Perspectivas Profissionais
em Serviço Social
Autoras: Profa. Daniela Emilena Santiago
Profa. Renata Leandro
Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudela Nanias
Profa. Glaucia Aquino
Professoras conteudistas: Daniela Emilena Santiago e Renata Leandro
Daniela Emilena Santiago é assistente social graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista
em violência doméstica contra crianças e adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Psicologia
pela Universidade Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP), campus de Assis (SP). Atualmente é funcionária pública
municipal e atua como assistente social junto à Secretaria Municipal de Promoção Social do município de Quatá (SP);
também exerce a função de docente do curso de Serviço Social da Universidade Paulista (UNIP), campus de Assis.
Partindo de sua vinculação à Universidade Paulista como docente do curso de Serviço Social, emergiu a oportunidade
de seu atrelamento também ao curso de graduação de Serviço Social na modalidade SEI, oferecida pela UNIP Interativa,
sendo que tal vinculação proporcionou à docente ministrar aulas em tal modalidade na disciplina de Política Social de
Habitação. Além dessa inserção, a docente em voga também ministrou aulas, na modalidade SEPI, no curso de pósgraduação de Gestão em Políticas Sociais oferecido pela Universidade Paulista, na disciplina Política Social de Saúde.
Além das experiências supra relatadas, a docente exerce a função de líder pela Universidade Paulista, o que pressupõe
muita leitura dos conteúdos afetos à formação em Serviço Social para posterior colaboração na elaboração dos planos
de ensino e demais intervenções que se façam necessárias no apoio à formação dos futuros assistentes sociais, sendo
tal intervenção empreendida nos cursos de graduação das modalidades presencial e não presencial.
Renata Leandro reside no município de Campinas (SP). Em 2002, graduou-se em Serviço Social pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (PUC–Campinas); tem especialização na área de violência doméstica contra
crianças e adolescentes pelo Laboratório da Criança (LACRI) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
(USP, 2005), em sexualidade humana pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP,
2009) e é pós-graduanda em Formação em EaD pela UNIP. Atualmente é docente na UNIP, campus de Sorocaba,
consultora em gestão pública e captadora de recursos e responsabilidade social no primeiro e no segundo setor. Possui
experiência em gestão social, tendo atuado como gestora municipal no município de São Thomé das Letras (MG) e na
Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos no estado do Rio de Janeiro. Atuou, também, em
Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) no município de Campinas, no atendimento matricial de famílias e
na área de crianças e adolescentes com suas respectivas famílias, no Projeto Rotas Recriadas (atualmente denominado
Programa Municipal de Enfrentamento à Exploração Sexual Infanto-juvenil), de 2003 a 2007.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S235p
Santiago, Daniela Emilena
Perspectivas profissionais em serviço social / Daniela Emilena
Santiago; Renata Leandro - São Paulo: Editora Sol, 2012.
128 p., il.
Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e
Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-031/12 , ISSN 1517-9230.
1. Serviço social. 2. Perspectivas profissionais. 3. Assistente social
I.Título
CDU 65.01
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Prof. Dr. João Carlos Di Genio
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Unip Interativa – EaD
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Prof. Marcelo Souza
Profa. Melissa Larrabure
Material Didático – EaD
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Elaine Fares
Sumário
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 O TRABALHO NO CAPITALISMO...................................................................................................................11
2 As contradições do trabalho no capitalismo...................................................................... 15
2.1 O capitalismo e a exploração da força de trabalho................................................................. 16
2.2 Estratégias do capitalismo para alcançar seus interesses.................................................... 18
2.3 A Revolução Industrial e a maior precarização da relação capital/trabalho................ 19
2.4 A relação capital/trabalho.................................................................................................................. 21
2.4.1 Capital/trabalho: uma relação de conflitos sociais.................................................................... 21
2.5 A organização da assistência social e o importante estudo de Mary Richmond....... 25
3 O NEOLIBERALISMO E A PRECARIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO................................ 28
3.1 O significado contemporâneo da questão social no Brasil.................................................. 30
3.2 O neoliberalismo e a “nova questão social”............................................................................... 31
3.3 A questão social em uma sociedade em transformação...................................................... 31
3.4 Decifrando a nova questão social... não tão nova assim!..................................................... 34
3.5 Formas de enfrentamento da questão social no Brasil......................................................... 35
3.6 Reflexão acerca da exclusão social................................................................................................ 37
4 Trabalho e Serviço Social: a profissão ante as transformações
societárias recentes.................................................................................................................................... 43
4.1 Trabalho e serviço social..................................................................................................................... 44
4.2 O cenário atual, suas incidências na questão social e a consolidação
do projeto ético-político do serviço social......................................................................................... 51
4.3 O redimensionamento da profissão: o mercado e as condições de trabalho............... 58
Unidade II
5 As demandas e as respostas da categoria profissional aos projetos
societários.......................................................................................................................................................... 68
5.1 As demandas profissionais no âmbito das relações entre o estado
e a sociedade.................................................................................................................................................. 69
6 Condições de trabalho e respostas profissionais............................................................. 74
Unidade III
7 A instrumentalidade no trabalho do assistente social................................................ 80
7.1 A prática do assistente social: conhecimento, instrumentalidade e intervenção
profissional...................................................................................................................................................... 80
7.1.1 A pré-história dos instrumentais no serviço social e as práticas desenvolvidas
pelos primeiros profissionais.......................................................................................................................... 81
7.1.2 Instrumentalidade e fazer profissional na contemporaneidade.......................................... 87
8 As dimensões ético-políticas, técnico-operativas e teórico-metodológicas
no serviço social contemporâneo e os rumos ético-políticos do trabalho
profissional....................................................................................................................................................... 93
8.1 As competências do serviço social na contemporaneidade: política, ética,
investigação e intervenção....................................................................................................................... 97
APRESENTAÇÃO
Considerando as diversas modalidades de formação prestadas pela Universidade Paulista aos futuros
assistentes sociais, e tendo em vista sempre a qualidade prestada nessa formação, houve a demanda pela
elaboração do presente livro-texto, que irá trabalhar os conceitos relacionados à disciplina Perspectivas
Profissionais em Serviço Social e será de fundamental importância em seu processo formativo.
Nas próximas páginas, discutiremos as informações necessárias para que o conteúdo em questão
possa ser trabalhado de tal forma que seja possível colaborar em seu processo formativo.
A disciplina Perspectivas Profissionais em Serviço Social baseia-se na compreensão do processo
intrínseco às estratégias criadas pelo estado e pelo capital para instituir os mecanismos de controle da
classe trabalhista e o refreamento dos conflitos entre trabalhadores e empresariado, o que faz surgir a
questão social, que é a matéria-prima do serviço social, bem como seus reflexos.
Estudaremos como o mesmo se constitui em instrumento de preservação e controle da força de
trabalho, por meio de políticas públicas sociais, analisando como o estado deve intervir na administração
das expressões da questão social para minimizar as mazelas sociais provocadas/geradas pelo modo de
produção capitalista, concentrador da riqueza socialmente produzida.
Tal concepção se torna fundamental, posto que é a partir de tal administração dos conflitos entre
as classes e ainda junto às expressões da questão social por parte do estado que são constituídos
os espaços de atuação profissional do assistente social, ou, dito de outra forma, se constituem suas
possibilidades de instituição em um espaço sócio-ocupacional. Esses espaços de trabalho podem ser por
nós compreendidos como as perspectivas profissionais do serviço social, que englobam tanto conceitos
relacionados à prática profissional quanto afetos ao mercado de trabalho desse profissional.
Para isso, é importante ainda lembrar que a questão social está relacionada às estruturas sociais,
históricas e políticas de um país e apresenta-se de forma diferente nas diversas sociedades; no interior
delas, configura-se e reconfigura-se de acordo com as mudanças estabelecidas pelas estruturas
capitalistas. No sentido acima mencionado, a compreensão do mercado de trabalho e das perspectivas
profissionais demanda também a compreensão do que se convencionou denominar “questão social” e
dos processos que vimos vivenciando e que têm provocado alterações junto a esse fenômeno.
Frente a toda essa conjuntura, é necessário entender os meios que a profissão identifica para atuar
junto à questão social. Atualmente, toda a nossa categoria profissional tem refletido, no sentido acima
citado, sobre o conceito de instrumentalidade e, a fim de melhor compreendê-lo, também refletiremos
sobre a instrumentalidade do serviço social. A instrumentalidade de que se vale o profissional refere-se à
capacidade adquirida por meio da profissão, que possibilita responder às demandas colocadas ao serviço
social com o exercício de sua práxis, não representando somente um conjunto de instrumentos com o
qual os assistentes sociais desenvolvem seu exercício profissional.
Assim, a disciplina Perspectivas Profissionais em Serviço Social tem como objetivo possibilitar ao
educando a compreensão crítica do profissional em suas diferentes realidades de trabalho, visando a
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ações baseadas em teorias e legislações para distanciar-se de ações imediatistas, com o entendimento
dos instrumentos técnico-operativos utilizados para potencializar sua atuação frente aos desafios das
expressões da questão social.
Para tanto, também busca a compreensão da institucionalização do serviço social; da relação deste
com o capitalismo; do surgimento da questão social a partir dos fatores históricos, políticos, sociais
e econômicos; da atuação do estado no modo econômico capitalista, bem como busca entender o
enfrentamento dos reflexos da questão social, as relações de trabalho e sua construção, sua precarização
e o desemprego como a própria “nova questão” e suas manifestações na sociedade brasileira.
Pretendemos, desta maneira, torná-lo apto a identificar as singularidades existentes nas diferentes
formas de agir, já que é preciso analisar a realidade apresentada pelo público-alvo e a organização em
que trabalha para não fazer das situações-problema um fim nelas mesmas e utilizar corretamente os
instrumentais técnicos do serviço social.
INTRODUÇÃO
Ao tratarmos das perspectivas profissionais em serviço social, retrataremos a atuação profissional e os
procedimentos técnico-operativos que são reflexões acerca das fontes que estão direta ou indiretamente
relacionadas à profissão e ao cotidiano da prática profissional.
Podemos entender que a prática do assistente social seja desenvolvida pela combinação de diversos
fatores, entre eles: o relacionamento com os que necessitam de seus serviços e buscam por eles; os
instrumentais utilizados para o desenvolvimento satisfatório de suas funções, conforme as prerrogativas
de suas atividades; os possíveis conflitos; a qualificação técnica profissional e a metodologia empregada.
É vasto e diversificado o campo de inserção do assistente social no mercado de trabalho, que é bastante
dinâmico, como a própria realidade social em que o profissional atua. A sociedade sofre modificações
constantes, o que ocorre também com nossa atuação profissional, seja do aspecto teórico seja do ponto de
vista prático. Assim, surgem sempre novos campos de atuação, o que aumenta as possibilidades profissionais.
Portanto, esta disciplina não pretende elaborar um manual de atuação profissional com modelos
inquestionáveis a serem seguidos. Considerando a diversidade de atuação existente na profissão, não
se pretende aqui esgotar uma discussão sobre o estudo, a pretensão é definir algumas das atribuições
e práticas do profissional e proporcionar análises de situações e conceitos utilizados pelo serviço social.
Os instrumentais técnico-operativos estão em constante desenvolvimento, são modificados
diariamente pela atuação dos assistentes sociais, tanto no campo teórico como no campo prático,
o qual denominamos como práxis profissional. Sua atuação em diversas áreas é resultado de muitos
elementos relacionados, que podem ser de ordem profissional, social e institucional.
Com tal intento, organizaremos o presente material da seguinte maneira: iniciaremos com uma
discussão sobre a categoria trabalho, para em seguida discutirmos o conceito da instrumentalidade,
concluindo com as respostas da categoria profissional às demandas emergentes.
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A argumentação sobre o trabalho pretende discutir as mudanças contemporâneas em tal categoria
e, na sequência, discutiremos o conceito de trabalho na área de serviço social, introduzindo a noção
de processo de trabalho. Devido à introdução da discussão do processo de trabalho, se fará necessária
uma reflexão sobre a questão social, objeto de trabalho do assistente social. Derivando ainda dessa
compreensão, iremos observar como as mudanças processadas junto à questão social provocam também
alterações na prática do assistente social, e como essas situações influenciam no mercado de trabalho
desse profissional.
Ainda na Unidade I, refletiremos sobre a importância do projeto ético-político do serviço social
assumido por toda a nossa categoria profissional frente às mudanças acontecidas e que alteram
significativamente o nosso mercado de trabalho.
Dando sequência a tais conteúdos, pensaremos sobre as demandas que são postas a nossa categoria
profissional e as possibilidades de resposta a elas. Assim, na Unidade II destacaremos as respostas
conferidas pela categoria profissional a essas demandas, sendo que elas estão condicionadas pelas
relações de classe da sociedade capitalista e mediadas pelo estado. No sentido elencado, enfatizaremos
as respostas às demandas apresentadas pelo estado e pela sociedade civil.
Considerando tal concepção, introduziremos ainda a discussão sobre a instrumentalidade, com
algumas considerações acerca dos instrumentais técnicos operativos que instrumentalizam o fazer
profissional, além de enfatizarmos alguns outros conceitos relacionados à questão em debate. Tal
conteúdo será tratado na Unidade III deste livro-texto.
Após a exposição dos conteúdos, ao final de cada unidade, serão destacados exercícios para que
você possa fortalecer seu processo de aprendizagem. Recorra a esses instrumentais para melhorar a
apreensão dos conteúdos tratados.
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Perspectivas Profissionais em Serviço Social
Unidade I
1 O TRABALHO NO CAPITALISMO
Nesse texto, conforme sinalizado na introdução, estudaremos com maior profundidade a categoria
trabalho, considerando a realidade capitalista. Para compreendê-la, recorremos à tradição marxista
que, como o próprio nome sugere, tem em Marx seu principal expositor. No entanto, é interessante
atentar que tal compreensão, na contemporaneidade, possui outros autores de recorrência, os quais
destacaremos nesse item, que nos permitem entender o trabalho na atualidade. Dessa forma, estaremos
atentos aos seguintes conceitos: o trabalho para Marx, a produção da mais-valia e a transformação da
mercadoria em valor por meio do trabalho. Iniciamos assim pela compreensão do modo de produção
capitalista para, na sequência, tratarmos dos demais conceitos.
O modo de produção capitalista marcou o fim do modelo de sociedade baseada no feudalismo. Como
sabemos, o regime feudal possuía uma forma de organização econômica, política e social totalmente
diferenciada da organização capitalista, sendo que essa forma de organização começou a ruir em fins
do século XVI. O capitalismo nasceu com a característica central de compra e venda da mão de obra
humana, baseado num sistema de assalariamento; o trabalhador que antes realizava o seu trabalho de
maneira artesanal e participava de todo o processo de produção passou a vender a sua mão de obra.
É certo que as condições de vida e de trabalho no feudalismo não eram nada boas, todavia, no
capitalismo, a situação não melhorou: o trabalhador passou a valer pelo que produzia e pelas condições
estabelecidas no mercado. Nesse caso, o trabalho se caracteriza pela separação do homem de seus meios
de produção, como terras, máquinas e ferramentas.
Conforme Meksenas (1994, p. 26) nos explica, a
[...] sociedade capitalista é uma organização de trabalho que se caracteriza
pela existência de, basicamente, duas classes sociais: os proprietários dos
meios de produção e os proprietários apenas de sua capacidade de trabalho.
Assim sendo, os trabalhadores trocam com os empresários (os donos dos
meios de produção) a sua capacidade de trabalhar por um salário. Nessa
sociedade, o trabalho industrial aparece como uma forma básica de produção
de bens de consumo.
Com a Revolução Industrial (século XVIII), muitos tinham a esperança de que a vida seria melhor,
uma vez que, com o dinheiro fruto da atividade laborativa, poderiam realizar seus desejos, adquirir
produtos e serviços. Na verdade, não passou de um sonho que virou, posteriormente, pesadelo, porque a
vida não seria tão simples assim, uma vez que a exploração era uma das principais características desse
sistema.
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Unidade I
Mas vamos entender um pouco mais o sistema capitalista, recorrendo ao entendimento marxista.
Vejamos os itens abaixo, em que tais conhecimentos encontram-se destacados.
a) Marx e o trabalho no capitalismo
Quem estudou a sociedade capitalista de maneira crítica foi o pensador alemão Karl Marx (18181883), conforme pontuamos. Para esse teórico, o trabalhador é bastante explorado no capitalismo.
Essa exploração se dá quando o trabalhador começa a vender sua força de trabalho, visto que,
para Marx, no sistema capitalista há apenas duas classes sociais, sendo uma a classe trabalhadora ou
operária, que detém a força de trabalho, e a outra a classe burguesa, que detém os meios de produção.
Quando esse processo de compra e venda da força de trabalho se inicia, o capitalista, ou o burguês,
compra a força de trabalho pelo “preço” que desejar. O trabalhador, por outro lado, como não possui
outra alternativa para ter suas necessidades atendidas, vende sua força de trabalho ao burguês pelo
preço ofertado. Nesse processo de compra e venda da força de trabalho, os preços pagos pelo burguês
ou capitalista são sempre baixos, em relação ao lucro que ele obtém com a venda da mercadoria.
Toda essa “situação” de compra e venda da força de trabalho é de tal forma uma relação que reforça
a desigualdade entre as classes sociais. Mandel (1982) nos coloca que é por meio da compra da força
de trabalho que a desigualdade, que é inerente a esse sistema, se mantém. Seguindo tal raciocínio, se
não houver venda da força de trabalho, o sistema não se sustenta. Porém, não há como contarmos com
isso, visto que a única forma de termos nossas necessidades atendidas, nessa sociedade, é por meio do
trabalho.
É por meio do trabalho que acontece ainda a alienação do trabalhador, conforme Marx destaca e Mandel
(1982) também sinaliza. A primeira forma de alienação do trabalhador é quando ele é separado do seu meio de
produção. Em um segundo momento, vem a alienação pela falta de conhecimento da realidade de exploração
que está vivendo. Isso faz com que o sistema continue se perpetuando ao longo dos anos.
Em síntese, é por meio do trabalho que o homem tem suas necessidades atendidas e, na sociedade
capitalista, essa atividade é marcada pela exploração. Esta acontece para que o capitalista possa alcançar
o lucro, ou mais-valia, conforme poderemos ver melhor no decurso desse texto.
Saiba mais
Para o capitalismo é importante que o trabalhador não pense e apenas
realize o trabalho para o qual foi designado. Se nos reportamos ao cinema, temos
em uma cena do filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin (1396), o ator
apertando parafusos exaustivamente na linha de montagem e, posteriormente,
sendo engolido pelas engrenagens, o que revela uma das faces do capitalismo,
que o filme mostra criticamente. Vale a pena assistir ao filme.
12
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
b) A mais-valia
Assim sendo, a partir de seus estudos sobre o trabalho no capitalismo, Marx chegou à conclusão
de que o trabalhador não recebe justamente o seu salário, o qual deveria suprir suas necessidades de
alimentação, vestuário, lazer e o bem-estar de sua família, tal como apontamos supra.
Este teórico crítico do capitalismo descobriu que o salário pago ao trabalhador não corresponde ao
tempo gasto no processo de produção, de modo que a maior parte do lucro produzido fica em poder do
dono dos meios de produção, isto é, do capitalista. A esse cenário Marx (1988) chamou de mais-valia.
