Perspectivas Profissionais em Serviço Social Autoras: Profa. Daniela Emilena Santiago Profa. Renata Leandro Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudela Nanias Profa. Glaucia Aquino Professoras conteudistas: Daniela Emilena Santiago e Renata Leandro Daniela Emilena Santiago é assistente social graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em violência doméstica contra crianças e adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Psicologia pela Universidade Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP), campus de Assis (SP). Atualmente é funcionária pública municipal e atua como assistente social junto à Secretaria Municipal de Promoção Social do município de Quatá (SP); também exerce a função de docente do curso de Serviço Social da Universidade Paulista (UNIP), campus de Assis. Partindo de sua vinculação à Universidade Paulista como docente do curso de Serviço Social, emergiu a oportunidade de seu atrelamento também ao curso de graduação de Serviço Social na modalidade SEI, oferecida pela UNIP Interativa, sendo que tal vinculação proporcionou à docente ministrar aulas em tal modalidade na disciplina de Política Social de Habitação. Além dessa inserção, a docente em voga também ministrou aulas, na modalidade SEPI, no curso de pósgraduação de Gestão em Políticas Sociais oferecido pela Universidade Paulista, na disciplina Política Social de Saúde. Além das experiências supra relatadas, a docente exerce a função de líder pela Universidade Paulista, o que pressupõe muita leitura dos conteúdos afetos à formação em Serviço Social para posterior colaboração na elaboração dos planos de ensino e demais intervenções que se façam necessárias no apoio à formação dos futuros assistentes sociais, sendo tal intervenção empreendida nos cursos de graduação das modalidades presencial e não presencial. Renata Leandro reside no município de Campinas (SP). Em 2002, graduou-se em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC–Campinas); tem especialização na área de violência doméstica contra crianças e adolescentes pelo Laboratório da Criança (LACRI) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP, 2005), em sexualidade humana pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, 2009) e é pós-graduanda em Formação em EaD pela UNIP. Atualmente é docente na UNIP, campus de Sorocaba, consultora em gestão pública e captadora de recursos e responsabilidade social no primeiro e no segundo setor. Possui experiência em gestão social, tendo atuado como gestora municipal no município de São Thomé das Letras (MG) e na Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos no estado do Rio de Janeiro. Atuou, também, em Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) no município de Campinas, no atendimento matricial de famílias e na área de crianças e adolescentes com suas respectivas famílias, no Projeto Rotas Recriadas (atualmente denominado Programa Municipal de Enfrentamento à Exploração Sexual Infanto-juvenil), de 2003 a 2007. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S235p Santiago, Daniela Emilena Perspectivas profissionais em serviço social / Daniela Emilena Santiago; Renata Leandro - São Paulo: Editora Sol, 2012. 128 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-031/12 , ISSN 1517-9230. 1. Serviço social. 2. Perspectivas profissionais. 3. Assistente social I.Título CDU 65.01 © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Profa. Melissa Larrabure Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Elaine Fares Sumário Perspectivas Profissionais em Serviço Social APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8 Unidade I 1 O TRABALHO NO CAPITALISMO...................................................................................................................11 2 As contradições do trabalho no capitalismo...................................................................... 15 2.1 O capitalismo e a exploração da força de trabalho................................................................. 16 2.2 Estratégias do capitalismo para alcançar seus interesses.................................................... 18 2.3 A Revolução Industrial e a maior precarização da relação capital/trabalho................ 19 2.4 A relação capital/trabalho.................................................................................................................. 21 2.4.1 Capital/trabalho: uma relação de conflitos sociais.................................................................... 21 2.5 A organização da assistência social e o importante estudo de Mary Richmond....... 25 3 O NEOLIBERALISMO E A PRECARIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO................................ 28 3.1 O significado contemporâneo da questão social no Brasil.................................................. 30 3.2 O neoliberalismo e a “nova questão social”............................................................................... 31 3.3 A questão social em uma sociedade em transformação...................................................... 31 3.4 Decifrando a nova questão social... não tão nova assim!..................................................... 34 3.5 Formas de enfrentamento da questão social no Brasil......................................................... 35 3.6 Reflexão acerca da exclusão social................................................................................................ 37 4 Trabalho e Serviço Social: a profissão ante as transformações societárias recentes.................................................................................................................................... 43 4.1 Trabalho e serviço social..................................................................................................................... 44 4.2 O cenário atual, suas incidências na questão social e a consolidação do projeto ético-político do serviço social......................................................................................... 51 4.3 O redimensionamento da profissão: o mercado e as condições de trabalho............... 58 Unidade II 5 As demandas e as respostas da categoria profissional aos projetos societários.......................................................................................................................................................... 68 5.1 As demandas profissionais no âmbito das relações entre o estado e a sociedade.................................................................................................................................................. 69 6 Condições de trabalho e respostas profissionais............................................................. 74 Unidade III 7 A instrumentalidade no trabalho do assistente social................................................ 80 7.1 A prática do assistente social: conhecimento, instrumentalidade e intervenção profissional...................................................................................................................................................... 80 7.1.1 A pré-história dos instrumentais no serviço social e as práticas desenvolvidas pelos primeiros profissionais.......................................................................................................................... 81 7.1.2 Instrumentalidade e fazer profissional na contemporaneidade.......................................... 87 8 As dimensões ético-políticas, técnico-operativas e teórico-metodológicas no serviço social contemporâneo e os rumos ético-políticos do trabalho profissional....................................................................................................................................................... 93 8.1 As competências do serviço social na contemporaneidade: política, ética, investigação e intervenção....................................................................................................................... 97 APRESENTAÇÃO Considerando as diversas modalidades de formação prestadas pela Universidade Paulista aos futuros assistentes sociais, e tendo em vista sempre a qualidade prestada nessa formação, houve a demanda pela elaboração do presente livro-texto, que irá trabalhar os conceitos relacionados à disciplina Perspectivas Profissionais em Serviço Social e será de fundamental importância em seu processo formativo. Nas próximas páginas, discutiremos as informações necessárias para que o conteúdo em questão possa ser trabalhado de tal forma que seja possível colaborar em seu processo formativo. A disciplina Perspectivas Profissionais em Serviço Social baseia-se na compreensão do processo intrínseco às estratégias criadas pelo estado e pelo capital para instituir os mecanismos de controle da classe trabalhista e o refreamento dos conflitos entre trabalhadores e empresariado, o que faz surgir a questão social, que é a matéria-prima do serviço social, bem como seus reflexos. Estudaremos como o mesmo se constitui em instrumento de preservação e controle da força de trabalho, por meio de políticas públicas sociais, analisando como o estado deve intervir na administração das expressões da questão social para minimizar as mazelas sociais provocadas/geradas pelo modo de produção capitalista, concentrador da riqueza socialmente produzida. Tal concepção se torna fundamental, posto que é a partir de tal administração dos conflitos entre as classes e ainda junto às expressões da questão social por parte do estado que são constituídos os espaços de atuação profissional do assistente social, ou, dito de outra forma, se constituem suas possibilidades de instituição em um espaço sócio-ocupacional. Esses espaços de trabalho podem ser por nós compreendidos como as perspectivas profissionais do serviço social, que englobam tanto conceitos relacionados à prática profissional quanto afetos ao mercado de trabalho desse profissional. Para isso, é importante ainda lembrar que a questão social está relacionada às estruturas sociais, históricas e políticas de um país e apresenta-se de forma diferente nas diversas sociedades; no interior delas, configura-se e reconfigura-se de acordo com as mudanças estabelecidas pelas estruturas capitalistas. No sentido acima mencionado, a compreensão do mercado de trabalho e das perspectivas profissionais demanda também a compreensão do que se convencionou denominar “questão social” e dos processos que vimos vivenciando e que têm provocado alterações junto a esse fenômeno. Frente a toda essa conjuntura, é necessário entender os meios que a profissão identifica para atuar junto à questão social. Atualmente, toda a nossa categoria profissional tem refletido, no sentido acima citado, sobre o conceito de instrumentalidade e, a fim de melhor compreendê-lo, também refletiremos sobre a instrumentalidade do serviço social. A instrumentalidade de que se vale o profissional refere-se à capacidade adquirida por meio da profissão, que possibilita responder às demandas colocadas ao serviço social com o exercício de sua práxis, não representando somente um conjunto de instrumentos com o qual os assistentes sociais desenvolvem seu exercício profissional. Assim, a disciplina Perspectivas Profissionais em Serviço Social tem como objetivo possibilitar ao educando a compreensão crítica do profissional em suas diferentes realidades de trabalho, visando a 7 ações baseadas em teorias e legislações para distanciar-se de ações imediatistas, com o entendimento dos instrumentos técnico-operativos utilizados para potencializar sua atuação frente aos desafios das expressões da questão social. Para tanto, também busca a compreensão da institucionalização do serviço social; da relação deste com o capitalismo; do surgimento da questão social a partir dos fatores históricos, políticos, sociais e econômicos; da atuação do estado no modo econômico capitalista, bem como busca entender o enfrentamento dos reflexos da questão social, as relações de trabalho e sua construção, sua precarização e o desemprego como a própria “nova questão” e suas manifestações na sociedade brasileira. Pretendemos, desta maneira, torná-lo apto a identificar as singularidades existentes nas diferentes formas de agir, já que é preciso analisar a realidade apresentada pelo público-alvo e a organização em que trabalha para não fazer das situações-problema um fim nelas mesmas e utilizar corretamente os instrumentais técnicos do serviço social. INTRODUÇÃO Ao tratarmos das perspectivas profissionais em serviço social, retrataremos a atuação profissional e os procedimentos técnico-operativos que são reflexões acerca das fontes que estão direta ou indiretamente relacionadas à profissão e ao cotidiano da prática profissional. Podemos entender que a prática do assistente social seja desenvolvida pela combinação de diversos fatores, entre eles: o relacionamento com os que necessitam de seus serviços e buscam por eles; os instrumentais utilizados para o desenvolvimento satisfatório de suas funções, conforme as prerrogativas de suas atividades; os possíveis conflitos; a qualificação técnica profissional e a metodologia empregada. É vasto e diversificado o campo de inserção do assistente social no mercado de trabalho, que é bastante dinâmico, como a própria realidade social em que o profissional atua. A sociedade sofre modificações constantes, o que ocorre também com nossa atuação profissional, seja do aspecto teórico seja do ponto de vista prático. Assim, surgem sempre novos campos de atuação, o que aumenta as possibilidades profissionais. Portanto, esta disciplina não pretende elaborar um manual de atuação profissional com modelos inquestionáveis a serem seguidos. Considerando a diversidade de atuação existente na profissão, não se pretende aqui esgotar uma discussão sobre o estudo, a pretensão é definir algumas das atribuições e práticas do profissional e proporcionar análises de situações e conceitos utilizados pelo serviço social. Os instrumentais técnico-operativos estão em constante desenvolvimento, são modificados diariamente pela atuação dos assistentes sociais, tanto no campo teórico como no campo prático, o qual denominamos como práxis profissional. Sua atuação em diversas áreas é resultado de muitos elementos relacionados, que podem ser de ordem profissional, social e institucional. Com tal intento, organizaremos o presente material da seguinte maneira: iniciaremos com uma discussão sobre a categoria trabalho, para em seguida discutirmos o conceito da instrumentalidade, concluindo com as respostas da categoria profissional às demandas emergentes. 8 A argumentação sobre o trabalho pretende discutir as mudanças contemporâneas em tal categoria e, na sequência, discutiremos o conceito de trabalho na área de serviço social, introduzindo a noção de processo de trabalho. Devido à introdução da discussão do processo de trabalho, se fará necessária uma reflexão sobre a questão social, objeto de trabalho do assistente social. Derivando ainda dessa compreensão, iremos observar como as mudanças processadas junto à questão social provocam também alterações na prática do assistente social, e como essas situações influenciam no mercado de trabalho desse profissional. Ainda na Unidade I, refletiremos sobre a importância do projeto ético-político do serviço social assumido por toda a nossa categoria profissional frente às mudanças acontecidas e que alteram significativamente o nosso mercado de trabalho. Dando sequência a tais conteúdos, pensaremos sobre as demandas que são postas a nossa categoria profissional e as possibilidades de resposta a elas. Assim, na Unidade II destacaremos as respostas conferidas pela categoria profissional a essas demandas, sendo que elas estão condicionadas pelas relações de classe da sociedade capitalista e mediadas pelo estado. No sentido elencado, enfatizaremos as respostas às demandas apresentadas pelo estado e pela sociedade civil. Considerando tal concepção, introduziremos ainda a discussão sobre a instrumentalidade, com algumas considerações acerca dos instrumentais técnicos operativos que instrumentalizam o fazer profissional, além de enfatizarmos alguns outros conceitos relacionados à questão em debate. Tal conteúdo será tratado na Unidade III deste livro-texto. Após a exposição dos conteúdos, ao final de cada unidade, serão destacados exercícios para que você possa fortalecer seu processo de aprendizagem. Recorra a esses instrumentais para melhorar a apreensão dos conteúdos tratados. 9 Perspectivas Profissionais em Serviço Social Unidade I 1 O TRABALHO NO CAPITALISMO Nesse texto, conforme sinalizado na introdução, estudaremos com maior profundidade a categoria trabalho, considerando a realidade capitalista. Para compreendê-la, recorremos à tradição marxista que, como o próprio nome sugere, tem em Marx seu principal expositor. No entanto, é interessante atentar que tal compreensão, na contemporaneidade, possui outros autores de recorrência, os quais destacaremos nesse item, que nos permitem entender o trabalho na atualidade. Dessa forma, estaremos atentos aos seguintes conceitos: o trabalho para Marx, a produção da mais-valia e a transformação da mercadoria em valor por meio do trabalho. Iniciamos assim pela compreensão do modo de produção capitalista para, na sequência, tratarmos dos demais conceitos. O modo de produção capitalista marcou o fim do modelo de sociedade baseada no feudalismo. Como sabemos, o regime feudal possuía uma forma de organização econômica, política e social totalmente diferenciada da organização capitalista, sendo que essa forma de organização começou a ruir em fins do século XVI. O capitalismo nasceu com a característica central de compra e venda da mão de obra humana, baseado num sistema de assalariamento; o trabalhador que antes realizava o seu trabalho de maneira artesanal e participava de todo o processo de produção passou a vender a sua mão de obra. É certo que as condições de vida e de trabalho no feudalismo não eram nada boas, todavia, no capitalismo, a situação não melhorou: o trabalhador passou a valer pelo que produzia e pelas condições estabelecidas no mercado. Nesse caso, o trabalho se caracteriza pela separação do homem de seus meios de produção, como terras, máquinas e ferramentas. Conforme Meksenas (1994, p. 26) nos explica, a [...] sociedade capitalista é uma organização de trabalho que se caracteriza pela existência de, basicamente, duas classes sociais: os proprietários dos meios de produção e os proprietários apenas de sua capacidade de trabalho. Assim sendo, os trabalhadores trocam com os empresários (os donos dos meios de produção) a sua capacidade de trabalhar por um salário. Nessa sociedade, o trabalho industrial aparece como uma forma básica de produção de bens de consumo. Com a Revolução Industrial (século XVIII), muitos tinham a esperança de que a vida seria melhor, uma vez que, com o dinheiro fruto da atividade laborativa, poderiam realizar seus desejos, adquirir produtos e serviços. Na verdade, não passou de um sonho que virou, posteriormente, pesadelo, porque a vida não seria tão simples assim, uma vez que a exploração era uma das principais características desse sistema. 11 Unidade I Mas vamos entender um pouco mais o sistema capitalista, recorrendo ao entendimento marxista. Vejamos os itens abaixo, em que tais conhecimentos encontram-se destacados. a) Marx e o trabalho no capitalismo Quem estudou a sociedade capitalista de maneira crítica foi o pensador alemão Karl Marx (18181883), conforme pontuamos. Para esse teórico, o trabalhador é bastante explorado no capitalismo. Essa exploração se dá quando o trabalhador começa a vender sua força de trabalho, visto que, para Marx, no sistema capitalista há apenas duas classes sociais, sendo uma a classe trabalhadora ou operária, que detém a força de trabalho, e a outra a classe burguesa, que detém os meios de produção. Quando esse processo de compra e venda da força de trabalho se inicia, o capitalista, ou o burguês, compra a força de trabalho pelo “preço” que desejar. O trabalhador, por outro lado, como não possui outra alternativa para ter suas necessidades atendidas, vende sua força de trabalho ao burguês pelo preço ofertado. Nesse processo de compra e venda da força de trabalho, os preços pagos pelo burguês ou capitalista são sempre baixos, em relação ao lucro que ele obtém com a venda da mercadoria. Toda essa “situação” de compra e venda da força de trabalho é de tal forma uma relação que reforça a desigualdade entre as classes sociais. Mandel (1982) nos coloca que é por meio da compra da força de trabalho que a desigualdade, que é inerente a esse sistema, se mantém. Seguindo tal raciocínio, se não houver venda da força de trabalho, o sistema não se sustenta. Porém, não há como contarmos com isso, visto que a única forma de termos nossas necessidades atendidas, nessa sociedade, é por meio do trabalho. É por meio do trabalho que acontece ainda a alienação do trabalhador, conforme Marx destaca e Mandel (1982) também sinaliza. A primeira forma de alienação do trabalhador é quando ele é separado do seu meio de produção. Em um segundo momento, vem a alienação pela falta de conhecimento da realidade de exploração que está vivendo. Isso faz com que o sistema continue se perpetuando ao longo dos anos. Em síntese, é por meio do trabalho que o homem tem suas necessidades atendidas e, na sociedade capitalista, essa atividade é marcada pela exploração. Esta acontece para que o capitalista possa alcançar o lucro, ou mais-valia, conforme poderemos ver melhor no decurso desse texto. Saiba mais Para o capitalismo é importante que o trabalhador não pense e apenas realize o trabalho para o qual foi designado. Se nos reportamos ao cinema, temos em uma cena do filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin (1396), o ator apertando parafusos exaustivamente na linha de montagem e, posteriormente, sendo engolido pelas engrenagens, o que revela uma das faces do capitalismo, que o filme mostra criticamente. Vale a pena assistir ao filme. 