UM ESTUDO SOBRE A SITUAÇÃO DIDÁTICA DE GUY BROUSSEAU
Nilson Alves da Silva1 - IFES
Marcus Vinícius Vieira Ferreira 2 - IFES
Karla Dubberstein Tozetti3 - IFES
Grupo de Estudo – Educação Matemática
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O presente artigo objetiva descrever e discutir alguns aspectos da teoria da situação didática
(TSD) elaborada por Guy Brousseau, de interesse para professores de Matemática e
amplamente debatida no âmbito do GEPEME - Grupo de Estudo e Modelagem Matemática
e Estatística do qual os autores deste artigo fazem parte. Isso porque um dos propósitos dessa
teoria foi o de complementar a formação de professores de Matemática e produzir meios
materiais de apoio para sala de aula, tais como textos, jogos, brinquedos, problemas,
exercícios e experimentos de ensino, foco de estudos realizados no Instituto de Investigação
do Ensino de Matemática (IREM), no final da década de 1960, em meio ao movimento da
Matemática Moderna, de onde emergiu a mencionada teoria. A análise da validade das ações
desenvolvidas no IREM e testadas empiricamente favoreceu a evolução de estudos do ensino
da Matemática que permitiram a produção de conhecimento para controle e produção de
ações sobre esse ensino. Neste artigo, foram utilizados como principais aportes teóricos o
livro “Introdução ao Estudo da Teoria das Situações Didáticas” (2008) e um artigo
intitulado “A Etnomatemática e a Teoria das Situações Didáticas: conteúdos e métodos de
ensino” publicado em 2006, ambos de autoria de Brousseau, além de contar com
contribuições de autores que se debruçaram sobre o tema na perspectiva da Didática da
Matemática francesa na qual Brousseau se insere. Ademais, nesse ínterim, há de se trazer
auxílio de recortes das teorias de Piaget e Vigotski por terem servido de suporte para as
ideias de Brousseau, às quais podem instrumentalizar professores para elaboração e uso de
situações em que o aluno tenha um papel dinâmico, social e participativo na própria
aprendizagem.
Palavras-chave: Teoria da situação didática. Professor de Matemática. Didática da
Matemática.
1
Mestrando em Educação: Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática do Instituto
Federal do Espírito Santo ( IFES). Professor do Curso Técnico de Eletromecânica no Ifes - Campus Cachoeiro
de Itapemirim. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Gepeme. E-mail: [email protected]
2
Mestrando em Educação: Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática do Instituto
Federal do Espírito Santo ( IFES). Professor de Educação Básica- Secretaria de Educação do ES. Pesquisador do
Grupo de Pesquisa Gepeme. E-mail: [email protected]
3
Mestre em Engenharia Mecânica (UFES). Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico Ifes – Campus
Cachoeiro de Itapemirim. E-mail: [email protected]
ISSN 2176-1396
19951
Introdução
Brousseau (2008), em seu livro intitulado “Introdução ao Estudo das Situações
Didáticas: conteúdos e métodos de ensino”, discorre sobre a situação didática iniciando com
alguns questionamentos: Quais são os conhecimentos matemáticos “necessários” para a
educação e a sociedade e como realizar a sua difusão? A “transmissão” dos conhecimentos
matemáticos depende das ciências da educação, da psicologia ou da própria matemática?
Que lugar os conhecimentos de didática da matemática ocupa nessa difusão? Quais
instituições podem garantir a coerência e a pertinência desses conhecimentos? A Teoria as
Situações Didáticas (TSD) apresenta-se como um instrumento científico que pretende
responder a essas e outras perguntas.
Antes, porém, da descrição e debate acerca da TSD, é útil trazer ao primeiro plano o
domínio no qual essas ideias se inserem e formam base para o surgimento da teoria de nosso
interesse: a Didática da Matemática. Essa é uma área, que segundo Pommer (2013), estuda:
[...] o processo de transmissão e aquisição de diferentes conteúdos desta ciência,
particularmente na situação escolar e universitária. Propõe-se a descrever e
explicar os fenômenos relativos às relações entre seu ensino e aprendizagem. Não
se reduz somente a buscar uma boa maneira de ensinar uma noção fixa, mesmo
quando espera, ao finalizar, ser capaz de oferecer resultados que lhe permitam
melhorar o funcionamento do ensino (ENCICLOPAEDIA UNIVERSALIS, apud
POMMER, 2013).