Vejamos uma explicação do que é mais-valia. Tomazi (2000, p. 50) assinala que
[...] o trabalhador, ao assinar um contrato para trabalhar numa determinada
empresa, está dizendo ao seu proprietário que se dispõe a trabalhar, por
exemplo, oito horas diárias, ou quarenta horas semanais, por determinado
salário. O capitalista passa, a partir daí, a ter o direito de utilizar essa força de
trabalho no interior da fábrica. O que ocorre, na realidade, é que o trabalhador,
em cinco ou seis horas de trabalho diárias, por exemplo, produz um valor
que corresponde ao seu salário total, sendo o valor produzido nas horas
restantes apropriados pelo capitalista; quer dizer, diariamente o empregado
trabalha duas horas de graça para o dono da empresa, o que se produz
nessas duas horas a mais se chama mais-valia. São as horas trabalhadas e
não pagas que, acumuladas e reaplicadas no processo produtivo, vão fazer
com que o capitalista enriqueça rapidamente.
As ideias apresentadas por Marx (1988) chamaram a atenção de muitas pessoas, de trabalhadores
a capitalistas; estes, por sua vez, ficaram preocupados e até irritados com tudo o que foi demonstrado
claramente sobre mais-valia, o que dividiu nitidamente os que defendiam o capitalismo e os que se
colocavam contrários a esse modelo.
Não é por acaso que as ideias marxistas incomodam os que vivem da exploração, é por isso que,
muitas vezes, vários movimentos sociais são até discriminados por defenderem ideias como as de Karl
Marx. Quem é alienado não percebe a exploração em que vivem os trabalhadores, de modo que critica
greves e movimentos sociais em geral que se colocam em defesa de melhores salários, condições de
trabalho e de vida.
c) Como o trabalho se transforma em mercadoria
Pode parecer complicado imaginar que o trabalho se transforma em mercadoria, mas utilizaremos
este momento para maior reflexão sobre o ponto proposto. No capitalismo, o trabalhador precisa
trabalhar para atender suas necessidades básicas (como alimentação, vestuário e lazer) e, em troca,
recebe um salário que possa atender a seus objetivos.
À medida que o trabalhador se coloca à disposição do mercado para trabalhar em troca de um salário,
ele se torna também uma mercadoria, ou melhor, seu trabalho passa a ser uma mercadoria, pois ele o vende:
13
Unidade I
lembre-se de que o trabalho é um produto de compra e venda no capitalismo. Isto vale para qualquer tipo
de trabalho, seja no campo, na cidade, na indústria, no comércio ou no setor de serviços em geral.
Podemos imaginar a situação de um professor que ministra as suas aulas numa determinada
escola: na realidade, toda relação de trabalho se dá a partir de um contrato estabelecido pelas leis do
mercado entre o trabalhador (no caso o professor) e o empregador; o produto esperado são as aulas cujo
beneficiário é o aluno. Esse material que você tem em mãos só se tornou possível devido à relação de
compra e venda da força de trabalho.
Pensar nessa situação parece uma coisa fora do comum ou fora de lógica ou que não se encaixa
na realidade educacional, mas este é o modelo de produção e de funcionamento do capitalismo, o
que muitas vezes pode se tornar uma relação conflituosa, e também desrespeitosa, quando, em nosso
exemplo, o professor é visto pelo aluno como um mero vendedor de sua força de trabalho, e não como
um intelectual a favor do conhecimento, do aprendizado e da cidadania.
Por outro lado, quando o aluno de uma instituição privada coloca-se como simples cliente, afasta
toda possibilidade de uma educação primorosa e de qualidade, pois, como paga uma mensalidade, às
vezes se sente no direito de desrespeitar a metodologia do professor, isto quando não cria uma situação
para afastá-lo de determinada disciplina simplesmente porque não gostou do seu jeito.
Por diversas situações, como as mostradas anteriormente no tocante às relações de trabalho, podemos
afirmar que, principalmente nas sociedades em que a exploração se mostra de maneira patente, essas
relações são constituídas por conflitos.
No caso do capitalismo, a situação é claramente conflituosa: de um lado está o capitalista querendo
atingir o maior lucro possível, às vezes até pela exploração, desrespeito aos direitos do trabalhador e,
por outro lado, este último tenta a todo custo sair de uma situação de exploração, o que nem sempre
consegue; desta maneira, há mais pessoas querendo uma oportunidade de trabalho do que vagas
disponíveis, o que proporciona a busca por trabalhos informais, desde que estes garantam o mínimo
de sustento. Assim, encontramos trabalhadores se submetendo a situações deprimentes, como as
encontradas em trabalhos precários oferecidos em fazendas e contratações terceirizadas.
Quando os trabalhadores tomam conhecimento de sua situação, encontram meios e se organizam,
passam a lutar por seus direitos. No campo, temos as organizações dos trabalhadores, como já houve no
Brasil no século XX as chamadas Ligas Camponesas, cuja bandeira era a reforma agrária.
Tais movimentos se estenderam por vários estados do Brasil, tendo seus pontos mais fortes na
Paraíba e em Pernambuco. A partir da década de 1980, passamos a ter o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), que se assemelha às Ligas Camponesas por agir em defesa da reforma agrária e
de melhores condições de vida e de trabalho para o homem do campo.
Nas cidades, temos vários movimentos formados por inúmeras categorias de trabalhadores, como
os da construção civil, dos metalúrgicos, dos professores, dos comerciários, dentre outros, os quais se
organizam e reivindicam melhorias para os seus pares.
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Perspectivas Profissionais em Serviço Social
A partir de 1980, os metalúrgicos do ABC paulista passaram a fazer manifestações e greves por
melhores condições de trabalho e de salário; nas bases desse movimento surgiram novas centrais
sindicais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que fez frente à Central Geral dos Trabalhadores
(CGT), assim como houve o ressurgimento de partidos políticos (como o PTB, o PC do B, o PCB, o PSB) e
o surgimento de novas correntes partidárias, entre elas o Partido dos Trabalhadores.
Em síntese, o conceito de trabalho, de forma geral, refere-se à maneira como os seres humanos
realizam atividades, transformando a natureza e desenvolvendo a cultura da sociedade. As diferentes
sociedades constituídas ao longo do tempo nos mostram como o trabalho assume características
distintas.
Por isso, é muito importante saber que o desenvolvimento das sociedades depende da forma como
os homens realizam o trabalho, inclusive para que não adotemos uma postura preconceituosa quando
nos depararmos com culturas diferentes da nossa.
As concepções dos teóricos da sociologia, como Durkheim e Karl Marx, demonstram como o tema
requer conhecimento amplo, afinal cada teoria é fruto de uma concepção de mundo, de uma ideologia.
Se você se remeter apenas a uma concepção, como se fosse a única, ficará limitado, mas, a partir das
diferentes teorias, terá condições de perceber como se organiza o trabalho na sociedade atual, quais as
transformações ocorridas e qual a perspectiva da sociedade futura.
Enquanto teóricos como Durkheim fazem uma abordagem da sociedade e do trabalho fundamentando
o capitalismo, Karl Marx apresenta-se como um crítico do sistema capitalista.
Diante de tais conceitos, podemos orientar nossa discussão para a compreensão do trabalho,
especificamente das contradições inerentes à sociedade capitalista e que se tornam mais perceptíveis
analisando-se a categoria trabalho.
2 As contradições do trabalho no capitalismo
Você já deve ter observado e analisado que, na visão dialética marxista, a contradição do capitalismo
está em manter a sociedade em condições de desenvolvimento e perpetuar esse tipo de economia.
Nessa perspectiva, a sociedade capitalista é estruturada em classes sociais, as quais, por sua vez,
são antagônicas. Enquanto os capitalistas, proprietários dos meios de produção, buscam a todo custo
manter-se na riqueza e na opulência à custa da exploração dos trabalhadores, estes, por sua vez, tentam,
de todas as formas possíveis, primeiramente, sobreviver, o que os torna, assim, alienados no processo de
relações de produção.
Não somente no Brasil, como na maioria dos países, as contradições do capitalismo se fazem
evidentes quando se observa a própria configuração das cidades, nas quais se pode perceber claramente
a geografia formada por setores diferenciados, de modo que se tem, de um lado, áreas nobres, com casas
luxuosas e, de outro, os núcleos residenciais (anteriormente denominados como favelas), cortiços e um
emaranhado de pessoas vivendo em condições subumanas.
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Unidade I
A forma com que as pessoas podem realizar seus objetivos e atender suas necessidades básicas é
o trabalho. Em razão disso, muito se faz para se ter um trabalho. A história tem demonstrado que a
realidade do trabalho tem sido marcada por profundas situações de conflito e sofrimento, enquanto o
estado fica com a melhor parte: o lucro.
Para a realização do trabalho, existe o que chamamos de relações de produção, o que se dá, muitas
vezes, de forma conturbada ou conflituosa. Para uma maior compreensão do que isso significa, vejamos
então um exemplo: quando a pessoa necessita atender suas necessidades básicas de alimento, vestimenta
e lazer precisa fazer alguma coisa, o que resulta num trabalho; para tanto, se não há como conseguir
tudo na natureza, da maneira mais simples possível, o indivíduo passa a buscar outra forma de atender
suas necessidades. Assim, nasceram o escravismo, o feudalismo e o capitalismo.
No capitalismo, as pessoas vendem a sua força de trabalho, conforme determina o mercado capitalista.
Desta feita, o trabalhador passa a ser uma mercadoria e, em muitas situações, trabalha demasiadamente
e não recebe o salário de maneira justa, o que, consequentemente, não dá para comprar alimento
suficiente, vestir-se, pagar moradia, luz, água etc.
A realidade brasileira se apresenta com uma desigualdade considerável, uma vez que os capitalistas
exploram o máximo possível e não oferecem condições de vida digna para os trabalhadores.
Tomazi (2000, p. 73) ensina que:
[...] a situação dos trabalhadores no Brasil, tem sido uma das mais terríveis e
trágicas de toda a sua história. Existem estudos comparativos que buscam
analisar a situação dos trabalhadores brasileiros nos últimos tempos, em
comparação com sua situação em épocas anteriores. A triste conclusão a
que chegaram é que a maioria deles, hoje em dia, encontra-se em condições
piores que as dos escravos no período colonial, pois, apesar da exploração
intensa, eles tinham abrigo, roupa, alimentação.
Ou seja, esse fenômeno condiciona grande parte da população brasileira, da população que depende
da venda de sua força de trabalho para sobreviver. Essa relação se constitui de tal forma pelo fato de
a classe trabalhadora ser explorada pela classe que compra sua força de trabalho. No item a seguir,
discutiremos um pouco mais sobre a exploração da força de trabalho.
2.1 O capitalismo e a exploração da força de trabalho
O serviço social, antes de ocupar espaço no campo universitário, já existia como prática social que
respondia às demandas do sistema capitalista, no atendimento da questão social aberta pela exploração
da força de trabalho.
Martinelli (2006, p. 53) afirma que o sistema capitalista é um “[...] modo de produção profundamente
antagônico e pleno de contradições que desde o início de sua fase industrial instituiu-se como um
divisor de águas na história da sociedade e das relações ente os homens”.
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Perspectivas Profissionais em Serviço Social
O homem capitalista sempre utilizou estratégias para alcançar o seu maior interesse: acumular
lucros. Sobre a exploração da força de trabalho, Martinelli (2006, p. 55) diz que:
[...] visualizando a classes trabalhadoras como um mero atributo do capital,
como um modo de existência deste, os capitalistas não hesitavam em
criar formas coercitivas de recrutamento do operariado e de sua abusiva
exploração.
A exploração da força de trabalho ganhou maior dimensão a partir da Revolução Industrial, que se
expandiu pelo mundo desde século XIX até os dias atuais, demandando uma intensiva mão de obra até
a contemporaneidade. Martinelli (2006, p. 57) afirma também que
[...] durante praticamente toda a primeira metade do século XIX, a burguesia
se utilizou seu poder de classe para manipular livremente salários e condições
de trabalho. Apoiando-se em um antigo dispositivo legal, cujas origens
remontavam a longínquas épocas da história da humanidade – Estatuto dos
Trabalhadores, de 1349, que proibia reclamações de salário e de organização
do processo de trabalho –, excluía o trabalhador das decisões sobre sua
própria vida trabalhista.
Os trabalhadores que se recusavam a vender sua força de trabalho para os capitalistas podiam
ser recolhidos em casas de correção, que ofereciam como penalidade restrição alimentar e trabalhos
forçados, entre outras. O estatuto dos trabalhadores do ano de 1349 assegurava às autoridades locais
o direito de determinar o valor do salário a ser pago ao trabalhador, bem como formas de coerção para
recrutamento de mão de obra. Sobre isso, Martinelli (2006, p. 57) diz que:
[...] as alternativas do trabalhador empobrecido, em face das condições
de trabalho que os donos do capital estabeleciam, eram sombrias: ou
se rendia à lei geral da acumulação capitalista, vendendo sua força de
trabalho a preços de concorrências cada vez mais vis, ou capitulava diante
da draconiana legislação urbana, tornando-se dependente do estado, e no
mesmo instante, declarado não-cidadão, ou seja, indivíduo destituído de
cidadania econômica, da liberdade civil.
Nota-se que a força de trabalho, no modo de produção capitalista, foi mercantilizada, isto é, o
trabalhador foi obrigado a vender sua mão de obra para os donos do capital e a se submeter a todo
o processo de exploração do trabalho. Esse processo fez com que a classe trabalhadora se organizasse
contra as formas de exploração impostas pelo capitalismo. Os trabalhadores se organizavam por meio de
movimentos sindicais reivindicatórios, que tinham como bandeira de luta questões trabalhistas, como
regulamentar a jornada de trabalho que na época chegava a 14 horas diárias. Assim, Martinelli (2006,
p. 59) assevera que:
[...] as questões sindicais e trabalhistas continuavam, porém, a animar o
movimento operário que prosseguia em sua marcha, predominantemente
17
Unidade I
sob o signo da prática sindical. Assim nenhuma das medidas propostas pela
legislação trabalhista, ao longo desse período, significou uma concessão
do poder público ou dos donos do capital. Todas decorreram de árduas e
complexas lutas e negociações dos trabalhadores.
Concomitante à exploração da força de trabalho, o sistema capitalista provocou inúmeros problemas
sociais decorrentes do crescimento exorbitante da população urbana, visto que as cidades não tinham
infraestrutura adequada para comportar tantas pessoas. Assim se alastrou pela sociedade uma crescente
pobreza, acompanhada de fome, doenças, moradias precárias, entre outros problemas. Todos eles são
denominados de expressões da questão social.
Com o afloramento da questão social e, consequentemente, a mobilização da classe trabalhadora
por melhores condições de trabalho e sobrevivência, a burguesia passou a utilizar-se de estratégias para
conter as reivindicações dos trabalhadores, pois,
[...] obcecada por um pensamento fixo – o de expandir e consolidar o modo
burguês de produção, tornando-o irreversível -, a burguesia se mantinha
sempre em busca de estratégias e táticas que pudessem viabilizar a
consecução de seus objetivos. A estrutura petrificada de sua consciência
erguia-se como uma verdadeira muralha, através da qual tentava-se isolarse e proteger-se dos inúmeros problemas sociais produzidos pela expansão
do capitalismo, injusto regime que se nutre do que suga do trabalhador, da
crescente exploração de sua força de trabalho (MARTINELLI, 2006, p. 60).
2.2 Estratégias do capitalismo para alcançar seus interesses
Para conter as reivindicações dos trabalhadores, “as classes dominantes procuram direcionar as lutas
populares, enquadrando-as no âmbito da legislação burguesa, cuja tramitação e controle cabem ao
estado” (CASTRO, 2003, p. 45).
Vê-se que o objetivo era resolver ou apaziguar os problemas e continuar alcançando seu objetivo:
aumentar suas riquezas. No entanto, conforme aponta Castro (2003, p. 46),
[...] aquela legislação se foi definindo sob a aparência de concessões burguesas
– e, mesmo constituindo conquista popular, permite à burguesia canalizar
o protesto do povo e perceber que, se adquirirem maior dimensão, aqueles
germes de organização e combatividade tornar-se-ão de difícil controle.
A classe operária teve que se organizar em função da sua condição de assalariada e vendedora
de sua única mercadoria (força de trabalho), passando a vida do operário a ser dirigida conforme sua
condição de proletário.
O processo de adaptação a essa nova vida exigia profissionais para exercerem a função de adaptar os
operários à sua nova condição de assalariado. Assim emergiu, no final do século XIX — com a ascensão da
18
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
sociedade burguesa e com o aparecimento de classes sociais (a burguesia era a classe social dominante)
—, o serviço social, para assumir uma prática social que controlasse a força de trabalho e minimizasse
os problemas sociais.
Ao perceber que a luta de classe não poderia ganhar maior dimensão, pois prejudicaria a legitimação
do capital, o grupo hegemônico levou a luta para o campo ideológico, visando a instaurar, na sociedade,
mecanismos de intervenção para dar continuidade ao desenvolvimento do capital. É dessa lógica de
intervenção do capital que derivam critérios para o desenvolvimento do serviço social. Para Martinelli
(2006, p. 67),
[...] O serviço social era, pois, na verdade, um importante instrumento da
burguesia, que tratou de imediato de consolidar sua identidade atribuída,
afastando-o da trama das relações sociais, do espaço social mais amplo
da luta de classes e das contradições que as engendram e são por ela
engendradas.
Portanto, o serviço social, como prática social, teve a missão de difundir, no seio das famílias proletárias,
a ideia de que o trabalhador era o vendedor de sua força de trabalho e, ainda, de conscientizar os
trabalhadores a aceitarem as condições de exploração impostas pelos donos do capital. A competência
do serviço social era difundir a ideologia da classe dominante para, assim, contribuir para a consolidação
e legitimação do sistema capitalista.
2.3 A Revolução Industrial e a maior precarização da relação capital/
trabalho
O século XVIII foi um século de extremas mudanças: sociais, culturais, políticas, científicas, mas,
sobretudo, econômicas. Foi como se expressou, sobre esse período, uma testemunha ocular, o pensador
político Alexis de Tocqueville: “Estamos dormindo sobre um vulcão [...]. Os senhores não percebem que a
terra treme mais uma vez? Sopra o vento das revoluções, a tempestade está no horizonte” (HOBSBAWM,
2002, p. 27).
Iniciada na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, a Revolução Industrial imprimiu profundas
e duradouras marcas na sociedade, fato que pode ser compreendido a partir de determinados fatores,
tais como:
a) substituição de ferramentas por máquinas;
b) substituição do sistema de trabalho artesanal e doméstico pelo sistema fabril (fábricas);
c) novas alternativas energéticas, como o uso do vapor para movimentar o trabalho das máquinas,
para a produção de bens e transporte (trens, navios).
A passagem da manufatura artesanal para a industrial multiplicou o resultado produtivo do trabalho.
Essa evolução marcou o pioneirismo industrial inglês em relação ao restante da Europa.
19
Unidade I
O destaque da Inglaterra deveu-se aos seguintes aspectos:
a) acúmulo de capitais (exploração dos recursos minerais e matérias-primas das regiões colonizadas
e ocupadas);
b) reserva de carvão;
c) avanço tecnológico;
d) existência de mercados consumidores;
e) farta mão de obra existente nas colônias e evasão do camponês inglês para a cidade.
A Revolução Industrial consolidou duas classes antagônicas: de um lado, o empresariado (dono do
capital, fábricas, máquinas, matérias-primas e bens produzidos); do outro, os operários, que vendiam sua
força de trabalho aos empresários sem a justa remuneração.
A Revolução Industrial provocou o aumento da população nas cidades, concentrando os trabalhadores
nas fábricas. Com o objetivo de aumentar a produção, as linhas de montagem, no início do século XX,
tornaram a divisão técnica do trabalho cada vez mais específica.
