6 Brasil Econômico Quinta-feira, 8 de maio, 2014
▲
BRASIL
Patricia Büll
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São Paulo
A ameaça de uma redução no fornecimento de água na região metropolitana de São Paulo está tirando o sono dos consumidores e do
governo, que teme o efeito político com a adoção de medidas impopulares. Embora o governador Geraldo Alckmin continue negando
um racionamento, o nível de
9,6% do reservatório da Cantareira registrado ontem aponta para a
falta de água iminente. Cidades vizinhas da capital, como Barueri,
Cotia, Embu das Artes, Santana
de Paranaíba e Itapecerica da Serra já sofrem com a falta de água.
Pesquisa divulgada ontem pelos institutos Data Popular e Ideia
Inteligência aponta que 23% dos
paulistas tiveram algum problema de falta de água nos últimos
três meses. Na capital e no interior, os percentuais caem para
20% e 14%, respectivamente,
mas na região metropolitana aumenta para 35%. Realizada com
18.534 pessoas em 70 cidades, a
pesquisa mostrou que 59% acreditam que haverá problemas relacionados com falta de água até o final
do ano. O comércio também está
preocupado com os efeitos de um
racionamento e, tentando se precaver de prejuízos futuros, bares,
restaurantes e shoppings adotam
medidas para reduzir o consumo.
Dono do Restaurante e Pizzaria
Família Presto, André Cotta reduziu a lavagem do salão e da cozinha de duas vezes por semana para uma vez por quinzena. Nos outros dias, faz a lavagem com balde, pano de chão e muito produto
de limpeza. A medida já trouxe redução de 20% na conta da água e
um aumento nos gastos com produtos de limpeza. Mas a troca compensa, diz o empresário.
Ele lembra que já sofreu com racionamento em 2012, quando problemas localizados no bairro da
Aclimação, onde fica, interrompiam o fornecimento. “A água era
cortada no início da manhã e no
meio da tarde as caixas d'água já
estavam vazias. Não quero correr
o risco de ter de fechar as portas
por não poder preparar os alimentos, daí ter adotado as medidas de
contenção”, afirma.
A mesma preocupação tem a
Abrasel-SP, associação que reúne
bares e restaurantes, que iniciou
ontem uma campanha de conscientização em parceria com a Sabesp. A ideia, diz Percival Maricato, dirigente da Abrasel-SP, é indicar medidas que auxiliem o empresário a economizar água sem
descuidar da higiene. A campanha tem a distribuição de cartazes, displays de mesa e folhetos.
“A campanha para reduziroconsumo de água é uma oportunidade
para discutir a necessidade de medidas permanentes de racionalização, pois ela será cada vez mais es-
Cantareira chega
a 9,8% e assusta
Depois dos consumidores, agora é a vez de o comércio adotar medidas de contenção no
uso de água. Associação de bares e restaurantes lança campanha para prevenir prejuízos
Patricia Stavis
“
A água era cortada no
início da manhã e no
meio da tarde as caixas
d'água já estavam
vazias. Não quero
correr o risco de ter
de fechar as portas
por não poder
preparar as refeições”
André Cotta
Proprietário da Família Presto
Medidas de
redução de
consumo
fizeram a
conta do
restaurante
reduzir 20%
cassa”, afirma Maricato, que coordena a campanha. Segundo ele,
um racionamento no consumo seria extremamente ruim, pois a água
é primordial para o setor não apenas no preparo dos alimentos, mas
também por questões sanitárias.
Diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de
Lojistas de Shopping (Alshop),
Luís Augusto Ildelfonso da Silva
minimiza os efeitos que um racionamento teria nos centros de compra. Segundo ele, o assunto preocupa especialmente lojistas ligadas à alimentação. “Para os outros
o efeito é muito pequeno, pois não
dependem diretamente da água.
Ainda assim, as administrações fizeram ajustes na manutenção e reduziram a vazão nas torneiras e
descargas, reduzindo o uso de
água nas áreas comuns”, explica.
Já o setor industrial, embora
consumidor intensivo de água
Pesquisa mostra
que 23% dos paulistas
tiveram algum
problema de falta
de água nos últimos
três meses. Na região
metropolitana
o porcentual
aumenta para 35%
na fabricação de bebidas, cosméticos e alimentos, está relativamente protegido porque a
maioria possui poços artesianos ou sistemas próprios de captação da água dos rios. “Reduzir o fornecimento para o setor
produtivo diminuiria ainda
mais o ritmo da indústria, que
vem tentando se recuperar”,
diz o gerente da fábrica da FMC
Agricultural Solutions, Jorge José Jorge Neto.