Desde já, esclarecemos que a “transmissão”, expressa na citação anterior, e termo
muito utilizado na teoria brousseauniana, não deve ser entendida como conteúdo ou
conhecimento que se entregue ou que se transfira pronto e acabado de pessoa para pessoa,
mas, ao contrário, como algo que deva ser promovido ou encorajado por um e desenvolvido
idiossincraticamente por outro, em um encadeamento de etapas cognitivas que transcorram
no decurso do processo de aprendizagem. Não fosse assim, não haveria que se falar e m
dinamismo e participação ativa pelo sujeito aprendente na teoria de Brousseau e,
igualmente, neste artigo.
Na perspectiva de Brousseau (1996a, b), o processo de transmissão na Didática da
Matemática, deve se centrar nas atividades didáticas que têm como objetivo o ensino que
priorize, especificamente, os saberes matemáticos. Dentro desta concepção, a Didática da
Matemática deve: 1) oferecer explicações, conceitos e teorias, assim como meios de
previsão e análise e; 2) incorporar resultados relativos aos comportamentos cognitivos dos
alunos (fazendo referência a certos aspectos da obra de Piaget). D’Amore (2007)
19952
complementa como objetivo da Didática da Matemática “[...] a arte de conceber e conduzir
condições que podem determinar a aprendizagem de um conhecimento matemático por
parte de um sujeito” (p.3). Eis alguns dos pilares sobre os quais se apoia a TSD.
Alguns aspectos da origem da TSD
A TSD, proposta e implementada na França no final da década de 60 do séc. XX,
surgiu em meio a estudos desenvolvidos no Instituto de Investigação do Ensino de
Matemática (IREM), durante o movimento da Matemática Moderna. Em seus primórdios, o
IREM desenvolvia uma complementação na formação de professores de matemática e na
produção de meios materiais de apoio para a sala de aula, tais como textos, jogos, brinquedos,
problemas, exercícios e experimentos de ensino. O foco das discussões no âmbito do IREM
se dirigiram para a “[...] produção de conhecimento para controlar e produzir [...] ações
sobre o ensino” (GÁLVEZ, 1996, p. 26), o que, em instâncias futuras, culminou com o
surgimento da TSD, que foi amplamente aceita por pesquisadores da corrente da Didática da
Matemática francesa, que a tomaram como objeto de estudo para as situações didáticas,
proposta por Guy Brousseau.
Naquela altura, a visão dominante no campo da Educação era essencialmente
cognitivo, devido aos estudos de Piaget e colaboradores, que evidenciou o papel central da
ação no desenvolvimento, a originalidade do pensamento matemático e as etapas de seu
desenvolvimento nas crianças, mas não observou a particularidade da aprendizagem de cada
conhecimento matemático ao considerar a estrutura formal e a função da lógica como
fundamentais (POMMER, 2013).
Na abordagem da TSD, Brousseau (2008) descreve que o objetivo dessa teoria é de
propiciar a reflexão sobre as relações entre os conteúdos do ensino e os métodos educacionais, e
de modo mais amplo, abordar a didática como campo de investigação cujo objeto é a
comunicação dos conhecimentos matemáticos e suas transformações. Isso porque, para
Brousseau (2008), o ensino é concebido a partir de relações entre o sistema educacional e o
aluno, vinculado à promoção de determinado conhecimento. Dessa forma, a relação didática é
interpretada como uma comunicação de informações e essa atividade se consolida em dois
processos: a aculturação e a adaptação independente.
A aculturação está relacionada ao
conjunto de mudanças resultantes do contato, de dois ou mais grupos de indivíduos,
representantes de culturas diferentes ou até saberes diferentes, quando postos em contato direto
e contínuo. A adaptação independente é o processo no qual o aluno ou os alunos vão se
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ajustando ao meio de forma natural no desenvolvimento das atividades. Além desses dois
processos, Brousseau (2008) considera na TSD a influência do meio sociocultural na
aprendizagem, inspirado, nesse âmbito, em Vigotski (1998).