A cidade se apresentava como o símbolo exterior desse mundo industrial que surgia. Foi na cidade que
o progresso se manifestou e, nela, consolidaram-se os problemas básicos com que até hoje padecemos,
tais como: miséria, fome, desemprego e falta de habitação. Em relação a isso, Hobsbawm (2002, p. 295)
afirma que,
[...] para os planejadores de cidades, os pobres eram uma ameaça pública,
suas concentrações potencialmente capazes de se desenvolver em distúrbios
deveriam ser cortadas por avenidas e bulevares, que levariam os pobres dos
bairros populosos a procurar habitações em lugares não especificados, mas
presumidamente mais sanitarizados e certamente menos perigosos. [...] Para
os construtores e empreendedores, os pobres eram um mercado que não
dava lucro, comparado ao dos ricos com seus negócios especializados.
A oferta de mão de obra e o desemprego iniciado pelo uso de máquinas obrigaram o trabalhador a
se submeter ao controle do empregador sob péssimas condições de trabalho e de salário. Democracia e
direitos humanos e trabalhistas eram apenas reflexos de um discurso vazio que, ainda no século XVIII,
não ganhou espaço.
Os empresários impunham duras condições aos operários para que aumentassem a produção e
garantissem maior margem de lucro ao capital. A falta de cuidados especiais com a mulher, o trabalho
infantil, a precariedade das instalações fabris (má iluminação e circulação de ar) e jornadas de trabalhos
que ultrapassavam 15 horas diárias provocaram inúmeros acidentes, doenças, redução do tempo de
vida etc. O desemprego, a pobreza, a falta de moradia também são problemas sociais provocados pela
Revolução Industrial.
20
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
Todos os problemas sociais anteriormente mencionados exigiram uma resposta por parte do estado,
que passou a intervir junto à classe operária visando a minimizar os problemas sociais provocados pela
Revolução Industrial. O estado contou com o apoio da Igreja Católica e de seus membros para intervir
nos problemas sociais, com a finalidade de prover condições mínimas de sobrevivência para a classe
operária. A intervenção da Igreja Católica foi realizada por meio de um trabalho que teve como base a
filantropia e a caridade. Realizava arrecadação na forma de doações e campanhas e ações nas áreas da
educação, saúde e assistência social.
Porém, é importante diferenciar caridade de ação social, que visa à emancipação. Por exemplo, no
período colonial da história brasileira, a Igreja Católica era encarregada de zelar pelo bem-estar da
população local, como estratégia para tirar de foco o desinteresse da nação colonizadora em relação
às questões sociais da colônia. Enquanto o estado utilizava-se do exército para efetivar seu controle
social, a Igreja, alinhada à política colonizadora de Portugal, proclamava a opção pelo Evangelho que,
na prática, significava optar pelos pobres, ajudando quem necessitasse.
2.4 A relação capital/trabalho
Reiterando, para Karl Marx, o modo de produção capitalista, baseado na relação capital/trabalho, é
definido como um modo de produção cujos meios estão nas mãos de uma minoria, que constitui uma
classe distinta da sociedade. Isto é, o trabalhador vende a sua força de trabalho. Pela falta de poder
de negociação, submete-se a trocar seu esforço físico, na produção, pela remuneração necessária ao
atendimento de suas necessidades mais elementares.
Os trabalhadores explorados organizam-se coletivamente, por meio dos sindicatos, para reivindicar
seus direitos.
Nessa relação de trabalho, surgem inúmeras demandas sociais não atendidas ou atendidas de
maneira precária pelo capitalismo, como a atenção à saúde do trabalhador, à sua alimentação,
à assistência social extensiva à família, à seguridade social e ao acesso aos serviços públicos de
educação etc.
Observação
Demanda social é a denominação técnica dada à necessidade social
e que, nessa situação, representa as necessidades dos trabalhadores não
atendidas por meio da remuneração de seu trabalho (remuneração que,
na maioria das vezes, tem seu valor estabelecido no atendimento das
necessidades básicas para manter a sobrevivência).
2.4.1 Capital/trabalho: uma relação de conflitos sociais
A relação capital/trabalho expressa conteúdo significativo no que tange ao fazer profissional do
assistente social, o qual se configura como atividade inserida em um processo de trabalho historicamente
21
Unidade I
construído e socialmente determinado pela correlação de forças articuladoras de uma dada totalidade
social. Iamamoto (2004) ressalta, portanto, ser essencial que compreendamos a categoria trabalho na
sociedade contemporânea. Diante disso, vamos relembrar o conceito de trabalho, considerando que essa
categoria reúne diversas definições.
Nesse processo, Guerra (2000) afirma que o homem, após a satisfação de suas necessidades imediatas,
inventa outras e percorre sua trajetória na busca constante de saciá-las. Para isso, cria novas formas
e meios (instrumentos e técnicas) para realizar o trabalho e aperfeiçoa-se, nesse ínterim, adquirindo
novos conhecimentos.
Lembrete
O que é trabalho?
Iamamoto, citada por Nicolau (2004, p. 87), afirma que “trabalho em
Marx é transformação da natureza, mas o homem é também natureza
e se transforma nesse processo”. Segundo ela, tanto o trabalho quanto
seu produto são propriedade capitalista. Assim sendo, gera a alienação
do produto do trabalho pelo trabalhador. Este se encontra alijado desse
resultado na medida em que o que o capitalista devolve, em forma de
salário, trata-se apenas do suficiente para emprego na aquisição dos meios
de vida do trabalhador e de sua família, reproduzindo assim o trabalhador
enquanto assalariado.
Note, aluno, que, na relação de produção de bens materiais, o homem não somente produz objetos,
mas também atividades críticas.
Observação
As transformações ocorridas na relação homem-meio teriam
sido sempre assim na história da humanidade? Temos, de fato, nos
empenhado no uso dos objetos existentes, transformando-os em meios
para a concreção de nossos projetos? Para atender a que interesses? Qual
a intensidade e a profundidade das transformações gestadas no homem
nesse processo, seja no âmbito cultural, no da ética etc.? Diante das atuais
discussões na área de proteção e preservação ecológica, trabalhamos bem
a natureza?
Fazer uma “visita” à nossa formação e à evolução histórico-social e
econômica pode ajudar a elucidar essas questões, além de nos mostrar
como vêm ocorrendo a construção social, a geopolítica etc.
22
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
Guerra (1997, p. 9) assevera que
No processo de trabalho a passagem do momento da pré-ideação (projeto)
para a ação propriamente dita requer instrumentalidade. Requer a conversão
das coisas em meios para o alcance dos resultados. [...] É essa capacidade que,
como instância de passagem, possibilita passar das abstrações da vontade
para a concreção das finalidades.
A autora em foco afirma, ainda, que no processo de produção material das nossas necessidades
inventamos e reinventamos instrumentos, ou seja, realizamos a conversão do que dispomos na natureza
em meios para a obtenção de resultados pleiteados. Para a materialização das ideias, imprimimos
esforços no sentido de atingirmos metas e objetivos e, nesse processo, criamos e recriamos a natureza e
nos modificamos por meio dela.
Iamamoto (2004, pp. 26-27), ao citar Marx, afirma que “a produção/reprodução das relações sociais
abrange [...] ‘formas de pensar‘, isto é, formas de consciência, através das quais se apreende a vida social”.
Face ao exposto, você pode compreender que, ao longo do desenvolvimento das sociedades, o homem
foi aperfeiçoando o trabalho para satisfazer suas necessidades, as quais ampliaram o leque da produção
material das satisfações imediatas.
No processo de produção/reprodução dos meios de vida, os homens se relacionam, criam formas
de estabelecer relações sociais e, pelo estabelecimento desses vínculos, constroem os meios necessários
para difundir ideias e, consequentemente, os meios da produção e do lucro.
Iamamoto e Carvalho (2005, p. 40) asseveram que a força de trabalho em ação
[...] é uma função pessoal do trabalhador, enquanto gasto de sua força
vital, realização de suas capacidades produtivas. Porém, enquanto criador
de valores, pertence ao capitalista que comprou a força de trabalho para
empregá-la, produtivamente, durante um certo período de tempo. A força
de trabalho é uma potência que só se exterioriza em contato com os meios
de produção; só sendo consumida, ela cria valor. O consumo da força de
trabalho pertence ao capitalista, do mesmo modo que lhe pertencem os
meios de produção.
A citação anterior evidencia o processo de exploração e alijamento, alienação da classe
dominada, a qual sobrevive da venda de sua força de trabalho ao capital. Iamamoto (2004) ressalta
também que a produção social não se limita somente à produção de objetos materiais, mas trata
de relação social entre as pessoas, entre classes sociais que personificam determinadas categorias
econômicas.
As relações sociais engendradas pelo capital são responsáveis por essa exploração de trabalho, a
qual não se revela na imediaticidade/superficialidade do olhar, uma vez que se apresenta de forma
camuflada, mascarada, o que dificulta uma leitura crítica da realidade pela classe que vive do trabalho.
23
Unidade I
Ela vende sua força de trabalho, porém o lucro da produção pertence ao capitalista, detentor dos meios
de produção. A diferença entre o valor da venda da mercadoria e o salário pago ao trabalhador é
chamada de mais-valia, conforme vimos anteriormente.
Nessa dimensão do mundo do trabalho, o modo de produção capitalista revela com tenacidade sua
característica central: a acumulação. Logo se torna imprescindível aos capitalistas a produção de bens
e serviços em grande escala, conquista adquirida mediante a compra da força de trabalho humano e a
exploração.
Em decorrência disso, surge a questão social e suas expressões: a divisão entre classes, os antagonismos
e os conflitos na sociedade.
Saiba mais
Questões sociais ou expressões da questão social?
Alguns estudiosos fazem uso do emprego de ambas, porém ficamos com
a segunda forma por entender que, por uma questão de semântica, melhor
exprime a intensidade do real concreto. Leia o livro de Marilda Iamamoto,
O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional,
para melhor assimilar as transformações societárias contemporâneas e
aprofundar-se no conceito questão social.
Para tanto, Iamamoto (2004, p. 27) explicita, com muita significação, que:
Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades
da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção
social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social,
enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada
por uma parte da sociedade.
Tal afirmação mostra como a dinâmica social do sistema capitalista fundado em um regime de
acumulação traz em seu bojo intensas e profundas contradições, as quais demandam o surgimento do
serviço social enquanto profissão que desempenhará o papel de mediador dos conflitos sociais advindos
da exploração capitalista. A trajetória histórica do serviço social é reveladora dos avanços ocorridos no
seio dessa profissão, a qual, com o intuito de intervir nos problemas sociais, paulatinamente abandona
ações de cunho caritativas e bondosas, optando por realizar atividades organizadas e sistematizadas, fato
que imprime base científica e técnica às atividades caridosas. Vejamos, na sequência, uma intervenção
relevante nesse sentido, mas, em relação à questão social, retomaremos tal assunto quando estudarmos
a noção de processo de trabalho.
24
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
2.5 A organização da assistência social e o importante estudo de Mary
Richmond
A Revolução Industrial provocou a reordenação da sociedade com a formação de classes sociais
antagônicas: detentores do capital x trabalhadores.
Nessa época, negócios eram coisas para homens. As mulheres pertencentes ao segmento de renda
alta limitavam-se, via de regra, a cuidar da casa, dos filhos e a participar dos grupos e trabalhos da igreja.
As damas de caridade, fortes aliadas dos movimentos filantrópicos da igreja, tornaram-se comuns na
sociedade através dos séculos. Eram voluntárias, utilizavam sua sensibilidade para chegar até os mais
pobres e “supriam”, por meio de doações, as necessidades mais elementares, como alimentos, roupas
e medicamentos. Elas desempenharam um papel importante na diminuição do sofrimento, um papel
de remediação da situação social, não de emancipação. Na assistência social prestada pelas damas de
caridade, não havia organização ou sistematização. As justificativas eram ideológicas ou religiosas.
Em meados do século XIX, algumas experiências (na Inglaterra, França e Alemanha) foram realizadas
nas paróquias, a fim de melhor organizar as ações caritativas. Constituíram o primeiro esboço técnico da
assistência social. Partiam da ideia da divisão da paróquia em grupos de vizinhos (setores) para facilitar
a distribuição da ajuda material e para os aconselhamentos às pessoas e às famílias.
Em 1833, as conferências São Vicente de Paulo organizaram seus trabalhos a partir da divisão
territorial para visitas, ajudas em domicílio e apoio estruturado em programas para crianças, jovens e
pessoas idosas.
As “damas de caridade” ou as pessoas que tinham tempo disponível para a ajuda aos necessitados
realizavam:
a) identificação das necessidades de cada pessoa e de sua família;
b) análise dos pedidos de ajuda das pessoas e famílias;
c) estudo da melhor aplicação dos recursos disponíveis (racionalização
dos gastos, priorizando as necessidades principais);
d) visitas aos pobres para levar ajuda material e realizar aconselhamentos;
e) busca de vagas de trabalho para os desempregados (ESTEVÃO, 2005, p. 54).
A partir desse trabalho sem sistematização, mas que tinha claro enfoque de atendimento às
demandas sociais, em 1869 foi criada a Sociedade de Organização da Caridade, em Londres. Ela tinha
como princípio a prática da assistência social contemporânea, ou seja:
a) cada caso a ser atendido se iniciaria com uma pesquisa;
b) o resultado dessa pesquisa seria encaminhado a uma comissão que
decidiria sobre a ajuda;
25
Unidade I
c) as ajudas aconteceriam para reconduzir a pessoa ao trabalho e à
autossustentação;
d) seriam realizados contatos com outras instituições (inclusive empresas)
para promover a reintegração da pessoa ao mercado;
e) as instituições de caridade passariam a enviar os dados das pessoas e
famílias atendidas para a composição de um cadastro central;
f) seria constituído um banco de dados sobre os projetos para que as ações
pudessem ser repetidas quando necessário (ESTEVÃO, 2005, p. 54).
Esse tipo de organização proliferou pelos países capitalistas, tendo como enfoque a organização
da assistência social (especialmente estampada pelas ações de filantropia das igrejas e das damas de
caridade) e a oferta de uma formação às pessoas interessadas em atuar nessa área. Temos o “berço” das
escolas de serviço social.
Antes da criação da primeira escola de serviço social no mundo, havia a Escola de Filantropia Aplicada.
Ela foi proposta por Mary Richmond, da Sociedade de Organização da Caridade de Baltimore, durante
a realização da Conferência Nacional e Correção, em Toronto (1897). Essa escola realizava cursos de
aprendizagem da aplicação científica da filantropia, visando, conforme afirma Martinelli (2006, p. 106),
a desenvolver “a tarefa assistencial como eminentemente reintegradora e reformadora do caráter [...]”.
Richmond contribuiu para desenvolver a concepção dominante na sociedade capitalista, de que os
problemas sociais estavam diretamente associados aos problemas de caráter.
Mary Richmond foi uma assistente social norte-americana do início do século XX, autora do livro
Caso social individual, publicado em 1917, que trata da prática profissional do assistente social. Iniciou o
estudo e a elaboração de documentos sobre o serviço social, apontou que praticar a “assistência social”
como filantropia ou caridade era diferente de desenvolver o serviço social.
Observação
Na época da publicação da obra de Richmond e do desenvolvimento dos
métodos do serviço social (investigação individual, grupo e comunidade),
o mundo passava por sua mais severa crise econômica: a quebra da Bolsa
de Nova York. Esse seria o marco do fim do liberalismo econômico do
capitalismo. No início do século XX, os EUA somaram quase 10 mil bancos
e 85 mil empresas falidos, deixando um exército de mais de 13 milhões
de desempregados. A sistematização do serviço social era necessidade
precípua das sociedades.
Para Richmond, serviço social não era prover os necessitados com ajuda material; o correto exercício
da profissão seria iniciar minuciosa investigação sobre a pessoa em seu meio social (escola, família,
trabalho, comunidade).
26
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
Esse procedimento recebeu as designações de “compreensão do meio social” e “ação sobre a
personalidade da pessoa e sobre o seu meio social”.
Portanto, os estudos de Mary Richmond atribuíram um caráter científico à ação social filantrópica,
que marchou decisivamente para a institucionalização da filantropia. O processo de organização da
assistência social contribuiu para o surgimento do serviço social como profissão e, antes de terminar
o século XIX (ainda no ano de 1899), foi fundada a primeira escola de serviço social do mundo, em
Amsterdã, na Holanda.
A tese de Mary Richmond convenceu os donos do capital de que os problemas apresentados pela
classe trabalhadora estavam associados aos problemas de caráter. Assim, trabalhando e reformando o
caráter do indivíduo, contribuiria para retorná-lo para o mercado de trabalho. Essa proposta resultou em
um curso que ocorreu em 1898, em Nova York.
Observação
A expressão “caráter” foi utilizada por Mary Richmond para responder
às inquietações do serviço social da época. Na atualidade, tal terminologia
é impensável no serviço social.
Após o referido curso, a ação social realizada com base na filantropia caminhou rumo ao processo de
institucionalização do serviço social. Em 1899, foi fundada a primeira escola de serviço social no mundo,
em Amsterdã, capital da Holanda, conforme vimos anteriormente.
A primeira escola da América Latina foi criada em Santiago, no Chile, pelo médico Alejandro Del
Rio. O serviço social era considerado como uma subprofissão da medicina, pois auxiliava os médicos no
atendimento aos pacientes.
O serviço social se resumia a fazer o bem ao próximo por amor a Deus, a partir de práticas imediatistas
e assistencialistas.
No Brasil, o serviço social foi primeiramente implantado em São Paulo, em 1936; depois, no Rio de
Janeiro, em 1938.
Segundo Lima (2001), as escolas de serviço social visavam a formar profissionais a partir de uma
personalidade cristã. Não era necessário somente técnica profissional, necessitava-se de profissionais
com uma mentalidade cristã frente ao homem e à sociedade, na perspectiva da justiça social e da
caridade, por amor a Deus e ao próximo.
O objetivo último das escolas era formar a personalidade dos profissionais. Tudo em prol
de uma prática conservadora, fundamentada na caridade cristã, por meio de uma prática
assistencialista.
27
Unidade I
Lembrete
A prática assistencialista no serviço social está relacionada à questão
da ajuda e, desde o Movimento de Reconceituação (que estudaremos no
item a seguir), pautada na teoria de Karl Marx, vem sendo superada pelos
profissionais ao longo dos anos com uma prática profissional na perspectiva
da garantia dos direitos de cidadão.
O assistente social da atualidade deve desenvolver, na sociedade, funções intelectuais ou ideológicas,
em organizações públicas ou privadas, por meio de prestação de serviços sociais para a classe trabalhadora.
“Seu objetivo é transformar a maneira de ver, de agir, de se comportar e de sentir dos indivíduos em sua
inserção na sociedade” (IAMAMOTO, 2002, p. 40).
Ele atua na administração de recursos institucionais. A sua função intelectual resulta na distribuição
e controle desses recursos junto à população que se encontra em situação de vulnerabilidade
socioeconômica e cultural, intervindo em suas necessidades básicas de sobrevivência.
3 O NEOLIBERALISMO E A PRECARIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Ao final da década de 70 do século XX, o Brasil iniciou uma nova fase econômica que,
consequentemente, influenciou diretamente na vida social contemporânea. Essa vivência provém da
influência de todo o mundo e não se mostra apenas na realidade brasileira. Assim, na década de 70,
houve a transição do modelo keynesiano para o neoliberal.
O keynesianismo, nos termos de Behring e Boschetti (2010), surgiu após a Segunda Guerra Mundial
e propunha alternativas ao papel do estado, dentre os quais recomendava a intervenção desse órgão
junto aos problemas sociais. Nesse sentido, o estado realizava intervenções nos problemas sociais, junto
às expressões da questão social, através da constituição dos serviços públicos, as políticas sociais. O
estado colaborava ainda no sentido de criar mecanismos para estimular o consumo, como, por exemplo,
estimular o pleno emprego. No entanto, essa forma de governança começou a entrar em declínio visto
que argumenta de forma contrária aos gastos sociais empreendidos com tal “objetivo”.
