também durante o ato fotográfico,
pois ele é determinante para as escolhas que deverá fazer o fotoetnógrafo em campo.
Stock.xchng
De um ponto de vista técnico, quando se trabalha em campo, é possível deparar-se com as situações
mais diversas de luminosidade e de ocupação dos espaços, os acontecimentos que ocorrem em pleno ar ou
em pequenos locais fechados com pouquíssima luz. É importante saber fazer um balanço do equipamento
necessário em função do tema a fotografar. Com efeito, a profusão do material nunca é o apanágio de uma
boa abordagem fotográfica, a qual, pelo contrário, precisa de uma imensa liberdade de corpo e de espírito,
permitindo manter uma liberdade total de movimento, dar-se um tempo para olhar, dar voo livre à sua
sensibilidade e à sua intuição.
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
O etnógrafo deve estar sempre em condições de concentrar toda sua atenção no desdobrar dos
acontecimentos que se vão suceder para poder captar seus momentos mais significativos e poder
traduzi-los fotograficamente, fazendo uma descrição visual dos mesmos. Se queremos, por exemplo,
registrar uma reunião de professores, o momento das crianças no recreio ou sua concentração diante
de uma tarefa em grupo, precisamos estar atentos ao que será fundamental registrar, ter uma intenção
e ao mesmo tempo ser ágil em relação a esta intenção. Não saímos a fazer fotos aleatórias. Esses instantes, que devem ter importância em si mesmos, devem também ser minuciosamente selecionados a
fim de manter uma ligação constante entre eles e de constituir um todo, uma escritura final.
Em síntese, a fotoetnografia é um conjunto de fotografias, que traduz um dado cultural. Ela não conseguiria este objetivo se apresentasse fotos isoladas, de um que outro lugar, uma que outra pessoa. Ela
terá fotos de lugares e pessoas, mas de forma sequenciada, num ordenamento tal que permitirá ao leitor
entender que há algo em ação, que há uma intenção de mostrar alguma coisa que está sendo construída no
tempo. Algo que uma foto isolada não diria, mas as fotos que a seguem vão ajudando a perceber. Uma foto
isolada é como uma palavra isolada. É a palavra no contexto da frase, e a frase no texto, que permitem que
um conceito seja mais bem apreendido. Vale o mesmo para a fotografia na fotoetnografia.
A fotoetnografia em campo
Quando o antropólogo pratica a fotoetnografia em campo, deve sempre se distanciar o suficiente da
técnica para que seu olhar possa mergulhar no universo que constitui o objeto de suas pesquisas. De fato,
a falta de prática ou certo fetichismo por seu instrumento de trabalho poderia levá-lo a realizar uma obra
superficial, o que seria prejudicial à narração, isto é, a suas próprias intenções como pesquisador.
Ele deve igualmente sentir-se à vontade em campo para poder elaborar suas sequências no local. Sem
jamais comprometer seu objetivo antropológico, o fotógrafo deve explorar adequadamente todos os recursos que a abordagem fotográfica coloca à sua disposição, não apenas fazendo uma simples transcrição visual
dos dados de campo, mas também elaborando a construção de uma narração visual eficaz e que contenha
informações interpretativas de uma determinada realidade. Assim, é ao longo do trabalho de campo que os
enquadramentos vão ser decididos e realizados.
É lá, em campo, que todas as intenções visuais do antropólogo devem ser resolvidas de forma a produzir fotografias que ofereçam uma “leitura” tão clara quanto possível. Afinal, não apenas cada foto deverá
bastar-se a si mesma, isto é, ter uma significação própria quando for “lida” individualmente, como deverá
também fazer parte de uma sequência de fotos representando em seu conjunto a narração antropológica
da singularidade de uma cultura determinada.
Um exemplo claro de fotoetnografia pode ser conhecido em dois livros:
ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotoetnografia da Biblioteca Jardim. Porto Alegre: Tomo Editorial;
Editora da UFRGS, 2004
ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotoetnografia: um estudo de antropologia visual sobre cotidiano,
lixo e trabalho. Porto Alegre: Tomo Editorial; Palmarinca, 1997.
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Existem temas de pesquisa que se prestam melhor do que outros à abordagem fotoetnográfica. É importante reforçar que a linguagem fotográfica não toma em absoluto o lugar dos textos escritos, nem se
opõe a eles; pelo contrário: acrescenta-se a eles. A fotoetnografia é proposta como outro leque de informações, o que permite um olhar diferente. O pesquisador que optar pela linguagem fotográfica não pode
prescindir de seu caderno de campo, nem deixar de anotar suas observações ou qualquer outro procedimento já visto na Etnografia.