O milieu e a situação a-didática na TSD
Na teoria de Brousseau (2008), os comportamentos dos alunos revelam o
funcionamento do meio, logo é o meio que deve ser modelado, um meio que seja autônomo e
antagônico ao sujeito. Diz-se autônomo porque o aluno deve se conduzir a partir das situações
propostas pelo professor. Diz-se antagônico porque deve haver certo equilíbrio entre o que se
propõe e a capacidade de o aluno se conduzir em meio à atividade, ou seja, a atividade
proposta deve ser dosada: não deve ser difícil a ponto de o aluno não conseguir avançar; não
deve ser fácil a ponto de o aluno não se sentir motivado. Este meio, que Brousseau (1996)
denominou de milieu, deve ser planejado e organizado pelo professor/pesquisador para que a
aprendizagem ocorra em uma interação baseada em desequilíbrios, assimilações e
acomodações - conforme propôs Piaget (1976; 1990) - permitindo ao aluno refletir sobre suas
ações e retroações, impondo-lhe restrições com uso de regras que devem ser respeitadas.
Brousseau (1996a) explica que o milieu deve possibilitar a interação autônoma do aluno em
relação às situações e em relação ao professor.
O milieu, em uma situação didática, deve ser planejado a partir de uma situação adidática. Na situação a-didática, o aluno sabe que o problema foi escolhido para fazer com
que ele adquira um conhecimento novo. Esse conhecimento é justificado pela lógica da
situação e prescinde das razões didáticas para construí-lo. Como o aluno não pode resolvê-lo
“de pronto”, o professor apresenta situações a-didáticas que ele seja capaz de solucionar com
a bagagem de conhecimentos que possui.
Silva (2008) lembra que, para Brousseau, o planejamento de uma situação didática
precisa ter momentos em que o aluno se encontre sozinho diante do problema a resolver, sem
a intervenção do professor. Esse momento é considerado como a-didático, uma vez que o
aluno deve se relacionar com um problema contando apenas com seus próprios
conhecimentos, sentindo-se desafiado pelo problema e não com algum algoritmo pronto e
fornecido pelo professor. O professor não deve intervir diretamente nas opções de solução. As
situações a-didáticas constituem o momento de grande potencialidade justamente por poder
vir a romper as condenáveis práticas da repetição e do modelo.
Para Silva (2008), as
19954
situações didáticas e a-didáticas coexistem de forma harmônica, sem que uma altere a outra,
mas uma complementando a outra.
Para Brousseau (1996a) a intencionalidade não revelada é outra característica que deve
permear o milieu, de modo que o aluno não perceba os pressupostos didáticos que o professor
gerencia por meio da situação a-didática. Um jogo/problema se caracteriza pelo confronto do
aluno com o milieu. Brousseau (1996a) aponta que a situação mais adequada para a
aprendizagem ocorre quando o milieu oferece resistência dosada ao aluno, sendo denominado
de milieu antagonista, como dito anteriormente. Em outras palavras, se a distância entre os
conhecimentos anteriores dos alunos e os novos conhecimentos for grande, o milieu será
inócuo. Se o professor exagerar em seu auxílio ao estudante, que visem a diminuir esta
distância, então a função antagonista do milieu desaparecerá, e se instalará um milieu aliado,
prejudicando a participação ativa do aluno no processo de aprendizagem. Um milieu dito
adequado é aquele em que a distância entre o conhecimento almejado e o anterior seja
alcançável, pelo menos em parte, pelo próprio esforço do aluno, pois ele assume o papel de
sujeito-pesquisador.
Pressupostos metodológicos da situação didática
Segundo Almouloud (2007), a TSD é denominada de construtivismo didático por ser
uma proposta alternativa dentro da Psicologia Cognitiva que se baseou em alguns conceitos
do construtivismo piagetiano como desequilíbrio, adaptação e acomodação, mas rejeita a ideia
das fases de desenvolvimento infantil.
Para Brousseau (1996a), situação é o modelo de interação de um sujeito com o meio
específico que determina certo conhecimento, como o recurso de que o sujeito dispõe para
alcançar ou conservar, nesse meio, um estado favorável. Essas situações requerem apreensões
anteriores e visam conhecimentos novos. Na década de 70, as situações didáticas eram
aquelas que serviam para ensinar sem que fosse levado em conta o papel do professor. Esse
panorama mudou e, hoje, Brousseau concebe a participação do professor nos moldes antes
aqui dispostos.
