Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNESP – ARARAQUARA DISCIPLINA: TEATRO ITALIANO MODERNO – 4° ano noturno – LETRAS DOCENTE: Prof. Dr. Sérgio Mauro ALUNO: Valmir Luis Saldanha da Silva TRABALHO FINAL: ANÁLISE COMPARATIVA de SEI PERSONAGGI IN CERCA D’AUTORE e ENRICO IV de LUIGI PIRANDELLO O presente trabalho versa sobre os temas e as aproximações entre as peças “Sei personaggi in cerca d’autore” de 1921 e “Enrico IV” de 1922 do aclamado escritor italiano Luigi Pirandello (Agrigento 1867 – Roma 1936). De início é importante ressaltar uma passagem que Sabato Magaldi, em seu artigo “Pirandello: do teatro no teatro” incluso nos “Princípios estéticos desentranhados das peças de Pirandello sobre teatro” organizado Por J. Guinsburg, nos revela: “O procedimento pirandelliano funda-se em algumas crenças (...) Em primeiro lugar, eu posso crer-me alguém, mas sou tantos quantas são as pessoas que me contemplam (...) Por outro lado, se eu me creio hoje um, essa pessoa não é a mesma de ontem e não será igual à de amanhã” (GUINSBURG, 1999). Disso, continua Magaldi, “pode-se concluir que essa premissa psicológica resultará em extraordinária riqueza estética”. Ora, se de fato Magaldi acerta em seu julgamento, vamos demonstrar quais são pontos de contato entre as supracitadas obras pirandellianas. Em Pirandello, ressalta Sabato Magaldi, subjacente a todas as suas obras há o “conceito da incomunicabilidade”, isto é, em termos da semiótica, ainda que “saibam” as pessoas não “podem” se comunicar, o que resulta que “se um homem não se revela totalmente a outro, também a personagem não se desnuda por completo para seu intérprete”. Tal afirmação norteará toda a nossa visão acerca da obra desse autor. Em “Sei personaggi” o que temos são essas “seis personagens” que após serem rejeitadas pelo criador delas (pode-se pensar que tal criador seja o próprio Pirandello) invadem um ensaio de teatro a fim de tentarem convencer o diretor da companhia, da peça que está sendo ensaiada, a se tornar o autor (tão esperado) do drama que essas personagens carregam e que desejam ver encenado. A trama se limita a isso ou, se muito, a pouco mais que isso, no entanto, não é a trama que realmente define esta peça como um marco no teatro universal é, sim, o caráter filosófico e metateatral que se lhe afiguram tal status. As discussões travadas entre as personagens da “commedia da fare” e “Il direttore-capocomico” são envolvidas por essa “premissa psicológica” citada acima e vão nos dando pistas da visão de mundo pirandelliana. Visão esta que é a de um mundo que caminha em direção ao nada, de um mundo que não sabe bem o que quer dele mesmo e, por consequência, inculca na maioria dos viventes esta igual falta de consciência, ao passo que a maioria não sabe se situar nesse mundo que “não se sabe”, os poucos que “ousam” adquirir a consciência são (por eles mesmos ou pela sociedade) marginalizados, implicando, talvez, a impossibilidade de comunicação já dita. Assim, as personagens “della commedia da fare”, que querem entregar ao mundo o drama que carregam em seus cernes com a intenção de, enfim, se fixarem, de se tornarem eternas numa realidade imutável (verdade que só é possível no mundo da arte), também são assoladas pela não-comunicação, isto é, quando são aceitas como personagens pelo direttore-capocomico não veem com bons olhos a interpretação feita pelos atores da companhia (gli attori della compagnia) - afinal como alguém poderia representar melhor a vida e o drama de uma personagem do que ela própria? E assim volta-se para o tema da incomunicabilidade, as personagens commedia da fare precisam se fazer ouvir e para isso precisam de um autor, no entanto, mesmo quando encontram um não conseguem se comunicar por que não veem “verdade” no que gli attore della compagnia representam e, portanto, mantêm dentro delas mesmas suas próprias histórias. Disso decorre a inevitável discussão entre o que é a realidade e o que á ficção. O que nos move de fato? O nos faz agir? Fazemos o que realmente deve ser feito? Entendemos o que nos leva a fazer determinadas coisas e outras não? Para tais respostas – ainda que não queiramos, de modo algum, apresentar soluções definitivas, tendo em vista não ser esse um trabalho de “fôlego” – vale recorrer a lições retiradas da leitura de narrativas como “Il fu Mattia Pascal” (1904) e “Quaderni de Serafino Gubbio operatore” (1925) do mesmo Luigi Pirandello. Nestas obras é importantíssimo observar a importância que é dada para o dito “capire Il giuoco”, isto é, os protagonistas, Mattia Pascal e Serafino Gubbio, respectivamente, são levados a um entendimento, a um conhecimento (ainda que por motivos escusos e pelo acaso) do mundo e das relações entre as pessoas do mundo. Tal “entendimento do jogo” os faz perceber que todos nós não fazemos outra coisa que não representar, ou seja, a vida como nós a concebemos é puro jogo de interesses e de máscaras (se aproximando, talvez, da consagrada dicotomia “ser” e “parecer” inclusa nos escritos do brasileiro Machado de Assis, 1839-1908). O “entender o jogo” por Serafino e por Mattia faz com que este afirme que a única coisa da qual tem certeza é de que se chama Mattia Pascal (...)“Ogni qual volta qualcuno de’ miei amici o conoscenti dimostrava d’ aver perduto il senno fino al punto di venire da me per qualche consiglio o suggerimento [...]gli rispondevo: - Io mi chiamo Mattia Pascal.”