Fabricante de defensivos agrícolas, a empresa tem na água
uma de suas principais matériasprimas. “A composição de algumas fórmulas de nossos produtos
chega a 50% de água, o que impede uma redução no uso do recurso hídrico. Daí optarmos em diminuir o uso de água em outros setores da empresa, como nos processos de limpeza e jardinagem”, explica o executivo.
O setor industrial,
embora consumidor
intensivo, está
relativamente
protegido porque a
maioria possui poços
artesianos ou sistemas
próprios de captação
da água dos rios
Quinta-feira, 8 de maio, 2014 Brasil Econômico 7
Divulgação
VIOLÊNCIA
Estudo liga álcool e agressão a crianças
Estudo do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas
Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad/USP) indica que a
violência física contra a criança ou adolescente pode ser um fator
que leva ao consumo de drogas lícitas ou ilícitas. Dos 4.607
indivíduos pesquisados em 149 municípios, 21,7% relataram terem
sido vítimas de alguma violência na infância ou na adolescência. ABr
TOMARA QUE CHOVA
ÍÍndice pluviométrico do verão Sistema Cantareira (por semana, em milímetros)
3ª semana
1ª se
semana de
dezembro
41,8
40,6
1ª semana de
janeiro
20,4
4ª semana
2ª semana
15,2
1,8
2ª semana
18,8
4ª semana
6,4
2ª semana
3,6
3ª semana
1ª semana
de fevereiro
0,2
0
S
Situação
dos mamanciais da
C
Cantareira - armazenamento (% do total)
27,2
27
2
A Grande São Paulo reúne
55 mil empresas do segmento de
alimentação, entre restaurantes,
bares, lanchonetes, churrascarias
e padaria, que têm sido mais
atingidas pelo desabastecimento
25,1
21,9
18,6
16,6
15,3
13,4
12
10,5
9,6
DESPERDÍCIO
• A ONU aponta que, para cada
1.000 litros de água utilizada pelo
homem, há 10.000 litros de água
poluída
• De toda a água que se retira de
mananciais para abastecer as
capitais brasileiras, 45% se
perdem antes de atender à
população. Em São Paulo, esse
porcentual chega a 25%
• Mais de 1 bilhão de pessoas
sofrem com a falta de água para
consumo e mais da metade da
população mundial – cerca de 3
bilhões de pessoas – sofrerá
escassez de água em 2025
• O gotejamento de uma torneira
desperdiça 46 litros por dia (1.380
litros por mês)
1
15
JAN
1
15
FEV
1
15
MAR
1
15
ABR
1
7
• Um buraco de 2 milímetros no
encanamento pode causar um
desperdício de 3.200 litros por
dia: mais de três caixas d'água
MAI
Fonte: Sabesp, Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), Snis (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) e ONU (Organização das Nações Unidas)
Prejuízo para alguns, benefício para outros
A notícia de um possível
racionamento, que ganha força
na medida que o tempo seco
avança e o nível de
reservatório do sistema
Cantareira diminui, não é bom
para ninguém, mas pode
beneficiar alguns segmentos.
Dono de uma empresa de
fornece água através de
caminhão pipa, Henrique Sória
diz que em fevereiro e março a
empresa teve um aumento de
30% na quantidade de
pedidos, feitos especialmente
por construtoras e
condomínios residenciais, seus
principais clientes
Em abril, entretanto, os
pedidos extras passaram a ser
esporádicos. Não que a
situação tenha melhorado, diz o
dono da empresa Fonte Celeste,
que distribui água proveniente de
poços artesianos . "O que nossos
clientes relatam é que os cortes de
água passaram a ser feitos
durante a noite, quando a
demanda diminui, e de forma mais
racional, afetando bairros
diferentes, numa espécie de
rodízio antecipado", diz Sória.
Quanto aos benefícios que as
empresas privadas de
caminhão-pipa teriam no caso de
rodízio, o empresário diz que pode
ser um bom negócio, pois haverá
aumento de demanda e
consequentemente, de preço.
