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REVISANDO ANTIGOS SONHOS PARA CONSTRUIR NOVOS PERSONAGENS
DA CENA ANALÍTICA1
Cibele M. M. di Battista Brandao2
A psicanálise é uma experiência emocional vivida. Como tal, ela
não pode ser traduzida, transcrita, registrada, explicada,
compreendida ou contada em palavras. Ela é o que é.
Não obstante, acredito ser possível dizer algo sobre essa
experiência vivida que é útil para pensarmos sobre aspectos do
que acontece entre os analistas e seus pacientes quando estão
envolvidos no trabalho psicanalítico.
Thomas Ogden
Introdução
Há alguns meses atrás iniciei uma espécie de exercício clinico que consistia em
reler antigos trabalhos meus e refletir qual abordagem atualmente eu daria para eles.
Questionava-me se haveria mudanças em minhas concepções teóricas e se a
forma de interpretar teria sofrido muitas transformações. Utilizaria outras referências
teóricas para pensar aquelas mesmas situações? O que haveria se modificado em
mim e em qual direção? Constatei ser esse exercício bem interessante. Tanto que
resolvi escrever o que constatava e achei que poderia apresentá-lo em forma de
atualizações.
Algumas coisas modificaram-se radicalmente. A principal delas foi nesses
anos ter elaborado profundamente a ideia de relação transferencial como sendo
construída a partir de duas mentes em interação.
O artigo “A situação analítica como um campo dinâmico” de Madeleine e Willy
Baranger (2010, p. 187) traz uma definição objetiva que diz
[...] a situação analítica deve ser formulada não só como situação de uma
pessoa frente a um personagem indefinido e neutro – na verdade, de uma
pessoa frente a si mesma – mas, como situação em que duas pessoas
estão indefectivelmente ligadas e complementares enquanto a situação
durar e envolvidas num mesmo processo dinâmico. Nessa situação,
nenhum membro desse par pode ser entendido sem o outro.
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Trabalho a ser apresentado na Mesa Redonda: Sonhos, Sonhar, Simbolizar, no XXV Congresso
Brasileiro de Psicanálise: SONHO / ATO: A Representação e seus Limites, a realizar-se em São
Paulo-SP, de 28 a 31 de outubro de 2015.
Membro Efetivo e Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
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Nesse sentido podemos entender então que não há sentido pensar que o
analisando vem trazer uma experiência complexa para ser analisada e trabalhada.
Desde o início de uma análise forma-se um campo que é específico e único daquela
dupla e uma experiência a dois será a cena principal.
Dentro desse campo formado pela dupla aparecem importantes vivencias e é
Thomas Ogden (2013, p. 129-130) na sua obra Reverie e interpretação que traz uma
concepção que
Talvez seja mais exato conceber o sonho que é uma vivencia importante do
paciente como algo gerado no contexto de uma análise (com sua própria
história) que consiste do inter jogo do analista, do analisando e do terceiro
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analítico e, portanto, não mais considerar o sonho como simplesmente, “o
sonho do paciente”. Em outras palavras, ainda faz sentido falar do paciente
como o sonhador do seu sonho, ou há sempre vários sujeitos analíticos
(sonhadores) em tensão dialética, cada qual contribuindo para cada
construção analítica, até mesmo para um evento psíquico aparentemente
pessoal (ou seja, aparentemente uma produção dos mecanismos da mente
inconsciente do indivíduo) como um sonho ou um conjunto de associações
ao sonho?”
Ele acrescenta ainda que quando um paciente inicia o processo de análise é
como se ele “perdesse a cabeça”, ou seja, o sonhar não coincide mais com sua
própria mente. O espaço analítico cada vez mais converge e ficam difíceis de
distinguir o que é de um, o que é do outro.
Tendo colocado os referenciais teóricos nos quais baseio-me para o relato
desse exercício passo contar sobre um processo analítico com um analisando vivido
há anos atrás.