Já o neoliberalismo é uma política econômica que envolve vários aspectos, como: privatizações de
empresas estatais, desresponsabilização da área social com redução de gastos e cortes nas políticas
públicas, flexibilização das relações trabalhistas, ocasionando a precarização do trabalho, denominada
de reestruturação produtiva. A política neoliberal é um retrocesso no campo social para os diversos
segmentos minoritários da sociedade, pois fortalece a exploração, a acumulação capitalista e acirra as
expressões da questão social com uma expansão constante da desigualdade e do desemprego estrutural.
O neoliberalismo reforça a competitividade entre as pessoas e as empresas, na busca de maior espaço
para seus produtos no mercado, com menor custo possível, o que expõe os trabalhadores a condições de
maior exploração de sua mão de obra, a uma maior produção de mais-valia e à precarização das relações
de trabalho.
28
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
Exemplo disso são empresas de grande porte que ameaçam manter os empregos dos seus
trabalhadores somente se houver a redução dos encargos trabalhistas (como o INSS, o 13º salário e o
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), sob a alegação de cortar gastos e custos em função
de dificuldades financeiras.
As organizações empresariais modernas são competitivas por excelência e, para garantirem o
aumento no mercado consumidor ou a fidelização daqueles que consomem seus produtos ou serviços,
introduzem no mercado produtos de alta qualidade, com custos baixos, visando ao maior consumo por
parte da sociedade. Nesse sentido, as inovações tecnológicas são instrumentos muito utilizados, que
impõem um novo campo de pré-requisitos aos trabalhadores.
Essa inovação tecnológica é representativa de todo um processo de reestruturação produtiva iniciado
na década de 70 e altera os modos de produção e de trabalho. Essa inovação calcada nos ideais neoliberais
é resultado da queda do taylorismo e do fordismo como modelos de produção e de sua substituição pela
produção toyotista. No caso, a produção fordista e taylorista pressupunha a produção em massa, em
grande escala e não se respaldava tanto em desenvolvimento tecnológico. A produção toyostista, por
seu lado, proveio da fábrica Toyota e pressupunha a produção apenas para atender à demanda que, por
seu lado, pode ser uma demanda variada, ou seja, de produtos diferenciados. Assenta-se ainda sobre a
importância da adesão dos trabalhadores ao processo produtivo, sobretudo sobre o enfoque do trabalho
em equipe (ANTUNES, 1999).
Essa mudança no âmbito da produção ainda pressupõe como regra o just in time, ou seja, o melhor
aproveitamento possível do tempo durante o processo produtivo, e a recorrência ao sistema Kanban,
que disciplina inclusive a utilização de senhas com o objetivos de repor peças no processo produtivo.
Esse sistema de produção tem como enfoque ainda atingir níveis mais elevados de qualidade, sendo
esses processos construídos para se alcançar a esperada “qualidade total” (ANTUNES, 1999).
No âmbito das relações trabalhistas, segundo Antunes (1999), há uma precarização das mesmas.
Assim, o autor nos coloca que há uma redução considerável do proletariado fabril em decorrência dos
processos de inovação tecnológica nos quais há uma economia do trabalho vivo pelo trabalho morto, ou
tecnológico. O trabalho formal declina e aumenta, substancialmente, o setor da prestação de serviços. O
trabalho feminino nesse momento também aumenta, apesar dos baixos salários em relação ao trabalho
masculino, e há uma exclusão de jovens e idosos do mercado de trabalho.
Além disso, para aumentar suas possibilidades de inclusão no mercado de trabalho, os trabalhadores
são obrigados a desenvolver novos conhecimentos e habilidades incessantemente, a fim de melhor
responderem às expectativas de um mercado sempre mais competitivo e dinâmico. Exigem-se uma
melhor comunicação, domínio de computação e, muitas vezes, fluência em línguas estrangeiras
(destacadamente o inglês).
Enfim, exige-se que o trabalhador esteja bem preparado para atuar em empresas e/ou instituições
com vocação para a polivalência. Isso quer dizer que deverá ser conhecedor de diversas áreas, “um faz de
tudo um pouco”, o que é muito ruim, porque descaracteriza a mão de obra especializada e torna o fazer
mais superficial. Além disso, sobrecarrega funcionários que se desdobram para desenvolver atividades
29
Unidade I
que comportariam mais pessoas. Consequentemente, isso gera mais riqueza às empresas/instituições e
inúmeras doenças aos trabalhadores.
Em suma, diríamos que vivemos a reinvenção do trabalho, das relações sociais, norteada pela sociedade
de consumo, e essas relações se tornam cada vez mais precárias, sobretudo em relação ao trabalhador.
As mudanças e os avanços tecnológicos no setor produtivo diminuíram a necessidade de mão de obra
manual; nas fábricas, as grandes máquinas ainda compõem o cenário fabril, entretanto, não são mais meras
máquinas analógicas que necessitam exclusivamente da intervenção humana para funcionar. A automatização
provocou uma revolução, surgiram as máquinas digitais e, em todo o processo fabril, hoje existem computadores
controlando o processo de qualidade. É inevitável que essa modalidade de mão de obra qualificada ocasione o
desemprego em massa; funções, espaços passam a ser automatizados, computadorizados.
O trabalho não deixará de existir, mas está sofrendo transformações profundas. Antunes assim
resume esse período:
Essas consequências no interior do mundo do trabalho evidenciam que, sob
o capitalismo, não se constata o fim do trabalho como medida de valor, mas
uma mudança qualitativa, dada, por um lado, pelo peso crescente da sua
dimensão mais qualificada, do trabalho multifuncional, do operário apto a
operar máquinas informatizadas, da objetivação de atividades cerebrais [...]
(ANTUNES, 1999, p. 233).
No entanto, como pontua Antunes (1999), apesar do trabalho não “acabar”, as condições de sua
efetivação se tornam cada vez mais diferenciadas para atender as demandas postas pelo sistema
capitalista. No caso, vivenciamos assim condições ruins de trabalho e ainda a expulsão de grande parte
dos trabalhadores do mercado de trabalho. Esses fenômenos só tornam as expressões da questão social,
ou melhor dizendo, só tornam os problemas sociais mais latentes e será sobre eles que nós assistentes
sociais iremos atuar.
No item seguinte, faremos algumas reflexões sobre esse fenômeno que convencionamos denominar
como “questão social” e sobre o qual iremos atuar.
3.1 O significado contemporâneo da questão social no Brasil
Para melhor compreender o fenômeno da questão social, necessita-se compreender a história, não
apenas a história do Brasil, mas a história geral, que trouxe condicionantes da realidade brasileira. Assim,
retomamos o período denominado Idade Média, no qual os centros comerciais eram onde se realizavam
as trocas de produtos; posteriormente esses centros se tornaram cidades e, com a Revolução Industrial
(séculos XVIII e XIX), a humanidade passou por um forte processo de urbanização, no qual as famílias
saíam do campo para buscar oportunidade nas fábricas localizadas nas cidades.
Essas mudanças históricas e a urbanização das sociedades transformaram as relações sociais e as
relações de trabalho e contribuíram para a formação dos problemas sociais em todo o mundo. A questão
30
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
social no Brasil tem seu fundamento nas contradições de classes e na exploração das minorias. No
contexto histórico brasileiro, podemos constatar o crescimento da questão social, que se traduz em
problemas sociais desde o período da escravização do indígena, passando pela escravização do negro,
a discriminação da mulher, a exploração da criança e do adolescente, o trabalho escravo que ainda
permeia as comunidades rurais, a discriminação com as pessoas idosas e os processos de exclusão. São
expressões que marcam a composição de questões profundas e que se perpetuam sob outras nuances
até hoje.
É importante compreender que a exploração capitalista gera inúmeras demandas sociais, que
preocupam diversos segmentos da sociedade, inclusive o serviço social. Os assistentes sociais, em
especial, irão atuar diretamente nas diversas expressões da questão e, por isso, precisam se aprofundar
em conhecimento acerca de como elas se originam e se apresentam. Apontaremos a seguir, de forma
sucinta, algumas formas de violação, discriminação e exclusão que atingem as minorias sociais, indicando
ainda como essas situações se dão a partir do neoliberalismo.
3.2 O neoliberalismo e a “nova questão social”
O advento do neoliberalismo no Brasil, a partir da década de 90, é o ponto crucial para entendermos
as transformações que ocorreram e, principalmente, como foram abaladas as relações de trabalho.
O mundo passou a ser muito mais competitivo após a Segunda Guerra Mundial, com um novo tipo
de sociedade, com novas relações entre o capital e o trabalho. Passaram a ser usadas novas e modernas
tecnologias, o que ocasionou profundas transformações no mundo do trabalho e fez acreditar que
o trabalhador deixaria de existir para dar lugar às máquinas altamente evoluídas com recursos de
microeletrônica, robótica etc. No entanto, houve e continuará havendo inúmeras transformações no
mundo do trabalho que causarão o desaparecimento de certas profissões, dando lugar a outras que
atendam às necessidades contemporâneas.
Há uma maior flexibilização das relações de trabalho, maiores exigências quanto às habilidades dos
trabalhadores; vivenciam-se a precarização das relações de trabalho, novas modalidades de desemprego,
como a do “analfabeto digital”, que muitas vezes não consegue se inserir no mercado de trabalho formal
devido à completa ausência de conhecimentos acerca do manuseio de computadores simples, ou mesmo
o capacitado ao mercado que não consegue inserção devido ao desemprego estrutural.
Portanto, falar em nova questão social, atualmente, é somar todos os problemas históricos
que tínhamos e mais o desemprego e a precarização do trabalho, o que agrava completamente a
realidade contemporânea. Diante dessa realidade complexa, pensar formas de enfrentamento se
torna inevitável.
3.3 A questão social em uma sociedade em transformação
Sabemos que o tema questão social nada mais é do que a contradição existente entre o trabalho e o
capital e, como tal, está relacionado diretamente ao âmbito da produção capitalista.
31
Unidade I
Saiba mais
Para saber mais sobre questão social, leia o artigo científico Questão
social: objeto do serviço social?, escrito por Ednéia Maria Machado, que se
encontra no site <http://www.ssrevista.uel.br/c_v2n1_quest.htm>
Segundo Iamamoto e Carvalho (2005, p. 77):
[...] a questão social não é senão as expressões do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político
da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do
empresariado e do estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da
contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros
tipos de intervenção mais além da caridade e repressão.
Portanto, tivemos mudanças da sociedade mundial no século XX, principalmente com a flexibilização
da economia, que redesenharam a linha de produção, e, consequentemente, o papel do estado e dos
instrumentos legais que foram conquistados pelos trabalhadores e difundidos pelas diversas sociedades
regidas pela produção industrial.
Podemos afirmar que a temática “questão social” não é consenso entre os estudiosos. Nesse sentido,
Machado (2008) realiza a seguinte análise:
[...] ao utilizarmos, na análise da sociedade, a categoria questão social,
estamos realizando uma análise na perspectiva da situação em que se
encontra a maioria da população – aquela que só tem na venda de sua
força de trabalho os meios para garantir sua sobrevivência. É ressaltar
as diferenças entre trabalhadores e capitalistas, no acesso a direitos, nas
condições de vida; é analisar as desigualdades e buscar forma de superálas. É entender as causas das desigualdades, e o que essas desigualdades
produzem, na sociedade e na subjetividade dos homens.
O século XXI assiste ao fechamento de um ciclo no processo produtivo da sociedade e isso pôde ser
observado ao longo do século XX, em que se construíram novos modelos produtivos e se desenvolveram
tecnologias que, aos poucos, foram redesenhando o perfil da mão de obra empregada na linha de
produção e tornando o papel do estado cada vez mais secundário na garantia dos direitos trabalhistas.
Vivemos hoje um dimensionamento do tamanho do estado e de sua relação com as formas de
produção empregadas em uma sociedade cada vez mais interligada pela tecnologia e pelas novas formas
de conhecimentos geradas pela globalização, que tornam a sociedade mais complexa.
32
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
Nesse sentido, Mingione (1998) nos esclarece que
[...] as sociedades contemporâneas encontram-se no final de um ciclo
histórico que testemunhou a prevalência dos fatores organizacionais
associativos. Os principais ingredientes desse capital de regulação foram:
a predominância das economias de escala e o desenvolvimento de grandes
complexos industriais; os programas de assistência social estatal (no âmbito
do welfare state); o consumo padronizado de massas; a institucionalização
dos grupos de interesse; a família nuclear fundada no sistema do provedor
único (emprego masculino em tempo integral e discriminação sistemática
das mulheres, juntamente com profundas alterações nos padrões de
reprodução e nas responsabilidades assumidas principalmente pelas
mulheres); e o individualismo familístico (investimento na mobilidade
ascendente intergeracional dos filhos do sexo masculino). Tais elementos
desenvolveram-se de diversas maneiras nos diferentes modelos do welfare
capitalism.
Percebemos que, na virada do século XX, a mulher ainda era discriminada no mercado de trabalho,
mesmo depois da força que teve o movimento feminista na segunda metade do século, com lutas pela
igualdade do gênero: temos essa discriminação estampada no mercado de trabalho.
Nesse quadro, percebemos que a questão social serve como argamassa para o profissional de serviço
social entender a lógica do capital e a lógica do trabalho, assim como o processo de desigualdade existente
na contradição dessas duas expressões da sociedade contemporânea. Ou, como afirma Mingione (1998):
[...] neste terreno contraditório entre a lógica do capital e a lógica do
trabalho, a questão social representa não só as desigualdades, mas,
também, o processo de resistência e luta dos trabalhadores. Por isto ela é
uma categoria que reflete a luta dos trabalhadores, da população excluída
e subalternizada, na luta pelos seus direitos econômicos, sociais, políticos,
culturais. E é aí, também, que residem as transformações históricas da
concepção de questão social. O avanço das organizações dos trabalhadores e
das populações subalternizadas coloca em novos patamares a concepção de
questão social. Se, no período ditatorial brasileiro pós-64, a luta prioritária
era romper com a dominação política, hoje a luta é pela consolidação da
democracia e pelos direitos de cidadania. As transformações no mundo
do trabalho, seja com a substituição do homem pela máquina, seja pela
erosão dos direitos trabalhistas e previdenciários, exigem, também, que se
reatualize a concepção de questão social.
Esse é o contexto que foi gerado pela sociedade contemporânea e que tem como meta a flexibilização
tanto da mão de obra quanto da linha de produção, e isso se expressa também nas outras esferas da vida
social e passa a impregnar a atitude do estado e das instituições sociais.
33
Unidade I
3.4 Decifrando a nova questão social... não tão nova assim!
Nas leituras sobre questão social, a todo o momento nos deparamos com a dicotomia velha/nova
questão social. Historicamente, a questão social surgiu quando do surgimento da ordem capitalista, em
dois momentos:
1. Quando da consolidação da economia e política do estado burguês, ou seja, quando o capital
tornou-se força e modelo de produção, mudando definitivamente as relações de trabalho; é nessa
perspectiva que está posta a velha questão social.
2. A nova questão surgiu quando, já nos anos 70 do século XX, no Brasil, o capital passou por um
novo estado de metamorfose, reorganizando suas formas e forças produtivas.
Na segunda metade do século XX, houve a precarização da sociedade salarial, com o agravamento
das tensões sociais. Autores como Castel, Wanderley e Belfiore (2000, pp. 240-241) afirmam:
“Verifica-se então um processo de precarização como o grande fenômeno que atingiu as
situações de trabalho, no sentido de sua mercantilização e de soluções na ordem do mercado,
como a globalização”.
Poderíamos ser levados à falsa compreensão de que a existência de uma nova questão social
conduziria ao esquecimento das antigas formas de enfrentamentos da velha questão social. No entanto,
ambas (antiga e nova) continuam a manter os traços essenciais e constitutivos da sua origem. A questão
é que os antigos problemas encontram-se agora potencializados pela globalização.
Sobre os efeitos da globalização da economia, Rosanvallon afirma:
Existem três etapas na crise do estado-providência: a) a financeira, que
dataria dos anos 70, b) a ideológica, presente nos anos 80, c) a filosófica, que
ter-se-ia iniciado na década de 90. [...] não tomamos consciência dessa nova
crise que acompanha o surgimento de uma nova “questão social”, que traz
como principais problemas: a desintegração dos princípios de solidariedade
e o fracasso da concepção tradicional de direitos sociais [...]. (citado por
PASTORINI, 2004, p. 51).
Portanto, a precarização do trabalho é fruto de suas transformações e da reestruturação internacional
do capitalismo nas últimas décadas, denominada por Castel de metamorfose da questão social. É
quando surgem o desemprego de longa duração, a flexibilização dos empregos, a crescente pobreza e
a desproteção social. Essas questões têm suas discussões centradas na coesão social e fundamentam a
existência de uma nova questão social.
Dessa forma, a nova questão social parte da seguinte problemática: como as sociedades atuais
interrogam-se sobre sua coesão social? Castel propõe um modelo para medir o grau de coesão e tem
como partida a existência de uma forte relação entre a integração pelo trabalho (emprego estável,
34
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
emprego precário, expulsão do emprego) e a participação nas redes de sociabilidade (inserção relacional
forte, frágil ou isolamento). Dos dois eixos partem quatro zonas diferentes das formas de coesão social:
integração, vulnerabilidade, desfiliação e assistência. Assim afirma Castel:
Estar dentro da zona de integração significa dispor de garantia de trabalho
permanente e capacidade de mobilizar suportes relacionais sólidos; a zona
vulnerabilidade associa precariedade do trabalho e fragilidade relacional; a
zona de desfiliação conjuga ausência de trabalho e isolamento social; zona
da assistência, associada ao não-trabalho (por incapacidade de trabalho),
ou seja, da dependência segurada e integrada (citado por PASTORINI, 2004,
pp. 65-66).
O equilíbrio entre as diferentes zonas servirá como indicador para a avaliação do nível de coesão
social. A zona de vulnerabilidade ocupa uma posição singular e estratégica e é vista como o termômetro
da coesão social, pois, controlada e reduzida, permite a estabilidade, mas, quando em expansão, alimenta
as contradições, colocando em risco a estabilidade e a própria coesão social.
Portanto, desvelar a nova questão social significa compreender a relação capital versus trabalho
no início da industrialização e avançar no deciframento da realidade para compreender, criticamente,
o quanto o neoliberalismo transformou e agravou as manifestações da questão social por meio do
desemprego e da precarização do trabalho.
3.5 Formas de enfrentamento da questão social no Brasil
Não há uma receita para enfrentar as questões sociais, mas há que se discutir no Brasil esta
possibilidade, que é a necessidade de ter instrumentos eficientes que estabeleçam políticas
públicas que possam atender a demandas sociais de um país que tem crescimento econômico pífio,
concentração de renda absurda e que, por isso, não consegue gerar uma riqueza mais homogênea
e equitativa.
A pobreza faz parte de uma conjuntura estrutural e social e tem suas bases históricas, mas não
pode ser aceita como um fenômeno natural, e seus degraus se referem a contextos específicos. Essa
discussão nos remete a duas formas de enfrentamento dessa questão social. A primeira, teórica, restrita
ao campo das ideias e fomentadora de referenciais teóricos, pode servir de suporte para a tomada de
decisões. A segunda é que a questão social deve ser vista pelo prisma político, tornando-se indispensável
nesse espaço a luta para erradicar as causas mais conhecidas e minorar os efeitos mais perversos de sua
existência. Daí também a necessidade de políticas públicas realmente efetivas, que endossem as formas
de enfrentamento da questão social.
As políticas sociais são, segundo Demo (1998), formas organizadas de enfrentamento da questão
social, conduzindo os estudos ao entendimento de que o planejamento das ações deve sempre existir e
considerar as variáveis regionais, os recursos existentes e os parceiros institucionais como aspectos que
podem conduzir o processo a um maior ou menor grau de eficiência e efetividade.