Pommer (2013) cita que para modelar a TSD, Brousseau (1996a, b) propõe o triângulo
didático (figura 1), composto por três elementos - o aluno, o professor e o saber, partes
constitutivas de uma relação dinâmica e complexa - a relação didática - que leva em
consideração as interações entre professor e alunos (elementos humanos), mediadas pelo
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saber (elemento não-humano), que determina a forma como tais relações irão se desenvolver
(Figura 1).
Figura 1 – O triângulo didático
Fonte: Brousseau (1986, p.12).
Para Brousseau (1996a) a situação didática é utilizada para descrever os modelos que
delineiam as atividades do professor e do aluno. É todo contexto que cerca o aluno, nele
incluídos o professor e o sistema educacional. A situação é criada para ensinar um
conhecimento ou controlar a sua aquisição. Abrange um meio material (peças de um jogo, um
desafio) e o seu desenvolvimento pode produzir um efeito de ensino. Nessa perspectiva, a
aprendizagem é alcançada pela adaptação do sujeito, que assimila o meio criado por essa
situação, sem a intervenção do professor e os conhecimentos se manifestam como
instrumentos de controle das situações. Brousseau (1996a) reconhece três situações didáticas:
situação de ação, situação de formulação e situação de validação.
Situação de ação
Nesta fase os alunos analisam o estado da competição, tomam as decisões e ao fim de
alguns passos, observam o resultado. Ao longo do jogo/problema desenvolve novas
estratégias e toma novas decisões (algumas intuitivas). Observa-se que são necessárias várias
partidas (jogo), até que o aluno seja capaz de formular uma tática, justificá-la e, finalmente,
tirar conclusões. A sucessão de situações de ação constitui o processo pelo qual o aluno vai
aprender um método de resolução de problema.
Essa situação de ação consiste em escolher diretamente os estados do meio antagonista
em função de suas próprias motivações. Assim, a aprendizagem é o processo em que os
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conhecimentos são modificados, esses conhecimentos permitem produzir e mudar essas
antecipações. Desta forma, a manifestação observável é um padrão de resposta explicado por
um modelo de ação implícito.
Situação de formulação
A formulação de um conhecimento corresponderia a uma capacidade de o sujeito
retomá-lo. O meio que exigirá do sujeito o uso de uma formulação deve, então, envolver outro
sujeito, a quem o primeiro deverá comunicar uma informação. Para determinar o conteúdo da
comunicação, também será necessário que ambos os interlocutores cooperem no controle de
um meio externo a fim de obter a formulação dos conhecimentos em questão. Este processo
de comunicação é dividido em dois momentos:
a) a do representante da equipe à frente, jogando e;
b) da equipe debatendo.
No primeiro caso um aluno observa os jogadores e passa a informação para o aluno
que está à frente e, no segundo caso, o meio para cada aluno é constituído pelo conjunto de
partidas jogadas. O segredo é saber comunicar aos colegas sua proposta de estratégia, pois
essa é a única maneira que tem de atuar na situação. Essa comunicação pode ser imediata
(compreendendo ou não) e mediata.
Situação de validação
A situação de validação é o momento que permite distinguir um novo tipo de
formulação: um emissor já não é um informante, mas um proponente, e o receptor, um
oponente. Os dois colaboram na busca da verdade, ou seja, no esforço de vincular de forma
segura um conhecimento a um campo de saberes já consolidados. Nessa fase de validação
cada qual pode se posicionar-se em relação a um enunciado e, havendo desacordo, pedir uma
demonstração ou exigir que o outro aplique suas declarações na interação com o meio.
Nessa situação os alunos organizam enunciados em demonstrações, constroem teorias
e tanto aprendem a convencer os demais alunos como a se deixarem convencer sem ceder a
argumentos retóricos, à autoridade, à sedução, à soberba, à intimidações, etc. O aluno não só
deve comunicar uma informação, como também precisa afirmar que o que diz é verdadeiro
dentro de um sistema determinado.
