Comportamento MBORA os grandes supermercados e shoppings ganhem cada vez mais espaços nas cidades, um antigo hábito permanece intocável na vida dos mineiros: o de ir às feiras ao ar livre. Trata-se de um antigo comércio que acompanha a história da humanidade e nunca sai de moda. Assim como as vitrines, as feiras mudam a cada estação, a cada geração. É o que aponta pesquisa feita por uma equipe multidisciplinar da Universidade Federal de Alfenas, no Sul de Minas, coordenada pelo professor Marcelo Lacerda Rezende, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). O grupo percorreu cidades-polo da região, como Alfenas, Três Pontas, Pouso Alegre, Itajubá, Poços de Caldas e São Lourenço, para fazer uma radiografia dos aspectos comercial e, principalmente, social da atividade. Constatou-se que a feira, além de ser procurada por causa das verduras frescas e frutas de época vindas diretamente do campo, oferece outros atrativos para a população. "A principal surpresa foi constatar que o local é um ambiente que vai além da questão da compra, com forte interação entre as pessoas", comenta Rezende. Segundo ele, engana-se quem pensa que feira serve apenas para escoamento de produtos agrícolas. Os espaços são divididos com artesanato, roupas e até religião. "Encontramos um pastor que vai à feira todo domingo para pregar e atender os fiéis da igreja dele", lembra o professor. E MINAS GERAIS SÁBADO, 23 DE JULHO DE 2011 - 8 Aatração das feiras Pesquisa mostra que o comércio ao ar livre agrega consumo, cultura e confraternização RENATO COBUCCI Tempo do escambo A origem das feiras livres remete ao tempo do escambo, das trocas comerciais. Os produtos que sobravam nas propriedades rurais eram negociados com os vizinhos. Com o aumento da demanda, houve a necessidade da escolha de um ambiente próprio para o comércio. De acordo com a pesquisa, 90% do público que passa por uma feira volta para casa com algum produto. Apesar da importância comercial, o estudo destaca que o comércio ao ar livre tem adquirido, cada vez mais, fortes contornos sociais e culturais. "A feira representa um pouco da sociedade local. É quase uma mostra do que esta acontecendo ali, e aí essa parte da cultura a gente vê muito presente. Às vezes tem música, apresentação cultural, pessoas divulgando campanhas de prevenção contra doenças, coisas assim", comenta Rezende. Metodologia O estudo das feiras no Sul de Minas começou em 2007 e é baseado em entrevistas com os organizadores nas prefeituras dos municípios visitados. Além disso, também foram realizadas pesquisas de opinião com 50 frequentadores em cada cidade. O objetivo era identificar o perfil socioeconômico do consumidor. De acordo com Marcelo Rezende, a feira reúne elementos suficientes para traçar a identidade de um povo. A partir da análise dos dados foi possível concluir que o público das feiras nessas cidades é bastante heterogêneo em relação à idade, renda, escolaridade e profissão. A média de idade varia entre 43 e 52 anos e a renda das famílias é, em média, superior a R$ 1,5 mil. Os produtos mais procurados, em todas as cidades, são as verduras e legumes. As frutas são o foco de 90% dos consumidores, menos em Três Pontas, que registrou apenas 56,25%. "Essa diferença no consumo de frutas em Três Pontas foi uma das particularidades. Percebemos que lá as pessoas encontraram alternativas para o consumo do produto. Já em Poços de Caldas detectamos grande participação de turistas", pontua Rezende. Apesar de a pesquisa não ter abrangido Belo Horizonte, ninguém duvida que a situação seja a mesma na Capital. Há locais onde, além de comprar hortifrutigranjeiros, os frequentadores aproveitam para curtir uma cervejinha com tira-gosto, como torresmo mineiro, caldos e muito mais. Estudo alerta para a falta de fiscalização Mesmo com a variedade de atividades possíveis em uma feira, o estudo desenvolvido no Sul de Minas mostra que o consumo ainda é o mais forte. "Pode-se perceber que nas seis cidades estudadas, mais de 90% dos passantes são consumidores", assegura o coordenador da equipe no relatório final do trabalho. O alto percentual de consumo pode ser associado à ideia de que a feira é local propício à obtenção de alimentos que proporcionam uma alimentação saudável, o que não é totalmente verdade. O estudo alerta para a falta de fiscalização nas feiras livres das seis cidades visitadas. "Tivemos a oportunidade de ver alimentos prontos, mas não a fiscalização. Não há garantia do que está sendo vendido ali. Estudos como estes são fundamentais para subsidiar políticas de saúde e nutrição. Somente assim será possível estabelecer estratégias de atuação tanto no campo econômico como no social", conclui Rezende.