35
Unidade I
Segundo afirma Demo (1998, p. 14):
A política social pode ser contextualizada, de partida, do ponto de vista
do estado, como proposta planejada de enfrentamento das desigualdades
sociais. Por trás da política social existe a questão social, definida
desde sempre como a busca de composição pelo tolerável entre alguns
privilegiados que controlam a ordem vigente e a maioria marginalizada
que os sustenta.
Os países de maiores dimensões, como o Brasil, necessitam de sistemas de participação e cooperação
interinstitucional mais efetivos e dinâmicos, pois uma política social pública idealizada e concebida pelo
governo federal deverá, via de regra, contar com a participação dos governos estaduais e, por fim, dos
municípios onde efetivamente as ações serão desenvolvidas.
A rede de atendimento e de enfrentamento da questão social no Brasil somente consegue alcançar,
com êxito, todo o território nacional graças à participação dos três níveis do governo (União, estado
e Município). Além dessas três esferas (governo federal, estadual e municipal), há outros agentes de
políticas sociais, oriundos dos movimentos sociais (centenas de milhares de OSCs – Organizações da
Sociedade Civil – e de ONGs – Organizações não Governamentais) e da participação de empresas
que atuam no atendimento às demandas sociais. As políticas desenvolvidas pelo segundo e terceiro
setor devem ser compreendidas e efetivadas com seriedade, uma vez que servem como complemento
da ação estatal e nunca como substituta dos serviços públicos. Para o estado, inclusive, é muito
conveniente que essas instituições atuem na área social, pois é uma forma de ele se desresponsabilizar
e de ser menos pressionado por intervenções nesse âmbito, o que coaduna muito bem com a ideologia
neoliberal.
Apesar de atualmente as empresas difundirem e adotarem a responsabilidade social, e atuarem
na área social, ambiental, educacional e assim por diante, deixam muito a desejar, porque, acima
de tudo, o lucro e a competitividade são os maiores valores contemporâneos neoliberais. Como
se percebe, é uma contradição que devemos analisar criticamente para não atribuir demasiado
valor a ações focais, insuficientes e não sistematizadas na área social nem acreditar que empresas
capitalistas, que primam pelo lucro em detrimento do trabalho, estão voltadas para o humano ou
o meio ambiente. São válidas as ações que executam, mas não podem dissimular um fato: elas são
formas de ressarcimento da agressão e exploração que essas empresas exercem sobre a sociedade
e o meio ambiente.
É inegável que as políticas públicas, por meio dos programas sociais, deixam muito a desejar, devido
à limitação de recursos (por fatores diversos, como o alto custo político das estruturas governamentais,
as metas de redução de gastos públicos definidas pelos credores internacionais). Assim, os programas
acabam se tornando mais uma vez compensatórios e não universalistas.
No Brasil, o estado atua em diversas frentes, como no Programa Nacional de Reforma Agrária, no
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), no Programa Fome Zero e no Programa de Controle
do Diabetes.
36
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
A educação é um dos instrumentos importantes de socialização, via inserção escolar. As unidades
escolares são espaços de destruição de estereótipos e lugares de valorização das pessoas. A sociedade,
em suas mais variadas manifestações, procura articular um discurso que pressione o estado a ofertar
uma educação pública de qualidade, do nível básico ao superior. No entanto, ainda lutamos pela
universalização da educação no país: onde houve maior avanço quanto ao acesso das pessoas à educação
foi no Ensino Fundamental. Lamentavelmente, os indicadores de acesso à Educação Infantil, ao Ensino
Médio e ao Superior deixam a desejar.
A educação tem se mostrado como um dos principais instrumentos de combate à exclusão social.
Em nossa sociedade, há uma demanda social por educação de qualidade e pela universalização da
educação, tanto básica quanto superior.
Portanto, as formas de enfrentamento da questão social nos remetem necessariamente a políticas
sociais e públicas efetivas e ampliadas que visem, principalmente, à universalização dos direitos e ao
acesso aos bens e serviços públicos.
Para tal, exige-se o empoderamento das pessoas, para que conheçam seus direitos e se
mobilizem em prol deles. O grande desafio é justamente atuar nessa contramão, na qual os
serviços estão sendo reduzidos, os direitos, negligenciados, e a grande maioria da população
está inerte, sem reação, despolitizada e manipulada por uma mídia neocapitalista, alienante e
atrelada ao capital.
3.6 Reflexão acerca da exclusão social
Todas as pessoas pauperizadas, sem acesso aos direitos e serviços sociais, em núcleos residenciais
com vulnerabilidade social, econômica, cultural, familiar e assim por diante podem ser denominadas
excluídas?
Vejamos onde se insere a exclusão e as formas errôneas de seu uso.
A desigualdade tem caracterizado as fases históricas em que a economia dita o ritmo do
desenvolvimento e em que é o crescimento econômico que define o grau de satisfação das necessidades
sociais, por meio dos modelos econômicos adotados pelos estados. Esse cenário apresenta desde a
substituição do modelo de economia feudal pelo capitalista até a existência de forças antagônicas
envolvidas no seu processo produtivo: o capital e o trabalho.
De maneira geral, à primeira vista e em resposta rápida, pode-se definir (de maneira errada) que
somente as pessoas desprovidas de condições financeiras caracterizam-se como excluídas ou vítimas da
exclusão social.
Assim, a maneira mais comumente utilizada na definição da exclusão social ainda está estritamente
ligada a expressões sociais como indigência, pobreza, desnutrição, analfabetismo, desemprego
duradouro etc.
37
Unidade I
No entanto, faz-se necessário o aprofundamento dos estudos para não incorrer na superficialidade
de uma definição que pode, incorretamente, generalizar situações de exclusão de diferentes tipos ou
mesmo subalternizar à condição de camadas sociais economicamente vulneráveis comunidades e
nações devido às suas características culturais.
O conceito e o emprego da expressão “exclusão social” são recentes e ela passou a ser usada na
França, por volta de 1992, compreendida como sendo a própria questão social.
Castel, Wanderley e Belfiore (2000) elencam alguns motivos por que devemos tomar cuidado com
esse termo.
1. Heterogeneidade: por englobar muitas coisas, o termo exclusão acaba por esconder as
especificidades de cada uma delas. Com isso, perde-se enormemente em compreensão dos fatos.
2. Atomiza situações que só têm sentido quando colocadas no processo: excluído seria um termo
para ser usado somente nos casos em que os sujeitos nunca tivessem estado nas relações habituais
de trabalho e de socialização. Porém, o termo exclusão está sendo utilizado para nomear situações
de degradação em relação à posição anterior, o que é dinâmico e oscila muito. O termo mais
adequado para se utilizar, nesses casos, seria desfiliado, segundo Castel, que significa dissociado,
apartado.
3. Exclusão pode ser uma armadilha de reflexão e ação, por tentar combater somente as expressões
da questão social, sem ir à sua essência, que é a contradição capital x trabalho. O grande desafio é tentar
conciliar, controlar essa relação entre a lógica econômica e a coesão social antes que chegue à ruptura
social.
4. Reconhece-se a necessidade de políticas de inserção para amenizar os impactos da desigualdade
e não abandonar a classe pauperizada definitivamente. Contudo, trata-se de estratégias limitadas no
tempo, que deveriam ser provisórias e acabam por se tornar permanentes. É o caso dos programas de
renda mínima (como o Programa Bolsa Família), que se tornam um pronto-socorro social paliativo,
agindo somente nas sequelas e não nas causas.
5. Os excluídos compõem categorias cada vez mais numerosas: pessoas com deficiências, pessoas
idosas etc. Os excluídos até que poderiam representar uma “nova” categoria, mais ampla e indeterminada,
que, no entanto, exigiria uma intervenção especializada. Além disso, a maioria dos que são chamados de
excluídos foram “invalidados” pela conjuntura e não por deficiência pessoal: são os sobrantes.
6. As políticas sociais mais gerais, que possuem caráter preventivo, acabam por se tornar medidas
contra a exclusão, transformando-se meramente em reparadoras dos os efeitos e não das as causas.
Pode-se dizer que é dado um tratamento técnico ao invés de político. Um tratamento político exigiria
uma transformação completa das relações de trabalho. Ainda segundo Castel, Wanderley e Belfiore
(2000), é o mesmo deslocamento do centro à periferia que se opera quando hoje se reduz a questão
social à questão da exclusão.
38
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
7. Enfim, Castel, Wanderley e Belfiore (2000) defendem que há subconjuntos de excluídos realmente
da sociedade em situações bem específicas:
a) supressão completa da sociedade (por exemplo, a expulsão dos judeus da Alemanha durante a
Segunda Guerra Mundial, quando foram banidos, torturados e mortos);
b) fechados e isolados da comunidade (guetos, asilos, presídios etc.);
c) aquisição de um status social que permite ao subconjunto coexistir na comunidade, mas com
privações de certos direitos de participação em atividades sociais (os índios, sob o código especial,
e as mulheres sem o direito de votar).
Comumente, a exclusão, quando de fato acontece — conforme as definições de Castel —, repousa
sobre regras, mobiliza aparelhos especializados e se completa por meio de rituais. Exemplo disso foram
os leprosos na Europa: primeiro eram submetidos a um exame, depois, a uma cerimônia religiosa para
declarar a “separação” efetiva da sociedade. Raramente podiam sair do leprosário – lugar para onde
eram enviados. Caso fosse permitida sua saída, deveriam usar um triângulo sonoro, para lembrar seu
status de excluídos.
Portanto, a exclusão não é arbitrária nem acidental. Ela emana de uma ordem de razões proclamadas
e sua legitimidade é dada pela sociedade. Exemplo disso, na atualidade, é quando legitimamos a reclusão
de adolescentes em conflito com a lei. Mesmo sabendo que sua recuperação é pouco provável, devido a
uma série de falhas no sistema carcerário, ainda assim se defende e se propaga que sejam retirados de
nosso meio, por achar que é o correto. Isso é legitimar, aceitar uma realidade sem compreender todo o
contexto em que está inserida.
O termo exclusão pode ser utilizado desde que se compreenda a sua abrangência. Comumente,
usávamos denominar de excluídas as pessoas com déficit de integração com relação à falta de
trabalho, moradia, educação etc. No entanto, esses são processos de marginalização que podem
resultar em exclusão propriamente dita, num tratamento explicitamente discriminatório dessas
populações.
Observação
Falar em termos de exclusão é “rotular com uma qualificação puramente
negativa, que designa a falta, sem dizer no que ela consiste nem de onde
provém. [...] Isto por uma razão de fundo: os traços constitutivos essenciais
das situações de ‘exclusão’ não se encontram nas situações em si mesmas”
(CASTEL; WANDERLEY; BELFIORE, 2000, p. 47).
Há autores que pensam de forma diferente de Castel, Wanderley e Belfiore. No entanto, pela
coerência e riqueza de análise que esses autores trazem, convencem-nos a refletir sobre a utilização do
termo “exclusão”.
39
Unidade I
Considerando os aspectos sobre a definição de exclusão social, anteriormente tratados, torna-se
mais fácil o reconhecimento de que não se deve associar a exclusão social somente à falta de acesso à
renda e aos serviços sociais, ou mesmo a aspectos de “simplicidade” cultural.
Para contextualizar histórica e conceitualmente a exclusão social, nos apoiamos em Foucault citado
por Bortoli, Campaner e Chaves (2002), que afirma que a exclusão, na Idade Média, estava relacionada
ao poder que a igreja detinha na época sobre a sociedade, manifestado nas relações cotidianas. Pessoas
com doenças consideradas como epidemias e com necessidades especiais de natureza incompreensível
eram afastadas do convívio social. As doenças eram fruto de castigos divinos, e os doentes, portanto,
mereciam ser castigados com torturas, condenação à morte, assim como os pobres, presidiários, entre
outros.
Utilizando como exemplo esta época, os excluídos eram aqueles que, de alguma forma, ameaçavam
os valores e dogmas da igreja (FOUCAULT, 1997). Com o surgimento de hospitais, já no final do século
XVIII, alternativas às torturas ou execuções surgiram. A partir daí, a ciência passou a condenar os
excluídos, ocupando o lugar da igreja.
Condenava aqueles que fugiam dos padrões normais dotados pelo conhecimento científico e
pela burguesia. As pessoas anormais ou patológicas deviam ser submetidas a intervenções curativas,
a fim de recuperar a normalidade, por meio de ações coercitivas realizadas por médicos psiquiatras,
psicólogos e educadores da época. Aqueles que apresentavam divergência na forma de pensar, de ser
e de agir deviam ser excluídos, ou seja, privados de convivência social (BORTOLI; CAMPANER; CHAVES,
2002).
Então, ao longo da história da humanidade, o conceito de exclusão faz parte da sociedade, mesmo
que por diferentes razões (raça, etnia, gênero, cultura, religião etc.). No decorrer da história, os excluídos
assumem significados diferentes, mas em todos eles há uma relação entre poder e exclusão (FOUCAULT,
1997).
Atualmente esse conceito ainda está associado às questões do poder, porém, aparece no contexto
social de forma diferente. A globalização e a competitividade mantêm, infelizmente, as relações
excludentes, sinônimo de funcionamento do sistema (SAWAIA, 2006).
Tal situação provoca no indivíduo que se encontra em situação de exclusão um sentimento de
rejeição diante da discriminação sofrida pela sociedade, gerando culpa, vergonha e estagnação em
relação aos seus direitos. Nesse sentido, Bortoli, Campaner e Chaves (2002, p. 120) asseveram que
“discutir sobre a exclusão significa problematizar as diferentes facetas que constroem o processo
social”.
Mas, então, como podemos definir o termo “exclusão”?
A definição de exclusão está ligada aos aspectos econômicos (desemprego etc.), sociais (pobreza,
perda de status etc.), psicológicos (autoestima etc.), físicos (doenças), culturais (valores). Então, o
fenômeno da exclusão, considerando sua dimensão no cotidiano e nas questões sociais, torna-se, para
40
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
muitos, uma fatalidade diante do conformismo da sociedade perante a problemática. Torna-se natural
e inevitável, conforme destacado anteriormente. Mas não podemos aceitar essa condição, precisamos
ver a exclusão sob uma nova ótica, acreditar que é possível sua abolição ou, pelo menos, a diminuição
de situações que geram a exclusão social.
Por isso, convido você a discutir a questão da exclusão numa perspectiva mais social, que é o interesse
e foco da disciplina, direcionada ao curso de Serviço Social.
Sawaia (2006, p. 9) conceitua exclusão como
Processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões
materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É um processo sutil e
dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva
dela. Não é uma coisa ou um estado, é um processo que envolve o
homem por inteiro e suas relações com os outros. Não tem uma única
forma e não é uma falha do sistema, devendo ser combatido como
algo que perturba a ordem social, ao contrário, ele é produto do
funcionamento do sistema.
Isso significa que é preciso considerar a dicotomia entre exclusão e inclusão para entender o processo
a partir de uma análise dialética, levando em consideração as relações sociais que se constroem nas
práticas cotidianas pelos indivíduos.
Wanderley, citado por Sawaia (2006), reflete a exclusão como algo social, ligado a princípios de
funcionamento das sociedades modernas que atingem todas as classes socioeconômicas. Por isso,
a exclusão, na contemporaneidade, é vista além da ótica discriminativa ou de segregação.
E um dos fatores que contribui e alimenta a exclusão nas relações sociais é o preconceito. Tudo isso tem
como consequência a vulnerabilidade e “desorganização” familiar, comunitária, socialização defeituosa,
alienação e desmoralização dos indivíduos. Isso se instaura e se mantém baseado nas representações
sociais que os meios de comunicação, tanto social quanto de mídia, colaboram imensamente para
disseminar.
Nesse sentido, Jodelet, citado por Sawaia (2006, p. 64), afirma que “a exclusão que é hoje de políticos
e de debates sociais é um fenômeno social, econômico e institucional cuja análise ressalta das ciências
sociais”.
Guareschi, citado por Sawaia (2006), aponta que, considerando o estudo da exclusão sob uma ótica
psicossocial, é importante discutirmos alguns aspectos que são decisivos para a criação e perpetuação
da exclusão. São eles: a competitividade e a culpabilização.
Para ele, no mundo atual, competitividade é palavra sagrada e provoca diferenças e exclusões,
pois o progresso e o desenvolvimento só são possíveis por meio dela. As exigências do mercado
41
Unidade I
capitalista fazem com que as pessoas lutem para não ser rejeitadas e excluídas, o que gera,
consequentemente, privilégios para alguns e exclusão para outros. Por exemplo: o trabalhador rural
que vai para a capital em busca de qualidade de vida geralmente é excluído por não apresentar
qualificação suficiente para atender às exigências do mercado de trabalho. Segundo Guareschi,
citado por Sawaia (2006, p. 147), “o ser humano, como ser isolado e egoísta (preceito do liberalismo),
tem de competir para sobreviver, de um lado, e de outro lado, para trazer progresso”. Ele ainda
acrescenta que “a consequência palpável do estabelecimento e funcionamento dessa relação de
competitividade é a exclusão não apenas de alguns, mas de milhões, ou bilhões, de seres humanos”.
Isso se torna uma problemática social diante do grande número de indivíduos empobrecidos e
descartáveis.
Já a culpabilização está relacionada ao fato de atribuir o sucesso ou o fracasso especificadamente
a pessoas particulares, deixando de lado as possíveis causas históricas e sociais, como, por exemplo, o
desemprego planejado, que provoca a exclusão de muitas pessoas do mercado de trabalho. Guareschi,
citado por Sawaia (2006, p. 150), afirma que “há uma ‘individualização’ do social, e um endeusamento
do individual [...]. As pessoas são, individualmente, responsabilizadas por uma situação econômica
adversa e injusta”. Isso significa desconsiderar o social diante das problemáticas que são sociais. Mas
essa individualização não dá conta de entender e elucidar as irracionalidades globais, como a exclusão
tão presente ainda nos dias de hoje, mesmo com a propagação de projetos de inclusão social que visam
à inclusão amparada por uma responsabilidade social ética.
Bom, agora que já sabemos o que vem a ser a exclusão social, como podemos definir o que é
inclusão?
A inclusão social pode ser pensada como um processo de disciplinarização dos excluídos, trata-se de
incluir socialmente aqueles que estão privados de qualquer tipo de convivência social.
Sawaia (2006, p. 108), ao se basear nos pensamentos de Foucault, descreve a inclusão social como
um “processo de controle social e manutenção da ordem na desigualdade social”, desde que partamos
do raciocínio dos indivíduos que são excluídos da sociedade capitalista. A partir disso, por meio de
projetos de inclusão, a sociedade procura incluir as vítimas da exclusão social. Esses projetos devem
ir além de uma ação assistencialista, mas de inserção laboral, objetivando a supremacia da cidadania
(DEMO, 1998).
Para Sassaki (2002, p. 42), a inclusão social
[...] é um processo que contribui para a construção de um novo tipo
de sociedade através de transformações pequenas e grandes, nos
ambientes físicos (espaços internos e externos, equipamentos, aparelhos
e utensílios, mobiliário e meios de transporte) e na mentalidade de todas
as pessoas [...].
Ou seja, incluir socialmente, conscientizar a sociedade de que esta deve se empoderar, através dos
direitos garantidos por lei, ter consciência de que é capaz de adaptar-se e incluir-se nos sistemas sociais,
42
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
de forma que as pessoas estejam preparadas para assumirem seus papéis como cidadãs, empoderando‑se
de seus direitos de cidadão. Mas para isso é preciso aceitar as diferenças individuais, valorizar cada
indivíduo, para que este possa conviver dentro de uma diversidade humana.
