À margem da vida Ludmila Fernanda Ferreira Catarina era uma criança como muitas outras da comunidade onde morava com a mãe e o padrasto. Não conheceu seu pai, que abandonou Maria, sua mãe, quando descobriu que estava grávida. Os dois eram adolescentes, inconsequentes, e conceberam Catarina sem planejar, em um ato impulsionado pelos hormônios da juventude. Sem estrutura financeira, psicológica e nenhum apoio familiar Maria fez muitas faxinas para sustentar Catarina, e poucos anos depois foi morar com José, que assumiu a mãe e a menina, ofereceu casa, comida, surras e abusos. Infelizmente Maria não tinha pra onde correr, sentia-se de pés e mãos atadas, pra onde fugiria com uma criança sem pai? Não tinha estudos, não tinha família, não tinha opções... E Catarina cresceu em meio a um turbilhão de problemas de várias espécies, foi abusada, agredida, desrespeitada, não recebia amor, carinho, conselhos, apoio. Diante dos fatos seu futuro era quase previsível, seguiu os mesmos caminhos da mãe. Na escola não conseguia concentrar, tinha sérias dificuldades de aprendizado, tudo o que ela não aprendeu em casa, a rua ensinou de outra maneira. A mãe nunca comparecia às reuniões, ou porque estava fazendo faxinas ou porque estava machucada de tanto apanhar do marido. E, com o tempo, Catarina abandonou a escola. Ela tinha uma amiga, Sara, da mesma comunidade, mas que vivia uma realidade bem diferente, apesar das dificuldades, tinha pais presentes, honestos, que sempre priorizaram a família, a felicidade dos filhos, e lutavam diariamente para dar a eles um futuro mais digno. Sara bem que tentou ajudar a amiga, aconselhou, levou à igreja, mas de nada adiantou. Sara era a melhor aluna da classe, responsável, estudiosa, ajudava a mãe em casa, cuidava do irmão menor, sonhava ser engenheira. Catarina se perdeu. Aos 15 anos Catarina já era mãe. O pai? Poderia ser qualquer um, inclusive seu padrasto. Pouco antes de ficar grávida já conhecia as drogas lícitas e ilícitas. Não conhecia os significados de “limite”, “futuro”, “esperança”. Assim como a mãe, começou a fazer faxina para sustentar o filho, alugou um barracão, comprou alguns móveis usados e foi viver com o pouco que tinha. Por sorte a época era outra, seu filho pôde ficar na creche enquanto pequeno, aos 6 anos foi pra UMEI onde era muito bem cuidado gratuitamente. Além disso, contava com ajuda do governo em seus gastos mensais – bolsa escola, bolsa família, vale gás, auxílios, bolsas, vales -, o que facilitava um pouco sua vida. Como não poderia ser diferente, também conheceu um homem que mudou sua vida. Se antes estava ruim, tornou-se ainda pior. Era como se seu passado voltasse a assombrá-la. E sua vida tornou-se um inferno outra vez. Ele bebia, gritava, batia, quebrava. Ela sofria. Seu filho não entendia, apenas chorava. Os anos foram passando e Catarina decidiu por um fim nessa situação. Largou tudo pra trás, levou apenas seu filho e a roupa do corpo e foi pedir abrigo na casa da sua velha amiga Sara. A surpresa foi grande, afinal, há mais de 10 anos elas não se viam. Sara era uma engenheira de renome, tinha uma carreira, uma casa, uma família. Diante do drama vivido por Catarina, Sara não conseguiu recusar uma hospedagem temporária. A amiga disse que seria por pouco tempo, até que o ex-marido parasse de persegui-la. Os dias foram passando, Catarina se acomodando, Sara e sua família se incomodando. Mas ela aproveitava todas as oportunidades para se lamentar e posar de vítima aguçando dia após dia os sentimentos cristãos de Sara. Foram dias que se transformaram em meses. De um lado o anjinho sussurrava: “seja solidária! Sua amiga teve uma vida difícil e, diferentemente de você, não conseguiu superar seus problemas”. Do outro o diabinho gritava: “Deixa de ser boba! Você não pode salvar o mundo. Ela está nessa situação porque fez escolhas infelizes, e a gora está jogando a responsabilidade nas suas costas só porque você se deu bem na vida”. E essa guerra interior consumia Sara de tal forma que até seu trabalho estava sendo prejudicado: falta de concentração, noites em claro pensando numa solução pro problema, cobrança da família que não aguentava mais a situação, e principalmente, sua consciência em conflito com suas vontades. Catarina, que a princípio precisava de socorro, viu que poderia controlar Sara com sua triste história, encontrou modos de tirar proveito da situação, além de explorar todas as fontes de renda que o governo oferece aos pobres, havia encontrado mais uma, ilimitada, movida a umas boas lágrimas e palavras que pediam por misericórdia.