Através do relato de fragmento de sessões e dentro dessas sessões o relato
de sonhos, quero destacar a importância da sexualidade, a revivencia no processo
transferencial e a simbolização dos sonhos e suas elaborações. Quero evidenciar a
dificuldade do analisando de usufruir de seu potencial criativo preso a uma situação
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Ogden (1996) “Os sujeitos da psicanálise” introduz, então, um termo novo e crucial, o terceiro
analítico, um termo médio que sustenta e é sustentado pelo analista e pelo analisando enquanto
dois sujeitos separados. “Sendo mais preciso, analista e analisando nascem no processo de
criação do sujeito analítico”. “O terceiro analítico não é apenas uma forma de experiência de que
participam analista e analisando, é ao mesmo tempo uma forma de vivenciar a eu-dade (uma forma
de subjetividade), na qual (por meio da qual) analista e analisando se tornam outros do que foram
até aquele momento. O analista dá voz e participa da criação da experiência que o passado vivo do
analisando e, desta maneira, não só escuta sobre a experiência do analisando, mas vivencia sua
própria criação desta. O analista não vivencia o passado analisando; ele vivencia sua própria
criação do passado do analisando enquanto gerada na sua vivência do terceiro analítico” (OGDEN,
1996, p. XVIII).
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edípica não elaborada. Penso que se trata da narrativa de uma luta do percurso
entre a castração e a procura por uma genitalidade adulta e a importância do vínculo
analítico e o que esse vínculo trouxe à tona para ser sonhado.
Esse analisando procurou-me anos atrás. Ele já havia por pouco tempo
estado comigo. Fiquei sem vê-lo e sem nada saber a seu respeito desde então.
Trouxe-me uma comunicação impactante no dia que retornou. Depois de
relatar-me uma situação caótica em sua vida atual, profissional, afetiva, social,
disse-me o seguinte: “─ Resolvi pedir horário para você porque comecei a lembrarme que na época que estivemos juntos você gostava muito de mim e era delicada
para falar-me de coisas difíceis”.
Surpreendi-me com essa comunicação. Nas minhas tentativas de ser fiel a
técnica psicanalítica pensava que eu deveria procurar nos moldes clássicos uma
postura de neutralidade e discrição. Assustei-me ao pensar o que será que poderia
ter sido transmitido nesse afeto demonstrado a minha revelia que ele contava-me ter
percebido. Passado esse primeiro momento entro em contato com outras áreas de
minha própria mente e saindo de uma situação de certa submissão ao que eu
deveria ser e demonstrar tecnicamente adequado pude começar a compreender
algo.
Começo a pensar se ele estaria dizendo-me que deixara comigo uma parte
de si. Talvez imaginando que essa parte tendo ficado comigo poderia estar
preservada da fase destrutiva que ele no momento encontrava-se. Em sua fantasia
poderia acreditar que eu a estaria guardando e então retornava para resgatar essa
parte que no momento ele passou necessitar.
Propus a ele quatro horários semanais e começamos a trabalhar. Deparei-me
com um homem de trinta e nove anos, divorciado, pai de uma adolescente. Vivia
sozinho, atormentando-se por não se sentir bom profissional e nem boa pessoa em
todos os aspectos (pai, filho, marido, amigo, etc.). Sentia-se querido socialmente,
porém apresentava-se defensivo e medroso quanto ao futuro. Estava vivendo anos
de catástrofe – solidão, adição a drogas e desejo de morte. Dizia que se sentia um
pouco melhor por estar jogando tênis e estar assistindo bons filmes.
Não acreditava que essa pequena melhora fosse um crescimento genuíno. Eu
pensei que seu esforço tivesse algo a ver com uma fase de elaboração obsessiva que
procuraria uma organização parcial e com grande desgaste de energia, mas não
conseguia uma percepção da situação total e nem uma organização mais criativa.