Os procedimentos iniciais
À primeira vista, as pessoas fotografadas tendem a confundir o fotoetnógrafo com o repórter fotográfico. É por isso que, quando começa a trabalhar em campo, o etnógrafo deve, desde os primeiros contatos
que estabelece com os membros da comunidade estudada, declarar sua posição de pesquisador que veio
fotografá-los e não se apresentar como simples fotógrafo. O repórter fotográfico – que, ao contrário do
etnógrafo, geralmente está de passagem – impõe desde sua chegada sua máquina fotográfica como um
elemento de mediação entre ele e os outros. Geralmente ele estabelece uma distância necessária que não
é a distância ideal para o etnógrafo.
Segundo Becker, “a sociedade se revela àqueles que a observam atentamente por um longo período,
não àqueles que se contentam em dar uma olhadela” (BECKER, 1997, p. 97). O etnógrafo deve, portanto,
retornar a campo repetidas vezes, unicamente para observar, entrar em contato com as pessoas, conhecêlas melhor, impregnar-se de seu universo. Da mesma maneira que para o todo etnógrafo, é extremamente
importante que o fotoetnógrafo estabeleça o diálogo desde o início, se faça conhecer, fale de si, daquilo que
lhe interessa, do tipo de trabalho que deseja realizar.
Na fase posterior, quando se começa a fotografar, é preciso ter cuidado para não dar a impressão de
que se busca impor uma relação de desigualdade e criar um abismo: eu de um lado, vocês de outro; vocês
trabalham, vocês vivem; eu fotografo. O ato de fotografar, na verdade, é apenas uma parte do trabalho que
emergirá das relações estabelecidas com as pessoas. Ao longo dos reencontros, o diálogo se estabelecerá
aos poucos, depois se aprofundará e o pesquisador verá, então, emergirem situações que lhe parecerão
importantes para suas pesquisas e que ele decidirá fotografar. Ele deverá fazê-lo então da maneira mais natural possível, para não incomodar as pessoas estudadas. É importante esclarecer que se pode dialogar, fazer
anotações e tirar fotos ao mesmo tempo. O pesquisador não deve se esconder permanentemente atrás de
sua máquina fotográfica nem se servir dela como proteção.
A iluminação
Uma questão importante é a iluminação, pois se deve evitar utilizar o flash em fotoetnografia. A luz está
diretamente relacionada com a percepção dos volumes, a profundidade de campo, a idéia de espaço e a
qualidade da cor (quando se utiliza um filme colorido). A iluminação de uma cena, de um ambiente específico ou mesmo de um simples retrato é uma informação fundamental sobre o tema estudado. A utilização de
um flash leva forçosamente à falsificação das condições reais de iluminação existentes e, consequentemente,
faz surgir fotografias esteticamente banais.
Existe a opção de determinar a sensibilidade com a qual a câmera vai trabalhar para se adaptar à grande
diversidade de tipos de iluminação possíveis em campo. Como último recurso, pode-se evidentemente utilizar um tripé, o que permitirá fotografar cenas desprovidas de movimentos. Contudo, essa utilização deve
ser evitada na medida do possível, pois ela impede a mobilidade do pesquisador. É sempre bom lembrar
que não se busca, com a fotografia, fazer uma duplicata da realidade; trata-se de interpretá-la, de buscar a
relação pessoal e de fazer escolhas. Nem a quantidade, nem a diversidade do equipamento fotográfico são
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
um fator indispensável à realização de uma fotoetnografia de qualidade, muito pelo contrário. De modo
geral, uma máquina de fotos que tenha uma objetiva normal 50 mm é mais do que suficiente para que o
pesquisador faça o relato de seu próprio olhar.
A seleção das fotografias
Antes de mais nada, é preciso não se apressar, mas fazer as fotos pouco a pouco, ao longo das repetidas
visitas em campo. Neste processo, é importante copiar as fotos selecionadas em papel e levá-las novamente em campo para compartilhá-las com as pessoas interessadas. De fato, esse procedimento não apenas
propiciará uma aproximação entre o pesquisador e as pessoas estudadas como também suscitará questões
e comentários interessantes e permitirá estabelecer certa confiança nas relações entre as duas partes. De
resto, as pessoas que constituem o objeto desse tipo de estudos apreciam muito participar da evolução do
trabalho de pesquisa. Algumas vezes, inclusive, elas se aventuram a emitir sugestões que poderão se revelar
muito enriquecedoras para o pesquisador e poderão ajudá-lo a aguçar seu olhar.
Fotografa-se sempre tendo em mente o objetivo final, isto é, o de conseguir realizar uma série de fotografias que deverão constituir um conjunto, o qual deverá ser construído ao longo do tempo.