12 Perspectivas Profissionais em Serviço Social b) A mais-valia Assim sendo, a partir de seus estudos sobre o trabalho no capitalismo, Marx chegou à conclusão de que o trabalhador não recebe justamente o seu salário, o qual deveria suprir suas necessidades de alimentação, vestuário, lazer e o bem-estar de sua família, tal como apontamos supra. Este teórico crítico do capitalismo descobriu que o salário pago ao trabalhador não corresponde ao tempo gasto no processo de produção, de modo que a maior parte do lucro produzido fica em poder do dono dos meios de produção, isto é, do capitalista. A esse cenário Marx (1988) chamou de mais-valia. Vejamos uma explicação do que é mais-valia. Tomazi (2000, p. 50) assinala que [...] o trabalhador, ao assinar um contrato para trabalhar numa determinada empresa, está dizendo ao seu proprietário que se dispõe a trabalhar, por exemplo, oito horas diárias, ou quarenta horas semanais, por determinado salário. O capitalista passa, a partir daí, a ter o direito de utilizar essa força de trabalho no interior da fábrica. O que ocorre, na realidade, é que o trabalhador, em cinco ou seis horas de trabalho diárias, por exemplo, produz um valor que corresponde ao seu salário total, sendo o valor produzido nas horas restantes apropriados pelo capitalista; quer dizer, diariamente o empregado trabalha duas horas de graça para o dono da empresa, o que se produz nessas duas horas a mais se chama mais-valia. São as horas trabalhadas e não pagas que, acumuladas e reaplicadas no processo produtivo, vão fazer com que o capitalista enriqueça rapidamente. As ideias apresentadas por Marx (1988) chamaram a atenção de muitas pessoas, de trabalhadores a capitalistas; estes, por sua vez, ficaram preocupados e até irritados com tudo o que foi demonstrado claramente sobre mais-valia, o que dividiu nitidamente os que defendiam o capitalismo e os que se colocavam contrários a esse modelo. Não é por acaso que as ideias marxistas incomodam os que vivem da exploração, é por isso que, muitas vezes, vários movimentos sociais são até discriminados por defenderem ideias como as de Karl Marx. Quem é alienado não percebe a exploração em que vivem os trabalhadores, de modo que critica greves e movimentos sociais em geral que se colocam em defesa de melhores salários, condições de trabalho e de vida. c) Como o trabalho se transforma em mercadoria Pode parecer complicado imaginar que o trabalho se transforma em mercadoria, mas utilizaremos este momento para maior reflexão sobre o ponto proposto. No capitalismo, o trabalhador precisa trabalhar para atender suas necessidades básicas (como alimentação, vestuário e lazer) e, em troca, recebe um salário que possa atender a seus objetivos. À medida que o trabalhador se coloca à disposição do mercado para trabalhar em troca de um salário, ele se torna também uma mercadoria, ou melhor, seu trabalho passa a ser uma mercadoria, pois ele o vende: 13 Unidade I lembre-se de que o trabalho é um produto de compra e venda no capitalismo. Isto vale para qualquer tipo de trabalho, seja no campo, na cidade, na indústria, no comércio ou no setor de serviços em geral. Podemos imaginar a situação de um professor que ministra as suas aulas numa determinada escola: na realidade, toda relação de trabalho se dá a partir de um contrato estabelecido pelas leis do mercado entre o trabalhador (no caso o professor) e o empregador; o produto esperado são as aulas cujo beneficiário é o aluno. Esse material que você tem em mãos só se tornou possível devido à relação de compra e venda da força de trabalho. Pensar nessa situação parece uma coisa fora do comum ou fora de lógica ou que não se encaixa na realidade educacional, mas este é o modelo de produção e de funcionamento do capitalismo, o que muitas vezes pode se tornar uma relação conflituosa, e também desrespeitosa, quando, em nosso exemplo, o professor é visto pelo aluno como um mero vendedor de sua força de trabalho, e não como um intelectual a favor do conhecimento, do aprendizado e da cidadania. Por outro lado, quando o aluno de uma instituição privada coloca-se como simples cliente, afasta toda possibilidade de uma educação primorosa e de qualidade, pois, como paga uma mensalidade, às vezes se sente no direito de desrespeitar a metodologia do professor, isto quando não cria uma situação para afastá-lo de determinada disciplina simplesmente porque não gostou do seu jeito. Por diversas situações, como as mostradas anteriormente no tocante às relações de trabalho, podemos afirmar que, principalmente nas sociedades em que a exploração se mostra de maneira patente, essas relações são constituídas por conflitos. No caso do capitalismo, a situação é claramente conflituosa: de um lado está o capitalista querendo atingir o maior lucro possível, às vezes até pela exploração, desrespeito aos direitos do trabalhador e, por outro lado, este último tenta a todo custo sair de uma situação de exploração, o que nem sempre consegue; desta maneira, há mais pessoas querendo uma oportunidade de trabalho do que vagas disponíveis, o que proporciona a busca por trabalhos informais, desde que estes garantam o mínimo de sustento. Assim, encontramos trabalhadores se submetendo a situações deprimentes, como as encontradas em trabalhos precários oferecidos em fazendas e contratações terceirizadas. Quando os trabalhadores tomam conhecimento de sua situação, encontram meios e se organizam, passam a lutar por seus direitos. No campo, temos as organizações dos trabalhadores, como já houve no Brasil no século XX as chamadas Ligas Camponesas, cuja bandeira era a reforma agrária. Tais movimentos se estenderam por vários estados do Brasil, tendo seus pontos mais fortes na Paraíba e em Pernambuco. A partir da década de 1980, passamos a ter o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que se assemelha às Ligas Camponesas por agir em defesa da reforma agrária e de melhores condições de vida e de trabalho para o homem do campo. Nas cidades, temos vários movimentos formados por inúmeras categorias de trabalhadores, como os da construção civil, dos metalúrgicos, dos professores, dos comerciários, dentre outros, os quais se organizam e reivindicam melhorias para os seus pares. 14 Perspectivas Profissionais em Serviço Social A partir de 1980, os metalúrgicos do ABC paulista passaram a fazer manifestações e greves por melhores condições de trabalho e de salário; nas bases desse movimento surgiram novas centrais sindicais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que fez frente à Central Geral dos Trabalhadores (CGT), assim como houve o ressurgimento de partidos políticos (como o PTB, o PC do B, o PCB, o PSB) e o surgimento de novas correntes partidárias, entre elas o Partido dos Trabalhadores. Em síntese, o conceito de trabalho, de forma geral, refere-se à maneira como os seres humanos realizam atividades, transformando a natureza e desenvolvendo a cultura da sociedade. As diferentes sociedades constituídas ao longo do tempo nos mostram como o trabalho assume características distintas. Por isso, é muito importante saber que o desenvolvimento das sociedades depende da forma como os homens realizam o trabalho, inclusive para que não adotemos uma postura preconceituosa quando nos depararmos com culturas diferentes da nossa. As concepções dos teóricos da sociologia, como Durkheim e Karl Marx, demonstram como o tema requer conhecimento amplo, afinal cada teoria é fruto de uma concepção de mundo, de uma ideologia. Se você se remeter apenas a uma concepção, como se fosse a única, ficará limitado, mas, a partir das diferentes teorias, terá condições de perceber como se organiza o trabalho na sociedade atual, quais as transformações ocorridas e qual a perspectiva da sociedade futura. Enquanto teóricos como Durkheim fazem uma abordagem da sociedade e do trabalho fundamentando o capitalismo, Karl Marx apresenta-se como um crítico do sistema capitalista. Diante de tais conceitos, podemos orientar nossa discussão para a compreensão do trabalho, especificamente das contradições inerentes à sociedade capitalista e que se tornam mais perceptíveis analisando-se a categoria trabalho. 2 As contradições do trabalho no capitalismo Você já deve ter observado e analisado que, na visão dialética marxista, a contradição do capitalismo está em manter a sociedade em condições de desenvolvimento e perpetuar esse tipo de economia. Nessa perspectiva, a sociedade capitalista é estruturada em classes sociais, as quais, por sua vez, são antagônicas. Enquanto os capitalistas, proprietários dos meios de produção, buscam a todo custo manter-se na riqueza e na opulência à custa da exploração dos trabalhadores, estes, por sua vez, tentam, de todas as formas possíveis, primeiramente, sobreviver, o que os torna, assim, alienados no processo de relações de produção. Não somente no Brasil, como na maioria dos países, as contradições do capitalismo se fazem evidentes quando se observa a própria configuração das cidades, nas quais se pode perceber claramente a geografia formada por setores diferenciados, de modo que se tem, de um lado, áreas nobres, com casas luxuosas e, de outro, os núcleos residenciais (anteriormente denominados como favelas), cortiços e um emaranhado de pessoas vivendo em condições subumanas. 15 Unidade I A forma com que as pessoas podem realizar seus objetivos e atender suas necessidades básicas é o trabalho. Em razão disso, muito se faz para se ter um trabalho. A história tem demonstrado que a realidade do trabalho tem sido marcada por profundas situações de conflito e sofrimento, enquanto o estado fica com a melhor parte: o lucro. Para a realização do trabalho, existe o que chamamos de relações de produção, o que se dá, muitas vezes, de forma conturbada ou conflituosa. Para uma maior compreensão do que isso significa, vejamos então um exemplo: quando a pessoa necessita atender suas necessidades básicas de alimento, vestimenta e lazer precisa fazer alguma coisa, o que resulta num trabalho; para tanto, se não há como conseguir tudo na natureza, da maneira mais simples possível, o indivíduo passa a buscar outra forma de atender suas necessidades. Assim, nasceram o escravismo, o feudalismo e o capitalismo. No capitalismo, as pessoas vendem a sua força de trabalho, conforme determina o mercado capitalista. Desta feita, o trabalhador passa a ser uma mercadoria e, em muitas situações, trabalha demasiadamente e não recebe o salário de maneira justa, o que, consequentemente, não dá para comprar alimento suficiente, vestir-se, pagar moradia, luz, água etc. A realidade brasileira se apresenta com uma desigualdade considerável, uma vez que os capitalistas exploram o máximo possível e não oferecem condições de vida digna para os trabalhadores. Tomazi (2000, p. 73) ensina que: [...] a situação dos trabalhadores no Brasil, tem sido uma das mais terríveis e trágicas de toda a sua história. Existem estudos comparativos que buscam analisar a situação dos trabalhadores brasileiros nos últimos tempos, em comparação com sua situação em épocas anteriores. A triste conclusão a que chegaram é que a maioria deles, hoje em dia, encontra-se em condições piores que as dos escravos no período colonial, pois, apesar da exploração intensa, eles tinham abrigo, roupa, alimentação. Ou seja, esse fenômeno condiciona grande parte da população brasileira, da população que depende da venda de sua força de trabalho para sobreviver. Essa relação se constitui de tal forma pelo fato de a classe trabalhadora ser explorada pela classe que compra sua força de trabalho. No item a seguir, discutiremos um pouco mais sobre a exploração da força de trabalho. 2.1 O capitalismo e a exploração da força de trabalho O serviço social, antes de ocupar espaço no campo universitário, já existia como prática social que respondia às demandas do sistema capitalista, no atendimento da questão social aberta pela exploração da força de trabalho. Martinelli (2006, p. 53) afirma que o sistema capitalista é um “[...] modo de produção profundamente antagônico e pleno de contradições que desde o início de sua fase industrial instituiu-se como um divisor de águas na história da sociedade e das relações ente os homens”. 16 Perspectivas Profissionais em Serviço Social O homem capitalista sempre utilizou estratégias para alcançar o seu maior interesse: acumular lucros. Sobre a exploração da força de trabalho, Martinelli (2006, p. 55) diz que: [...] visualizando a classes trabalhadoras como um mero atributo do capital, como um modo de existência deste, os capitalistas não hesitavam em criar formas coercitivas de recrutamento do operariado e de sua abusiva exploração. A exploração da força de trabalho ganhou maior dimensão a partir da Revolução Industrial, que se expandiu pelo mundo desde século XIX até os dias atuais, demandando uma intensiva mão de obra até a contemporaneidade. Martinelli (2006, p. 57) afirma também que [...] durante praticamente toda a primeira metade do século XIX, a burguesia se utilizou seu poder de classe para manipular livremente salários e condições de trabalho. Apoiando-se em um antigo dispositivo legal, cujas origens remontavam a longínquas épocas da história da humanidade – Estatuto dos Trabalhadores, de 1349, que proibia reclamações de salário e de organização do processo de trabalho –, excluía o trabalhador das decisões sobre sua própria vida trabalhista. Os trabalhadores que se recusavam a vender sua força de trabalho para os capitalistas podiam ser recolhidos em casas de correção, que ofereciam como penalidade restrição alimentar e trabalhos forçados, entre outras. O estatuto dos trabalhadores do ano de 1349 assegurava às autoridades locais o direito de determinar o valor do salário a ser pago ao trabalhador, bem como formas de coerção para recrutamento de mão de obra. Sobre isso, Martinelli (2006, p. 57) diz que: [...] as alternativas do trabalhador empobrecido, em face das condições de trabalho que os donos do capital estabeleciam, eram sombrias: ou se rendia à lei geral da acumulação capitalista, vendendo sua força de trabalho a preços de concorrências cada vez mais vis, ou capitulava diante da draconiana legislação urbana, tornando-se dependente do estado, e no mesmo instante, declarado não-cidadão, ou seja, indivíduo destituído de cidadania econômica, da liberdade civil. Nota-se que a força de trabalho, no modo de produção capitalista, foi mercantilizada, isto é, o trabalhador foi obrigado a vender sua mão de obra para os donos do capital e a se submeter a todo o processo de exploração do trabalho. Esse processo fez com que a classe trabalhadora se organizasse contra as formas de exploração impostas pelo capitalismo. Os trabalhadores se organizavam por meio de movimentos sindicais reivindicatórios, que tinham como bandeira de luta questões trabalhistas, como regulamentar a jornada de trabalho que na época chegava a 14 horas diárias. Assim, Martinelli (2006, p. 59) assevera que: [...] as questões sindicais e trabalhistas continuavam, porém, a animar o movimento operário que prosseguia em sua marcha, predominantemente 17 Unidade I sob o signo da prática sindical. Assim nenhuma das medidas propostas pela legislação trabalhista, ao longo desse período, significou uma concessão do poder público ou dos donos do capital. Todas decorreram de árduas e complexas lutas e negociações dos trabalhadores. Concomitante à exploração da força de trabalho, o sistema capitalista provocou inúmeros problemas sociais decorrentes do crescimento exorbitante da população urbana, visto que as cidades não tinham infraestrutura adequada para comportar tantas pessoas. Assim se alastrou pela sociedade uma crescente pobreza, acompanhada de fome, doenças, moradias precárias, entre outros problemas. Todos eles são denominados de expressões da questão social. Com o afloramento da questão social e, consequentemente, a mobilização da classe trabalhadora por melhores condições de trabalho e sobrevivência, a burguesia passou a utilizar-se de estratégias para conter as reivindicações dos trabalhadores, pois, [...] obcecada por um pensamento fixo – o de expandir e consolidar o modo burguês de produção, tornando-o irreversível -, a burguesia se mantinha sempre em busca de estratégias e táticas que pudessem viabilizar a consecução de seus objetivos. A estrutura petrificada de sua consciência erguia-se como uma verdadeira muralha, através da qual tentava-se isolarse e proteger-se dos inúmeros problemas sociais produzidos pela expansão do capitalismo, injusto regime que se nutre do que suga do trabalhador, da crescente exploração de sua força de trabalho (MARTINELLI, 2006, p. 60). 2.2 Estratégias do capitalismo para alcançar seus interesses Para conter as reivindicações dos trabalhadores, “as classes dominantes procuram direcionar as lutas populares, enquadrando-as no âmbito da legislação burguesa, cuja tramitação e controle cabem ao estado” (CASTRO, 2003, p. 45). Vê-se que o objetivo era resolver ou apaziguar os problemas e continuar alcançando seu objetivo: aumentar suas riquezas. No entanto, conforme aponta Castro (2003, p. 46), [...] aquela legislação se foi definindo sob a aparência de concessões burguesas – e, mesmo constituindo conquista popular, permite à burguesia canalizar o protesto do povo e perceber que, se adquirirem maior dimensão, aqueles germes de organização e combatividade tornar-se-ão de difícil controle. A classe operária teve que se organizar em função da sua condição de assalariada e vendedora de sua única mercadoria (força de trabalho), passando a vida do operário a ser dirigida conforme sua condição de proletário. O processo de adaptação a essa nova vida exigia profissionais para exercerem a função de adaptar os operários à sua nova condição de assalariado. Assim emergiu, no final do século XIX — com a ascensão da 18 Perspectivas Profissionais em Serviço Social sociedade burguesa e com o aparecimento de classes sociais (a burguesia era a classe social dominante) —, o serviço social, para assumir uma prática social que controlasse a força de trabalho e minimizasse os problemas sociais. Ao perceber que a luta de classe não poderia ganhar maior dimensão, pois prejudicaria a legitimação do capital, o grupo hegemônico levou a luta para o campo ideológico, visando a instaurar, na sociedade, mecanismos de intervenção para dar continuidade ao desenvolvimento do capital. É dessa lógica de intervenção do capital que derivam critérios para o desenvolvimento do serviço social. Para Martinelli (2006, p. 67), [...] O serviço social era, pois, na verdade, um importante instrumento da burguesia, que tratou de imediato de consolidar sua identidade atribuída, afastando-o da trama das relações sociais, do espaço social mais amplo da luta de classes e das contradições que as engendram e são por ela engendradas. Portanto, o serviço social, como prática social, teve a missão de difundir, no seio das famílias proletárias, a ideia de que o trabalhador era o vendedor de sua força de trabalho e, ainda, de conscientizar os trabalhadores a aceitarem as condições de exploração impostas pelos donos do capital. A competência do serviço social era difundir a ideologia da classe dominante para, assim, contribuir para a consolidação e legitimação do sistema capitalista. 2.3 A Revolução Industrial e a maior precarização da relação capital/ trabalho O século XVIII foi um século de extremas mudanças: sociais, culturais, políticas, científicas, mas, sobretudo, econômicas. Foi como se expressou, sobre esse período, uma testemunha ocular, o pensador político Alexis de Tocqueville: “Estamos dormindo sobre um vulcão [...]. Os senhores não percebem que a terra treme mais uma vez? Sopra o vento das revoluções, a tempestade está no horizonte” (HOBSBAWM, 2002, p. 27). Iniciada na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, a Revolução Industrial imprimiu profundas e duradouras marcas na sociedade, fato que pode ser compreendido a partir de determinados fatores, tais como: a) substituição de ferramentas por máquinas; b) substituição do sistema de trabalho artesanal e doméstico pelo sistema fabril (fábricas); c) novas alternativas energéticas, como o uso do vapor para movimentar o trabalho das máquinas, para a produção de bens e transporte (trens, navios). A passagem da manufatura artesanal para a industrial multiplicou o resultado produtivo do trabalho. Essa evolução marcou o pioneirismo industrial inglês em relação ao restante da Europa. 