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Vivencias destrutivas de tal intensidade não se reorganizam somente com atividades
esportivas, culturais ou intelectuais. Ocorreu-me que no jogo de tênis ele tentava um
método para aprender algumas regras de convivência com o outro. Tentava dominar
seus impulsos e compulsões. Porém sabia pouco sobre relacionamento, criatividade e
mundo interno.
Ele conseguiu uma vivencia menos caótica mas ficou com emoções muito
depressivas e dessas dizia não poder e não saber transformá-las sozinho. Então
resolveu retornar para análise.
1 O medo da aproximação
Conseguindo então, segundo ele, uma certa organização ainda que precária,
encontrou forças para separar-se da cocaína. Passou, porém, a sentir dor e
sofrimento. Foi nessa fase que começou a lembrar-se de mim. Quando retornou
dizia-me que o pior eu não tinha visto. Agora ele estava sentindo-se numa fase
melhor. Começou contando-me cenas de sua infância.
Brincava com meus amigos num lixão quando eu era criança. Ficávamos lá
procurando coisas interessantes que tivessem algum valor ou que pudéssemos
reformar e fazer brinquedos. Mas, eu sabia que queria muito mais. Queria sair de lá
e brincar noutro lugar. Queria mais coisas socialmente. Só tive desestímulo e até
zombaria por parte de meus pais e meus irmãos quando falava com eles sobre meus
planos.
Disse-lhe que no lixo ele procurava dentro de si mesmo, coisas boas que
pudesse transformar como a surpresa de encontrar objetos num lugar que se dá por
perdido como é um lixão. E agora estávamos os dois num lixão procurando por
coisas aproveitáveis.
Leopold Nosek (1997, p. 201) em seu artigo “Sexualidade e Pensamento” diz
que
[...] a matéria prima a partir da qual surge a psicanálise, como em outros
setores da modernidade, surge de categorias negativas. Surge do
desprezado, da destruição, do vazio, da ausência, de materiais não nobres,
de imagens cotidianas.
Assim, a psicanálise utiliza-se da cotidianidade dos atos falhos, retira da
magia dos sonhos, dedica sua atenção à desprezível histeria”.
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Acrescenta ainda:
A lírica, assim como as artes plásticas e toda arte em geral, prosseguem,
buscam necessariamente novo lixo: ─ pedaços de jornal, matérias
marginais, despedaçante da figura, explosão da integridade da cor, ruptura
da tonalidade, etc. Assim caminham para cumprir sua função reveladora e
criadora de realidades necessitando permanentemente da construção de
novas metáforas. A arte precisa, ao criar, da centelha do novo, da presença
do inesperado. (NOSEK, 1997, p. 204).
A elaboração de um sonho tem sempre esses dois fatores (categorias
negativas e construção de novas metáforas) envolvidos. O analisando conta-me
então o primeiro sonho dessa nova etapa na análise.
─ Vejo de longe uma casa branca muito bonita. Paredes bem lisas, bem pintadas.
Conforme chego perto, percebo que as paredes são porosas e a casa feita de lixo
colado.
Pedi-lhe que fizesse as associações possíveis e dei-me conta que esse
sonho foi relatado para tentar através de uma imagem mostrar-me como ele se via
emocionalmente. De longe tudo bem. Mas, se eu chegasse mais perto perceberia
que ele era feito de um amontoado de lixo. Temia nossa aproximação entendendo
que ele seria como que desmascarado. Ele concorda e acrescenta que tem muitas
dúvidas a seu respeito. Dizia que em seu cotidiano sentia-se desonesto, falso, ou
seja, um impostor. Sua vivencia interior assentava-se primordialmente nessas
emoções. O que existe de novo, criativo e inovador, não lhe era acessível.
2 Além da consciência
Suas comunicações passaram ter um misto de sinceridade e catarse.
Parecia-me disposto a mexer nesse “lixo”.