19957
Brousseau (1996a) ressalta que na perspectiva da teoria das situações, os alunos
tornam-se reveladores das características das situações às quais reagem. Nesse contexto, as
relações de um aluno com o meio podem ser classificadas em três categorias:
a) troca de informações não codificadas ou sem linguagem (ações e decisões);
b) troca de informações codificadas em uma linguagem (mensagens);
c) troca de opiniões.
Essas três categorias mostram as estratégias que os alunos moldarão para desenvolver
as situações didáticas que lhe foram propostas.
Institucionalização
Para Gálvez, (1996) na institucionalização, o professor procura não intervir
diretamente nas três fases anteriores, limitando-se a orientações quando julgar necessário,
para evitar possíveis bloqueios. O professor reassume a ação, estabelecendo quais
conhecimentos obtidos nas etapas anteriores são relevantes e quais são descartáveis,
configurando o estatuto de objeto aos conhecimentos obtidos.
Brousseau (1996a) relata que no decorrer das experiências desenvolvidas na escola,
depois de um tempo, os professores verificaram a necessidade de ordenar um espaço.
Observaram que era necessário “fazer alguma coisa”. Foi necessário conferir os eventos
realizados e tudo que esteja vinculado ao conhecimento em questão, verificar os resultados
dos alunos e do processo de ensino e determinar um objeto de ensino e identificá-lo, também
foi necessário aproximar as produções e identificar quais poderiam ser reutilizadas, a esta fase
denominou-se de institucionalização da situação didática. Essa institucionalização deu aos
conhecimentos status indispensável ao saber. O funcionamento dos conhecimentos não é
igual ao dos saberes, tanto nas relações entre instituições quanto na atividade isolada dos
sujeitos.
Brousseau (1996a) fundamenta a importância dessa fase da institucionalização para a
apropriação dos saberes pelo aluno. A origem de um conhecimento pode ser fruto de uma
sucessão de novas perguntas e respostas. As sucessões de situações ação, formulação e
validação podem conjugar-se para acelerar as aprendizagens. Logo, acrescentando a
institucionalização teremos uma ordem para a construção dos saberes.
Brousseau (1996a) realiza em seu livro uma comparação entre alguns esquemas
didáticos compreendidos no processo de ensino e aprendizagem, entre os quais citamos:
19958
a) o esquema socrático em que o aluno aprende vendo o mundo ou formulando
hipóteses dentro da própria experiência;
b) o esquema de Piaget em que as interações são formadas por meio de assimilações e
acomodações; o aluno aprende adaptando-se a um meio que é fator de
contradições, dificuldades, desequilíbrios. Este saber manifesta-se pelas novas
respostas e são a marca da aprendizagem;
Um meio sem intenções didáticas, na TSD, é incapaz de induzir o aluno a adquirir
todos os conhecimentos que se espera que obtenha. O aluno aceita o problema como seu até o
momento em que produz a resposta, o professor se recusa a intervir como fornecedor dos
conhecimentos que quer ver surgir.
Adaptação das situações aos alunos: saltos, obstáculos e otimização
Para Brousseau (1996a) a escolha dos “algoritmos” a serem ensinados envolve um
compromisso entre a confiabilidade e a rapidez de execução. O saber não se transmite
naturalmente, nem mesmo quando um estudo didático oferece alguma solução prática para
um problema efetivo.
A aprendizagem por adaptação implica que as variáveis sejam
escolhidas de modo que o conhecimento que queremos “que seja descoberto” seja
significativamente vantajoso que qualquer outro. Embora os alunos descubram uma nova
estratégia, há mais motivação para que isso aconteça quando as condições da situação
correspondem a uma vantagem maior do novo método com relação ao anterior, dessa forma
acontece o salto informacional.
Brousseau (1996a) destaca que cada maneira organizada de considerar uma noção
matemática constitui a concepção e essas concepções podem ser determinadas como
conjuntos de conhecimentos e saberes exigidos para a resolução de situações. Algumas das
concepções adquiridas não desaparecem imediatamente em benefício de uma concepção
melhor: resistem, provocam erros, tornando-se obstáculos.