Saiba mais
Para aprofundar o estudo sobre a temática da inclusão, que faz parte
de uma discussão atual da sociedade, sugerimos a leitura do livro Inclusão:
construindo uma sociedade para todos, de Romeu Kazumi Sassaki, assistente
social. O autor discute conceitos inclusivistas nos mais diversos ambientes
onde acontece a exclusão: escola, saúde, empresas, lazer, artes, cultura.
Fique atento às informações que o livro traz, pois poderão contribuir
para sua formação e atuação profissional. Nas referências textuais você
encontrará os dados desse livro. Boa leitura!
Podemos dizer que a exclusão é um processo complexo e multifacetado, é também dialética, por
existir somente em relação à inclusão como parte constitutiva dela.
Tendo tais colocações arroladas, passaremos a discutir sobre a questão do trabalho e sua
relação com o serviço social. Nos termos postos, compreenderemos que o serviço social também
está inscrito nas relações de trabalho e está sujeito a relações precárias de trabalho. Como tal,
essa discussão nos levará à compreensão desse processo, conforme sumariamos na sequência.
4 Trabalho e Serviço Social: a profissão ante as transformações
societárias recentes
Para compreendermos a relação estabelecida entre o serviço social e a categoria trabalho, precisamos
considerar as peculiaridades em que essa relação se constitui e se consolida. Para isso, precisamos
atentar ainda para o fato de que a questão social é um fator condicionante dessa relação, bem como o
projeto político assumido por toda a nossa categoria profissional e as condições postas pelo mercado de
trabalho. Para que você possa apreender todas as vicissitudes que essa relação engloba, didaticamente
dividiremos o presente material de acordo com os tópicos: trabalho e serviço social; o cenário atual
e suas incidências na questão social; a consolidação do projeto ético-político do serviço social na
contemporaneidade e o redimensionamento da profissão considerando o mercado de trabalho e as
condições laborais que acometem os assistentes sociais. No entanto, você deve considerar essa divisão
apenas com finalidade didática, posto que todos os fenômenos aqui descritos estão inter-relacionados
em uma realidade que é, por excelência, dialética. Começaremos então pela relação trabalho e serviço
social.
43
Unidade I
4.1 Trabalho e serviço social
O processo de trabalho do serviço social constitui-se no espaço em que os conhecimentos são
processados e reconstrói-se a partir da análise da questão social e do conhecimento produzido pelo
serviço social. Antes de discutirmos o conceito de processo de trabalho, passemos a algumas considerações
sobre a relação trabalho e serviço social.
A prática profissional do assistente social é considerada trabalho, pois é um trabalho orientado
para uma finalidade, possuidor de uma teleologia. E esse profissional é um trabalhador assalariado. O
assistente social, na condição de trabalhador assalariado, “também sofre todas as injunções decorrentes
da divisão social do trabalho, da reestruturação produtiva e das reformas por que vem passando o
estado” (ABESS/CEDEPESS, 1996, p. 163-164).
Embora o assistente social esteja sujeito às alterações do mercado de trabalho, deve estabelecer um
distanciamento crítico do mesmo, no sentido de apreender a dinâmica da sociedade. Essa mediação é
determinante para a sobrevivência do serviço social.
O processo de trabalho do Serviço Social, como qualquer trabalho no setor
de serviços, gera “valores de uso”, apesar de não “produzir diretamente
mais-valia”. Seu produto não é necessariamente de base corpórea, material,
mas expressa um resultado, um valor de uso. Participa do processo ampliado
de produção e reprodução social, exercendo funções mais ou menos
estratégicas, à medida que se articula a setores produtivos, mais ou menos
importantes (GENTILLI, 1997, p. 132).
O processo de exercício do serviço social vê-se sufocado tanto pelas transformações societárias
como pela globalização, cujas repercussões sociais destacamos em outras disciplinas, como também
pelo retraimento do estado em relação às políticas sociais e aos cortes nos gastos sociais.
A globalização e o desenvolvimento tecnológico, a transferência de serviços do estado para
organizações não governamentais (ONGs) e instituições privadas, entre outras mudanças em
curso, são movimentos contraditórios que geram conflitos, desigualdades, exclusões, lutas e
resistências. Essas mudanças incidem nas instituições prestadoras de serviços sociais e na própria
dinâmica da profissão. A dinâmica da profissão se configura a partir de enfrentamentos de
questões, a partir das contradições da realidade e da conjuntura social, política, ideológica,
econômica e cultural.
O trabalho do assistente social aporta perspectivas diferentes na empresa e no estado. Na
empresa, o profissional é partícipe na reprodução da força de trabalho. No estado, pode participar
na prestação de serviços sociais, na redistribuição de riquezas, via políticas públicas, na defesa de
direitos sociais, na gestão de serviços públicos, em especial políticas públicas – programas, projetos,
pode reforçar estruturas e relações de poder, pode contribuir para o partilhamento do poder e sua
democratização.
44
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
O produto desses dois últimos itens tem apontado as mais diversas práticas sociais, pois o assistente
social é um profissional que dialoga com as mais diversas teorias sociais, que subsidiam o profissional a
conhecer para propor e intervir.
Insiste-se no conhecimento porque é a partir dele que construímos o objeto de intervenção. A
construção do objeto de intervenção se realiza por meio do conhecimento e da utilização de
estratégias metodológicas, que se desdobram nos vários instrumentos técnico-operativos, tais como:
análise institucional, plano/projeto de intervenção, documentação (pareceres sociais, laudos, perícias),
abordagens individuais, abordagens grupais, entre tantas outras.
O conhecimento, instigado por estudos, reflexões, debates, pesquisas, como o que estamos
fazendo agora, não pode ser pensado isoladamente da prática profissional. O conhecimento tem
que ser um meio pelo qual seja possível decifrar a realidade e iluminar o processo de trabalho a ser
realizado.
Segundo assevera Iamamoto (2004, p. 63), “as bases teórico-metodológicas são recursos [...] que o
assistente social aciona para exercer seu trabalho: contribuem para iluminar a leitura da realidade e
imprimir rumos à ação, ao mesmo tempo em que a moldam”.
Assim, o conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridos no seu processo formativo é parte de
um acervo intelectual, pessoal e profissional que o acompanhará pela vida toda.
Nessa perspectiva, o assistente social detém as condições intelectuais, de conhecimento formativo,
mas depende, na organização do seu trabalho, do estado, da empresa, das entidades não governamentais
que viabilizam aos usuários o acesso aos seus serviços. Esses fornecem os meios e recursos necessários
para a realização da atividade em si, estabelecem prioridades, rotinas a serem cumpridas, interferem na
definição de papéis e atribuições que compõem o cotidiano do trabalho institucional.
Como nos assevera Iamamoto (2004, p. 63):
Embora regulamentado como uma profissão liberal na sociedade, o
Serviço Social não se realiza como tal. Isso significa que o assistente social
não detém todos os meios necessários para a efetivação de seu trabalho:
financeiros, técnicos e humanos, necessários ao exercício profissional
autônomo.
Entendemos a profissão como dependente das instituições para disponibilizar os recursos necessários
à realização de projetos, programas e atividades desenvolvidos por esse profissional. Dessa forma, o
assistente social tem seu trabalho ligado às entidades empregadoras de seus serviços, onde realiza sua
intervenção profissional.
Por que a expressão intervenção? Bem, podemos também dizer ações, proposições, mas intervenção
é mais corrente na prática e na teoria do serviço social. Até porque a palavra intervir tem um sentido
mais direto e claro do que agir ou propor. O uso da terminologia fica a critério do profissional.
45
Unidade I
[...] particulariza-se o serviço social no conjunto das relações de produção
e reprodução da vida social, como uma profissão de caráter interventivo,
cujo sujeito – o assistente social – intervém no âmbito da questão social.
Considera-se a questão social como fundamento básico da existência
do serviço social, reconhecendo, a partir daí, que o agravamento dessa
questão, em face das particularidades do processo de reestruturação
produtiva no Brasil, determina uma inflexão no campo profissional,
provocada por novas demandas postas pelo reordenamento do capital e
do trabalho (CARDOSO, 2000, p. 9).
A intervenção profissional se constrói, nesse processo de produção e reprodução da vida social,
na articulação do poder dos usuários e protagonistas da ação profissional, no enfrentamento
de questões cotidianas. Nesse processo, são construídas estratégias para dispor de recursos,
poder, agilidade, criatividade, acesso, organização, informação, mobilização, sensibilização, entre
outras.
O assistente social é um profissional de formação genérica crítica, visto se apropriar de matrizes
teórico-explicativas de outras áreas do saber, buscando uma visão de homem e de mundo na perspectiva
da totalidade.
A crítica de que aqui se fala é o diálogo com as teorias sociais, que estão permeando sua
formação profissional. Ser crítico não é sair por aí criticando tudo e todo mundo. Ser crítico é ser
“leitor da realidade” com ética, respeito à diversidade, com conhecimento teórico-metodológico
(teoria, habilidades, valores); analisar as expressões da questão social com os devidos aportes que
citamos para que se possa intervir de forma crítica e propositiva. Que parâmetros utilizarei para
minha prática profissional?
Nota-se que o processo de trabalho do assistente social é pautado no instrumental técnico-operativo
utilizado por esse profissional.
O instrumental técnico-operativo não é somente um conjunto de ferramentas e estratégias utilizadas
para a efetivação das atividades profissionais, mas também um conjunto teórico-metodológico. Esses
recursos é que vão fundamentar a leitura da realidade, incidindo na formulação, no desenvolvimento e
na avaliação das ações profissionais.
A ausência de criticidade no fazer profissional leva à aceitação passiva de tarefas, atividades
atribuídas por outros profissionais e também por não profissionais. Muitas vezes as atividades
são atribuídas por outros ou por outras instâncias, implicando um caráter de urgência, de
imediatismo.
O profissional acrítico (não crítico), de certa forma, acaba reforçando o poder dominante, a
realidade, o sistema em que está inserido. Esse profissional que não tem ou não consegue fazer uma
leitura da realidade de modo que possa contribuir para a mudança está fadado à acomodação e não
contribui em nada para o processo de transformação da realidade, para que as pessoas se emancipem,
46
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
tenham plena cidadania e acesso de fato a serviços sociais. Resumindo, não sabe o que é e o que faz
o serviço social.
Ainda sobre a relação trabalho e serviço social, Iamamoto (2004) chama a nossa atenção para o fato
de que a relação trabalhista deve ser compreendida como impregnada pelas relações de gênero. Nos
termos postos, segundo coloca a autora, é uma profissão essencialmente feminina ou, é uma profissão
“de predominância feminina”. Isso, em grande parte pode explicar também a baixa remuneração da
atuação em alguns setores.
A autora ainda coloca que também são perceptíveis nas relações de trabalho do assistente social
posturas “messiânicas” e “voluntárias”, sendo que, no caso, a postura messiânica estaria relacionada a
comportamentos profissionais que possuíam a pretensa intenção de alterar as estruturas sociais, ao
passo que as posturas voluntárias estariam relacionadas a profissionais que não assumem o necessário
compromisso com seu público-alvo.
Mas, recorrendo mais uma vez a Iamamoto (2004), precisamos compreender que nossa prática
profissional só se efetiva por se tratar de um processo de trabalho. Tendo tais colocações supra tratadas,
vamos realizar então uma sistematização para que você veja como a autora em questão e toda a
categoria compreende a noção de processo de trabalho.
Iamamoto (2004), extraindo as compreensões de Marx acerca do processo de trabalho,
comenta que todo processo de trabalho incorpora as seguintes dimensões: o trabalho, o objeto
do trabalho, os instrumentos ou meios do trabalho, e essas dimensões combinadas irão resultar
em um produto.
Partindo de tal assertiva, a autora nos diz que essa definição de processo de trabalho se aplica a
qualquer tipo de intervenção, seja o trabalho manual, intelectual ou artístico. Assim, seja um trabalho de
natureza artística, intelectual ou um trabalho que demande uma intervenção material, essa ação estará
conformada por um processo de trabalho.
No sentido posto, o trabalho é compreendido como qualquer ação desenvolvida com uma finalidade
a ser alcançada, independente de se tratar de uma ação de natureza artística, intelectual ou manual.
Apesar disso, o trabalho demanda meios, instrumentos para que seja colocado em prática, ou melhor,
para que a ação, a atividade possa ser alcançada, é necessário que sejam utilizados instrumentos ou
meios de trabalho.
Para ser consumida e transformada em atividade, a força de trabalho exige
meios ou instrumentos de trabalho e uma matéria-prima ou objeto de
trabalho que sofrerá alterações mediante a ação transformadora do trabalho
(IAMAMOTO, 2004, p. 99).
Isso de forma que a ação, o trabalho em si, seja executada apenas em decorrência dos meios
de trabalho ou instrumentos de trabalho e, no caso do serviço social, esses meios ou instrumentos
fazem referência a recursos “materiais, humanos e financeiros” que são necessários para a realização
47
Unidade I
da intervenção profissional. Apesar de o profissional possuir, nos termos da autora, autonomia para
desenvolver suas ações, o mesmo não detém todos os meios para desenvolver suas ações e demanda que
uma instituição empregadora disponha dos recursos “materiais, humanos e financeiros” que viabilizem a
operacionalização de sua prática profissional.
Assim sendo, a autora destaca que a instituição empregadora, seja pública ou privada, condiciona a
prática do assistente social. “Ora, se assim é, a instituição não é um condicionante a mais do trabalho
do assistente social. Ela organiza o processo de trabalho do qual ele participa” (IAMAMOTO, 2004, p. 63).
No caso, salienta a autora que não podemos aprender a questão dos meios ou instrumentos com
a compreensão apenas da importância do chamado “arsenal de técnicas”, ou então dos recursos
da instituição, mas precisamos compreender a importância do “conhecimento como um meio de
trabalho”, e ela coloca que sem o conhecimento o profissional não consegue desempenhar seu
trabalho.
Sinaliza assim que os instrumentos ou meios comportam a bagagem teórica, o conhecimento
possuído por cada profissional, por cada assistente social. A autora descreve esses conhecimentos com
a terminologia “bases teórico-metodológicas”, o que corresponde a conteúdos teóricos, mas também
à compreensão de mundo possuída. Para ela, a questão teórico-metodológica é dada aos profissionais
essencialmente pela graduação e pode ser complementada por estudos suplementares.
Ela coloca ainda que essa dimensão teórica é expressão de toda evolução histórica e teórica alcançada
pela profissão em seu processo evolutivo de amadurecimento intelectual. Ela nos diz que:
Sendo o trabalho uma atividade do sujeito, ao realizar-se, aciona não só o
acervo de conhecimentos, mas a herança social cultural acumulada, com suas
marcas de classe, de gênero, etnia, assim como do processo de socialização
vivido ao longo da história de vida,atualizando valores, preconceitos e
sentimentos que aí foram sendo moldados (IAMAMOTO, 2004, p.104).
Ou seja, os valores, conhecimentos que vamos adquirindo em nossa vivência profissional irão
conformar nossa posição profissional, nossa postura profissional. E essa postura estará expressa em
nossas relações de trabalho, nas relações de trabalho estabelecidas pelo serviço social durante o processo
de trabalho.
Em síntese, o que Iamamoto (2004) nos coloca a esse respeito é que não devemos compreender
os instrumentos ou meios do trabalho apenas com uma visão das técnicas, que são importantes e são
mecanismos de intervenção profissional. De tal forma, precisamos compreender as técnicas associadas a
um referencial teórico-metodológico. Aliás, sobre esses componentes do processo de trabalho, a autora
nos diz que são aspectos que contribuem para “moldar” o exercício profissional.
Esse exercício profissional, segundo Iamamoto (2004), é organizado, desenvolvido com base em um
objeto, ou seja, sobre o qual será desenvolvida a ação. Esse objeto, segundo a definição da autora, seria a
questão social, sendo esse fenômeno compreendido como suas múltiplas formas de expressão. Vejamos
48
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
o que nos diz a autora sobre o que podemos compreender como questão social e suas múltiplas formas
de expressão:
A matéria-prima do trabalho do assistente social (ou da equipe
interprofissional em que se insere) encontra-se no âmbito da questão
social em suas múltiplas manifestações-saúde da mulher, relações de
gênero, pobreza, habitação popular, urbanização de favelas etc.-tal como
vivenciadas pelos indivíduos sociais em suas relações sociais quotidianas,
às quais respondem com ações, pensamentos e sentimentos (IAMAMOTO,
2004, p.100).
Ou seja, a questão social é tratada pela autora como as diversas situações que afetam de forma
negativa a vida dos segmentos subalternizados. Acerca da questão social, já estudamos itens anteriores
nesse livro-texto. Porém, o que Iamamoto (2004) destaca é que a questão social possui múltiplas formas
de expressão e tais expressões são vivenciadas pelos seres humanos em sua realidade cotidiana, no seu
dia a dia. No caso, não se trata de uma categoria que se manifesta apenas no pensamento, mas na
realidade concreta.
Ela ainda chama a nossa atenção para o fato de que a questão social, ou seja, a matéria-prima
de nossa profissão, não possui a mesma peculiaridade em todas as regiões, ou seja, as expressões da
questão social assumem os “[...] níveis regional, estadual e municipal e as alterações sócio-históricas
que nelas vêm se processando, também em função das formas coletivas com que possam estar sendo
enfrentadas pelos sujeitos envolvidos” (IAMAMOTO, 2004, p. 100). Ou seja, as expressões da questão
social são condicionadas pela realidade na qual estão se manifestando e também pelas formas de
enfretamento encontradas pelos sujeitos que as experienciam.
Para apreender a questão social em suas múltiplas formas de expressão, a autora destaca que
precisamos conhecer profundamente a realidade sobre a qual iremos atuar. Isso nos remete à
possibilidade de conhecer com profundidade essa realidade, recorrendo a dados obtidos por meio de
pesquisas, sobretudo dados, indicadores que devam ser sistematizados e transformados em referências
para o fazer profissional.
Até agora, já nos aproximamos da compreensão sobre o trabalho, a matéria-prima ou objeto e sobre
os instrumentos. No decurso, para concluir a noção de processo de trabalho de acordo com Iamamoto
(2004), precisamos discutir ainda noção de produto.
Essa autora inicia suas discussões apresentando o seguinte questionamento: “o que o Assistente
Social produz”? E, respondendo a esse questionamento, a autora nos coloca que a intervenção do
trabalho profissional produz alterações nas condições materiais e sociais daqueles com os quais atua e
ainda produz a elaboração de conceitos junto aos segmentos nos quais está atuando.
Nos termos postos, Iamamoto (2004) vem nos dizer que as intervenções voltadas à atenção a condições
materiais e sociais estarão relacionadas a ações que possuem o potencial de garantir a reprodução dos
segmentos atendidos por meio dos serviços sociais mediados. A nosso ver, nesse rol de “ações” estão
49
Unidade I
significadas as ações pela concessão de benefícios ou serviços a determinados segmentos, os quais
não poderiam ser acessados em decorrência da situação de vulnerabilidade vivenciada. Podemos assim
exemplificar com a concessão de benefícios como a cesta básica ou então a concessão de benefícios
via transferência de renda ou outros mais que garantam o acesso aos serviços básicos e necessários à
sobrevivência.
Já a produção de conceitos está relacionada a uma dimensão subjetiva que a profissão
alcança. Iamamoto (2004) coloca que nossas ações possuem a conotação de formar conceitos
nas pessoas com as quais atuamos. Esses conceitos que são formados pelas pessoas por
nós atendidas, segundo a autora, podem se situar no âmbito da subordinação ou então da
insubordinação. Para ela, nossa prática, nossa intervenção possui esse potencial, ou seja, de fazer
com que nossos atendidos possam se colocar contrários à ordem estabelecida ou então podemos
também reforçar sua alienação.