Seguindo um processo de seleção permanente, o fotoetnógrafo deverá, portanto, proceder à organização dos dados e das fotos de forma a constituir um todo. À medida que sua pesquisa avança, ele vai
substituir algumas delas, trocar outras de lugar, acrescentar novas, tendo como objetivo final a coerência
de um conjunto de imagens. As fotos que não foram bem-sucedidas poderão ser substituídas por outras
que serão tiradas durante a visita seguinte ao campo, não constituindo, portanto, um problema muito
grave para a narração final.
A esse respeito, constata-se que, para o etnógrafo, a fotografia oferece uma maior liberdade de
movimento que o cinema. Efetivamente, se a gravação de uma mesma sequência de um filme se desenvolver ao longo de vários dias, ou se for retomada simplesmente após alguns instantes, as pessoas
filmadas deverão estar com as mesmas roupas e beneficiar-se de uma mesma iluminação, caso contrário, a narração não será mais coerente e poderá até mesmo tornar-se incompreensível. Pois bem,
com a fotografia, é possível tomar a liberdade de utilizar certo número de variações na construção
das sequências que podem compreender as fotos tiradas em datas diferentes, mostrando personagens
diferentes, sem com isso prejudicar a qualidade da narração, pois a idéia de movimento e de continuidade é subjacente e deverá produzir-se no espírito daquele que as olha. A bem dizer, com a fotografia,
não é necessário respeitar a continuidade; podem-se acrescentar, em uma mesma sequência, fotos
tiradas em outro dia sem alterar sua coerência, e é provavelmente isso que, de certa forma, aproxima
a narração fotográfica da narração escrita.
Algumas questões de ética
O antropólogo não é convidado a ir até o Outro; pelo contrário, o mais frequente é que seja ele quem
vai buscar o contato, quem vai propor uma “viagem” para atravessar o imaginário do Outro. Por vezes,
nessa “viagem”, o pesquisador vai desejar capturar o Outro em imagem para trazê-lo para si, a fim de poder
olhá-lo e guardá-lo para sempre.
É durante o trabalho em campo que se estabelecem as trocas e as relações intersubjetivas, e é nesse
processo de conhecimento que se dão as condições para as interpretações que vão conduzir ao relato
etnográfico. Portanto, no âmago desse processo de trocas e de reencontros intersubjetivos, é preciso questionar-se sempre a respeito da ética; mais do que nunca, é nesse momento que se precisa saber respeitar
os direitos, os valores e, por que não, até mesmo os sonhos dos Outros.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Além do fato de evitar eventuais ameaças de ser processado, o que se coloca em questão quando falta
ética é a própria possibilidade de praticar a verdadeira etnografia. O trabalho de campo é um momento de
encontros e de trocas no qual a máquina fotográfica não pode ser um elemento desestabilizador; é preciso
que as fotografias tiradas sejam consentidas e mesmo desejadas pelas pessoas fotografadas.
É importante eliminar para sempre a idéia – tomada da foto-reportagem – de fotografias roubadas,
mesmo que isso seja sempre possível do ponto de vista técnico. Também em função disso, o fotoetnógrafo
deve apresentar-se e falar da importância das fotografias para seu trabalho de pesquisa. É necessário que ele
traga suas fotografias ao longo de sucessivas estadas em campo para que suas imagens sejam conhecidas,
para que o Outro possa ter uma opinião sobre elas. E, no caso de alguém recusar ser fotografado, sua recusa deve ser aceita como uma questão normal que faz parte do cotidiano do trabalho em campo. Algumas
vezes, em seu imaginário, as pessoas têm relações de medo, relações míticas, mágicas e até fantasiosas com
as imagens; nunca se sabe com antecedência.
Referências
BECKER, Howard. Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance, New York, The Free Press, 1997.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. 3 ed. Petrópolis : Vozes, 1997.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 1989.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso. O trabalho do antropólogo. Brasília : Paralelo 15; São Paulo : Ed. UNESP, 2000.
Anote no Diário de Bordo!
Atividade 5
Com o que já pensamos até aqui, tente elaborar uma pergunta de pesquisa a respeito da realidade
social escolar que poderia ser respondida a partir de uma pesquisa de campo. Explique em detalhes a
pergunta e por que ela dependeria da pesquisa de campo.
Atividade 6
Você já tem vários elementos para pensar a etnografia. Já elaborou uma questão de pesquisa. O exercício prático agora é fazer uma observação relacionada à sua questão de campo e anotá-la em forma de
caderno de campo. Com um detalhe: como se trata de um exercício, seu caderno de campo será tornado
público no ambiente virtual. Não há limite de páginas, ele depende da sua capacidade de captar detalhes
e os registrar.