19 Unidade I O destaque da Inglaterra deveu-se aos seguintes aspectos: a) acúmulo de capitais (exploração dos recursos minerais e matérias-primas das regiões colonizadas e ocupadas); b) reserva de carvão; c) avanço tecnológico; d) existência de mercados consumidores; e) farta mão de obra existente nas colônias e evasão do camponês inglês para a cidade. A Revolução Industrial consolidou duas classes antagônicas: de um lado, o empresariado (dono do capital, fábricas, máquinas, matérias-primas e bens produzidos); do outro, os operários, que vendiam sua força de trabalho aos empresários sem a justa remuneração. A Revolução Industrial provocou o aumento da população nas cidades, concentrando os trabalhadores nas fábricas. Com o objetivo de aumentar a produção, as linhas de montagem, no início do século XX, tornaram a divisão técnica do trabalho cada vez mais específica. A cidade se apresentava como o símbolo exterior desse mundo industrial que surgia. Foi na cidade que o progresso se manifestou e, nela, consolidaram-se os problemas básicos com que até hoje padecemos, tais como: miséria, fome, desemprego e falta de habitação. Em relação a isso, Hobsbawm (2002, p. 295) afirma que, [...] para os planejadores de cidades, os pobres eram uma ameaça pública, suas concentrações potencialmente capazes de se desenvolver em distúrbios deveriam ser cortadas por avenidas e bulevares, que levariam os pobres dos bairros populosos a procurar habitações em lugares não especificados, mas presumidamente mais sanitarizados e certamente menos perigosos. [...] Para os construtores e empreendedores, os pobres eram um mercado que não dava lucro, comparado ao dos ricos com seus negócios especializados. A oferta de mão de obra e o desemprego iniciado pelo uso de máquinas obrigaram o trabalhador a se submeter ao controle do empregador sob péssimas condições de trabalho e de salário. Democracia e direitos humanos e trabalhistas eram apenas reflexos de um discurso vazio que, ainda no século XVIII, não ganhou espaço. Os empresários impunham duras condições aos operários para que aumentassem a produção e garantissem maior margem de lucro ao capital. A falta de cuidados especiais com a mulher, o trabalho infantil, a precariedade das instalações fabris (má iluminação e circulação de ar) e jornadas de trabalhos que ultrapassavam 15 horas diárias provocaram inúmeros acidentes, doenças, redução do tempo de vida etc. O desemprego, a pobreza, a falta de moradia também são problemas sociais provocados pela Revolução Industrial. 20 Perspectivas Profissionais em Serviço Social Todos os problemas sociais anteriormente mencionados exigiram uma resposta por parte do estado, que passou a intervir junto à classe operária visando a minimizar os problemas sociais provocados pela Revolução Industrial. O estado contou com o apoio da Igreja Católica e de seus membros para intervir nos problemas sociais, com a finalidade de prover condições mínimas de sobrevivência para a classe operária. A intervenção da Igreja Católica foi realizada por meio de um trabalho que teve como base a filantropia e a caridade. Realizava arrecadação na forma de doações e campanhas e ações nas áreas da educação, saúde e assistência social. Porém, é importante diferenciar caridade de ação social, que visa à emancipação. Por exemplo, no período colonial da história brasileira, a Igreja Católica era encarregada de zelar pelo bem-estar da população local, como estratégia para tirar de foco o desinteresse da nação colonizadora em relação às questões sociais da colônia. Enquanto o estado utilizava-se do exército para efetivar seu controle social, a Igreja, alinhada à política colonizadora de Portugal, proclamava a opção pelo Evangelho que, na prática, significava optar pelos pobres, ajudando quem necessitasse. 2.4 A relação capital/trabalho Reiterando, para Karl Marx, o modo de produção capitalista, baseado na relação capital/trabalho, é definido como um modo de produção cujos meios estão nas mãos de uma minoria, que constitui uma classe distinta da sociedade. Isto é, o trabalhador vende a sua força de trabalho. Pela falta de poder de negociação, submete-se a trocar seu esforço físico, na produção, pela remuneração necessária ao atendimento de suas necessidades mais elementares. Os trabalhadores explorados organizam-se coletivamente, por meio dos sindicatos, para reivindicar seus direitos. Nessa relação de trabalho, surgem inúmeras demandas sociais não atendidas ou atendidas de maneira precária pelo capitalismo, como a atenção à saúde do trabalhador, à sua alimentação, à assistência social extensiva à família, à seguridade social e ao acesso aos serviços públicos de educação etc. Observação Demanda social é a denominação técnica dada à necessidade social e que, nessa situação, representa as necessidades dos trabalhadores não atendidas por meio da remuneração de seu trabalho (remuneração que, na maioria das vezes, tem seu valor estabelecido no atendimento das necessidades básicas para manter a sobrevivência). 2.4.1 Capital/trabalho: uma relação de conflitos sociais A relação capital/trabalho expressa conteúdo significativo no que tange ao fazer profissional do assistente social, o qual se configura como atividade inserida em um processo de trabalho historicamente 21 Unidade I construído e socialmente determinado pela correlação de forças articuladoras de uma dada totalidade social. Iamamoto (2004) ressalta, portanto, ser essencial que compreendamos a categoria trabalho na sociedade contemporânea. Diante disso, vamos relembrar o conceito de trabalho, considerando que essa categoria reúne diversas definições. Nesse processo, Guerra (2000) afirma que o homem, após a satisfação de suas necessidades imediatas, inventa outras e percorre sua trajetória na busca constante de saciá-las. Para isso, cria novas formas e meios (instrumentos e técnicas) para realizar o trabalho e aperfeiçoa-se, nesse ínterim, adquirindo novos conhecimentos. Lembrete O que é trabalho? Iamamoto, citada por Nicolau (2004, p. 87), afirma que “trabalho em Marx é transformação da natureza, mas o homem é também natureza e se transforma nesse processo”. Segundo ela, tanto o trabalho quanto seu produto são propriedade capitalista. Assim sendo, gera a alienação do produto do trabalho pelo trabalhador. Este se encontra alijado desse resultado na medida em que o que o capitalista devolve, em forma de salário, trata-se apenas do suficiente para emprego na aquisição dos meios de vida do trabalhador e de sua família, reproduzindo assim o trabalhador enquanto assalariado. Note, aluno, que, na relação de produção de bens materiais, o homem não somente produz objetos, mas também atividades críticas. Observação As transformações ocorridas na relação homem-meio teriam sido sempre assim na história da humanidade? Temos, de fato, nos empenhado no uso dos objetos existentes, transformando-os em meios para a concreção de nossos projetos? Para atender a que interesses? Qual a intensidade e a profundidade das transformações gestadas no homem nesse processo, seja no âmbito cultural, no da ética etc.? Diante das atuais discussões na área de proteção e preservação ecológica, trabalhamos bem a natureza? Fazer uma “visita” à nossa formação e à evolução histórico-social e econômica pode ajudar a elucidar essas questões, além de nos mostrar como vêm ocorrendo a construção social, a geopolítica etc. 22 Perspectivas Profissionais em Serviço Social Guerra (1997, p. 9) assevera que No processo de trabalho a passagem do momento da pré-ideação (projeto) para a ação propriamente dita requer instrumentalidade. Requer a conversão das coisas em meios para o alcance dos resultados. [...] É essa capacidade que, como instância de passagem, possibilita passar das abstrações da vontade para a concreção das finalidades. A autora em foco afirma, ainda, que no processo de produção material das nossas necessidades inventamos e reinventamos instrumentos, ou seja, realizamos a conversão do que dispomos na natureza em meios para a obtenção de resultados pleiteados. Para a materialização das ideias, imprimimos esforços no sentido de atingirmos metas e objetivos e, nesse processo, criamos e recriamos a natureza e nos modificamos por meio dela. Iamamoto (2004, pp. 26-27), ao citar Marx, afirma que “a produção/reprodução das relações sociais abrange [...] ‘formas de pensar‘, isto é, formas de consciência, através das quais se apreende a vida social”. Face ao exposto, você pode compreender que, ao longo do desenvolvimento das sociedades, o homem foi aperfeiçoando o trabalho para satisfazer suas necessidades, as quais ampliaram o leque da produção material das satisfações imediatas. No processo de produção/reprodução dos meios de vida, os homens se relacionam, criam formas de estabelecer relações sociais e, pelo estabelecimento desses vínculos, constroem os meios necessários para difundir ideias e, consequentemente, os meios da produção e do lucro. Iamamoto e Carvalho (2005, p. 40) asseveram que a força de trabalho em ação [...] é uma função pessoal do trabalhador, enquanto gasto de sua força vital, realização de suas capacidades produtivas. Porém, enquanto criador de valores, pertence ao capitalista que comprou a força de trabalho para empregá-la, produtivamente, durante um certo período de tempo. A força de trabalho é uma potência que só se exterioriza em contato com os meios de produção; só sendo consumida, ela cria valor. O consumo da força de trabalho pertence ao capitalista, do mesmo modo que lhe pertencem os meios de produção. A citação anterior evidencia o processo de exploração e alijamento, alienação da classe dominada, a qual sobrevive da venda de sua força de trabalho ao capital. Iamamoto (2004) ressalta também que a produção social não se limita somente à produção de objetos materiais, mas trata de relação social entre as pessoas, entre classes sociais que personificam determinadas categorias econômicas. As relações sociais engendradas pelo capital são responsáveis por essa exploração de trabalho, a qual não se revela na imediaticidade/superficialidade do olhar, uma vez que se apresenta de forma camuflada, mascarada, o que dificulta uma leitura crítica da realidade pela classe que vive do trabalho. 23 Unidade I Ela vende sua força de trabalho, porém o lucro da produção pertence ao capitalista, detentor dos meios de produção. A diferença entre o valor da venda da mercadoria e o salário pago ao trabalhador é chamada de mais-valia, conforme vimos anteriormente. Nessa dimensão do mundo do trabalho, o modo de produção capitalista revela com tenacidade sua característica central: a acumulação. Logo se torna imprescindível aos capitalistas a produção de bens e serviços em grande escala, conquista adquirida mediante a compra da força de trabalho humano e a exploração. Em decorrência disso, surge a questão social e suas expressões: a divisão entre classes, os antagonismos e os conflitos na sociedade. Saiba mais Questões sociais ou expressões da questão social? Alguns estudiosos fazem uso do emprego de ambas, porém ficamos com a segunda forma por entender que, por uma questão de semântica, melhor exprime a intensidade do real concreto. Leia o livro de Marilda Iamamoto, O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional, para melhor assimilar as transformações societárias contemporâneas e aprofundar-se no conceito questão social. Para tanto, Iamamoto (2004, p. 27) explicita, com muita significação, que: Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. Tal afirmação mostra como a dinâmica social do sistema capitalista fundado em um regime de acumulação traz em seu bojo intensas e profundas contradições, as quais demandam o surgimento do serviço social enquanto profissão que desempenhará o papel de mediador dos conflitos sociais advindos da exploração capitalista. A trajetória histórica do serviço social é reveladora dos avanços ocorridos no seio dessa profissão, a qual, com o intuito de intervir nos problemas sociais, paulatinamente abandona ações de cunho caritativas e bondosas, optando por realizar atividades organizadas e sistematizadas, fato que imprime base científica e técnica às atividades caridosas. Vejamos, na sequência, uma intervenção relevante nesse sentido, mas, em relação à questão social, retomaremos tal assunto quando estudarmos a noção de processo de trabalho. 24 Perspectivas Profissionais em Serviço Social 2.5 A organização da assistência social e o importante estudo de Mary Richmond A Revolução Industrial provocou a reordenação da sociedade com a formação de classes sociais antagônicas: detentores do capital x trabalhadores. Nessa época, negócios eram coisas para homens. As mulheres pertencentes ao segmento de renda alta limitavam-se, via de regra, a cuidar da casa, dos filhos e a participar dos grupos e trabalhos da igreja. As damas de caridade, fortes aliadas dos movimentos filantrópicos da igreja, tornaram-se comuns na sociedade através dos séculos. Eram voluntárias, utilizavam sua sensibilidade para chegar até os mais pobres e “supriam”, por meio de doações, as necessidades mais elementares, como alimentos, roupas e medicamentos. Elas desempenharam um papel importante na diminuição do sofrimento, um papel de remediação da situação social, não de emancipação. Na assistência social prestada pelas damas de caridade, não havia organização ou sistematização. As justificativas eram ideológicas ou religiosas. Em meados do século XIX, algumas experiências (na Inglaterra, França e Alemanha) foram realizadas nas paróquias, a fim de melhor organizar as ações caritativas. Constituíram o primeiro esboço técnico da assistência social. Partiam da ideia da divisão da paróquia em grupos de vizinhos (setores) para facilitar a distribuição da ajuda material e para os aconselhamentos às pessoas e às famílias. Em 1833, as conferências São Vicente de Paulo organizaram seus trabalhos a partir da divisão territorial para visitas, ajudas em domicílio e apoio estruturado em programas para crianças, jovens e pessoas idosas. As “damas de caridade” ou as pessoas que tinham tempo disponível para a ajuda aos necessitados realizavam: a) identificação das necessidades de cada pessoa e de sua família; b) análise dos pedidos de ajuda das pessoas e famílias; c) estudo da melhor aplicação dos recursos disponíveis (racionalização dos gastos, priorizando as necessidades principais); d) visitas aos pobres para levar ajuda material e realizar aconselhamentos; e) busca de vagas de trabalho para os desempregados (ESTEVÃO, 2005, p. 54). A partir desse trabalho sem sistematização, mas que tinha claro enfoque de atendimento às demandas sociais, em 1869 foi criada a Sociedade de Organização da Caridade, em Londres. Ela tinha como princípio a prática da assistência social contemporânea, ou seja: a) cada caso a ser atendido se iniciaria com uma pesquisa; b) o resultado dessa pesquisa seria encaminhado a uma comissão que decidiria sobre a ajuda; 25 Unidade I c) as ajudas aconteceriam para reconduzir a pessoa ao trabalho e à autossustentação; d) seriam realizados contatos com outras instituições (inclusive empresas) para promover a reintegração da pessoa ao mercado; e) as instituições de caridade passariam a enviar os dados das pessoas e famílias atendidas para a composição de um cadastro central; f) seria constituído um banco de dados sobre os projetos para que as ações pudessem ser repetidas quando necessário (ESTEVÃO, 2005, p. 54). Esse tipo de organização proliferou pelos países capitalistas, tendo como enfoque a organização da assistência social (especialmente estampada pelas ações de filantropia das igrejas e das damas de caridade) e a oferta de uma formação às pessoas interessadas em atuar nessa área. Temos o “berço” das escolas de serviço social. Antes da criação da primeira escola de serviço social no mundo, havia a Escola de Filantropia Aplicada. Ela foi proposta por Mary Richmond, da Sociedade de Organização da Caridade de Baltimore, durante a realização da Conferência Nacional e Correção, em Toronto (1897). Essa escola realizava cursos de aprendizagem da aplicação científica da filantropia, visando, conforme afirma Martinelli (2006, p. 106), a desenvolver “a tarefa assistencial como eminentemente reintegradora e reformadora do caráter [...]”. Richmond contribuiu para desenvolver a concepção dominante na sociedade capitalista, de que os problemas sociais estavam diretamente associados aos problemas de caráter. Mary Richmond foi uma assistente social norte-americana do início do século XX, autora do livro Caso social individual, publicado em 1917, que trata da prática profissional do assistente social. Iniciou o estudo e a elaboração de documentos sobre o serviço social, apontou que praticar a “assistência social” como filantropia ou caridade era diferente de desenvolver o serviço social. Observação Na época da publicação da obra de Richmond e do desenvolvimento dos métodos do serviço social (investigação individual, grupo e comunidade), o mundo passava por sua mais severa crise econômica: a quebra da Bolsa de Nova York. Esse seria o marco do fim do liberalismo econômico do capitalismo. No início do século XX, os EUA somaram quase 10 mil bancos e 85 mil empresas falidos, deixando um exército de mais de 13 milhões de desempregados. A sistematização do serviço social era necessidade precípua das sociedades. Para Richmond, serviço social não era prover os necessitados com ajuda material; o correto exercício da profissão seria iniciar minuciosa investigação sobre a pessoa em seu meio social (escola, família, trabalho, comunidade). 26 Perspectivas Profissionais em Serviço Social Esse procedimento recebeu as designações de “compreensão do meio social” e “ação sobre a personalidade da pessoa e sobre o seu meio social”. Portanto, os estudos de Mary Richmond atribuíram um caráter científico à ação social filantrópica, que marchou decisivamente para a institucionalização da filantropia. O processo de organização da assistência social contribuiu para o surgimento do serviço social como profissão e, antes de terminar o século XIX (ainda no ano de 1899), foi fundada a primeira escola de serviço social do mundo, em Amsterdã, na Holanda. A tese de Mary Richmond convenceu os donos do capital de que os problemas apresentados pela classe trabalhadora estavam associados aos problemas de caráter. Assim, trabalhando e reformando o caráter do indivíduo, contribuiria para retorná-lo para o mercado de trabalho. Essa proposta resultou em um curso que ocorreu em 1898, em Nova York. Observação A expressão “caráter” foi utilizada por Mary Richmond para responder às inquietações do serviço social da época. Na atualidade, tal terminologia é impensável no serviço social. Após o referido curso, a ação social realizada com base na filantropia caminhou rumo ao processo de institucionalização do serviço social. Em 1899, foi fundada a primeira escola de serviço social no mundo, em Amsterdã, capital da Holanda, conforme vimos anteriormente. A primeira escola da América Latina foi criada em Santiago, no Chile, pelo médico Alejandro Del Rio. O serviço social era considerado como uma subprofissão da medicina, pois auxiliava os médicos no atendimento aos pacientes. O serviço social se resumia a fazer o bem ao próximo por amor a Deus, a partir de práticas imediatistas e assistencialistas. No Brasil, o serviço social foi primeiramente implantado em São Paulo, em 1936; depois, no Rio de Janeiro, em 1938. Segundo Lima (2001), as escolas de serviço social visavam a formar profissionais a partir de uma personalidade cristã. Não era necessário somente técnica profissional, necessitava-se de profissionais com uma mentalidade cristã frente ao homem e à sociedade, na perspectiva da justiça social e da caridade, por amor a Deus e ao próximo. O objetivo último das escolas era formar a personalidade dos profissionais. Tudo em prol de uma prática conservadora, fundamentada na caridade cristã, por meio de uma prática assistencialista. 27 Unidade I Lembrete A prática assistencialista no serviço social está relacionada à questão da ajuda e, desde o Movimento de Reconceituação (que estudaremos no item a seguir), pautada na teoria de Karl Marx, vem sendo superada pelos profissionais ao longo dos anos com uma prática profissional na perspectiva da garantia dos direitos de cidadão. O assistente social da atualidade deve desenvolver, na sociedade, funções intelectuais ou ideológicas, em organizações públicas ou privadas, por meio de prestação de serviços sociais para a classe trabalhadora. “Seu objetivo é transformar a maneira de ver, de agir, de se comportar e de sentir dos indivíduos em sua inserção na sociedade” (IAMAMOTO, 2002, p. 40). Ele atua na administração de recursos institucionais. A sua função intelectual resulta na distribuição e controle desses recursos junto à população que se encontra em situação de vulnerabilidade socioeconômica e cultural, intervindo em suas necessidades básicas de sobrevivência. 