– Pelo telefone, casualmente, comecei a falar com uma mulher, há algum tempo
atrás. Mas não a via. Depois começamos a nos aproximar mais com nossas
conversas pelo telefone. Convidei-a um dia, para vir a minha casa. Como era
casada, teve medo. Eu também. Mas combinei de deixar as luzes apagadas. Ela
veio. Tivemos relações sexuais. Foi ótimo. Mas fiquei sem saber quem ela era.
Hoje quando releio essa colocação penso que dentro do nosso processo
analítico é possível que ele quisesse expressar algo que se passava também entre
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nós. No setting ele falava com uma mulher que não via. Começou a haver uma
aproximação, mas algo ficou no escuro, sem nos conhecermos. Anos depois ele
encerrou o processo antes que uma elaboração suficientemente profunda ocorresse.
Algo de fato ficou no escuro.
Quando escrevi esse trabalho tempos atrás, servi-me na época da leitura do
Mito Eros Psique (s.d.): “Realmente ao anoitecer, de Psique se aproxima Eros,
protegido pela escuridão. Psique não lhe pode ver o rosto, nenhum temor, porém, a
aflige mais: o medo é banido pelas palavras apaixonadas e pelas carícias ardentes
do deus”.
Durante algum tempo Psique entregou-se a esse amante velado que a
visitava pelas sombras da noite e lhe exigia uma entrega cega, a mesma que existe
na paixão e na idealização.
Quando Psique reata seus laços terrenos, voltando a ter contato com a
família, faz uma viagem aos infernos, passando por grandes provações, até poder
novamente reaver o amor perdido por sua curiosidade na adolescência.
Quando meu analisando me fez esse relato, disse-lhe que naquele encontro
fortuito ele estaria destacando um elemento constante em suas ligações: ─ o seu
desejo de contato que estava sempre acompanhado de escuridão e do não saber o
que seria o contato e nem saber quem o acompanhava. Talvez ele estivesse
desejando que nossa ligação tivesse um elemento revelador. Desejava também
poder conhecer alguém sem necessariamente sentir-se ameaçado. A escuridão o
protegia. Tinha medo de mostrar-se e o “lixo” aparecer.
As emoções primitivas e angustiantes começaram serem mobilizadas e
expressadas. A defesa cedia lugar a solidão e o ódio à dependência. Ataques,
inveja, competição apareceram como emoções desintegradoras.
─ Meus namoros sempre tiveram uma característica: escondidos. Minhas namoradas
vão a minha casa. Eu nunca saio com elas socialmente. Depois do período de
paixão eu começo fugir. E não me importo se a ligação terminar.
Ao vir a minha “casa” talvez fizesse um ensaio, um movimento de sair do
escondido, do refúgio, para buscar uma ligação. Sabemos que para os envolvimentos
afetivos se transformarem é preciso refazer no mundo interno a possibilidade da
existência de um casal interno harmonioso, tal como citado por Donald Meltzer (1992)
em seu artigo “Além da Consciência”. Nesse artigo ele diz que
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Há no mundo interno algo semelhante a uma câmara nupcial onde os
objetos internos têm condições de recolherem-se para renovar sua
conjunção recíproca para fabricar seus bebês por assim dizer, e que seus
bebês também são pensamentos, símbolos, pensamentos de cuja matéria
se fazem pensamentos. Essa também é uma teoria da criatividade.
(MELTZER, 1992, p. 406).
O processo analítico com sua característica de profunda experiência da dupla
envolvida traz a possibilidade dessa vivencia ser introjetada e criar uma condição
interna mais rica e criativa e renovada.
3 Do ato ao sonho
Certo dia atrasei-me dez minutos para começarmos nossa sessão. Abro a
porta e ele não está lá à minha espera. Recebo um recado dele deixado na minha
secretária eletrônica dizendo-me que resolveu não me esperar. Tinha muita coisa
para fazer. Fiquei aflita. Invadiu-me uma emoção difícil de conter, mas tentei pensar.
Sentia que o momento era importante e decisivo.