(...) (PIRANDELLO, L. Il fu Mattia Pascal. p. 187 in: Tutti i Romanzi. Org. BORZI, I e ARGENZIANO, M. Roma, 1994 Ed. Grandi Tascabili Economici Newton) enquanto aquele enuncia a maquinação de um ser humano (...)“No, grazie. Grazie a tutti. Ora basta. Voglio restare cosi. Il tempo è questo; la vita è questa; e nel senso che do alla mia professione, voglio seguitare cosi – solo, muto e impassibile – a far l’operatore. La scena è pronta? - Attenti, si gira...” (PIRANDELLO, L. Quaderni di Serafino Gubbio operatore. p. 804 in: Tutti i Romanzi. Org. BORZI, I e ARGENZIANO, M. Roma, 1994 Ed. Grandi Tascabili Economici Newton) em ambos, percebe-se como a incomunicabilidade se faz presente tanto na obra de Pirandello, como sugeriu Magaldi, quanto no interior das atitudes dos que compreendem o jogo, como por nós sugerido. Mattia se marginaliza por entender que não adianta fugir para escapar já que a vida sempre nos escraviza dá-nos, entretanto, a opção de uma escravidão, e só verbaliza o que “sabe” que é o seu próprio nome: Mattia Pascal; Serafino se marginaliza por compreender o jogo de interesses, de máscaras, da vida e sem saber verbalizar seu conhecimento acaba sem poder verbalizar nada: “mudo e impassível” diante da vida e das conseqüências dela. De volta a “Sei personaggi in cerca d’autore” e já nos encaminhando para “Enrico IV”, podemos observar que o tema do “capire Il giouco” se encontra também nessas peças teatrais. As “seis personagens” têm consciência de que precisam existir de fato, e que essa existência só pode se concretizar com que elas fazendo parte do mundo da arte, já que é esse o único mundo que é real, que é fixo, que tem forma. Em Enrico IV, também há a consciência. E, diferentemente de Mattia Pascal (que só a adquire no fim), de Serafino Gubbio (que se emudece com seu conhecimento) e dos “seis personagens” (que ainda que entendam da necessidade de fixação por meio da arte, são subjugados pela incomunicabilidade), o fato de “compreender o jogo” da vida faz com que se valha desse conhecimento para, a seu bel-prazer, fazer o que bem entender dos que o cercam. Enrico envolve a todos numa representação absurda, após sofrer uma queda durante um passeio a cavalo, resolve incorporar (de modo doentio, ao início) o personagem o qual estava travestido: Enrico IV, da Baviera. O que de início era índice de loucura, pouco tempo depois se torna mote para a manipulação de Enrico para com os outros. O “jogo da vida”, o “entendimento do jogo”, estas são as nuanças que transparecem na belíssima “Enrico IV”, por trás disso, há a carga de filosofia e, talvez, a resposta para todas as perguntas feitas parágrafos acima. Se só se pode viver, verdadeiramente, na arte, Enrico IV é o único que, de fato, compreende o jogo da vida. Sua compreensão o leva a colocar os que o cercam numa situação em que estes fingem ser piedosos com sua loucura, enquanto ele (Enrico IV) ri da situação a que estes se submetiam. “Buffoni! Buffoni! Buffoni!. (...) Il principe svela ai servitori allibiti la verità.(...) Non capisci? non vedi come li paro, come li concio, come me li faccio comparire davanti? Buffoni spaventati”. É assim que Enrico explode em fúria ante a falta de entendimento dos outros, é assim que ele lhes explica que a nossa “realidade”, a “realidade” que vivemos é ilusória, mutável, posto que é sempre ilusão. Só se pode ser, verdadeiramente ser, na arte. Nós, o que fazemos?, mastigamos e remastigamos as palavras, ações, ideias, gestos e sentimentos dos mortos, dos que já se foram. Os seres da arte não, estes são eternos, estes não mudarão seus gestos quando da apreciação de quem quer que seja, no tempo em que seja: eles serão verdadeiros, pois não se submeterão à dualidade do “ser” e do “parecer”. Em seu texto Magaldi nos diz, sobre o pensamento e a filosofia pirandelliana, que “o fluxo da vida pode acumular imagens parecidas, numa mesma linha direcional, mas ninguém estará fixado numa realidade única e imutável” e, tendo posse do “saber”, Enrico pretende se fixar, pois entende o jogo e entende que, uma vez que só refazemos o que já fora feito, não há por que buscar o novo, fato ignorado pelos outros e fato primordial para que ele, assim como os outros personagens pirandellianos aqui citados, seja marginalizado. É, pois, um que compreende. Assim, tanto em Enrico IV quanto em Sei personaggi in cerca d’autore, Pirandello (que admitia ser sua obra muito filosófica) coloca o seu modo de ver o mundo. As representações tendem a ser uma espécie de ensinamento para os espectadores e leitores. Busca, o autor, difundir sua concepção de vida e sua visão de mundo tanto no teatro quanto na narrativa. Ainda que com certo tom “didático”, vale sempre lembrar que o norteador principal da obra de Luigi Pirandello é “conceito de incomunicabilidade” e, acerca disso, terminamos com uma citação do próprio autor: “Mas se o mal está aqui! Nas palavras! Temos dentro de nós, um mundo de coisas, cada um o seu mundo de coisas! Como nos podemos entender, meu caro Senhor, se as palavras que eu digo ponho o sentido [senso] e o valor [valore] das coisas como estão dentro de mim, ao passo que quem as ouve as assume, inevitavelmente, com o sentido e o valor que têm para si, do mundo conforme o traz dentro de si? Pensamos que nos entendemos. Nunca nos entendemos” PIRANDELLO, L. Sei personaggi in cerca d’autore – Enrique IV, Milão, Mandadori, 1993, p.40. - ARAQUARA – SP 2009-07-06