3 O NEOLIBERALISMO E A PRECARIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO Ao final da década de 70 do século XX, o Brasil iniciou uma nova fase econômica que, consequentemente, influenciou diretamente na vida social contemporânea. Essa vivência provém da influência de todo o mundo e não se mostra apenas na realidade brasileira. Assim, na década de 70, houve a transição do modelo keynesiano para o neoliberal. O keynesianismo, nos termos de Behring e Boschetti (2010), surgiu após a Segunda Guerra Mundial e propunha alternativas ao papel do estado, dentre os quais recomendava a intervenção desse órgão junto aos problemas sociais. Nesse sentido, o estado realizava intervenções nos problemas sociais, junto às expressões da questão social, através da constituição dos serviços públicos, as políticas sociais. O estado colaborava ainda no sentido de criar mecanismos para estimular o consumo, como, por exemplo, estimular o pleno emprego. No entanto, essa forma de governança começou a entrar em declínio visto que argumenta de forma contrária aos gastos sociais empreendidos com tal “objetivo”. Já o neoliberalismo é uma política econômica que envolve vários aspectos, como: privatizações de empresas estatais, desresponsabilização da área social com redução de gastos e cortes nas políticas públicas, flexibilização das relações trabalhistas, ocasionando a precarização do trabalho, denominada de reestruturação produtiva. A política neoliberal é um retrocesso no campo social para os diversos segmentos minoritários da sociedade, pois fortalece a exploração, a acumulação capitalista e acirra as expressões da questão social com uma expansão constante da desigualdade e do desemprego estrutural. O neoliberalismo reforça a competitividade entre as pessoas e as empresas, na busca de maior espaço para seus produtos no mercado, com menor custo possível, o que expõe os trabalhadores a condições de maior exploração de sua mão de obra, a uma maior produção de mais-valia e à precarização das relações de trabalho. 28 Perspectivas Profissionais em Serviço Social Exemplo disso são empresas de grande porte que ameaçam manter os empregos dos seus trabalhadores somente se houver a redução dos encargos trabalhistas (como o INSS, o 13º salário e o FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), sob a alegação de cortar gastos e custos em função de dificuldades financeiras. As organizações empresariais modernas são competitivas por excelência e, para garantirem o aumento no mercado consumidor ou a fidelização daqueles que consomem seus produtos ou serviços, introduzem no mercado produtos de alta qualidade, com custos baixos, visando ao maior consumo por parte da sociedade. Nesse sentido, as inovações tecnológicas são instrumentos muito utilizados, que impõem um novo campo de pré-requisitos aos trabalhadores. Essa inovação tecnológica é representativa de todo um processo de reestruturação produtiva iniciado na década de 70 e altera os modos de produção e de trabalho. Essa inovação calcada nos ideais neoliberais é resultado da queda do taylorismo e do fordismo como modelos de produção e de sua substituição pela produção toyotista. No caso, a produção fordista e taylorista pressupunha a produção em massa, em grande escala e não se respaldava tanto em desenvolvimento tecnológico. A produção toyostista, por seu lado, proveio da fábrica Toyota e pressupunha a produção apenas para atender à demanda que, por seu lado, pode ser uma demanda variada, ou seja, de produtos diferenciados. Assenta-se ainda sobre a importância da adesão dos trabalhadores ao processo produtivo, sobretudo sobre o enfoque do trabalho em equipe (ANTUNES, 1999). Essa mudança no âmbito da produção ainda pressupõe como regra o just in time, ou seja, o melhor aproveitamento possível do tempo durante o processo produtivo, e a recorrência ao sistema Kanban, que disciplina inclusive a utilização de senhas com o objetivos de repor peças no processo produtivo. Esse sistema de produção tem como enfoque ainda atingir níveis mais elevados de qualidade, sendo esses processos construídos para se alcançar a esperada “qualidade total” (ANTUNES, 1999). No âmbito das relações trabalhistas, segundo Antunes (1999), há uma precarização das mesmas. Assim, o autor nos coloca que há uma redução considerável do proletariado fabril em decorrência dos processos de inovação tecnológica nos quais há uma economia do trabalho vivo pelo trabalho morto, ou tecnológico. O trabalho formal declina e aumenta, substancialmente, o setor da prestação de serviços. O trabalho feminino nesse momento também aumenta, apesar dos baixos salários em relação ao trabalho masculino, e há uma exclusão de jovens e idosos do mercado de trabalho. Além disso, para aumentar suas possibilidades de inclusão no mercado de trabalho, os trabalhadores são obrigados a desenvolver novos conhecimentos e habilidades incessantemente, a fim de melhor responderem às expectativas de um mercado sempre mais competitivo e dinâmico. Exigem-se uma melhor comunicação, domínio de computação e, muitas vezes, fluência em línguas estrangeiras (destacadamente o inglês). Enfim, exige-se que o trabalhador esteja bem preparado para atuar em empresas e/ou instituições com vocação para a polivalência. Isso quer dizer que deverá ser conhecedor de diversas áreas, “um faz de tudo um pouco”, o que é muito ruim, porque descaracteriza a mão de obra especializada e torna o fazer mais superficial. Além disso, sobrecarrega funcionários que se desdobram para desenvolver atividades 29 Unidade I que comportariam mais pessoas. Consequentemente, isso gera mais riqueza às empresas/instituições e inúmeras doenças aos trabalhadores. Em suma, diríamos que vivemos a reinvenção do trabalho, das relações sociais, norteada pela sociedade de consumo, e essas relações se tornam cada vez mais precárias, sobretudo em relação ao trabalhador. As mudanças e os avanços tecnológicos no setor produtivo diminuíram a necessidade de mão de obra manual; nas fábricas, as grandes máquinas ainda compõem o cenário fabril, entretanto, não são mais meras máquinas analógicas que necessitam exclusivamente da intervenção humana para funcionar. A automatização provocou uma revolução, surgiram as máquinas digitais e, em todo o processo fabril, hoje existem computadores controlando o processo de qualidade. É inevitável que essa modalidade de mão de obra qualificada ocasione o desemprego em massa; funções, espaços passam a ser automatizados, computadorizados. O trabalho não deixará de existir, mas está sofrendo transformações profundas. Antunes assim resume esse período: Essas consequências no interior do mundo do trabalho evidenciam que, sob o capitalismo, não se constata o fim do trabalho como medida de valor, mas uma mudança qualitativa, dada, por um lado, pelo peso crescente da sua dimensão mais qualificada, do trabalho multifuncional, do operário apto a operar máquinas informatizadas, da objetivação de atividades cerebrais [...] (ANTUNES, 1999, p. 233). No entanto, como pontua Antunes (1999), apesar do trabalho não “acabar”, as condições de sua efetivação se tornam cada vez mais diferenciadas para atender as demandas postas pelo sistema capitalista. No caso, vivenciamos assim condições ruins de trabalho e ainda a expulsão de grande parte dos trabalhadores do mercado de trabalho. Esses fenômenos só tornam as expressões da questão social, ou melhor dizendo, só tornam os problemas sociais mais latentes e será sobre eles que nós assistentes sociais iremos atuar. No item seguinte, faremos algumas reflexões sobre esse fenômeno que convencionamos denominar como “questão social” e sobre o qual iremos atuar. 3.1 O significado contemporâneo da questão social no Brasil Para melhor compreender o fenômeno da questão social, necessita-se compreender a história, não apenas a história do Brasil, mas a história geral, que trouxe condicionantes da realidade brasileira. Assim, retomamos o período denominado Idade Média, no qual os centros comerciais eram onde se realizavam as trocas de produtos; posteriormente esses centros se tornaram cidades e, com a Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX), a humanidade passou por um forte processo de urbanização, no qual as famílias saíam do campo para buscar oportunidade nas fábricas localizadas nas cidades. Essas mudanças históricas e a urbanização das sociedades transformaram as relações sociais e as relações de trabalho e contribuíram para a formação dos problemas sociais em todo o mundo. A questão 30 Perspectivas Profissionais em Serviço Social social no Brasil tem seu fundamento nas contradições de classes e na exploração das minorias. No contexto histórico brasileiro, podemos constatar o crescimento da questão social, que se traduz em problemas sociais desde o período da escravização do indígena, passando pela escravização do negro, a discriminação da mulher, a exploração da criança e do adolescente, o trabalho escravo que ainda permeia as comunidades rurais, a discriminação com as pessoas idosas e os processos de exclusão. São expressões que marcam a composição de questões profundas e que se perpetuam sob outras nuances até hoje. É importante compreender que a exploração capitalista gera inúmeras demandas sociais, que preocupam diversos segmentos da sociedade, inclusive o serviço social. Os assistentes sociais, em especial, irão atuar diretamente nas diversas expressões da questão e, por isso, precisam se aprofundar em conhecimento acerca de como elas se originam e se apresentam. Apontaremos a seguir, de forma sucinta, algumas formas de violação, discriminação e exclusão que atingem as minorias sociais, indicando ainda como essas situações se dão a partir do neoliberalismo. 3.2 O neoliberalismo e a “nova questão social” O advento do neoliberalismo no Brasil, a partir da década de 90, é o ponto crucial para entendermos as transformações que ocorreram e, principalmente, como foram abaladas as relações de trabalho. O mundo passou a ser muito mais competitivo após a Segunda Guerra Mundial, com um novo tipo de sociedade, com novas relações entre o capital e o trabalho. Passaram a ser usadas novas e modernas tecnologias, o que ocasionou profundas transformações no mundo do trabalho e fez acreditar que o trabalhador deixaria de existir para dar lugar às máquinas altamente evoluídas com recursos de microeletrônica, robótica etc. No entanto, houve e continuará havendo inúmeras transformações no mundo do trabalho que causarão o desaparecimento de certas profissões, dando lugar a outras que atendam às necessidades contemporâneas. Há uma maior flexibilização das relações de trabalho, maiores exigências quanto às habilidades dos trabalhadores; vivenciam-se a precarização das relações de trabalho, novas modalidades de desemprego, como a do “analfabeto digital”, que muitas vezes não consegue se inserir no mercado de trabalho formal devido à completa ausência de conhecimentos acerca do manuseio de computadores simples, ou mesmo o capacitado ao mercado que não consegue inserção devido ao desemprego estrutural. Portanto, falar em nova questão social, atualmente, é somar todos os problemas históricos que tínhamos e mais o desemprego e a precarização do trabalho, o que agrava completamente a realidade contemporânea. Diante dessa realidade complexa, pensar formas de enfrentamento se torna inevitável. 3.3 A questão social em uma sociedade em transformação Sabemos que o tema questão social nada mais é do que a contradição existente entre o trabalho e o capital e, como tal, está relacionado diretamente ao âmbito da produção capitalista. 31 Unidade I Saiba mais Para saber mais sobre questão social, leia o artigo científico Questão social: objeto do serviço social?, escrito por Ednéia Maria Machado, que se encontra no site <http://www.ssrevista.uel.br/c_v2n1_quest.htm> Segundo Iamamoto e Carvalho (2005, p. 77): [...] a questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão. Portanto, tivemos mudanças da sociedade mundial no século XX, principalmente com a flexibilização da economia, que redesenharam a linha de produção, e, consequentemente, o papel do estado e dos instrumentos legais que foram conquistados pelos trabalhadores e difundidos pelas diversas sociedades regidas pela produção industrial. Podemos afirmar que a temática “questão social” não é consenso entre os estudiosos. Nesse sentido, Machado (2008) realiza a seguinte análise: [...] ao utilizarmos, na análise da sociedade, a categoria questão social, estamos realizando uma análise na perspectiva da situação em que se encontra a maioria da população – aquela que só tem na venda de sua força de trabalho os meios para garantir sua sobrevivência. É ressaltar as diferenças entre trabalhadores e capitalistas, no acesso a direitos, nas condições de vida; é analisar as desigualdades e buscar forma de superálas. É entender as causas das desigualdades, e o que essas desigualdades produzem, na sociedade e na subjetividade dos homens. O século XXI assiste ao fechamento de um ciclo no processo produtivo da sociedade e isso pôde ser observado ao longo do século XX, em que se construíram novos modelos produtivos e se desenvolveram tecnologias que, aos poucos, foram redesenhando o perfil da mão de obra empregada na linha de produção e tornando o papel do estado cada vez mais secundário na garantia dos direitos trabalhistas. Vivemos hoje um dimensionamento do tamanho do estado e de sua relação com as formas de produção empregadas em uma sociedade cada vez mais interligada pela tecnologia e pelas novas formas de conhecimentos geradas pela globalização, que tornam a sociedade mais complexa. 32 Perspectivas Profissionais em Serviço Social Nesse sentido, Mingione (1998) nos esclarece que [...] as sociedades contemporâneas encontram-se no final de um ciclo histórico que testemunhou a prevalência dos fatores organizacionais associativos. Os principais ingredientes desse capital de regulação foram: a predominância das economias de escala e o desenvolvimento de grandes complexos industriais; os programas de assistência social estatal (no âmbito do welfare state); o consumo padronizado de massas; a institucionalização dos grupos de interesse; a família nuclear fundada no sistema do provedor único (emprego masculino em tempo integral e discriminação sistemática das mulheres, juntamente com profundas alterações nos padrões de reprodução e nas responsabilidades assumidas principalmente pelas mulheres); e o individualismo familístico (investimento na mobilidade ascendente intergeracional dos filhos do sexo masculino). Tais elementos desenvolveram-se de diversas maneiras nos diferentes modelos do welfare capitalism. Percebemos que, na virada do século XX, a mulher ainda era discriminada no mercado de trabalho, mesmo depois da força que teve o movimento feminista na segunda metade do século, com lutas pela igualdade do gênero: temos essa discriminação estampada no mercado de trabalho. Nesse quadro, percebemos que a questão social serve como argamassa para o profissional de serviço social entender a lógica do capital e a lógica do trabalho, assim como o processo de desigualdade existente na contradição dessas duas expressões da sociedade contemporânea. Ou, como afirma Mingione (1998): [...] neste terreno contraditório entre a lógica do capital e a lógica do trabalho, a questão social representa não só as desigualdades, mas, também, o processo de resistência e luta dos trabalhadores. Por isto ela é uma categoria que reflete a luta dos trabalhadores, da população excluída e subalternizada, na luta pelos seus direitos econômicos, sociais, políticos, culturais. E é aí, também, que residem as transformações históricas da concepção de questão social. O avanço das organizações dos trabalhadores e das populações subalternizadas coloca em novos patamares a concepção de questão social. Se, no período ditatorial brasileiro pós-64, a luta prioritária era romper com a dominação política, hoje a luta é pela consolidação da democracia e pelos direitos de cidadania. As transformações no mundo do trabalho, seja com a substituição do homem pela máquina, seja pela erosão dos direitos trabalhistas e previdenciários, exigem, também, que se reatualize a concepção de questão social. Esse é o contexto que foi gerado pela sociedade contemporânea e que tem como meta a flexibilização tanto da mão de obra quanto da linha de produção, e isso se expressa também nas outras esferas da vida social e passa a impregnar a atitude do estado e das instituições sociais. 33 Unidade I 3.4 Decifrando a nova questão social... não tão nova assim! Nas leituras sobre questão social, a todo o momento nos deparamos com a dicotomia velha/nova questão social. Historicamente, a questão social surgiu quando do surgimento da ordem capitalista, em dois momentos: 1. Quando da consolidação da economia e política do estado burguês, ou seja, quando o capital tornou-se força e modelo de produção, mudando definitivamente as relações de trabalho; é nessa perspectiva que está posta a velha questão social. 2. A nova questão surgiu quando, já nos anos 70 do século XX, no Brasil, o capital passou por um novo estado de metamorfose, reorganizando suas formas e forças produtivas. Na segunda metade do século XX, houve a precarização da sociedade salarial, com o agravamento das tensões sociais. Autores como Castel, Wanderley e Belfiore (2000, pp. 240-241) afirmam: “Verifica-se então um processo de precarização como o grande fenômeno que atingiu as situações de trabalho, no sentido de sua mercantilização e de soluções na ordem do mercado, como a globalização”. Poderíamos ser levados à falsa compreensão de que a existência de uma nova questão social conduziria ao esquecimento das antigas formas de enfrentamentos da velha questão social. No entanto, ambas (antiga e nova) continuam a manter os traços essenciais e constitutivos da sua origem. A questão é que os antigos problemas encontram-se agora potencializados pela globalização. Sobre os efeitos da globalização da economia, Rosanvallon afirma: Existem três etapas na crise do estado-providência: a) a financeira, que dataria dos anos 70, b) a ideológica, presente nos anos 80, c) a filosófica, que ter-se-ia iniciado na década de 90. [...] não tomamos consciência dessa nova crise que acompanha o surgimento de uma nova “questão social”, que traz como principais problemas: a desintegração dos princípios de solidariedade e o fracasso da concepção tradicional de direitos sociais [...]. (citado por PASTORINI, 2004, p. 51). Portanto, a precarização do trabalho é fruto de suas transformações e da reestruturação internacional do capitalismo nas últimas décadas, denominada por Castel de metamorfose da questão social. É quando surgem o desemprego de longa duração, a flexibilização dos empregos, a crescente pobreza e a desproteção social. Essas questões têm suas discussões centradas na coesão social e fundamentam a existência de uma nova questão social. Dessa forma, a nova questão social parte da seguinte problemática: como as sociedades atuais interrogam-se sobre sua coesão social? Castel propõe um modelo para medir o grau de coesão e tem como partida a existência de uma forte relação entre a integração pelo trabalho (emprego estável, 34 Perspectivas Profissionais em Serviço Social emprego precário, expulsão do emprego) e a participação nas redes de sociabilidade (inserção relacional forte, frágil ou isolamento). Dos dois eixos partem quatro zonas diferentes das formas de coesão social: integração, vulnerabilidade, desfiliação e assistência. Assim afirma Castel: Estar dentro da zona de integração significa dispor de garantia de trabalho permanente e capacidade de mobilizar suportes relacionais sólidos; a zona vulnerabilidade associa precariedade do trabalho e fragilidade relacional; a zona de desfiliação conjuga ausência de trabalho e isolamento social; zona da assistência, associada ao não-trabalho (por incapacidade de trabalho), ou seja, da dependência segurada e integrada (citado por PASTORINI, 2004, pp. 65-66). O equilíbrio entre as diferentes zonas servirá como indicador para a avaliação do nível de coesão social. A zona de vulnerabilidade ocupa uma posição singular e estratégica e é vista como o termômetro da coesão social, pois, controlada e reduzida, permite a estabilidade, mas, quando em expansão, alimenta as contradições, colocando em risco a estabilidade e a própria coesão social. Portanto, desvelar a nova questão social significa compreender a relação capital versus trabalho no início da industrialização e avançar no deciframento da realidade para compreender, criticamente, o quanto o neoliberalismo transformou e agravou as manifestações da questão social por meio do desemprego e da precarização do trabalho. 