Na sessão seguinte ele chega e logo disse-me que estava muito ocupado no
dia anterior e ao invés de ficar ali esperando-me poderia usar o tempo resolvendo
seus compromissos.
Outra aquisição importante desses anos veio através das publicações de
Roosevelt Moisés Smeke Cassorla e vários outros autores que estudam o conceito
teórico e o aparecimento na clínica do enactment. Em seu artigo “Função-alfa
implícita do analista, trauma e enactment na análise de pacientes borderline”, ele diz
que esse termo
[...] vem sendo usado para descrever descargas que envolvem ambos
membros da dupla analítica sem que eles tenham consciência do fato [...]
contêm pistas potenciais que podem nos indicar a gênese dos não sonhos,
os obstáculos à capacidade de pensar, as reversões de função alfa, o
funcionamento destrutivo da mente [...] O campo analítico é tomado, em
forma intensa e violenta por explosões afetivas envolvendo desgarro,
abandono, intrusão, separação, aniquilamento, etc. Em outras palavras, o
enactment agudo é o trauma sendo revivido no campo analítico.
(CASSORLA, 2010, p. 70).
Nesse campo de grande tensão que se criou entre nós digo-lhe que ele não
aguentou meu atraso; talvez porque ele tivesse vindo com bastante expectativa para
a sessão e ao atrasar-me ele sentiu que precisava estar comigo. E sentiu também
que as coisas não aconteciam exatamente como ele queria, como ele previa.
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Quis inverter a situação e colocar o anseio pelo contato em mim. Eu fiquei
esperando por ele. Ele se aproximou de seu desejo e necessidade pela análise e
isso lhe foi insuportável. Ele costumava vivenciar o desejo estando do outro lado, ou
seja, por identificação projetiva4 colocado no outro. Para ele era insuportável ver-se
vinculado.
Conta-me em seguida que tem sonhado demais durante essa semana. No dia
anterior ele tinha vindo com um sonho em mente para contar-me e que felizmente
não se esqueceu.
O sonho estava ainda presente em sua mente:
─ Estamos eu, meu pai e minha mãe. No sonho aparece que eu e ela somos muito
ligados. Meu pai está bravo, detesta essa situação. Começo pensar que sempre vivi
morrendo de medo dele. Sempre achando que ele quer me matar. Quando converso
com qualquer mulher estou desesperado, aflito. Penso assim, se ela se apaixonar
por mim, estou enrolado... Tenho medo de homens, medo de mulheres e medo de
ligações. Andei tendo crises de pânico. Tenho uma amiga que é personal training.
Sempre converso com ela. Outro dia reparei uma aliança em sua mão. Precisei sair
e deixá-la porque comecei a sentir pânico. Ontem indo para o consultório vi uns
policiais perseguindo um cara suspeito e senti medo de descer do carro quando
cheguei. Vai que uma bala perdida me mata. Tenho muito medo de ladrões
atualmente.
Disse-lhe que por um momento é possível que ele se confunda com o “cara
suspeito” que fez algo errado e deve ser punido. E uma das coisas que o angustiam
atualmente é desejar a ligação comigo. Ele sente como algo inadequado. Passo a
pensar nele como alguém aprisionado em sua emoção e crítica e quando tenta sair
do aprisionamento essa crítica se intensifica. Compreendo um pouco a urgência do
dia anterior e a potencialização a respeito do meu atraso. Ele queria trazer-me seus
sonhos, fantasias e principalmente suas impossibilidades. Muitos outros significados
estão aqui contidos. Meu relato tem também o interesse de ampliar as possíveis
hipóteses a serem levantadas. Essas impossibilidades que ele sente que o
aprisionam. Critica-se por não poder estabelecer vínculos mais tranquilos, mais
afetivos. Sua mente fica povoada por dor, perseguição e medo. Resta-nos saber o
quanto nosso vínculo pode auxiliá-lo ampliar esses espaços aprisionantes.