De tal forma, por meio desse entendimento é que Iamamoto (2004) compreende a noção de
processo de trabalho. Para melhor apreendermos esses conceitos, observemos a figura a seguir,
na qual é feita uma representação dessa compreensão de processo de trabalho. Na imagem estão
relacionadas a terminologia marxista e os itens correspondentes à interpretação da autora aplicada
ao serviço social. Serve como uma espécie de sistematização do que discutimos até o presente
momento e pretende auxiliar você na memorização dos conteúdos apreendidos até então. Oferece
ainda uma noção “dialética” da compreensão de processo de trabalho, indicando que esta é posta por
conceitos totalmente inter-relacionados e interdependentes e que estão em constante construçãoreconstrução.
•Trabalho
•Matéria-prima
•Questão social
•Meios e intrumentos
•Bagagem teórica e
instrumental
•Ação que possui uma
finalidade
Produto - atenção a
questões materiais e
elaboração de conceitos
Figura 1 – Processo de trabalho. Elaborada pela autora.
Podemos compreender ainda que o processo de trabalho no serviço social é uma constante, uma
intervenção que está em constante movimento. No entanto, é fundamental que você consiga se
apropriar dos conceitos tratados até o presente momento, sobretudo com relação à noção de processo
de trabalho.
Nos próximos itens, discutiremos o cenário atual, suas incidências na questão social e sua relação
com a consolidação do projeto ético-político do serviço social, bem como as condições do mercado de
trabalho do assistente social.
50
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
Vamos a esses tópicos, relembrando a você a importância de tais conteúdos e destacando que é
fundamental uma leitura atenta dos temas então tratados.
Saiba mais
Para uma melhor compreensão do tema tratado, recomendamos a
leitura do texto Os processos de trabalho do serviço social em um desenho
contemporâneo, de Karen Ramos Camargo. Acesse o link abaixo:
<http://www2.portoalegre.rs.gov.br/sma/revista_EGP/processos_
trabalho_servico_social_Karen.pdf>
4.2 O cenário atual, suas incidências na questão social e a consolidação do
projeto ético-político do serviço social
Lembrete
Questão social: múltiplas expressões das desigualdades sociais geradas
pelo sistema capitalista.
Ainda no que diz respeito aos conteúdos, recorreremos mais uma vez a Iamamoto (2004).
Nos termos postos, a autora inicia suas argumentações referindo que o processo de acumulação
flexível iniciado na década de 70 provocou profundas alterações no processo de produção. Os argumentos
de Iamamoto (2004) estão relacionados às mudanças ocorridas tanto no processo de produção quanto
nas relações trabalhistas. Acerca dessas mudanças, é necessário pontuar que já estudamos no início
desse livro-texto parte das informações desse processo, bem como dos resultados nocivos que afetaram
e afetam grande parcela de nossa população, sobretudo a “classe que vive do trabalho”, como sabiamente
afirma a autora.
Além dos processos que já estudamos, ela ainda chama a nossa atenção para o processo de
globalização. Para ela, a globalização econômica respaldada na introdução de novas tecnologias faz com
que os processos de compra, venda e produção percam os limites, ou seja, já não há mais fronteiras que
impeçam o comércio. No entanto, destaca que esse fenômeno não traz benefícios para grande parcela
da nossa população, ao passo que a inovação tecnológica traz, no reverso da medalha, a expulsão de
muitos trabalhadores do mercado de trabalho. De tal sorte, a autora nos coloca que a globalização é um
fenômeno “excludente e desigual”.
De qualquer forma, o que ela pretende é afirmar que cada vez mais as condições de trabalho se
tornam precárias e, nesse caso, os salários sempre são mais baixos e ainda há grande perda dos direitos
51
Unidade I
trabalhistas. Por outro lado, o contingente de desempregados também cresce, fazendo com que o
exército industrial de reserva se amplie consideravelmente. Em síntese, as condições de sobrevivência
se tornam cada vez mais complexas e resultam em uma grande expansão das expressões da questão
social, as quais são, segundo Iamamoto (2004, p. 108), “o desemprego e a ampliação da precarização das
relações de trabalho”, apesar de não serem as únicas.
Frente a essa agudização da questão social, novos modos de enfrentamento também são postos pelo
estado, sendo este até o presente momento o grande interventor da mesma. “Tais processos introduzem
novas mediações históricas na gênese e expressões da questão social, assim como nas formas, até
então vigentes, de seu enfrentamento, seja por parte da sociedade civil organizada ou do estado [...]”
(IAMAMOTO, 2004, p. 112-113). A autora observa que as intervenções empreendidas pelo estado tendem
a se retrair, ao passo que a sociedade civil acaba se organizando e atendendo uma parcela da população
que não possui atendimento estatal.
Observação
Agudização faz referência a um agravamento das expressões da
questão social que acontece na sociedade capitalista na idade do
monopólio.
No sentido posto, o estado acaba retraindo suas ações na área social. Nesse período ganham grande
embalo os ideais neoliberais, conforme também já sumariamos no início desse livro-texto. Isso resulta
na adoção de um modelo gerencial, em decorrência da chamada crise fiscal do estado. Segundo essa
orientação, busca-se reduzir os custos com os gastos sociais, sendo que isso é apresentado como uma
“melhora” do papel assumido pelo estado e como uma alternativa à “crise fiscal” até então vivenciada
(IAMAMOTO, 2004).
O que Iamamoto (2004) nos coloca frente a essas alterações é que as expressões da questão social
se tornam cada vez mais latentes, mais agudas e afetam grande parcela de nossa população. Essas
expressões se tornam mais agudas se considerarmos que há uma ausência da ação estatal. Mas, nessas
condições, como efetivar o projeto ético-político do serviço social?
Antes de respondermos a essa pergunta, cabe um recorte sobre como a autora em questão
compreende o projeto ético-político dos assistentes sociais. Devemos iniciar com a colocação que o
projeto ético-político está posto na lei que regulamenta a profissão, no Código de Ética do Assistente
Social, e em uma série de documentos normativos que orientam uma ação.
No que concerne ao Código de Ética, nele são trazidas a questão da democracia como valor éticopolítico e da igualdade e justiça social como valores éticos centrais que devem ser seguidos pelos
assistentes sociais, os quais Iamamoto (2001) descreve que precisam ser colocados em prática durante o
exercício profissional cotidiano, mesmo em tempos de reestruturação produtiva, de acumulação flexível e
de globalização excludente. No caso, Iamamoto (2004) chama a atenção para a importância que assume
a democracia nesse processo, mas destaca que todos os princípios postos estão inter-relacionados e
52
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
imbricados, assim como todos os princípios fundamentais tratados no referido documento. Vejamos os
princípios fundamentais:
Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas
políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos
indivíduos sociais;
Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do
autoritarismo;
Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de
toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das
classes trabalhadoras;
Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da
participação política e da riqueza socialmente produzida;
Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure
universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e
políticas sociais, bem como sua gestão democrática;
Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o
respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados
e à discussão das diferenças;
Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais
democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o
constante aprimoramento intelectual;
Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de
uma nova ordem societária, sem dominação/exploração de classe, etnia e
gênero;
Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais
que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos
trabalhadores;
Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população
e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência
profissional;
Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por
questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade,
opção sexual, idade e condição física.
53
Unidade I
A ênfase na análise da autora recai sobre o princípio da democracia, demonstrando que todos os
demais princípios estão relacionados a ele e poderão ser alcançados a partir a efetivação deste.
Assim, a autora destaca que, para que possamos alcançar a democracia, é necessário que o assistente
social desenvolva uma prática que possibilite a ampliação dos espaços de efetivação da cidadania, além
do que esses espaços devem servir para consolidar, para fazer valer os direitos já constituídos e ainda
para conquistar novos direitos. Isso só se efetiva se houver possibilidade de democratização dos espaços
públicos.
Iamamoto (2004) coloca que é urgente e necessário o desenvolvimento de espaços que
possibilitem a ampliação da esfera pública, dos espaços públicos. Assevera que os espaços, como
conselhos e demais, devem se tornar de fato públicos. Mas, para isso, é preciso que seja constituída
uma cultura pública e democrática, ou seja, uma cultura junto à população quanto à relevância
desses espaços.
Partindo da consolidação desses espaços, a nosso ver, será possível trazer a pessoa atendida pelos
serviços sociais para o debate público, para a deliberação pública e, partindo disso, será possível a
efetivação dos direitos sociais.
Porém, trata-se do primeiro ato que é apresentado pela autora. Por meio dessas “ações” se
torna possível ainda “[...] reconhecer a autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos
sociais, reforçando princípios e práticas democráticas” (IAMAMOTO, 2004, p. 141). Segundo
ela coloca, seria possível, derivando dessas ações, realizar a defesa intransigente dos direitos
humanos, a recusa ao arbítrio e ao autoritarismo, bem como a busca pela eliminação de todas
as formas de preconceito.
É por meio da democratização ainda que é possível alcançar, segundo Iamamoto (2004), a
divisão da riqueza socialmente produzida, alcançando assim a justiça social, posta como princípio
fundamental. Mas, as colocações da autora sinalizam que nossa profissão deve estar orientada
para a defesa de todos os direitos sociais, conforme podemos compreender por meio da análise
da legislação destacada e que se encontra disponível nos sites do CRESS em todos os estados do
território nacional.
Iamamoto (2004) introduz uma discussão provocativa ao referendar a importância de que o projeto
ético-político seja alcançado. Isso porque a mesma explica que, para que possamos “fazer valer” o nosso
Código de Ética, é preciso adequá-lo aos novos tempos, às atuais situações conjunturais que se colocam
a nossa frente.
Para isso, a autora faz uma série de orientações, dentre as quais a de decifrar os determinantes e
as múltiplas formas de expressão que assume a questão social. Para isso, é fundamental compreender
a realidade em sua totalidade, evitando-se assim qualquer “reducionismo econômico, político ou
ideológico”, ou seja, precisamos compreender os fenômenos sociais amplamente, considerando
para tanto as questões econômicas, políticas, sociais e ideológicas com as quais nos relacionamos.
54
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
Nos termos postos, a autora chega a exemplificar com dados coletados em uma série de locais, espaços,
para que possam desnudar a realidade em que se estabelece a intervenção. Sem essas informações, que
são fundamentais, se torna impossível conhecer a realidade, conhecer as expressões da questão social e
tampouco se torna possível efetivar o compromisso ético-político assumido pela categoria profissional
e os valores a ele inerentes.
Observe a tabela abaixo; trata-se de uma representação de dados obtidos pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). A tabela foi construída para demonstrar o rendimento médio dos
brasileiros em cada região. Com base nessa análise, podemos constatar que a maioria da população
que possui renda de até dois salários mínimos reside na região Nordeste e podemos ainda concluir, com
base nestes mesmos dados, que a maioria da população brasileira com baixa renda reside nessa região.
Vejamos:
Tabela 1
Famílias por classes de rendimento médio mensal familiar - 1999
Brasil e Grandes
Regiões
Até
2
Mais de 2
a5
Mais de 5
a 10
Mais de 10
a 20
Mais de
20
Sem**
Rendimento
Brasil (1)
27,6
32,2
18,6
9,9
5,9
3,5
Norte (2)
29,2
34,9
17
8,6
4,3
5,4
Nordeste
47,5
29,7
9,2
4,4
2,7
4,2
Sudeste
17,7
32,2
23,5
13
7,8
3,1
Sul
22,2
34,5
21,7
11,3
6,4
2,6
Centro-Oeste
26,7
35
17,9
9,2
6,5
3,4
Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999 [CD-ROM].
Microdados. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 30 mar. 2012.
* Em classes de salário mínimo. Valor do Salário Mínimo em Setembro de 1999: R$ 136,00.
** Exclusive os sem declaração de renda.
Do que podemos concluir ainda que as famílias com renda acima de 20 salários, ou seja, com maior
poder aquisitivo, residem na região Sudeste, como elencado acima.
Os dados obtidos também nos permitem compreender as expressões da questão social. Por meio
dos dados expostos na tabela em questão, conseguimos ter uma noção das informações sobre a renda
das pessoas, sobre a região em que estão concentradas as famílias de menor poder aquisitivo e assim
sucessivamente, e por meio de tais informações podemos deliberar sobre as ações que nos dispomos a
realizar.
Em nosso caso, se atuarmos junto a um município, ou então a uma região, iremos direcionar nossa
atenção para os dados obtidos nesse espaço de atuação obviamente, porém, conhecer a realidade de
nosso país é fundamental em nossa prática profissional.
55
Unidade I
Outro exemplo que desejamos destacar pode ser expresso se analisarmos a representação abaixo:
Percentual de famílias pobres
atendidas pelo PBF
Até 50%
De 50 a 75%
De 75 a 100%
Acima de 100%
Limite estadual
Figura 2 - Proporcão de famílias pobres atendidas pelo Programa Bolsa Família por município – 2008.
Este mapa foi elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Nele observamos
a localização, em todo o território nacional, das famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família.
Observamos assim que há um grande percentual de famílias atendidas pelo programa e que estão
localizadas na região do Pará. E observamos que há muitos estados com percentual “baixo” de
atendimentos, como algumas regiões do Mato Grosso. Enfim, isso demonstra a distribuição do programa
em todo o território nacional.
A análise dos dados não pressupõe apenas “olhar” indicadores expostos. Demanda, mais que isso,
pressupõe essencialmente um profissional culto e atento, para apreender as informações obtidas. No
caso, precisa ser um profissional “informado, crítico e propositivo”, além de ser “versado no instrumental
técnico-operativo”.
Mas vamos explicar um pouco melhor quem é esse profissional.
56
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
Para Iamamoto (2004), o profissional precisa manter-se informado, atualizado. Essa informação
precisa ser refletida de forma crítica, e não de uma forma naturalizada. E precisa ainda compreender
com total clareza o instrumental técnico-operativo que, como vimos, não comporta apenas a dimensão
das técnicas, ou seja, não significa que precisamos conhecer apenas o “arsenal de técnicas”, mas que
precisamos dominar também os aspectos teórico-metodológicos que devem orientar nossa ação.
O profissional propositivo, por seu lado, é descrito por ela como aquele profissional que é
comprometido com a atualização permanente e, além disso, deve ser aquele profissional envolvido
com a pesquisa ou, como coloca Iamamoto (2004), profissional pesquisador. No caso, a nosso ver, esse
profissional propositivo não é algo hipotético, mas sim uma necessidade, afinal a atualização constante é
uma demanda para qualquer profissão, inclusive a nossa. E também é fundamental que esse profissional
esteja ambientado com a pesquisa, até porque se não for assim “acostumado”, não conseguirá fazer as
leituras da realidade e não será possível também compreender a questão social e suas múltiplas formas
de expressão.
Observação
Profissional propositivo é aquele comprometido com a atualização
permanente e com a pesquisa.
Iamamoto (2004) nos diz que a pesquisa está inteiramente relacionada a nossa capacidade de decifrar
a realidade, de nos apropriarmos dessa realidade sobre a qual iremos intervir. Por meio dessa pesquisa,
será possível aos profissionais a construção de respostas criativas, de alternativas diferenciadas para a
efetivação dos direitos sociais da população com a qual atuamos.
Comenta que, por meio dessa postura, será possível alcançar os princípios postos pelo compromisso
ético-político de nossa profissão e será ainda possível ampliar as bases que legitimam a necessidade
dos assistentes sociais nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais. Assim, o profissional alcançará
o reconhecimento por parte da população com a qual atua e também junto às instituições a que está
vinculado.
Concluindo suas argumentações, a autora coloca que é fundamental a qualidade da formação,
sobretudo se pensarmos a graduação. E aponta ainda que precisamos desenvolver uma série de
habilidades, além das já obtidas no curso de graduação. Ou seja, precisamos ter o domínio da linguagem
culta, dos instrumentos informatizados, além de outras necessidades que são postas a nossa profissão
em decorrência das mudanças processadas no âmbito da organização do trabalho.
Mas, prezado aluno, diante de uma série de considerações aqui tratadas, cabe uma síntese. No
termo em questão, o que Iamamoto (2004) quer nos dizer é que as mudanças econômicas, políticas
e sociais que observamos no Brasil, partindo da década de 70, tem colaborado para uma ampliação
das expressões da questão social. Para que possamos intervir nessas expressões, é fundamental que
conheçamos a questão social, que sejamos engajados com a pesquisa e com a atualização permanente.
Isso nos levará, consequentemente, a alcançar o projeto ético-político que é assumido por toda nossa
57
Unidade I
categoria profissional e que sempre irá denotar a defesa dos segmentos menos favorecidos de nossa
sociedade.
Na sequência, discutiremos algumas informações sobre o mercado de trabalho do assistente social.
Apesar da obra de referência ter sido escrita há certo tempo, suas colocações ainda mostram-se atualizadas
e totalmente relacionadas às condições laborais dos assistentes sociais na contemporaneidade.
Saiba mais
Como vimos, reflexões sobre a questão social, em suas múltiplas formas
de expressão, são fundamentais ao assistente social. No texto sugerido,
parte dessas expressões é discutida; recorra a ele para ampliar seus
conhecimentos sobre a temática de estudo: Desigualdade e pobreza no
Brasil, de Ricardo Paes de Barros, Ricardo Henriques e Rosane Mendonça.
Acesse: <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n42/1741.pdf>
Sugerimos ainda que assista ao documentário Ilha das flores (Brasil,
1989, direção de Jorge Furtado).
4.3 O redimensionamento da profissão: o mercado e as condições de
trabalho
Para discutir o redimensionamento da profissão, Iamamoto (2004) recorre a uma pesquisa que fora
realizada em determinado período pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) e, por meio de análise,
consegue apreender o perfil do profissional daquele período, além de tecer uma série de recomendações
que deveriam ser seguidas pelos profissionais que desejassem desenvolver uma prática coerente com a
realidade de nossa profissão.
Lembrete
Para essa compreensão, é necessário retomar o que significa a questão
social, ou seja, múltiplas expressões da sociedade capitalista madura e
consolidada.
Bem, com relação às recomendações, Iamamoto (2004) volta a chamar a atenção para a necessidade
imperiosa de conhecimento da realidade. Destaca que precisamos nos atentar para a questão regional e
para o poder local. No caso, isso significa conhecer toda a realidade econômica, social e política de dada
região na qual estaremos atuando. Já a questão do poder local incorpora a noção de conhecimento das
instâncias de participação e poder local que são constituídas e que tendem a fortalecer a democratização
nas esferas locais.
58
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
E ela nos coloca que temos que ter sempre em foco que nossa profissão está sujeita a todas as
situações laborais que afetam as demais profissões. Por isso, também precisamos considerar que todas
as situações, boas e ruins, que afetam as demais profissões irão condicionar a nossa atuação.
Já com relação ao mercado de trabalho, a autora constatou, partindo da pesquisa da PUC acima
posta, que grande parte dos profissionais atuava no setor público. Dentro do setor público, na época de
realização da pesquisa, encontramos grande parte dos profissionais trabalhando na área da saúde e na
área da assistência social, sendo, no período, hegemônica a atuação junto à saúde.
Mas ainda são apontadas outras possibilidades de atuação, sendo essas a prática junto aos conselhos
de direitos, na gestão de políticas públicas e ainda junto às empresas privadas.
Na atuação junto aos conselhos, é usual que o assistente social desempenhe uma prática mais voltada
à assessoria a esse organismo, visto que se trata de um espaço de debate, de partilha, mas composto por
voluntários, o que em tese dificulta o desenvolvimento por parte dos membros das atividades rotineiras
ou burocráticas.
Já o trabalho junto à gestão das políticas públicas é apontado por Iamamoto (2004) como uma
tendência em nossa profissão. Isso corresponde à gestão, à organização dos serviços de natureza pública.
Essa intervenção pode ser compreendida como a desempenhada nos serviços de secretaria, de “gestão”
propriamente ditos, e de outros serviços que têm a natureza de disciplinar os serviços públicos.