3.5 Formas de enfrentamento da questão social no Brasil Não há uma receita para enfrentar as questões sociais, mas há que se discutir no Brasil esta possibilidade, que é a necessidade de ter instrumentos eficientes que estabeleçam políticas públicas que possam atender a demandas sociais de um país que tem crescimento econômico pífio, concentração de renda absurda e que, por isso, não consegue gerar uma riqueza mais homogênea e equitativa. A pobreza faz parte de uma conjuntura estrutural e social e tem suas bases históricas, mas não pode ser aceita como um fenômeno natural, e seus degraus se referem a contextos específicos. Essa discussão nos remete a duas formas de enfrentamento dessa questão social. A primeira, teórica, restrita ao campo das ideias e fomentadora de referenciais teóricos, pode servir de suporte para a tomada de decisões. A segunda é que a questão social deve ser vista pelo prisma político, tornando-se indispensável nesse espaço a luta para erradicar as causas mais conhecidas e minorar os efeitos mais perversos de sua existência. Daí também a necessidade de políticas públicas realmente efetivas, que endossem as formas de enfrentamento da questão social. As políticas sociais são, segundo Demo (1998), formas organizadas de enfrentamento da questão social, conduzindo os estudos ao entendimento de que o planejamento das ações deve sempre existir e considerar as variáveis regionais, os recursos existentes e os parceiros institucionais como aspectos que podem conduzir o processo a um maior ou menor grau de eficiência e efetividade. 35 Unidade I Segundo afirma Demo (1998, p. 14): A política social pode ser contextualizada, de partida, do ponto de vista do estado, como proposta planejada de enfrentamento das desigualdades sociais. Por trás da política social existe a questão social, definida desde sempre como a busca de composição pelo tolerável entre alguns privilegiados que controlam a ordem vigente e a maioria marginalizada que os sustenta. Os países de maiores dimensões, como o Brasil, necessitam de sistemas de participação e cooperação interinstitucional mais efetivos e dinâmicos, pois uma política social pública idealizada e concebida pelo governo federal deverá, via de regra, contar com a participação dos governos estaduais e, por fim, dos municípios onde efetivamente as ações serão desenvolvidas. A rede de atendimento e de enfrentamento da questão social no Brasil somente consegue alcançar, com êxito, todo o território nacional graças à participação dos três níveis do governo (União, estado e Município). Além dessas três esferas (governo federal, estadual e municipal), há outros agentes de políticas sociais, oriundos dos movimentos sociais (centenas de milhares de OSCs – Organizações da Sociedade Civil – e de ONGs – Organizações não Governamentais) e da participação de empresas que atuam no atendimento às demandas sociais. As políticas desenvolvidas pelo segundo e terceiro setor devem ser compreendidas e efetivadas com seriedade, uma vez que servem como complemento da ação estatal e nunca como substituta dos serviços públicos. Para o estado, inclusive, é muito conveniente que essas instituições atuem na área social, pois é uma forma de ele se desresponsabilizar e de ser menos pressionado por intervenções nesse âmbito, o que coaduna muito bem com a ideologia neoliberal. Apesar de atualmente as empresas difundirem e adotarem a responsabilidade social, e atuarem na área social, ambiental, educacional e assim por diante, deixam muito a desejar, porque, acima de tudo, o lucro e a competitividade são os maiores valores contemporâneos neoliberais. Como se percebe, é uma contradição que devemos analisar criticamente para não atribuir demasiado valor a ações focais, insuficientes e não sistematizadas na área social nem acreditar que empresas capitalistas, que primam pelo lucro em detrimento do trabalho, estão voltadas para o humano ou o meio ambiente. São válidas as ações que executam, mas não podem dissimular um fato: elas são formas de ressarcimento da agressão e exploração que essas empresas exercem sobre a sociedade e o meio ambiente. É inegável que as políticas públicas, por meio dos programas sociais, deixam muito a desejar, devido à limitação de recursos (por fatores diversos, como o alto custo político das estruturas governamentais, as metas de redução de gastos públicos definidas pelos credores internacionais). Assim, os programas acabam se tornando mais uma vez compensatórios e não universalistas. No Brasil, o estado atua em diversas frentes, como no Programa Nacional de Reforma Agrária, no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), no Programa Fome Zero e no Programa de Controle do Diabetes. 36 Perspectivas Profissionais em Serviço Social A educação é um dos instrumentos importantes de socialização, via inserção escolar. As unidades escolares são espaços de destruição de estereótipos e lugares de valorização das pessoas. A sociedade, em suas mais variadas manifestações, procura articular um discurso que pressione o estado a ofertar uma educação pública de qualidade, do nível básico ao superior. No entanto, ainda lutamos pela universalização da educação no país: onde houve maior avanço quanto ao acesso das pessoas à educação foi no Ensino Fundamental. Lamentavelmente, os indicadores de acesso à Educação Infantil, ao Ensino Médio e ao Superior deixam a desejar. A educação tem se mostrado como um dos principais instrumentos de combate à exclusão social. Em nossa sociedade, há uma demanda social por educação de qualidade e pela universalização da educação, tanto básica quanto superior. Portanto, as formas de enfrentamento da questão social nos remetem necessariamente a políticas sociais e públicas efetivas e ampliadas que visem, principalmente, à universalização dos direitos e ao acesso aos bens e serviços públicos. Para tal, exige-se o empoderamento das pessoas, para que conheçam seus direitos e se mobilizem em prol deles. O grande desafio é justamente atuar nessa contramão, na qual os serviços estão sendo reduzidos, os direitos, negligenciados, e a grande maioria da população está inerte, sem reação, despolitizada e manipulada por uma mídia neocapitalista, alienante e atrelada ao capital. 3.6 Reflexão acerca da exclusão social Todas as pessoas pauperizadas, sem acesso aos direitos e serviços sociais, em núcleos residenciais com vulnerabilidade social, econômica, cultural, familiar e assim por diante podem ser denominadas excluídas? Vejamos onde se insere a exclusão e as formas errôneas de seu uso. A desigualdade tem caracterizado as fases históricas em que a economia dita o ritmo do desenvolvimento e em que é o crescimento econômico que define o grau de satisfação das necessidades sociais, por meio dos modelos econômicos adotados pelos estados. Esse cenário apresenta desde a substituição do modelo de economia feudal pelo capitalista até a existência de forças antagônicas envolvidas no seu processo produtivo: o capital e o trabalho. De maneira geral, à primeira vista e em resposta rápida, pode-se definir (de maneira errada) que somente as pessoas desprovidas de condições financeiras caracterizam-se como excluídas ou vítimas da exclusão social. Assim, a maneira mais comumente utilizada na definição da exclusão social ainda está estritamente ligada a expressões sociais como indigência, pobreza, desnutrição, analfabetismo, desemprego duradouro etc. 37 Unidade I No entanto, faz-se necessário o aprofundamento dos estudos para não incorrer na superficialidade de uma definição que pode, incorretamente, generalizar situações de exclusão de diferentes tipos ou mesmo subalternizar à condição de camadas sociais economicamente vulneráveis comunidades e nações devido às suas características culturais. O conceito e o emprego da expressão “exclusão social” são recentes e ela passou a ser usada na França, por volta de 1992, compreendida como sendo a própria questão social. Castel, Wanderley e Belfiore (2000) elencam alguns motivos por que devemos tomar cuidado com esse termo. 1. Heterogeneidade: por englobar muitas coisas, o termo exclusão acaba por esconder as especificidades de cada uma delas. Com isso, perde-se enormemente em compreensão dos fatos. 2. Atomiza situações que só têm sentido quando colocadas no processo: excluído seria um termo para ser usado somente nos casos em que os sujeitos nunca tivessem estado nas relações habituais de trabalho e de socialização. Porém, o termo exclusão está sendo utilizado para nomear situações de degradação em relação à posição anterior, o que é dinâmico e oscila muito. O termo mais adequado para se utilizar, nesses casos, seria desfiliado, segundo Castel, que significa dissociado, apartado. 3. Exclusão pode ser uma armadilha de reflexão e ação, por tentar combater somente as expressões da questão social, sem ir à sua essência, que é a contradição capital x trabalho. O grande desafio é tentar conciliar, controlar essa relação entre a lógica econômica e a coesão social antes que chegue à ruptura social. 4. Reconhece-se a necessidade de políticas de inserção para amenizar os impactos da desigualdade e não abandonar a classe pauperizada definitivamente. Contudo, trata-se de estratégias limitadas no tempo, que deveriam ser provisórias e acabam por se tornar permanentes. É o caso dos programas de renda mínima (como o Programa Bolsa Família), que se tornam um pronto-socorro social paliativo, agindo somente nas sequelas e não nas causas. 5. Os excluídos compõem categorias cada vez mais numerosas: pessoas com deficiências, pessoas idosas etc. Os excluídos até que poderiam representar uma “nova” categoria, mais ampla e indeterminada, que, no entanto, exigiria uma intervenção especializada. Além disso, a maioria dos que são chamados de excluídos foram “invalidados” pela conjuntura e não por deficiência pessoal: são os sobrantes. 6. As políticas sociais mais gerais, que possuem caráter preventivo, acabam por se tornar medidas contra a exclusão, transformando-se meramente em reparadoras dos os efeitos e não das as causas. Pode-se dizer que é dado um tratamento técnico ao invés de político. Um tratamento político exigiria uma transformação completa das relações de trabalho. Ainda segundo Castel, Wanderley e Belfiore (2000), é o mesmo deslocamento do centro à periferia que se opera quando hoje se reduz a questão social à questão da exclusão. 38 Perspectivas Profissionais em Serviço Social 7. Enfim, Castel, Wanderley e Belfiore (2000) defendem que há subconjuntos de excluídos realmente da sociedade em situações bem específicas: a) supressão completa da sociedade (por exemplo, a expulsão dos judeus da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, quando foram banidos, torturados e mortos); b) fechados e isolados da comunidade (guetos, asilos, presídios etc.); c) aquisição de um status social que permite ao subconjunto coexistir na comunidade, mas com privações de certos direitos de participação em atividades sociais (os índios, sob o código especial, e as mulheres sem o direito de votar). Comumente, a exclusão, quando de fato acontece — conforme as definições de Castel —, repousa sobre regras, mobiliza aparelhos especializados e se completa por meio de rituais. Exemplo disso foram os leprosos na Europa: primeiro eram submetidos a um exame, depois, a uma cerimônia religiosa para declarar a “separação” efetiva da sociedade. Raramente podiam sair do leprosário – lugar para onde eram enviados. Caso fosse permitida sua saída, deveriam usar um triângulo sonoro, para lembrar seu status de excluídos. Portanto, a exclusão não é arbitrária nem acidental. Ela emana de uma ordem de razões proclamadas e sua legitimidade é dada pela sociedade. Exemplo disso, na atualidade, é quando legitimamos a reclusão de adolescentes em conflito com a lei. Mesmo sabendo que sua recuperação é pouco provável, devido a uma série de falhas no sistema carcerário, ainda assim se defende e se propaga que sejam retirados de nosso meio, por achar que é o correto. Isso é legitimar, aceitar uma realidade sem compreender todo o contexto em que está inserida. O termo exclusão pode ser utilizado desde que se compreenda a sua abrangência. Comumente, usávamos denominar de excluídas as pessoas com déficit de integração com relação à falta de trabalho, moradia, educação etc. No entanto, esses são processos de marginalização que podem resultar em exclusão propriamente dita, num tratamento explicitamente discriminatório dessas populações. Observação Falar em termos de exclusão é “rotular com uma qualificação puramente negativa, que designa a falta, sem dizer no que ela consiste nem de onde provém. [...] Isto por uma razão de fundo: os traços constitutivos essenciais das situações de ‘exclusão’ não se encontram nas situações em si mesmas” (CASTEL; WANDERLEY; BELFIORE, 2000, p. 47). Há autores que pensam de forma diferente de Castel, Wanderley e Belfiore. No entanto, pela coerência e riqueza de análise que esses autores trazem, convencem-nos a refletir sobre a utilização do termo “exclusão”. 39 Unidade I Considerando os aspectos sobre a definição de exclusão social, anteriormente tratados, torna-se mais fácil o reconhecimento de que não se deve associar a exclusão social somente à falta de acesso à renda e aos serviços sociais, ou mesmo a aspectos de “simplicidade” cultural. Para contextualizar histórica e conceitualmente a exclusão social, nos apoiamos em Foucault citado por Bortoli, Campaner e Chaves (2002), que afirma que a exclusão, na Idade Média, estava relacionada ao poder que a igreja detinha na época sobre a sociedade, manifestado nas relações cotidianas. Pessoas com doenças consideradas como epidemias e com necessidades especiais de natureza incompreensível eram afastadas do convívio social. As doenças eram fruto de castigos divinos, e os doentes, portanto, mereciam ser castigados com torturas, condenação à morte, assim como os pobres, presidiários, entre outros. Utilizando como exemplo esta época, os excluídos eram aqueles que, de alguma forma, ameaçavam os valores e dogmas da igreja (FOUCAULT, 1997). Com o surgimento de hospitais, já no final do século XVIII, alternativas às torturas ou execuções surgiram. A partir daí, a ciência passou a condenar os excluídos, ocupando o lugar da igreja. Condenava aqueles que fugiam dos padrões normais dotados pelo conhecimento científico e pela burguesia. As pessoas anormais ou patológicas deviam ser submetidas a intervenções curativas, a fim de recuperar a normalidade, por meio de ações coercitivas realizadas por médicos psiquiatras, psicólogos e educadores da época. Aqueles que apresentavam divergência na forma de pensar, de ser e de agir deviam ser excluídos, ou seja, privados de convivência social (BORTOLI; CAMPANER; CHAVES, 2002). Então, ao longo da história da humanidade, o conceito de exclusão faz parte da sociedade, mesmo que por diferentes razões (raça, etnia, gênero, cultura, religião etc.). No decorrer da história, os excluídos assumem significados diferentes, mas em todos eles há uma relação entre poder e exclusão (FOUCAULT, 1997). Atualmente esse conceito ainda está associado às questões do poder, porém, aparece no contexto social de forma diferente. A globalização e a competitividade mantêm, infelizmente, as relações excludentes, sinônimo de funcionamento do sistema (SAWAIA, 2006). Tal situação provoca no indivíduo que se encontra em situação de exclusão um sentimento de rejeição diante da discriminação sofrida pela sociedade, gerando culpa, vergonha e estagnação em relação aos seus direitos. Nesse sentido, Bortoli, Campaner e Chaves (2002, p. 120) asseveram que “discutir sobre a exclusão significa problematizar as diferentes facetas que constroem o processo social”. Mas, então, como podemos definir o termo “exclusão”? A definição de exclusão está ligada aos aspectos econômicos (desemprego etc.), sociais (pobreza, perda de status etc.), psicológicos (autoestima etc.), físicos (doenças), culturais (valores). Então, o fenômeno da exclusão, considerando sua dimensão no cotidiano e nas questões sociais, torna-se, para 40 Perspectivas Profissionais em Serviço Social muitos, uma fatalidade diante do conformismo da sociedade perante a problemática. Torna-se natural e inevitável, conforme destacado anteriormente. Mas não podemos aceitar essa condição, precisamos ver a exclusão sob uma nova ótica, acreditar que é possível sua abolição ou, pelo menos, a diminuição de situações que geram a exclusão social. Por isso, convido você a discutir a questão da exclusão numa perspectiva mais social, que é o interesse e foco da disciplina, direcionada ao curso de Serviço Social. Sawaia (2006, p. 9) conceitua exclusão como Processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É um processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é um processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros. Não tem uma única forma e não é uma falha do sistema, devendo ser combatido como algo que perturba a ordem social, ao contrário, ele é produto do funcionamento do sistema. Isso significa que é preciso considerar a dicotomia entre exclusão e inclusão para entender o processo a partir de uma análise dialética, levando em consideração as relações sociais que se constroem nas práticas cotidianas pelos indivíduos. Wanderley, citado por Sawaia (2006), reflete a exclusão como algo social, ligado a princípios de funcionamento das sociedades modernas que atingem todas as classes socioeconômicas. Por isso, a exclusão, na contemporaneidade, é vista além da ótica discriminativa ou de segregação. E um dos fatores que contribui e alimenta a exclusão nas relações sociais é o preconceito. Tudo isso tem como consequência a vulnerabilidade e “desorganização” familiar, comunitária, socialização defeituosa, alienação e desmoralização dos indivíduos. Isso se instaura e se mantém baseado nas representações sociais que os meios de comunicação, tanto social quanto de mídia, colaboram imensamente para disseminar. Nesse sentido, Jodelet, citado por Sawaia (2006, p. 64), afirma que “a exclusão que é hoje de políticos e de debates sociais é um fenômeno social, econômico e institucional cuja análise ressalta das ciências sociais”. Guareschi, citado por Sawaia (2006), aponta que, considerando o estudo da exclusão sob uma ótica psicossocial, é importante discutirmos alguns aspectos que são decisivos para a criação e perpetuação da exclusão. São eles: a competitividade e a culpabilização. Para ele, no mundo atual, competitividade é palavra sagrada e provoca diferenças e exclusões, pois o progresso e o desenvolvimento só são possíveis por meio dela. As exigências do mercado 41 Unidade I capitalista fazem com que as pessoas lutem para não ser rejeitadas e excluídas, o que gera, consequentemente, privilégios para alguns e exclusão para outros. Por exemplo: o trabalhador rural que vai para a capital em busca de qualidade de vida geralmente é excluído por não apresentar qualificação suficiente para atender às exigências do mercado de trabalho. Segundo Guareschi, citado por Sawaia (2006, p. 147), “o ser humano, como ser isolado e egoísta (preceito do liberalismo), tem de competir para sobreviver, de um lado, e de outro lado, para trazer progresso”. Ele ainda acrescenta que “a consequência palpável do estabelecimento e funcionamento dessa relação de competitividade é a exclusão não apenas de alguns, mas de milhões, ou bilhões, de seres humanos”. Isso se torna uma problemática social diante do grande número de indivíduos empobrecidos e descartáveis. Já a culpabilização está relacionada ao fato de atribuir o sucesso ou o fracasso especificadamente a pessoas particulares, deixando de lado as possíveis causas históricas e sociais, como, por exemplo, o desemprego planejado, que provoca a exclusão de muitas pessoas do mercado de trabalho. Guareschi, citado por Sawaia (2006, p. 150), afirma que “há uma ‘individualização’ do social, e um endeusamento do individual [...]. As pessoas são, individualmente, responsabilizadas por uma situação econômica adversa e injusta”. Isso significa desconsiderar o social diante das problemáticas que são sociais. Mas essa individualização não dá conta de entender e elucidar as irracionalidades globais, como a exclusão tão presente ainda nos dias de hoje, mesmo com a propagação de projetos de inclusão social que visam à inclusão amparada por uma responsabilidade social ética. Bom, agora que já sabemos o que vem a ser a exclusão social, como podemos definir o que é inclusão? A inclusão social pode ser pensada como um processo de disciplinarização dos excluídos, trata-se de incluir socialmente aqueles que estão privados de qualquer tipo de convivência social. Sawaia (2006, p. 108), ao se basear nos pensamentos de Foucault, descreve a inclusão social como um “processo de controle social e manutenção da ordem na desigualdade social”, desde que partamos do raciocínio dos indivíduos que são excluídos da sociedade capitalista. A partir disso, por meio de projetos de inclusão, a sociedade procura incluir as vítimas da exclusão social. Esses projetos devem ir além de uma ação assistencialista, mas de inserção laboral, objetivando a supremacia da cidadania (DEMO, 1998). Para Sassaki (2002, p. 42), a inclusão social [...] é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações pequenas e grandes, nos ambientes físicos (espaços internos e externos, equipamentos, aparelhos e utensílios, mobiliário e meios de transporte) e na mentalidade de todas as pessoas [...]