Breve abordagem sobre a engenharia didática como um método de aplicação da TSD
A Engenharia Didática, elaborada por Artigue (1996), se caracteriza como um método
de aplicação da TSD e está apoiada em Brousseau (1996a). Surgiu como uma forma de
concretizar os ideais e pressupostos de investigação da escola da Didática da Matemática
Francesa. A ideia inicial dos estudiosos franceses era a criação de recursos e meios para
19959
aprimorar o trabalho em sala de aula, mas os estudos evoluíram para a estruturação em um
quadro teórico mais amplo, o que possibilitou a concepção de situações de aprendizagem e
também de referencial metodológico. A Engenharia Didática, tal como a TSD, surgiu das
discussões no IREM (Instituto de Investigação do Ensino de Matemática), na França, no final
da década de 1960.
Esse método tem uma característica que se assemelha à função de um engenheiro na
execução de seu trabalho. Artigue (1996) descreve que como método para a análise de
situações didáticas, a Engenharia Didática foi concebida como um trabalho didático de modo
análogo ao:
[...] ofício do engenheiro que, para realizar um projeto preciso, se apóia sobre
conhecimentos científicos de seu domínio, aceita submeter-se a um controle de tipo
científico mas, ao mesmo tempo, se vê obrigado a trabalhar sobre objetos bem mais
complexos que os objetos depurados na ciência e, portanto, a enfrentar [...]
problemas que a ciência não quer ou não pode levar em conta (ARTIGUE, 1996, p.
193).
Artigue (1996) descreve a Engenharia Didática como um processo empírico que
objetiva conceber, realizar, observar e analisar as situações didáticas. A autora pondera que a
Engenharia Didática possui dupla função, a qual pode ser compreendida como uma produção
para o ensino tanto como uma metodologia de pesquisa qualitativa.
A contribuição da Engenharia Didática para a sala de aula, como campo metodológico,
diz respeito à possibilidade de prover a fundamentação teórica para que o professor conheça o
significado e amplie o leque de opções, formando um elo entre a teoria e a prática de sala de
aula.
A aplicação da TSD na Engenharia Elétrica pode ser feita por meio da Engenharia
Didática utilizada como um método qualitativo de investigação na área de Matemática quando
da elaboração das situações didáticas envolvendo números complexos com foco na área de
eletricidade, especificamente circuitos elétricos com corrente alternada visando alcançarmos
um quadro de aprendizagem significativa em sala de aula.
Considerações Finais
Este artigo objetivou descrever e discutir aspectos pontuais e relevantes da TSD.
Destacou-se, inicialmente, a preocupação em se construir, pelas vias didáticas, um sentido
para o aluno na aprendizagem de objetos matemáticos. Brousseau (1996a) aponta como ideia
básica aproximar o trabalho do aluno dos modos como são produzidas as atividades
19960
científicas verdadeiras, testando conjecturas, formulando hipóteses, provando, construindo
modelos e conceitos, sempre socializando os resultados.
Para além desses aspectos, realçou-se que a TSD tem como ponto central o meio em
que se dará o aprendizado, denominado milieu, que deve ser sempre antagônico, ou seja, a
situação didática elaborada, seja pela via da resolução de problemas, seja por jogos, tem uma
intencionalidade não revelada pelo professor.
Sublinha-se, ainda, que no curso do desenvolvimento da situação didática haverá um
momento em que ocorrerá a institucionalização, momento em que o professor ordenará e
sistematizará os conhecimentos adquiridos pelos alunos e, até mesmo, redirecionará o
desenvolvimento da situação didática, caso os alunos deem indícios de impossibilidade de
alcance dos objetivos delineados, mesmo que em parte, pela situação didática.
As fases de desenvolvimento da TSD são outra particularidade de destaque: ação,
formulação e validação. Na ação, os alunos analisam o contexto e tomam decisões, o que
inclui o desenvolvimento de estratégias. Na formulação, o aluno retoma conhecimentos
estabelecidos e envolve outros sujeitos que cooperam com a atividade. A validação é
caracterizada pelo apoio dos alunos sobre o conjunto de dados obtidos ao longo da
experimentação e observações do professor.
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Didática das Matemáticas. Tradução de: Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget,
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GÁLVEZ, G. A Didática da Matemática. In: PARRA, C.; SAIZ, I. Didática da Matemática:
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SILVA, M. de O. P. da. As relações didático-pedagógicas no ensino de Geometria com o
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VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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