Quanto à atuação em empresa privada, segundo a autora, esta precisa ser compreendida como
a prática desenvolvida em organizações de empresa privada ou em organizações de natureza não
governamental. No caso, as empresas privadas têm organizado fundações e outras instituições do
gênero, que não possuem finalidade lucrativa, mas atuam nas expressões da questão social. Por usa vez,
as organizações não governamentais são instituições criadas pela sociedade civil para atuar junto às
expressões da questão social, mas essas organizações também não podem visar a lucro.
No caso, Iamamoto (2004) assevera que essas instituições privadas só se constituem porque o estado
se retrai no sentido de atender demandas da questão social, ou seja, a sociedade se organiza para
atender demandas sociais não contempladas pela ação estatal. Mas esse processo que a autora chama
de “refilantropização”, ou nova forma de filantropia, é por ela compreendido como outro espaço de
atuação profissional, um espaço do mercado de trabalho dos assistentes sociais.
Diante dessa questão, Iamamoto (2004) destaca que cresce a possibilidade de atuação nas empresas
privadas, por exemplo, destacando desde a atuação na própria empresa até a atuação nas organizações
privadas geridas por particulares relacionadas à empresa. Nos termos postos, a autora nos coloca que
a prática do assistente social nas empresas privadas se altera, pois antigamente a prática profissional
estava mais voltada a eliminar tensões, estimular um comportamento produtivo, reduzir o absenteísmo
e proporcionar uma série de benefícios, mas, agora, diante de uma série de mudanças, espera-se
que o profissional, além das demandas tradicionais, ainda desenvolva atividades para proporcionar a
valorização do trabalhador e assim alcance sua colaboração no sentido de produzir e com qualidade.
Já a atuação em fundações começa a se desenvolver e se ampliar, dada a constituição desses espaços.
59
Unidade I
Vejamos abaixo um exemplo de prática profissional desenvolvida em uma fundação por um assistente
social.
Casamento comunitário realizará sonho de 50 casais em São Gabriel
Foto: Divulgação
50 casais de São Gabriel do Oeste oficializarão sua união durante cerimônia do
Casamento Comunitário, que acontecerá neste sábado (24) no CTG Chama Crioula, às 17
horas. O evento será promovido pela Fundação Aury Luiz Bodanese e a Coopercentral Aurora
(Aurora Alimentos), em parceria com a Cooperativa de São Gabriel do Oeste (Cooasgo).
O evento reunirá aproximadamente 800 pessoas para os casamentos no civil e religioso.
Após a cerimônia haverá coquetel, brinde dos noivos e valsa. A celebração será conduzida
pelo pastor Almir Ademar Seifert.
Os noivos receberão de presente a festa com decoração, coquetel, bebida, brinde, valsa
entre outros. Além disso, terão descontos em empresas parceiras para aquisição de vestido
de noiva, vestido social, cabelo, maquiagem e na compra das alianças.
Para a assistente social da Fundação, Sonara Bergamo Ramos, o casamento remete a
cumplicidade, carinho, amor, respeito, sinceridade em todos os momentos da vida. “Muitos
casais desejam a cerimônia civil e religiosa, moram juntos há muito tempo e não tem
condições financeiras para oficializar a união. Para valorizar o ser humano e contribuir com
o exercício da cidadania é realizado o casamento comunitário”, complementa Sonora.
Parcerias
A Fundação Aury Luiz Bodanese e a Aurora Alimentos agradecem aos parceiros que
contribuíram para a realização do evento: Associação Empresarial de São Gabriel do
Oeste (Acisga), Cooasgo, 1ª Serviço Notorial e Registro Civil, Oficina da Beleza Maison,
Nart’s Floricultura, Ótica Vitória, Studio Prisma, Padaria e Lanchonete Alvorada e Salão
La Belle.1
Nessa prática, a assistente social atuava junto a uma fundação, a Fundação Aury Luiz Bodanese,
vinculada à empresa Associação Empresarial São Gabriel, porém sem o objetivo de visar a lucro. Como
1
Disponível em: <http://www.idest.com.br/noticia.asp?id=34735>. Acesso em: 28 mar. 2012.
60
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
demonstra a matéria elencada, a intervenção é desenvolvida para efetivar direitos sociais, mas essa ação
só é empreendida porque não há esse tipo de intervenção partindo do ente estatal.
Ainda com relação a práticas desta natureza, Iamamoto (2004) nos coloca que no espaço das ações
da nova filantropia também é comum a grande adesão de voluntários. No caso, como grande parte das
ações é desenvolvida por pessoas físicas que doam seu tempo em prol de uma causa social, é comum
identificarmos pessoas que atuam voluntariamente nos serviços em questão. A autora salienta que nós,
como profissionais, iremos também conviver com essa realidade, tanto atuando junto a voluntários
quanto perdendo esses espaços de trabalho para o serviço voluntário.
Assim, a autora destaca que para a atuação em campos já constituídos, como a assistência social e a
saúde, assim como para a atuação junto aos conselhos, à gestão e ainda junto às instituições de natureza
privada, são fundamentais capacidade e competência técnica. É necessário um perfil de profissional
propositivo e que possa se apropriar dos espaços sócio-ocupacionais disponíveis. Concluindo, ela coloca
que, se nós não o fizermos, se nós não nos mostrarmos com condições para essas ações, outras categorias
profissionais o farão e se apropriarão do espaço deixado em aberto.
Para que você possa ter uma noção um pouco mais ampla sobre o mercado de trabalho na atualidade,
recomendamos que recorra aos sites do Conselho Regional de Serviço Social, de acordo com o estado
de sua residência. Nos sites dos conselhos é comum observamos pesquisas sobre o mercado de trabalho
atual, assim como acompanhar oportunidades de concursos e empregos.
Figura como exemplo a pesquisa realizada por Trindade et al (2007), que realizaram uma análise
do mercado de trabalho dos assistentes sociais considerando o governo Lula e a realidade de São Luís
(MA). Essa pesquisa constatou que no período em questão houve alta taxa de desemprego, mas também
grande investimento em políticas sociais.
Decorrente desse investimento em políticas sociais, houve uma ampliação do mercado
de trabalho, sendo que, segundo a pesquisa em questão, observou-se grande concentração de
profissionais junto à gestão do Sistema Único da Assistência Social, junto ao Programa Pró-Jovem,
junto à Previdência Social e ainda junto às intervenções desenvolvidas pela Política de Saúde,
sobretudo as desenvolvidas junto ao SAMU e às UTIs, sendo esses espaços em que não era comum
a intervenção do assistente social.
Trindade et al. (2007), ainda partindo da análise do mercado de trabalho dos assistentes sociais,
destacam que, em São Luís, houve grande alocação desses profissionais para atuação no Programa Bolsa
Família. Para as autoras, isso demonstra que o maior programa de transferência de renda do governo
Lula permaneceu sem a orientação e a prática dos assistentes sociais, sendo esse espaço cooptado por
outros profissionais.
Em relação ao espaço privado, conforme a pesquisa estudada, observou-se grande quantidade de
profissionais atuando no terceiro setor, se constituindo este um espaço de absorção de grande parte da
mão de obra dos assistentes sociais no Estado do Maranhão.
61
Unidade I
Esperamos que você tenha aprofundado seus conhecimentos sobre os assuntos aqui discutidos e
que essas informações possam colaborar de maneira positiva com todo seu processo formativo.
Resumo
Nesta unidade, estudamos como o modo de produção capitalista
baseia-se na relação capital/trabalho. Os meios de produção estão nas mãos
de uma minoria – proprietários –, que constituem uma classe distinta da
sociedade. As pessoas que não têm os meios de produção, só detêm a sua
força de trabalho e, para garantir a sobrevivência, precisam vendê-la aos
empregadores. A relação capital/trabalho gera inúmeras demandas sociais,
que podem ser entendidas como as necessidades dos trabalhadores não
atendidas por meio da remuneração de seu trabalho.
Vimos que, no período da Revolução Industrial, ocorreu uma maior
precarização da relação capital/trabalho devido à ocorrência de profundas
mudanças na sociedade, nas áreas social, cultural, política, científica e,
sobretudo, econômica. Trabalhamos a organização da assistência social
e o estudo de Mary Richmond. As damas de caridade, fortes aliadas dos
movimentos filantrópicos da igreja, eram voluntárias, utilizavam sua
sensibilidade para chegar até os mais pobres por meio de doações. Nesse
trabalho, não havia organização ou sistematização da assistência social.
As justificativas utilizadas eram de cunho ideológico ou religioso. Mary
Richmond apontou, por meio de seu estudo, que praticar a “assistência
social” como filantropia ou caridade era diferente de desenvolver o serviço
social; seu estudo recebeu os nomes de “compreensão do meio social” e
“ação sobre a personalidade da pessoa e sobre o seu meio social”. Mary
Richmond defendia que problemas sociais estavam diretamente associados
aos problemas de caráter.
Vimos, também, a influência neoliberal nos aspectos de mudanças
sociais, principalmente no mundo do trabalho, que é a gênese da nova
questão social e que se manifesta sob a forma de desemprego e precarização
das relações de trabalho. Foi apresentado um panorama geral das principais
demandas e dos desafios sociais do mundo. No que se refere ao Brasil,
procuramos dar enfoque à saúde, à habitação, à violência, ao desemprego
e à educação como as maiores demandas brasileiras que nos desafiam e
nos instigam a respostas efetivas no cotidiano. Além disso, aprendemos
a identificar a questão social como objeto do serviço social. A questão
social e suas configurações são o nosso objeto, e não as políticas sociais.
Aprendemos também como identificar a construção e desconstrução do
objeto profissional a partir das múltiplas expressões cotidianas e das formas
de enfrentamento acionadas.
62
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
Apontamos, ainda, os aspectos que constituem o processo de trabalho
do assistente social, considerando que nossa profissão também vivencia
uma relação de trabalho, apesar de ser considerada como uma profissão
liberal. No caso, precisamos compreender que também vivenciamos uma
situação de trabalho e, como tal, também participamos de um processo de
trabalho.
Estudamos ainda as incidências que as mudanças econômicas e políticas
vivenciadas na contemporaneidade têm tido junto às expressões da
questão social, sendo que, parafraseando essa contextualização, discutimos
as dificuldades possuídas no sentido de efetivar nosso compromisso éticopolítico ou, melhor dizendo, o compromisso ético-político assumido por
toda a nossa categoria profissional, sendo que tal compromisso nos remete
ainda a pensar as atuais condições postas ao mercado de trabalho do
assistente social, aspecto que também estudamos e sobre o qual realizamos
reflexões nesta primeira unidade.
Esperamos que tenha sido possível a você se apropriar desses conceitos
para que possamos dar sequência aos conteúdos propostos nas próximas
unidades.
Exercícios
Questão 1. Observe a imagem abaixo:
Disponível em: <http://www.dreamstime.com/stock-photography-construction-worker-six-hands-image23332672>.
Acesso em: 18 mar. 2012.
A mesma pode ser compreendida como um protótipo do profissional conhecido como polivalente.
Esse perfil profissional foi gestado a partir da década de 70, em todo o mundo, e é representativo das
63
Unidade I
profundas mudanças vivenciadas no processo de produção. Essas mudanças, no entanto, não foram
restritas ao âmbito da produção e trouxeram impactos também à forma de organização do estado e à
organização social como um todo. Acerca desses processos vivenciados a partir da década de 70, julgue
as assertivas a seguir:
I. Partindo da década de 70, observamos a ascensão de um novo ideal de compreensão dos fenômenos
sociais denominado keynesianismo.
II. As mudanças processadas no âmbito do papel do estado, após a década de 70, recomendavam o
fim dos gastos desse ente com as políticas sociais.
III. Foram gestadas novas exigências ao trabalhador, sendo requisitadas novas habilidades, além das
já possuídas.
IV. As mudanças processadas no âmbito do trabalho também trouxeram resultados às expressões da
questão social, sendo que essas “expressões” tornaram-se mais latentes.
V. Observamos que houve introdução de novas tecnologias ao processo produtivo, o que dinamizou
esse processo, mas também poderia resultar em desemprego de grande parcela da população.
Após a análise das assertivas acima, podemos concluir que:
A) Há apenas quatro assertivas corretas.
B) Todas as assertivas estão corretas.
C) Há apenas três assertivas corretas.
D) A assertiva I é a única correta.
E) Há apenas duas assertivas incorretas.
Resposta correta: alternativa A.
Análise das alternativas:
I) Alternativa incorreta.
Justificativa:
Essa alternativa está incorreta, posto que a partir da década de 70 emergiu a compreensão neoliberal,
que influenciava na compreensão de todos os fenômenos que regiam a vida em sociedade e orientam,
inclusive, uma posição a ser adotada pelo estado na regulação de questões econômicas e sociais. No
sentido em questão, a emersão do neoliberalismo, na década de 70, substituiu outro ideal de regulação
da vida social e econômica, que fora o keynesianismo, compreensão esta que teria surgido pós Segunda
Guerra Mundial. No caso, a assertiva está incorreta porque define a década de 70 como o período de
surgimento do keynesianismo, mas nesse período observamos na verdade o fim de tal concepção.
64
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
II) Alternativa correta.
Justificativa:
Está correta, visto que, com a emersão dos ideais neoliberais, passaram a ser destacadas propostas
em relação ao papel do estado. Dentre tais propostas, observamos a recomendação de que os gastos
com políticas sociais fossem reduzidos, argumentando-se que o investimento demasiado na área social
poderia resultar em uma diminuição da atitude individual no sentido de superar suas deficiências, além
de comprometer grande parte do orçamento do ente federado. Segundo essa concepção, o estado não
deveria intervir em questões de natureza social e, portanto, deveria diminuir os gastos em política social.
III) Alternativa correta.
Justificativa:
Está correta porque, a partir da década de 70, foram processadas mudanças no âmbito da produção e
do trabalho, sendo esse processo denominado como “acumulação flexível”. Dentre as inúmeras mudanças
processadas no âmbito do trabalho a partir de então, podemos citar que este se tornou flexível e que
foram postas novas exigências ao profissional, com destaque à necessidade da polivalência e ainda ao
desenvolvimento de novas habilidades além das que já possuía, sendo usual a habilidade em tecnologias
de base microeletrônica e o domínio de várias línguas.
IV) Alternativa correta.
Justificativa:
Está correta porque as mudanças processadas no âmbito da produção trouxeram, como indicamos,
uma flexibilização das relações de trabalho. No sentido em questão, observamos que houve uma grande
perda de postos de trabalho estáveis em detrimento de postos de trabalho flexíveis. Quando o trabalho
se torna flexível, observamos a perda dos direitos trabalhistas comuns ao trabalho estável. Essa situação
se tornou ainda mais complexa com a introdução de novas tecnologias no processo produtivo, o que
garantia a rapidez no processo produtivo e a exclusão de muitos postos de trabalho. Com essas mudanças,
observamos assim o crescimento do desemprego e do trabalho instável e de baixa remuneração. Isso
trouxe condicionantes à questão social, sendo o desemprego uma de suas expressões, além de que o
subemprego também se trata de uma das expressões do fenômeno em voga. De tal forma, a partir da
década de 70, as expressões da questão social se tornaram mais agudas, abrangeram um grande número
de pessoas e passaram a estar totalmente relacionadas à forma de produção adotada desde então.
V) Alternativa correta.
Justificativa:
Está correta porque, a partir da década de 70, foi intensificada a introdução de novas tecnologias
no processo produtivo, sobretudo aquelas pautadas na informática e na robótica. Isso aconteceu com o
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Unidade I
objetivo de fazer com que a produção acontecesse de forma cada vez mais rápida, com maior qualidade
e, dessa forma, seria alcançado o lucro ou mais-valia, sendo esse lucro sempre algo a ser buscado. No
entanto, a introdução de novas tecnologias tende a resultar em uma economia do trabalho vivo, ou
seja, há muito desemprego, pois a inovação tecnológica proporciona a economia de muitos postos de
trabalho ou, como está descrito, resulta em “desemprego de grande parcela da população”.
Questão 2. Analise e matéria abaixo:
ONU apela para que países se esforcem para reduzir a pobreza extrema.
Brasília – O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, elogiou as
parcerias públicas e privadas desenvolvidas no mundo na tentativa de reduzir a pobreza extrema. A
união de esforços, ressaltou ele, tem demonstrado sua eficiência. Ban Ki-moon lembrou ainda que o fim
da pobreza proporciona também mais oportunidades de educação, trabalho e o controle de doenças.
No entanto, ele destacou que é preciso avançar e a meta é reduzir ainda mais os números até 2015.
“Quando trabalhamos juntos, podemos conseguir grandes coisas”, disse o secretário-geral,
lembrando que, pelo texto do projeto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), os líderes
se comprometeram a reduzir a pobreza extrema até 2015. Segundo ele, um dos melhores exemplos de
parceiros é o Banco Mundial.
Nas reuniões com líderes estrangeiros, a presidenta Dilma Rousseff costuma destacar a necessidade
de associar o desenvolvimento econômico ao social. Segundo ela, é impossível avançar economicamente
sem executar programas sociais eficientes. Os programas sociais, implementados pelo governo do Brasil,
são tomados como exemplos em vários países da América Latina e África.
Nos próximos meses, deverá chegar ao Brasil a primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, para conhecer
de forma mais detalhada os programas de transferência de renda executados pelo governo brasileiro.
Depois de ser eleito presidente peruano no ano passado, Ollanta Humala veio a Brasília e disse que sua
prioridade era adotar no Peru os programas sociais brasileiros.
No começo desta semana, um relatório conjunto do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que o mundo atingiu a meta dos ODM de
reduzir para metade o número de pessoas sem acesso à água potável.
Também há números positivos sobre o combate à tuberculose. De acordo com dados recentes, há
40% menos mortes do ocorria em 1990. As mortes causadas pela malária também foram reduzidas. Ban
Ki-moon lembrou ainda que há mais equilíbrio entre os dados que apontam a escolarização primária
entre meninos e meninas.
Porém, o secretário-geral ressaltou que os desafios permanecem, pois há disparidades acentuadas
de desenvolvimento social entre as regiões e países. Ki-moon lembrou que apenas 61% das pessoas na
África Subsaariana têm acesso a fontes melhoradas de água, enquanto na maioria das outras regiões o
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acesso chega a 90%. Segundo ele, no mundo, ainda há 2,5 bilhões de pessoas sem saneamento básico.
(Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-03-09/onu-apela-para-que-paises-seesforcem-para-reduzir-pobreza-extrema>. Acesso em: 18 mar. 2012).
A matéria faz menção à questão da pobreza, indicando recomendações da ONU em relação a
possíveis formas para seu enfrentamento. A pobreza, como é possível concluir e como observamos em
nossos estudos, é uma das múltiplas expressões da questão social. Acerca de tal fenômeno, julgue os
itens a seguir e os valores a eles correspondentes.
I. A pobreza é uma das expressões da questão social e, como sugere a matéria, sua superação depende
da intervenção da ONU, que tende a regulamentar o processo de enfrentamento de tal fenômeno
(15).
II. A questão social possui múltiplas formas de expressão, dentre elas a pobreza, e a mesma é
manifestada no cotidiano dos seres humanos (10).
III. Para o enfrentamento da questão social, basta que cada país desenvolva seus esforços, pois esse
fenômeno é gerado apenas em países pontuais (17).
IV. A questão social incorpora também as possibilidades de resistência e luta da classe trabalhadora
(12).
V. A partir das mudanças geradas pelo processo produtivo, os antigos problemas sociais são
potencializados (07).
Se realizarmos uma soma dos valores correspondentes às assertivas corretas, obteremos o valor
equivalente a:
A) 32
B) 07
C) 22
D) 29
E) 17
Resolução desta questão na Plataforma.
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