. Ou seja, incluir socialmente, conscientizar a sociedade de que esta deve se empoderar, através dos direitos garantidos por lei, ter consciência de que é capaz de adaptar-se e incluir-se nos sistemas sociais, 42 Perspectivas Profissionais em Serviço Social de forma que as pessoas estejam preparadas para assumirem seus papéis como cidadãs, empoderando‑se de seus direitos de cidadão. Mas para isso é preciso aceitar as diferenças individuais, valorizar cada indivíduo, para que este possa conviver dentro de uma diversidade humana. Saiba mais Para aprofundar o estudo sobre a temática da inclusão, que faz parte de uma discussão atual da sociedade, sugerimos a leitura do livro Inclusão: construindo uma sociedade para todos, de Romeu Kazumi Sassaki, assistente social. O autor discute conceitos inclusivistas nos mais diversos ambientes onde acontece a exclusão: escola, saúde, empresas, lazer, artes, cultura. Fique atento às informações que o livro traz, pois poderão contribuir para sua formação e atuação profissional. Nas referências textuais você encontrará os dados desse livro. Boa leitura! Podemos dizer que a exclusão é um processo complexo e multifacetado, é também dialética, por existir somente em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Tendo tais colocações arroladas, passaremos a discutir sobre a questão do trabalho e sua relação com o serviço social. Nos termos postos, compreenderemos que o serviço social também está inscrito nas relações de trabalho e está sujeito a relações precárias de trabalho. Como tal, essa discussão nos levará à compreensão desse processo, conforme sumariamos na sequência. 4 Trabalho e Serviço Social: a profissão ante as transformações societárias recentes Para compreendermos a relação estabelecida entre o serviço social e a categoria trabalho, precisamos considerar as peculiaridades em que essa relação se constitui e se consolida. Para isso, precisamos atentar ainda para o fato de que a questão social é um fator condicionante dessa relação, bem como o projeto político assumido por toda a nossa categoria profissional e as condições postas pelo mercado de trabalho. Para que você possa apreender todas as vicissitudes que essa relação engloba, didaticamente dividiremos o presente material de acordo com os tópicos: trabalho e serviço social; o cenário atual e suas incidências na questão social; a consolidação do projeto ético-político do serviço social na contemporaneidade e o redimensionamento da profissão considerando o mercado de trabalho e as condições laborais que acometem os assistentes sociais. No entanto, você deve considerar essa divisão apenas com finalidade didática, posto que todos os fenômenos aqui descritos estão inter-relacionados em uma realidade que é, por excelência, dialética. Começaremos então pela relação trabalho e serviço social. 43 Unidade I 4.1 Trabalho e serviço social O processo de trabalho do serviço social constitui-se no espaço em que os conhecimentos são processados e reconstrói-se a partir da análise da questão social e do conhecimento produzido pelo serviço social. Antes de discutirmos o conceito de processo de trabalho, passemos a algumas considerações sobre a relação trabalho e serviço social. A prática profissional do assistente social é considerada trabalho, pois é um trabalho orientado para uma finalidade, possuidor de uma teleologia. E esse profissional é um trabalhador assalariado. O assistente social, na condição de trabalhador assalariado, “também sofre todas as injunções decorrentes da divisão social do trabalho, da reestruturação produtiva e das reformas por que vem passando o estado” (ABESS/CEDEPESS, 1996, p. 163-164). Embora o assistente social esteja sujeito às alterações do mercado de trabalho, deve estabelecer um distanciamento crítico do mesmo, no sentido de apreender a dinâmica da sociedade. Essa mediação é determinante para a sobrevivência do serviço social. O processo de trabalho do Serviço Social, como qualquer trabalho no setor de serviços, gera “valores de uso”, apesar de não “produzir diretamente mais-valia”. Seu produto não é necessariamente de base corpórea, material, mas expressa um resultado, um valor de uso. Participa do processo ampliado de produção e reprodução social, exercendo funções mais ou menos estratégicas, à medida que se articula a setores produtivos, mais ou menos importantes (GENTILLI, 1997, p. 132). O processo de exercício do serviço social vê-se sufocado tanto pelas transformações societárias como pela globalização, cujas repercussões sociais destacamos em outras disciplinas, como também pelo retraimento do estado em relação às políticas sociais e aos cortes nos gastos sociais. A globalização e o desenvolvimento tecnológico, a transferência de serviços do estado para organizações não governamentais (ONGs) e instituições privadas, entre outras mudanças em curso, são movimentos contraditórios que geram conflitos, desigualdades, exclusões, lutas e resistências. Essas mudanças incidem nas instituições prestadoras de serviços sociais e na própria dinâmica da profissão. A dinâmica da profissão se configura a partir de enfrentamentos de questões, a partir das contradições da realidade e da conjuntura social, política, ideológica, econômica e cultural. O trabalho do assistente social aporta perspectivas diferentes na empresa e no estado. Na empresa, o profissional é partícipe na reprodução da força de trabalho. No estado, pode participar na prestação de serviços sociais, na redistribuição de riquezas, via políticas públicas, na defesa de direitos sociais, na gestão de serviços públicos, em especial políticas públicas – programas, projetos, pode reforçar estruturas e relações de poder, pode contribuir para o partilhamento do poder e sua democratização. 44 Perspectivas Profissionais em Serviço Social O produto desses dois últimos itens tem apontado as mais diversas práticas sociais, pois o assistente social é um profissional que dialoga com as mais diversas teorias sociais, que subsidiam o profissional a conhecer para propor e intervir. Insiste-se no conhecimento porque é a partir dele que construímos o objeto de intervenção. A construção do objeto de intervenção se realiza por meio do conhecimento e da utilização de estratégias metodológicas, que se desdobram nos vários instrumentos técnico-operativos, tais como: análise institucional, plano/projeto de intervenção, documentação (pareceres sociais, laudos, perícias), abordagens individuais, abordagens grupais, entre tantas outras. O conhecimento, instigado por estudos, reflexões, debates, pesquisas, como o que estamos fazendo agora, não pode ser pensado isoladamente da prática profissional. O conhecimento tem que ser um meio pelo qual seja possível decifrar a realidade e iluminar o processo de trabalho a ser realizado. Segundo assevera Iamamoto (2004, p. 63), “as bases teórico-metodológicas são recursos [...] que o assistente social aciona para exercer seu trabalho: contribuem para iluminar a leitura da realidade e imprimir rumos à ação, ao mesmo tempo em que a moldam”. Assim, o conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridos no seu processo formativo é parte de um acervo intelectual, pessoal e profissional que o acompanhará pela vida toda. Nessa perspectiva, o assistente social detém as condições intelectuais, de conhecimento formativo, mas depende, na organização do seu trabalho, do estado, da empresa, das entidades não governamentais que viabilizam aos usuários o acesso aos seus serviços. Esses fornecem os meios e recursos necessários para a realização da atividade em si, estabelecem prioridades, rotinas a serem cumpridas, interferem na definição de papéis e atribuições que compõem o cotidiano do trabalho institucional. Como nos assevera Iamamoto (2004, p. 63): Embora regulamentado como uma profissão liberal na sociedade, o Serviço Social não se realiza como tal. Isso significa que o assistente social não detém todos os meios necessários para a efetivação de seu trabalho: financeiros, técnicos e humanos, necessários ao exercício profissional autônomo. Entendemos a profissão como dependente das instituições para disponibilizar os recursos necessários à realização de projetos, programas e atividades desenvolvidos por esse profissional. Dessa forma, o assistente social tem seu trabalho ligado às entidades empregadoras de seus serviços, onde realiza sua intervenção profissional. Por que a expressão intervenção? Bem, podemos também dizer ações, proposições, mas intervenção é mais corrente na prática e na teoria do serviço social. Até porque a palavra intervir tem um sentido mais direto e claro do que agir ou propor. O uso da terminologia fica a critério do profissional. 45 Unidade I [...] particulariza-se o serviço social no conjunto das relações de produção e reprodução da vida social, como uma profissão de caráter interventivo, cujo sujeito – o assistente social – intervém no âmbito da questão social. Considera-se a questão social como fundamento básico da existência do serviço social, reconhecendo, a partir daí, que o agravamento dessa questão, em face das particularidades do processo de reestruturação produtiva no Brasil, determina uma inflexão no campo profissional, provocada por novas demandas postas pelo reordenamento do capital e do trabalho (CARDOSO, 2000, p. 9). A intervenção profissional se constrói, nesse processo de produção e reprodução da vida social, na articulação do poder dos usuários e protagonistas da ação profissional, no enfrentamento de questões cotidianas. Nesse processo, são construídas estratégias para dispor de recursos, poder, agilidade, criatividade, acesso, organização, informação, mobilização, sensibilização, entre outras. O assistente social é um profissional de formação genérica crítica, visto se apropriar de matrizes teórico-explicativas de outras áreas do saber, buscando uma visão de homem e de mundo na perspectiva da totalidade. A crítica de que aqui se fala é o diálogo com as teorias sociais, que estão permeando sua formação profissional. Ser crítico não é sair por aí criticando tudo e todo mundo. Ser crítico é ser “leitor da realidade” com ética, respeito à diversidade, com conhecimento teórico-metodológico (teoria, habilidades, valores); analisar as expressões da questão social com os devidos aportes que citamos para que se possa intervir de forma crítica e propositiva. Que parâmetros utilizarei para minha prática profissional? Nota-se que o processo de trabalho do assistente social é pautado no instrumental técnico-operativo utilizado por esse profissional. O instrumental técnico-operativo não é somente um conjunto de ferramentas e estratégias utilizadas para a efetivação das atividades profissionais, mas também um conjunto teórico-metodológico. Esses recursos é que vão fundamentar a leitura da realidade, incidindo na formulação, no desenvolvimento e na avaliação das ações profissionais. A ausência de criticidade no fazer profissional leva à aceitação passiva de tarefas, atividades atribuídas por outros profissionais e também por não profissionais. Muitas vezes as atividades são atribuídas por outros ou por outras instâncias, implicando um caráter de urgência, de imediatismo. O profissional acrítico (não crítico), de certa forma, acaba reforçando o poder dominante, a realidade, o sistema em que está inserido. Esse profissional que não tem ou não consegue fazer uma leitura da realidade de modo que possa contribuir para a mudança está fadado à acomodação e não contribui em nada para o processo de transformação da realidade, para que as pessoas se emancipem, 46 Perspectivas Profissionais em Serviço Social tenham plena cidadania e acesso de fato a serviços sociais. Resumindo, não sabe o que é e o que faz o serviço social. Ainda sobre a relação trabalho e serviço social, Iamamoto (2004) chama a nossa atenção para o fato de que a relação trabalhista deve ser compreendida como impregnada pelas relações de gênero. Nos termos postos, segundo coloca a autora, é uma profissão essencialmente feminina ou, é uma profissão “de predominância feminina”. Isso, em grande parte pode explicar também a baixa remuneração da atuação em alguns setores. A autora ainda coloca que também são perceptíveis nas relações de trabalho do assistente social posturas “messiânicas” e “voluntárias”, sendo que, no caso, a postura messiânica estaria relacionada a comportamentos profissionais que possuíam a pretensa intenção de alterar as estruturas sociais, ao passo que as posturas voluntárias estariam relacionadas a profissionais que não assumem o necessário compromisso com seu público-alvo. Mas, recorrendo mais uma vez a Iamamoto (2004), precisamos compreender que nossa prática profissional só se efetiva por se tratar de um processo de trabalho. Tendo tais colocações supra tratadas, vamos realizar então uma sistematização para que você veja como a autora em questão e toda a categoria compreende a noção de processo de trabalho. Iamamoto (2004), extraindo as compreensões de Marx acerca do processo de trabalho, comenta que todo processo de trabalho incorpora as seguintes dimensões: o trabalho, o objeto do trabalho, os instrumentos ou meios do trabalho, e essas dimensões combinadas irão resultar em um produto. Partindo de tal assertiva, a autora nos diz que essa definição de processo de trabalho se aplica a qualquer tipo de intervenção, seja o trabalho manual, intelectual ou artístico. Assim, seja um trabalho de natureza artística, intelectual ou um trabalho que demande uma intervenção material, essa ação estará conformada por um processo de trabalho. No sentido posto, o trabalho é compreendido como qualquer ação desenvolvida com uma finalidade a ser alcançada, independente de se tratar de uma ação de natureza artística, intelectual ou manual. Apesar disso, o trabalho demanda meios, instrumentos para que seja colocado em prática, ou melhor, para que a ação, a atividade possa ser alcançada, é necessário que sejam utilizados instrumentos ou meios de trabalho. Para ser consumida e transformada em atividade, a força de trabalho exige meios ou instrumentos de trabalho e uma matéria-prima ou objeto de trabalho que sofrerá alterações mediante a ação transformadora do trabalho (IAMAMOTO, 2004, p. 99). Isso de forma que a ação, o trabalho em si, seja executada apenas em decorrência dos meios de trabalho ou instrumentos de trabalho e, no caso do serviço social, esses meios ou instrumentos fazem referência a recursos “materiais, humanos e financeiros” que são necessários para a realização 47 Unidade I da intervenção profissional. Apesar de o profissional possuir, nos termos da autora, autonomia para desenvolver suas ações, o mesmo não detém todos os meios para desenvolver suas ações e demanda que uma instituição empregadora disponha dos recursos “materiais, humanos e financeiros” que viabilizem a operacionalização de sua prática profissional. Assim sendo, a autora destaca que a instituição empregadora, seja pública ou privada, condiciona a prática do assistente social. “Ora, se assim é, a instituição não é um condicionante a mais do trabalho do assistente social. Ela organiza o processo de trabalho do qual ele participa” (IAMAMOTO, 2004, p. 63). No caso, salienta a autora que não podemos aprender a questão dos meios ou instrumentos com a compreensão apenas da importância do chamado “arsenal de técnicas”, ou então dos recursos da instituição, mas precisamos compreender a importância do “conhecimento como um meio de trabalho”, e ela coloca que sem o conhecimento o profissional não consegue desempenhar seu trabalho. Sinaliza assim que os instrumentos ou meios comportam a bagagem teórica, o conhecimento possuído por cada profissional, por cada assistente social. A autora descreve esses conhecimentos com a terminologia “bases teórico-metodológicas”, o que corresponde a conteúdos teóricos, mas também à compreensão de mundo possuída. Para ela, a questão teórico-metodológica é dada aos profissionais essencialmente pela graduação e pode ser complementada por estudos suplementares. Ela coloca ainda que essa dimensão teórica é expressão de toda evolução histórica e teórica alcançada pela profissão em seu processo evolutivo de amadurecimento intelectual. Ela nos diz que: Sendo o trabalho uma atividade do sujeito, ao realizar-se, aciona não só o acervo de conhecimentos, mas a herança social cultural acumulada, com suas marcas de classe, de gênero, etnia, assim como do processo de socialização vivido ao longo da história de vida,atualizando valores, preconceitos e sentimentos que aí foram sendo moldados (IAMAMOTO, 2004, p.104). Ou seja, os valores, conhecimentos que vamos adquirindo em nossa vivência profissional irão conformar nossa posição profissional, nossa postura profissional. E essa postura estará expressa em nossas relações de trabalho, nas relações de trabalho estabelecidas pelo serviço social durante o processo de trabalho. Em síntese, o que Iamamoto (2004) nos coloca a esse respeito é que não devemos compreender os instrumentos ou meios do trabalho apenas com uma visão das técnicas, que são importantes e são mecanismos de intervenção profissional. De tal forma, precisamos compreender as técnicas associadas a um referencial teórico-metodológico. Aliás, sobre esses componentes do processo de trabalho, a autora nos diz que são aspectos que contribuem para “moldar” o exercício profissional. Esse exercício profissional, segundo Iamamoto (2004), é organizado, desenvolvido com base em um objeto, ou seja, sobre o qual será desenvolvida a ação. Esse objeto, segundo a definição da autora, seria a questão social, sendo esse fenômeno compreendido como suas múltiplas formas de expressão. Vejamos 48 Perspectivas Profissionais em Serviço Social o que nos diz a autora sobre o que podemos compreender como questão social e suas múltiplas formas de expressão: A matéria-prima do trabalho do assistente social (ou da equipe interprofissional em que se insere) encontra-se no âmbito da questão social em suas múltiplas manifestações-saúde da mulher, relações de gênero, pobreza, habitação popular, urbanização de favelas etc.-tal como vivenciadas pelos indivíduos sociais em suas relações sociais quotidianas, às quais respondem com ações, pensamentos e sentimentos (IAMAMOTO, 2004, p.100). Ou seja, a questão social é tratada pela autora como as diversas situações que afetam de forma negativa a vida dos segmentos subalternizados. Acerca da questão social, já estudamos itens anteriores nesse livro-texto. Porém, o que Iamamoto (2004) destaca é que a questão social possui múltiplas formas de expressão e tais expressões são vivenciadas pelos seres humanos em sua realidade cotidiana, no seu dia a dia. No caso, não se trata de uma categoria que se manifesta apenas no pensamento, mas na realidade concreta. Ela ainda chama a nossa atenção para o fato de que a questão social, ou seja, a matéria-prima de nossa profissão, não possui a mesma peculiaridade em todas as regiões, ou seja, as expressões da questão social assumem os “[...] níveis regional, estadual e municipal e as alterações sócio-históricas que nelas vêm se processando, também em função das formas coletivas com que possam estar sendo enfrentadas pelos sujeitos envolvidos” (IAMAMOTO, 2004, p. 100). Ou seja, as expressões da questão social são condicionadas pela realidade na qual estão se manifestando e também pelas formas de enfretamento encontradas pelos sujeitos que as experienciam. Para apreender a questão social em suas múltiplas formas de expressão, a autora destaca que precisamos conhecer profundamente a realidade sobre a qual iremos atuar. Isso nos remete à possibilidade de conhecer com profundidade essa realidade, recorrendo a dados obtidos por meio de pesquisas, sobretudo dados, indicadores que devam ser sistematizados e transformados em referências para o fazer profissional. Até agora, já nos aproximamos da compreensão sobre o trabalho, a matéria-prima ou objeto e sobre os instrumentos. No decurso, para concluir a noção de processo de trabalho de acordo com Iamamoto (2004), precisamos discutir ainda noção de produto. Essa autora inicia suas discussões apresentando o seguinte questionamento: “o que o Assistente Social produz”? E, respondendo a esse questionamento, a autora nos coloca que a intervenção do trabalho profissional produz alterações nas condições materiais e sociais daqueles com os quais atua e ainda produz a elaboração de conceitos junto aos segmentos nos quais está atuando. Nos termos postos, Iamamoto (2004) vem nos dizer que as intervenções voltadas à atenção a condições materiais e sociais estarão relacionadas a ações que possuem o potencial de garantir a reprodução dos segmentos atendidos por meio dos serviços sociais mediados. A nosso ver, nesse rol de “ações” estão 49 Unidade I significadas as ações pela concessão de benefícios ou serviços a determinados segmentos, os quais não poderiam ser acessados em decorrência da situação de vulnerabilidade vivenciada. Podemos assim exemplificar com a concessão de benefícios como a cesta básica ou então a concessão de benefícios via transferência de renda ou outros mais que garantam o acesso aos serviços básicos e necessários à sobrevivência. Já a produção de conceitos está relacionada a uma dimensão subjetiva que a profissão alcança. Iamamoto (2004) coloca que nossas ações possuem a conotação de formar conceitos nas pessoas com as quais atuamos. Esses conceitos que são formados pelas pessoas por nós atendidas, segundo a autora, podem se situar no âmbito da subordinação ou então da insubordinação. Para ela, nossa prática, nossa intervenção possui esse potencial, ou seja, de fazer com que nossos atendidos possam se colocar contrários à ordem estabelecida ou então podemos também reforçar sua alienação. De tal forma, por meio desse entendimento é que Iamamoto (2004) compreende a noção de processo de trabalho. Para melhor apreendermos esses conceitos, observemos a figura a seguir, na qual é feita uma representação dessa compreensão de processo de trabalho. Na imagem estão relacionadas a terminologia marxista e os itens correspondentes à interpretação da autora aplicada ao serviço social. Serve como uma espécie de sistematização do que discutimos até o presente momento e pretende auxiliar você na memorização dos conteúdos apreendidos até então. Oferece ainda uma noção “dialética” da compreensão de processo de trabalho, indicando que esta é posta por conceitos totalmente inter-relacionados e interdependentes e que estão em constante construçãoreconstrução. •Trabalho •Matéria-prima •Questão social •Meios e intrumentos •Bagagem teórica e instrumental •Ação que possui uma finalidade Produto - atenção a questões materiais e elaboração de conceitos Figura 1 – Processo de trabalho. Elaborada pela autora. Podemos compreender ainda que o processo de trabalho no serviço social é uma constante, uma intervenção que está em constante movimento. No entanto, é fundamental que você consiga se apropriar dos conceitos tratados até o presente momento, sobretudo com relação à noção de processo de trabalho. Nos próximos itens, discutiremos o cenário atual, suas incidências na questão social e sua relação com a consolidação do projeto ético-político do serviço social, bem como as condições do mercado de trabalho do assistente social. 