"Mas seguramente não será
benéfico para maioria da
população, pois as empresas não
dariam conta de abastecer toda a
cidade. Por isso torcemos para
que o rodízio não seja necessário."
Também as distribuidoras de
água potável de galão podem ser
beneficiadas. As altas
temperaturas do início de ano,
juntamente com a falta de chuva
fizeram as vendas disparem
durante o primeiro trimestre.
“Agora tivemos uma redução, que
é comum na passagem para o
outono, quando as temperaturas
ficam mais amenas, mas se o
racionamento vier para valer,
estaremos preparados para o
aumento da demanda, desde que
seja semelhante ao que ocorre no
verão”, diz Sebastião Silva, da
área de vendas da Rocha Branca
Água Mineral.
Estiagem tem
culpa, mas faltou
planejamento
Solução passa por
melhor utilização dos
recursos hídricos e
prevenção de perdas
O verão mais seco desde 1930 é
o motivo do baixo armazenamento de água nas represas do
sistema Cantareira, que abastecem a Grande São Paulo, segundo a Sabesp. Em dezembro choveu 62 milímetros, quando a
média histórica é de 226 milímetros para o mês. Em janeiro
não foi diferente: teve apenas
87,8 milímetros de precipitações, o pior índice em 84 anos,
pois a média histórica é de 260
milímetros. Mas apesar da colaboração da estiagem, a falta de
planejamento é apontada por
analistas para a situação ter
chegado onde está.
“Faltou planejamento de
longo prazo. É inadmissível
que um país que concentra o
maior percentual de toda a
água potável do mundo se veja
nessa situação de risco de racionamento, tanto hídrico quanto
energético, por conta de uma
estiagem fora de hora”, afirma
o advogado e CEO da Siqueira
Castro Advogados, Carlos Fernando Siqueira Castro. Para
ele, a água se transformou em
um gargalo de infraestrutura,
assim como ocorre com portos, transporte e rodovias. E, assim como eles, precisa de planejamento.
A solução para a falta de
água passa por adoção de medidas que utilizem melhor os recursos hídricos e pela diversificação da matriz energética,
afirma Castro. “Mas são projetos de longo prazo, que necessitam de investimentos que nem
sempre trazem a visibilidade
desejada”, diz o advogado.
Opinião semelhante tem o
presidente do Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de
Água e Esgoto (Sindcon), Giuliano Dragone. Para ele, além
de investir em educação ambiental, fomentando programas de uso racional da água, e
despoluir os mananciais através do tratamento dos esgotos,
é necessário planejar e implantar projetos que aumentem a
oferta de água à população.
Um caminho para isso seria
implementar ações de redução
de perdas no abastecimento.
Para se ter uma ideia, do total
da água produzida para consumo,
40% é perdido ao longo do processo. Em São Paulo a média de perdas está em torno de 25%.
Embora a contragosto, o físico
e ex-secretário do Meio Ambiente
do Estado de São Paulo, José Goldemberg concorda que houve falta de planejamento na questão hídrica, mas afirma que o governo
estadual tenta agora consertar a situação. Atual presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP, Goldemberg destaca como positivas as medidas anunciadas pelo governo de premiar
quem reduz o consumo de água,
com desconto na conta, e punir
com multa quem aumentar.
“Nessa situação não há muito
que fazer, pois não dá para negociar com São Pedro. Ou adota medidas que incentivem a redução
do consumo ou o adota o racionamento”, afirma Goldemberg. Ele
diz que um racionamento seria
uma “calamidade” para hotéis, bares, restaurantes e hospitais e sugere que esses setores adotem cisternas ou caixa d'água extra para
aumentar o volume de água disponível. “Ele poderá pagar a multa
por aumento de consumo, mas se
previne de um racionamento.”
Para compensar o baixo nível
do sistema Cantareira, no dia 15 a
Sabesp começa a retirar água do
volume morto, que fica no fundo
das represas, abaixo do nível de
captação das comportas. Segundo a empresa, essa água será “suficiente” até setembro, quando as
chuvas devem voltar.
“
Nessa situação não
há muito que fazer, pois
não dá para negociar
com São Pedro.
Ou adota medidas
que incentivem a
redução do consumo
ou o adota o
racionamento”
José Goldemberg
Ex-secretário do Meio Ambiente
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