Atividade 7
Como exercício fotoetnográfico, faça uma sequência de fotos de algum fato cotidiano (como a ida
das crianças ao refeitório, intervalo na sala de professores) ou excepcional (alguma solenidade ou festa).
Concentre-se no fato de que deve haver um fato que você mostrará nas suas várias fases. Faça a sequência
se acompanhar de explicações escritas. Se quiser um exemplo, dê uma olhada no caderno de campo virtual: ww.ufrgs.br/fotoetnografia. Se quiser testar sua atividade com outras pessoas, crie um blog e poste seu
caderno de campo fotoetnográfico virtual, divulgue-o aos amigos e colegas, e peça comentários.
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Curso de Aperfeiçoamento em Educação para a Diversidade
Fotoenografia do “primeiro dia de aula”
O texto a seguir acompanha a sequencia de fotos que tinha o objetivo de descrever um primeiro dia
de aula, tomando uma pessoa como foco. As fotos foram feitas desde a chegada dos alunos, e a escolha da
aluna se deu por sugestão da orientadora educacional, que nos falou sobre a Lelê, sobre sua característica
de ser colaboradora com atividades em geral. Nós a fotografamos chegando à escola. Em seguida, ela perguntou do que se tratava. Pedimos autorização oralmente e dissemos que ela fizesse o que faria como se
nós não estivéssemos ali. Ela comentou que gostaria de ser atriz. Para esta finalidade, ressaltamos que ela
não precisava “atuar”, que fosse ela mesma na medida do possível. Ela foi acompanhada até o início da aula
e, ao mesmo tempo em que era fotografada, ela mesma descrevia o que estava sentindo e o que pensava
da escola, dos colegas, da diretora. Na fotoetnografia, vamos interagindo com o pesquisado e registrando o
que ele faz por meio da nossa escrita e das fotos que fazemos. De volta do campo, selecionamos as fotos,
descartando as que repetiam a mesma ideia e formatamos o texto, que traz um pouco do que ela dizia e
um pouco da nossa percepção.
Luiz Eduardo Robinson Achutti
Primeiro dia de aula
Todo iniciar guarda expectativas. A vida das crianças e jovens tem seu dia ritual a se repetir ciclicamente:
o primeiro dia de aula de cada ano. Sendo um dia-ritual, e como em todo rito, é uma repetição, mas nunca
é igual. Cada ano será igual e diferente. Reencontros, balanço de quem voltou e quem não voltou, sempre
haverá colegas e professores, mas quais colegas e quais professores, não se sabem ao certo. Dia de fazer
planos, de ter dúvidas, aceitar certezas provisórias e de ter esperança. Assim a vida das pessoas adultas,
assim a vida dos jovens.
Claro, a Lelê não sabia que a Carla apareceria com as unhas azuis. Que ela é ousada e sempre se
atualiza com as novidades, ela sabia. Mas quais seriam as novidades deste ano, ah, isso não se tem como
saber até chegar a hora.
A Lelê chegava assim, daquele seu jeito de quem avança cuidadosamente, observadora e mais contida.
É seu último ano na escola e ela já sabe o que quer e pelo que vai lutar.
MÓDULO II | Educação Escolar: Conhecendo “Direito” o Direito à Escola
Ali estava a escola, do mesmo jeito que a deixaram no fim do ano passado. Mudanças físicas na escola
são raras, é uma escola pública, sem condições para muitos investimentos.
Os estudantes foram todos recebidos no ginásio pela diretora, que está na sua segunda gestão. É bacana
essa diretora, objetiva, cheia de energia - e às vezes um pouco enérgica. Ela dá ordens e dá afeto. Por
ser diferente de um estereótipo que se constrói de diretora como uma senhora recatada, cabelo preso e
muito séria, essa antes causava surpresa. Ela não deixa ninguém ser discriminado na escola. Ela é jovem,
usa roupas esportivas, tem porte atlético e é super ágil. Até tatuagem ela tem. Se depender dela, preconceito ali não cola. Mas não depende só dela, embora a força que ela dá, ajude.
Depois da sua fala, que foi rápida, era só chegar até a sala de aula, para mais um ano de construção,
de empenho de aprendizado, de boas experiências, de mais amigos, talvez. Neste ano, Lelê e colegas
tem a preocupação adicional do vestibular, a preocupação do que se tornarão ao deixar esta escola
para trás. Lelê pensa: a vida é assim, ela sempre muda, muda sempre, sempre muda, parece só mais
um ano, mas vai ser um ano bem diferente, mesmo que seja só mais um ano. Assim, como um círculo
do qual se pula fora para entrar em outro círculo.
Luiz Eduardo Robinson Achutti
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maria victoria