50 Perspectivas Profissionais em Serviço Social Vamos a esses tópicos, relembrando a você a importância de tais conteúdos e destacando que é fundamental uma leitura atenta dos temas então tratados. Saiba mais Para uma melhor compreensão do tema tratado, recomendamos a leitura do texto Os processos de trabalho do serviço social em um desenho contemporâneo, de Karen Ramos Camargo. Acesse o link abaixo: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/sma/revista_EGP/processos_ trabalho_servico_social_Karen.pdf> 4.2 O cenário atual, suas incidências na questão social e a consolidação do projeto ético-político do serviço social Lembrete Questão social: múltiplas expressões das desigualdades sociais geradas pelo sistema capitalista. Ainda no que diz respeito aos conteúdos, recorreremos mais uma vez a Iamamoto (2004). Nos termos postos, a autora inicia suas argumentações referindo que o processo de acumulação flexível iniciado na década de 70 provocou profundas alterações no processo de produção. Os argumentos de Iamamoto (2004) estão relacionados às mudanças ocorridas tanto no processo de produção quanto nas relações trabalhistas. Acerca dessas mudanças, é necessário pontuar que já estudamos no início desse livro-texto parte das informações desse processo, bem como dos resultados nocivos que afetaram e afetam grande parcela de nossa população, sobretudo a “classe que vive do trabalho”, como sabiamente afirma a autora. Além dos processos que já estudamos, ela ainda chama a nossa atenção para o processo de globalização. Para ela, a globalização econômica respaldada na introdução de novas tecnologias faz com que os processos de compra, venda e produção percam os limites, ou seja, já não há mais fronteiras que impeçam o comércio. No entanto, destaca que esse fenômeno não traz benefícios para grande parcela da nossa população, ao passo que a inovação tecnológica traz, no reverso da medalha, a expulsão de muitos trabalhadores do mercado de trabalho. De tal sorte, a autora nos coloca que a globalização é um fenômeno “excludente e desigual”. De qualquer forma, o que ela pretende é afirmar que cada vez mais as condições de trabalho se tornam precárias e, nesse caso, os salários sempre são mais baixos e ainda há grande perda dos direitos 51 Unidade I trabalhistas. Por outro lado, o contingente de desempregados também cresce, fazendo com que o exército industrial de reserva se amplie consideravelmente. Em síntese, as condições de sobrevivência se tornam cada vez mais complexas e resultam em uma grande expansão das expressões da questão social, as quais são, segundo Iamamoto (2004, p. 108), “o desemprego e a ampliação da precarização das relações de trabalho”, apesar de não serem as únicas. Frente a essa agudização da questão social, novos modos de enfrentamento também são postos pelo estado, sendo este até o presente momento o grande interventor da mesma. “Tais processos introduzem novas mediações históricas na gênese e expressões da questão social, assim como nas formas, até então vigentes, de seu enfrentamento, seja por parte da sociedade civil organizada ou do estado [...]” (IAMAMOTO, 2004, p. 112-113). A autora observa que as intervenções empreendidas pelo estado tendem a se retrair, ao passo que a sociedade civil acaba se organizando e atendendo uma parcela da população que não possui atendimento estatal. Observação Agudização faz referência a um agravamento das expressões da questão social que acontece na sociedade capitalista na idade do monopólio. No sentido posto, o estado acaba retraindo suas ações na área social. Nesse período ganham grande embalo os ideais neoliberais, conforme também já sumariamos no início desse livro-texto. Isso resulta na adoção de um modelo gerencial, em decorrência da chamada crise fiscal do estado. Segundo essa orientação, busca-se reduzir os custos com os gastos sociais, sendo que isso é apresentado como uma “melhora” do papel assumido pelo estado e como uma alternativa à “crise fiscal” até então vivenciada (IAMAMOTO, 2004). O que Iamamoto (2004) nos coloca frente a essas alterações é que as expressões da questão social se tornam cada vez mais latentes, mais agudas e afetam grande parcela de nossa população. Essas expressões se tornam mais agudas se considerarmos que há uma ausência da ação estatal. Mas, nessas condições, como efetivar o projeto ético-político do serviço social? Antes de respondermos a essa pergunta, cabe um recorte sobre como a autora em questão compreende o projeto ético-político dos assistentes sociais. Devemos iniciar com a colocação que o projeto ético-político está posto na lei que regulamenta a profissão, no Código de Ética do Assistente Social, e em uma série de documentos normativos que orientam uma ação. No que concerne ao Código de Ética, nele são trazidas a questão da democracia como valor éticopolítico e da igualdade e justiça social como valores éticos centrais que devem ser seguidos pelos assistentes sociais, os quais Iamamoto (2001) descreve que precisam ser colocados em prática durante o exercício profissional cotidiano, mesmo em tempos de reestruturação produtiva, de acumulação flexível e de globalização excludente. No caso, Iamamoto (2004) chama a atenção para a importância que assume a democracia nesse processo, mas destaca que todos os princípios postos estão inter-relacionados e 52 Perspectivas Profissionais em Serviço Social imbricados, assim como todos os princípios fundamentais tratados no referido documento. Vejamos os princípios fundamentais: Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual; Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação/exploração de classe, etnia e gênero; Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores; Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física. 53 Unidade I A ênfase na análise da autora recai sobre o princípio da democracia, demonstrando que todos os demais princípios estão relacionados a ele e poderão ser alcançados a partir a efetivação deste. Assim, a autora destaca que, para que possamos alcançar a democracia, é necessário que o assistente social desenvolva uma prática que possibilite a ampliação dos espaços de efetivação da cidadania, além do que esses espaços devem servir para consolidar, para fazer valer os direitos já constituídos e ainda para conquistar novos direitos. Isso só se efetiva se houver possibilidade de democratização dos espaços públicos. Iamamoto (2004) coloca que é urgente e necessário o desenvolvimento de espaços que possibilitem a ampliação da esfera pública, dos espaços públicos. Assevera que os espaços, como conselhos e demais, devem se tornar de fato públicos. Mas, para isso, é preciso que seja constituída uma cultura pública e democrática, ou seja, uma cultura junto à população quanto à relevância desses espaços. Partindo da consolidação desses espaços, a nosso ver, será possível trazer a pessoa atendida pelos serviços sociais para o debate público, para a deliberação pública e, partindo disso, será possível a efetivação dos direitos sociais. Porém, trata-se do primeiro ato que é apresentado pela autora. Por meio dessas “ações” se torna possível ainda “[...] reconhecer a autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais, reforçando princípios e práticas democráticas” (IAMAMOTO, 2004, p. 141). Segundo ela coloca, seria possível, derivando dessas ações, realizar a defesa intransigente dos direitos humanos, a recusa ao arbítrio e ao autoritarismo, bem como a busca pela eliminação de todas as formas de preconceito. É por meio da democratização ainda que é possível alcançar, segundo Iamamoto (2004), a divisão da riqueza socialmente produzida, alcançando assim a justiça social, posta como princípio fundamental. Mas, as colocações da autora sinalizam que nossa profissão deve estar orientada para a defesa de todos os direitos sociais, conforme podemos compreender por meio da análise da legislação destacada e que se encontra disponível nos sites do CRESS em todos os estados do território nacional. Iamamoto (2004) introduz uma discussão provocativa ao referendar a importância de que o projeto ético-político seja alcançado. Isso porque a mesma explica que, para que possamos “fazer valer” o nosso Código de Ética, é preciso adequá-lo aos novos tempos, às atuais situações conjunturais que se colocam a nossa frente. Para isso, a autora faz uma série de orientações, dentre as quais a de decifrar os determinantes e as múltiplas formas de expressão que assume a questão social. Para isso, é fundamental compreender a realidade em sua totalidade, evitando-se assim qualquer “reducionismo econômico, político ou ideológico”, ou seja, precisamos compreender os fenômenos sociais amplamente, considerando para tanto as questões econômicas, políticas, sociais e ideológicas com as quais nos relacionamos. 54 Perspectivas Profissionais em Serviço Social Nos termos postos, a autora chega a exemplificar com dados coletados em uma série de locais, espaços, para que possam desnudar a realidade em que se estabelece a intervenção. Sem essas informações, que são fundamentais, se torna impossível conhecer a realidade, conhecer as expressões da questão social e tampouco se torna possível efetivar o compromisso ético-político assumido pela categoria profissional e os valores a ele inerentes. Observe a tabela abaixo; trata-se de uma representação de dados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A tabela foi construída para demonstrar o rendimento médio dos brasileiros em cada região. Com base nessa análise, podemos constatar que a maioria da população que possui renda de até dois salários mínimos reside na região Nordeste e podemos ainda concluir, com base nestes mesmos dados, que a maioria da população brasileira com baixa renda reside nessa região. Vejamos: Tabela 1 Famílias por classes de rendimento médio mensal familiar - 1999 Brasil e Grandes Regiões Até 2 Mais de 2 a5 Mais de 5 a 10 Mais de 10 a 20 Mais de 20 Sem** Rendimento Brasil (1) 27,6 32,2 18,6 9,9 5,9 3,5 Norte (2) 29,2 34,9 17 8,6 4,3 5,4 Nordeste 47,5 29,7 9,2 4,4 2,7 4,2 Sudeste 17,7 32,2 23,5 13 7,8 3,1 Sul 22,2 34,5 21,7 11,3 6,4 2,6 Centro-Oeste 26,7 35 17,9 9,2 6,5 3,4 Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 30 mar. 2012. * Em classes de salário mínimo. Valor do Salário Mínimo em Setembro de 1999: R$ 136,00. ** Exclusive os sem declaração de renda. Do que podemos concluir ainda que as famílias com renda acima de 20 salários, ou seja, com maior poder aquisitivo, residem na região Sudeste, como elencado acima. Os dados obtidos também nos permitem compreender as expressões da questão social. Por meio dos dados expostos na tabela em questão, conseguimos ter uma noção das informações sobre a renda das pessoas, sobre a região em que estão concentradas as famílias de menor poder aquisitivo e assim sucessivamente, e por meio de tais informações podemos deliberar sobre as ações que nos dispomos a realizar. Em nosso caso, se atuarmos junto a um município, ou então a uma região, iremos direcionar nossa atenção para os dados obtidos nesse espaço de atuação obviamente, porém, conhecer a realidade de nosso país é fundamental em nossa prática profissional. 55 Unidade I Outro exemplo que desejamos destacar pode ser expresso se analisarmos a representação abaixo: Percentual de famílias pobres atendidas pelo PBF Até 50% De 50 a 75% De 75 a 100% Acima de 100% Limite estadual Figura 2 - Proporcão de famílias pobres atendidas pelo Programa Bolsa Família por município – 2008. Este mapa foi elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Nele observamos a localização, em todo o território nacional, das famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família. Observamos assim que há um grande percentual de famílias atendidas pelo programa e que estão localizadas na região do Pará. E observamos que há muitos estados com percentual “baixo” de atendimentos, como algumas regiões do Mato Grosso. Enfim, isso demonstra a distribuição do programa em todo o território nacional. A análise dos dados não pressupõe apenas “olhar” indicadores expostos. Demanda, mais que isso, pressupõe essencialmente um profissional culto e atento, para apreender as informações obtidas. No caso, precisa ser um profissional “informado, crítico e propositivo”, além de ser “versado no instrumental técnico-operativo”. Mas vamos explicar um pouco melhor quem é esse profissional. 56 Perspectivas Profissionais em Serviço Social Para Iamamoto (2004), o profissional precisa manter-se informado, atualizado. Essa informação precisa ser refletida de forma crítica, e não de uma forma naturalizada. E precisa ainda compreender com total clareza o instrumental técnico-operativo que, como vimos, não comporta apenas a dimensão das técnicas, ou seja, não significa que precisamos conhecer apenas o “arsenal de técnicas”, mas que precisamos dominar também os aspectos teórico-metodológicos que devem orientar nossa ação. O profissional propositivo, por seu lado, é descrito por ela como aquele profissional que é comprometido com a atualização permanente e, além disso, deve ser aquele profissional envolvido com a pesquisa ou, como coloca Iamamoto (2004), profissional pesquisador. No caso, a nosso ver, esse profissional propositivo não é algo hipotético, mas sim uma necessidade, afinal a atualização constante é uma demanda para qualquer profissão, inclusive a nossa. E também é fundamental que esse profissional esteja ambientado com a pesquisa, até porque se não for assim “acostumado”, não conseguirá fazer as leituras da realidade e não será possível também compreender a questão social e suas múltiplas formas de expressão. Observação Profissional propositivo é aquele comprometido com a atualização permanente e com a pesquisa. Iamamoto (2004) nos diz que a pesquisa está inteiramente relacionada a nossa capacidade de decifrar a realidade, de nos apropriarmos dessa realidade sobre a qual iremos intervir. Por meio dessa pesquisa, será possível aos profissionais a construção de respostas criativas, de alternativas diferenciadas para a efetivação dos direitos sociais da população com a qual atuamos. Comenta que, por meio dessa postura, será possível alcançar os princípios postos pelo compromisso ético-político de nossa profissão e será ainda possível ampliar as bases que legitimam a necessidade dos assistentes sociais nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais. Assim, o profissional alcançará o reconhecimento por parte da população com a qual atua e também junto às instituições a que está vinculado. Concluindo suas argumentações, a autora coloca que é fundamental a qualidade da formação, sobretudo se pensarmos a graduação. E aponta ainda que precisamos desenvolver uma série de habilidades, além das já obtidas no curso de graduação. Ou seja, precisamos ter o domínio da linguagem culta, dos instrumentos informatizados, além de outras necessidades que são postas a nossa profissão em decorrência das mudanças processadas no âmbito da organização do trabalho. Mas, prezado aluno, diante de uma série de considerações aqui tratadas, cabe uma síntese. No termo em questão, o que Iamamoto (2004) quer nos dizer é que as mudanças econômicas, políticas e sociais que observamos no Brasil, partindo da década de 70, tem colaborado para uma ampliação das expressões da questão social. Para que possamos intervir nessas expressões, é fundamental que conheçamos a questão social, que sejamos engajados com a pesquisa e com a atualização permanente. Isso nos levará, consequentemente, a alcançar o projeto ético-político que é assumido por toda nossa 57 Unidade I categoria profissional e que sempre irá denotar a defesa dos segmentos menos favorecidos de nossa sociedade. Na sequência, discutiremos algumas informações sobre o mercado de trabalho do assistente social. Apesar da obra de referência ter sido escrita há certo tempo, suas colocações ainda mostram-se atualizadas e totalmente relacionadas às condições laborais dos assistentes sociais na contemporaneidade. Saiba mais Como vimos, reflexões sobre a questão social, em suas múltiplas formas de expressão, são fundamentais ao assistente social. No texto sugerido, parte dessas expressões é discutida; recorra a ele para ampliar seus conhecimentos sobre a temática de estudo: Desigualdade e pobreza no Brasil, de Ricardo Paes de Barros, Ricardo Henriques e Rosane Mendonça. Acesse: <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n42/1741.pdf> Sugerimos ainda que assista ao documentário Ilha das flores (Brasil, 1989, direção de Jorge Furtado). 4.3 O redimensionamento da profissão: o mercado e as condições de trabalho Para discutir o redimensionamento da profissão, Iamamoto (2004) recorre a uma pesquisa que fora realizada em determinado período pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) e, por meio de análise, consegue apreender o perfil do profissional daquele período, além de tecer uma série de recomendações que deveriam ser seguidas pelos profissionais que desejassem desenvolver uma prática coerente com a realidade de nossa profissão. Lembrete Para essa compreensão, é necessário retomar o que significa a questão social, ou seja, múltiplas expressões da sociedade capitalista madura e consolidada. Bem, com relação às recomendações, Iamamoto (2004) volta a chamar a atenção para a necessidade imperiosa de conhecimento da realidade. Destaca que precisamos nos atentar para a questão regional e para o poder local. No caso, isso significa conhecer toda a realidade econômica, social e política de dada região na qual estaremos atuando. Já a questão do poder local incorpora a noção de conhecimento das instâncias de participação e poder local que são constituídas e que tendem a fortalecer a democratização nas esferas locais. 