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“Identificação Projetiva”: Melanie Klein utilizou o termo pela primeira vez cuja conceituação foi
ampliando progressivamente em dimensões psíquicas distintas. Aparece como necessária e
estruturante defesa do ego incipiente, através de uma expulsão que desde sempre o sujeito faz de
seus aspectos intoleráveis dentro da mente de outra pessoa. E como uma forma de penetrar no
interior do corpo da mãe, com a fantasia de controlar e apossar-se dos tesouros que em
imaginação a mãe possui (ZIMERMAN, 2001).
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Aparecendo o conflito edípico, a castração se faz presente, do sonho ao ato,
muitas associações são feitas, os impasses da emoção veem para a cena analítica
tentando alcançar a posição depressiva. O trabalho analítico oferece condições de
representação. Para finalizar recorro a uma última citação novamente de Roosevelt
Moisés Smeke Cassorla em seu artigo “O que acontece antes e depois do
enactment agudo? Um exercício de validação clínica e ampliação de hipóteses”.
A não elaboração da situação triangular, por sua vez, impede a formação de
símbolos, as capacidades de sonhar e de pensar. Forma-se um círculo
vicioso: a realidade é sentida como traumática porque não se tem mente
capaz de sonhá-la, o sonho por sua vez não é possível porque não elaborou
a situação triangular e não existe espaço para o sonho. O paciente vive num
mundo vazio, com falta de coesão de seu self, cindido e projetado em
objetos dos quais depende desesperadamente e que, ao mesmo tempo,
sente intrusivamente ameaçadores. A coesão de sua identidade acaba por
depender de como são vivenciados os objetos externos dentro dos quais
vive projetivamente. Sua vida acontece numa espécie de concha, que tem
uma carapaça externa, mas os pacientes não têm coluna vertebral. Ao
viverem como parasitas nessa concha, estão constantemente inseguros.
(CASSORLA, 2014, p. 95).
Em contrapartida, se são capazes de sonhar e se colocarem em um processo
analítico passa existir a possibilidade de resignificar os conflitos imobilizadores.
E então poder sonhar com a transformação.
Referências
BARANGER, M.; BARANGER, W. A situação analítica como um campo dinâmico.
Livro Anual de Psicanálise, São Paulo, v. 24, p. 187-214, 2010.
CASSORLA, R. M. S. Função-alfa implícita do analista, trauma e enactment na
análise de pacientes borderline. Livro Anual de Psicanálise, São Paulo, v. 24,
p. 61-78, 2010.
______. O que acontece antes e depois do enactment agudo? Um exercício de
validação clínica e ampliação de hipóteses. Livro Anual de Psicanálise, São Paulo,
v. 28, p. 77-101, 2014.
MELTZER, D. Além da consciência. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo,
v. 26, n. 3, p. 397-408, 1992.
MITOLOGIA. Mito de Eros e Psique. São Paulo: Abril Cultural, s.d. (Enciclopédia
Semanal dos Mitos e Lendas Greco-romanas, 12).
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NOSEK, L. Sexualidade e Pensamento. In: FRANÇA, M. O. de A. F. (Org.). Bion em
São Paulo: ressonâncias. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. p. 201-221.
OGDEN, T. Esta arte da psicanálise: sonhando sonhos não sonhados e gritos
interrompidos. In: ______. Esta arte da psicanálise: sonhando sonhos não
sonhados e gritos interrompidos. São Paulo: Artmed, 2010. p. 17-38.
______. O terceiro analítico. Os Sujeitos da Psicanálise. São Paulo: Casa do
Psicólogo. p. XVIII, 1996.
______. Reverie e interpretação: Captando algo humano. São Paulo: Escuta,
2013.
ZIMERMAN, D. E. Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise. Porto Alegre:
Artmed, 2001.
Cibele M. M. di Battista Brandão
Av. Ida Artêncio Muzzi, 410
CEP 17.502-590 – Marília/SP – Brasil
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Cibele Brandão Artigo Final 29/5/2015