58 Perspectivas Profissionais em Serviço Social E ela nos coloca que temos que ter sempre em foco que nossa profissão está sujeita a todas as situações laborais que afetam as demais profissões. Por isso, também precisamos considerar que todas as situações, boas e ruins, que afetam as demais profissões irão condicionar a nossa atuação. Já com relação ao mercado de trabalho, a autora constatou, partindo da pesquisa da PUC acima posta, que grande parte dos profissionais atuava no setor público. Dentro do setor público, na época de realização da pesquisa, encontramos grande parte dos profissionais trabalhando na área da saúde e na área da assistência social, sendo, no período, hegemônica a atuação junto à saúde. Mas ainda são apontadas outras possibilidades de atuação, sendo essas a prática junto aos conselhos de direitos, na gestão de políticas públicas e ainda junto às empresas privadas. Na atuação junto aos conselhos, é usual que o assistente social desempenhe uma prática mais voltada à assessoria a esse organismo, visto que se trata de um espaço de debate, de partilha, mas composto por voluntários, o que em tese dificulta o desenvolvimento por parte dos membros das atividades rotineiras ou burocráticas. Já o trabalho junto à gestão das políticas públicas é apontado por Iamamoto (2004) como uma tendência em nossa profissão. Isso corresponde à gestão, à organização dos serviços de natureza pública. Essa intervenção pode ser compreendida como a desempenhada nos serviços de secretaria, de “gestão” propriamente ditos, e de outros serviços que têm a natureza de disciplinar os serviços públicos. Quanto à atuação em empresa privada, segundo a autora, esta precisa ser compreendida como a prática desenvolvida em organizações de empresa privada ou em organizações de natureza não governamental. No caso, as empresas privadas têm organizado fundações e outras instituições do gênero, que não possuem finalidade lucrativa, mas atuam nas expressões da questão social. Por usa vez, as organizações não governamentais são instituições criadas pela sociedade civil para atuar junto às expressões da questão social, mas essas organizações também não podem visar a lucro. No caso, Iamamoto (2004) assevera que essas instituições privadas só se constituem porque o estado se retrai no sentido de atender demandas da questão social, ou seja, a sociedade se organiza para atender demandas sociais não contempladas pela ação estatal. Mas esse processo que a autora chama de “refilantropização”, ou nova forma de filantropia, é por ela compreendido como outro espaço de atuação profissional, um espaço do mercado de trabalho dos assistentes sociais. Diante dessa questão, Iamamoto (2004) destaca que cresce a possibilidade de atuação nas empresas privadas, por exemplo, destacando desde a atuação na própria empresa até a atuação nas organizações privadas geridas por particulares relacionadas à empresa. Nos termos postos, a autora nos coloca que a prática do assistente social nas empresas privadas se altera, pois antigamente a prática profissional estava mais voltada a eliminar tensões, estimular um comportamento produtivo, reduzir o absenteísmo e proporcionar uma série de benefícios, mas, agora, diante de uma série de mudanças, espera-se que o profissional, além das demandas tradicionais, ainda desenvolva atividades para proporcionar a valorização do trabalhador e assim alcance sua colaboração no sentido de produzir e com qualidade. Já a atuação em fundações começa a se desenvolver e se ampliar, dada a constituição desses espaços. 59 Unidade I Vejamos abaixo um exemplo de prática profissional desenvolvida em uma fundação por um assistente social. Casamento comunitário realizará sonho de 50 casais em São Gabriel Foto: Divulgação 50 casais de São Gabriel do Oeste oficializarão sua união durante cerimônia do Casamento Comunitário, que acontecerá neste sábado (24) no CTG Chama Crioula, às 17 horas. O evento será promovido pela Fundação Aury Luiz Bodanese e a Coopercentral Aurora (Aurora Alimentos), em parceria com a Cooperativa de São Gabriel do Oeste (Cooasgo). O evento reunirá aproximadamente 800 pessoas para os casamentos no civil e religioso. Após a cerimônia haverá coquetel, brinde dos noivos e valsa. A celebração será conduzida pelo pastor Almir Ademar Seifert. Os noivos receberão de presente a festa com decoração, coquetel, bebida, brinde, valsa entre outros. Além disso, terão descontos em empresas parceiras para aquisição de vestido de noiva, vestido social, cabelo, maquiagem e na compra das alianças. Para a assistente social da Fundação, Sonara Bergamo Ramos, o casamento remete a cumplicidade, carinho, amor, respeito, sinceridade em todos os momentos da vida. “Muitos casais desejam a cerimônia civil e religiosa, moram juntos há muito tempo e não tem condições financeiras para oficializar a união. Para valorizar o ser humano e contribuir com o exercício da cidadania é realizado o casamento comunitário”, complementa Sonora. Parcerias A Fundação Aury Luiz Bodanese e a Aurora Alimentos agradecem aos parceiros que contribuíram para a realização do evento: Associação Empresarial de São Gabriel do Oeste (Acisga), Cooasgo, 1ª Serviço Notorial e Registro Civil, Oficina da Beleza Maison, Nart’s Floricultura, Ótica Vitória, Studio Prisma, Padaria e Lanchonete Alvorada e Salão La Belle.1 Nessa prática, a assistente social atuava junto a uma fundação, a Fundação Aury Luiz Bodanese, vinculada à empresa Associação Empresarial São Gabriel, porém sem o objetivo de visar a lucro. Como 1 Disponível em: <http://www.idest.com.br/noticia.asp?id=34735>. Acesso em: 28 mar. 2012. 60 Perspectivas Profissionais em Serviço Social demonstra a matéria elencada, a intervenção é desenvolvida para efetivar direitos sociais, mas essa ação só é empreendida porque não há esse tipo de intervenção partindo do ente estatal. Ainda com relação a práticas desta natureza, Iamamoto (2004) nos coloca que no espaço das ações da nova filantropia também é comum a grande adesão de voluntários. No caso, como grande parte das ações é desenvolvida por pessoas físicas que doam seu tempo em prol de uma causa social, é comum identificarmos pessoas que atuam voluntariamente nos serviços em questão. A autora salienta que nós, como profissionais, iremos também conviver com essa realidade, tanto atuando junto a voluntários quanto perdendo esses espaços de trabalho para o serviço voluntário. Assim, a autora destaca que para a atuação em campos já constituídos, como a assistência social e a saúde, assim como para a atuação junto aos conselhos, à gestão e ainda junto às instituições de natureza privada, são fundamentais capacidade e competência técnica. É necessário um perfil de profissional propositivo e que possa se apropriar dos espaços sócio-ocupacionais disponíveis. Concluindo, ela coloca que, se nós não o fizermos, se nós não nos mostrarmos com condições para essas ações, outras categorias profissionais o farão e se apropriarão do espaço deixado em aberto. Para que você possa ter uma noção um pouco mais ampla sobre o mercado de trabalho na atualidade, recomendamos que recorra aos sites do Conselho Regional de Serviço Social, de acordo com o estado de sua residência. Nos sites dos conselhos é comum observamos pesquisas sobre o mercado de trabalho atual, assim como acompanhar oportunidades de concursos e empregos. Figura como exemplo a pesquisa realizada por Trindade et al (2007), que realizaram uma análise do mercado de trabalho dos assistentes sociais considerando o governo Lula e a realidade de São Luís (MA). Essa pesquisa constatou que no período em questão houve alta taxa de desemprego, mas também grande investimento em políticas sociais. Decorrente desse investimento em políticas sociais, houve uma ampliação do mercado de trabalho, sendo que, segundo a pesquisa em questão, observou-se grande concentração de profissionais junto à gestão do Sistema Único da Assistência Social, junto ao Programa Pró-Jovem, junto à Previdência Social e ainda junto às intervenções desenvolvidas pela Política de Saúde, sobretudo as desenvolvidas junto ao SAMU e às UTIs, sendo esses espaços em que não era comum a intervenção do assistente social. Trindade et al. (2007), ainda partindo da análise do mercado de trabalho dos assistentes sociais, destacam que, em São Luís, houve grande alocação desses profissionais para atuação no Programa Bolsa Família. Para as autoras, isso demonstra que o maior programa de transferência de renda do governo Lula permaneceu sem a orientação e a prática dos assistentes sociais, sendo esse espaço cooptado por outros profissionais. Em relação ao espaço privado, conforme a pesquisa estudada, observou-se grande quantidade de profissionais atuando no terceiro setor, se constituindo este um espaço de absorção de grande parte da mão de obra dos assistentes sociais no Estado do Maranhão. 61 Unidade I Esperamos que você tenha aprofundado seus conhecimentos sobre os assuntos aqui discutidos e que essas informações possam colaborar de maneira positiva com todo seu processo formativo. Resumo Nesta unidade, estudamos como o modo de produção capitalista baseia-se na relação capital/trabalho. Os meios de produção estão nas mãos de uma minoria – proprietários –, que constituem uma classe distinta da sociedade. As pessoas que não têm os meios de produção, só detêm a sua força de trabalho e, para garantir a sobrevivência, precisam vendê-la aos empregadores. A relação capital/trabalho gera inúmeras demandas sociais, que podem ser entendidas como as necessidades dos trabalhadores não atendidas por meio da remuneração de seu trabalho. Vimos que, no período da Revolução Industrial, ocorreu uma maior precarização da relação capital/trabalho devido à ocorrência de profundas mudanças na sociedade, nas áreas social, cultural, política, científica e, sobretudo, econômica. Trabalhamos a organização da assistência social e o estudo de Mary Richmond. As damas de caridade, fortes aliadas dos movimentos filantrópicos da igreja, eram voluntárias, utilizavam sua sensibilidade para chegar até os mais pobres por meio de doações. Nesse trabalho, não havia organização ou sistematização da assistência social. As justificativas utilizadas eram de cunho ideológico ou religioso. Mary Richmond apontou, por meio de seu estudo, que praticar a “assistência social” como filantropia ou caridade era diferente de desenvolver o serviço social; seu estudo recebeu os nomes de “compreensão do meio social” e “ação sobre a personalidade da pessoa e sobre o seu meio social”. Mary Richmond defendia que problemas sociais estavam diretamente associados aos problemas de caráter. Vimos, também, a influência neoliberal nos aspectos de mudanças sociais, principalmente no mundo do trabalho, que é a gênese da nova questão social e que se manifesta sob a forma de desemprego e precarização das relações de trabalho. Foi apresentado um panorama geral das principais demandas e dos desafios sociais do mundo. No que se refere ao Brasil, procuramos dar enfoque à saúde, à habitação, à violência, ao desemprego e à educação como as maiores demandas brasileiras que nos desafiam e nos instigam a respostas efetivas no cotidiano. Além disso, aprendemos a identificar a questão social como objeto do serviço social. A questão social e suas configurações são o nosso objeto, e não as políticas sociais. Aprendemos também como identificar a construção e desconstrução do objeto profissional a partir das múltiplas expressões cotidianas e das formas de enfrentamento acionadas. 62 Perspectivas Profissionais em Serviço Social Apontamos, ainda, os aspectos que constituem o processo de trabalho do assistente social, considerando que nossa profissão também vivencia uma relação de trabalho, apesar de ser considerada como uma profissão liberal. No caso, precisamos compreender que também vivenciamos uma situação de trabalho e, como tal, também participamos de um processo de trabalho. Estudamos ainda as incidências que as mudanças econômicas e políticas vivenciadas na contemporaneidade têm tido junto às expressões da questão social, sendo que, parafraseando essa contextualização, discutimos as dificuldades possuídas no sentido de efetivar nosso compromisso éticopolítico ou, melhor dizendo, o compromisso ético-político assumido por toda a nossa categoria profissional, sendo que tal compromisso nos remete ainda a pensar as atuais condições postas ao mercado de trabalho do assistente social, aspecto que também estudamos e sobre o qual realizamos reflexões nesta primeira unidade. Esperamos que tenha sido possível a você se apropriar desses conceitos para que possamos dar sequência aos conteúdos propostos nas próximas unidades. Exercícios Questão 1. Observe a imagem abaixo: Disponível em: <http://www.dreamstime.com/stock-photography-construction-worker-six-hands-image23332672>. Acesso em: 18 mar. 2012. A mesma pode ser compreendida como um protótipo do profissional conhecido como polivalente. Esse perfil profissional foi gestado a partir da década de 70, em todo o mundo, e é representativo das 63 Unidade I profundas mudanças vivenciadas no processo de produção. Essas mudanças, no entanto, não foram restritas ao âmbito da produção e trouxeram impactos também à forma de organização do estado e à organização social como um todo. Acerca desses processos vivenciados a partir da década de 70, julgue as assertivas a seguir: I. Partindo da década de 70, observamos a ascensão de um novo ideal de compreensão dos fenômenos sociais denominado keynesianismo. II. As mudanças processadas no âmbito do papel do estado, após a década de 70, recomendavam o fim dos gastos desse ente com as políticas sociais. III. Foram gestadas novas exigências ao trabalhador, sendo requisitadas novas habilidades, além das já possuídas. IV. As mudanças processadas no âmbito do trabalho também trouxeram resultados às expressões da questão social, sendo que essas “expressões” tornaram-se mais latentes. V. Observamos que houve introdução de novas tecnologias ao processo produtivo, o que dinamizou esse processo, mas também poderia resultar em desemprego de grande parcela da população. Após a análise das assertivas acima, podemos concluir que: A) Há apenas quatro assertivas corretas. B) Todas as assertivas estão corretas. C) Há apenas três assertivas corretas. D) A assertiva I é a única correta. E) Há apenas duas assertivas incorretas. Resposta correta: alternativa A. Análise das alternativas: I) Alternativa incorreta. Justificativa: Essa alternativa está incorreta, posto que a partir da década de 70 emergiu a compreensão neoliberal, que influenciava na compreensão de todos os fenômenos que regiam a vida em sociedade e orientam, inclusive, uma posição a ser adotada pelo estado na regulação de questões econômicas e sociais. No sentido em questão, a emersão do neoliberalismo, na década de 70, substituiu outro ideal de regulação da vida social e econômica, que fora o keynesianismo, compreensão esta que teria surgido pós Segunda Guerra Mundial. No caso, a assertiva está incorreta porque define a década de 70 como o período de surgimento do keynesianismo, mas nesse período observamos na verdade o fim de tal concepção. 64 Perspectivas Profissionais em Serviço Social II) Alternativa correta. Justificativa: Está correta, visto que, com a emersão dos ideais neoliberais, passaram a ser destacadas propostas em relação ao papel do estado. Dentre tais propostas, observamos a recomendação de que os gastos com políticas sociais fossem reduzidos, argumentando-se que o investimento demasiado na área social poderia resultar em uma diminuição da atitude individual no sentido de superar suas deficiências, além de comprometer grande parte do orçamento do ente federado. Segundo essa concepção, o estado não deveria intervir em questões de natureza social e, portanto, deveria diminuir os gastos em política social. III) Alternativa correta. Justificativa: Está correta porque, a partir da década de 70, foram processadas mudanças no âmbito da produção e do trabalho, sendo esse processo denominado como “acumulação flexível”. Dentre as inúmeras mudanças processadas no âmbito do trabalho a partir de então, podemos citar que este se tornou flexível e que foram postas novas exigências ao profissional, com destaque à necessidade da polivalência e ainda ao desenvolvimento de novas habilidades além das que já possuía, sendo usual a habilidade em tecnologias de base microeletrônica e o domínio de várias línguas. IV) Alternativa correta. Justificativa: Está correta porque as mudanças processadas no âmbito da produção trouxeram, como indicamos, uma flexibilização das relações de trabalho. No sentido em questão, observamos que houve uma grande perda de postos de trabalho estáveis em detrimento de postos de trabalho flexíveis. Quando o trabalho se torna flexível, observamos a perda dos direitos trabalhistas comuns ao trabalho estável. Essa situação se tornou ainda mais complexa com a introdução de novas tecnologias no processo produtivo, o que garantia a rapidez no processo produtivo e a exclusão de muitos postos de trabalho. Com essas mudanças, observamos assim o crescimento do desemprego e do trabalho instável e de baixa remuneração. Isso trouxe condicionantes à questão social, sendo o desemprego uma de suas expressões, além de que o subemprego também se trata de uma das expressões do fenômeno em voga. De tal forma, a partir da década de 70, as expressões da questão social se tornaram mais agudas, abrangeram um grande número de pessoas e passaram a estar totalmente relacionadas à forma de produção adotada desde então. V) Alternativa correta. Justificativa: Está correta porque, a partir da década de 70, foi intensificada a introdução de novas tecnologias no processo produtivo, sobretudo aquelas pautadas na informática e na robótica. Isso aconteceu com o 65 Unidade I objetivo de fazer com que a produção acontecesse de forma cada vez mais rápida, com maior qualidade e, dessa forma, seria alcançado o lucro ou mais-valia, sendo esse lucro sempre algo a ser buscado. No entanto, a introdução de novas tecnologias tende a resultar em uma economia do trabalho vivo, ou seja, há muito desemprego, pois a inovação tecnológica proporciona a economia de muitos postos de trabalho ou, como está descrito, resulta em “desemprego de grande parcela da população”. Questão 2. Analise e matéria abaixo: ONU apela para que países se esforcem para reduzir a pobreza extrema. Brasília – O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, elogiou as parcerias públicas e privadas desenvolvidas no mundo na tentativa de reduzir a pobreza extrema. A união de esforços, ressaltou ele, tem demonstrado sua eficiência. Ban Ki-moon lembrou ainda que o fim da pobreza proporciona também mais oportunidades de educação, trabalho e o controle de doenças. No entanto, ele destacou que é preciso avançar e a meta é reduzir ainda mais os números até 2015. “Quando trabalhamos juntos, podemos conseguir grandes coisas”, disse o secretário-geral, lembrando que, pelo texto do projeto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), os líderes se comprometeram a reduzir a pobreza extrema até 2015. Segundo ele, um dos melhores exemplos de parceiros é o Banco Mundial. Nas reuniões com líderes estrangeiros, a presidenta Dilma Rousseff costuma destacar a necessidade de associar o desenvolvimento econômico ao social. Segundo ela, é impossível avançar economicamente sem executar programas sociais eficientes. Os programas sociais, implementados pelo governo do Brasil, são tomados como exemplos em vários países da América Latina e África. Nos próximos meses, deverá chegar ao Brasil a primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, para conhecer de forma mais detalhada os programas de transferência de renda executados pelo governo brasileiro. Depois de ser eleito presidente peruano no ano passado, Ollanta Humala veio a Brasília e disse que sua prioridade era adotar no Peru os programas sociais brasileiros. No começo desta semana, um relatório conjunto do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que o mundo atingiu a meta dos ODM de reduzir para metade o número de pessoas sem acesso à água potável. Também há números positivos sobre o combate à tuberculose. De acordo com dados recentes, há 40% menos mortes do ocorria em 1990. As mortes causadas pela malária também foram reduzidas. Ban Ki-moon lembrou ainda que há mais equilíbrio entre os dados que apontam a escolarização primária entre meninos e meninas. Porém, o secretário-geral ressaltou que os desafios permanecem, pois há disparidades acentuadas de desenvolvimento social entre as regiões e países. Ki-moon lembrou que apenas 61% das pessoas na África Subsaariana têm acesso a fontes melhoradas de água, enquanto na maioria das outras regiões o 66 Perspectivas Profissionais em Serviço Social acesso chega a 90%. Segundo ele, no mundo, ainda há 2,5 bilhões de pessoas sem saneamento básico. (Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-03-09/onu-apela-para-que-paises-seesforcem-para-reduzir-pobreza-extrema>. Acesso em: 18 mar. 2012). A matéria faz menção à questão da pobreza, indicando recomendações da ONU em relação a possíveis formas para seu enfrentamento. A pobreza, como é possível concluir e como observamos em nossos estudos, é uma das múltiplas expressões da questão social. Acerca de tal fenômeno, julgue os itens a seguir e os valores a eles correspondentes. I. A pobreza é uma das expressões da questão social e, como sugere a matéria, sua superação depende da intervenção da ONU, que tende a regulamentar o processo de enfrentamento de tal fenômeno (15). II. A questão social possui múltiplas formas de expressão, dentre elas a pobreza, e a mesma é manifestada no cotidiano dos seres humanos (10). III. Para o enfrentamento da questão social, basta que cada país desenvolva seus esforços, pois esse fenômeno é gerado apenas em países pontuais (17). IV. A questão social incorpora também as possibilidades de resistência e luta da classe trabalhadora (12). V. A partir das mudanças geradas pelo processo produtivo, os antigos problemas sociais são potencializados (07). Se realizarmos uma soma dos valores correspondentes às assertivas corretas, obteremos o valor equivalente a: A) 32 B) 07 C) 22 D) 29 E) 17 Resolução desta questão na Plataforma. 67