X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
LEITURA EM AULAS DE MATEMÁTICA
Gisele Romano Paez
PPGE – UFSCar
[email protected]
Resumo: O trabalho apresentado relata a experiência de uma atividade de leitura nas
aulas de matemática, desenvolvida com estudantes da primeira série do ensino médio,
no ano de 2009, numa escola pública do interior do Estado de São Paulo. O objetivo
norteador foi propiciar a reflexão sobre a importância de se desenvolver a capacidade
leitora nas aulas de matemática, tendo em vista a necessidade da interdisciplinaridade.
Palavras-chave: Leitura; Escrita; Conceitos matemáticos.
APRESENTAÇÃO
No início do ano, propus aos estudantes a leitura do livro O Diabo dos Números
de Hans Magnus Enzensberger, por ser um livro que traz conceitos fundamentais da
matemática como: o surgimento do zero, continuidade, sequências, combinatória, entre
outros.
Essa proposta tinha dois objetivos, por um lado desmistificar a matemática,
mostrando que ela pode ser ensinada de maneira divertida, e por outro, despertar o
interesse pela leitura.
Em meus dez anos de experiência, sempre que o ano letivo se inicia e eu me
apresento como professora de matemática, os estudantes “torcem o nariz” e demonstram
certa aversão à matéria, por acharem difícil e não compreenderem os conceitos.
Muitas dessas dificuldades se devem ao como a matemática é apresentada e
cobrada dos estudantes. Alguns professores a tratam como verdade absoluta e exigem
um rigor excessivo na resolução das atividades por eles propostas. Posso até
compreender essas atitudes, tendo em vista sua formação ter se dado em pleno
Movimento da Matemática Moderna no qual era imprescindível o rigor. Mas devemos
evoluir e nos desvencilhar dessas imposições buscando alternativas de ensino que
cativem e motivem os estudantes.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais destacam a importância do trabalho com
leitura e escrita, tanto para o ensino fundamental como para o ensino médio que traz a
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leitura e a escrita como essencial para o desenvolvimento das competências de análise e
interpretação de textos e elaboração de comunicação:
no ensino da Matemática destacam-se dois aspectos básicos: um
consiste em realcionar observações do mundo real com
representações (esquemas, tabelas, figuras, escritas numéricas); outro
consiste em relacionar essas representações com princípios e
conceitos matemáticso. Nesse processo, a comunicação tem grande
importância e deve ser estimulada, levandos-se o aluno a “falar” e a
“escrever” sobre Matemática, a trabalhar com representações
gráficas, desenhos, construções, a aprender como organizar e tratar
dados.
(BRASIL, 1998, p.57)
Análise e interpretação de textos e outras comunicações: Consultar,
analisar e interpretar textos e comunicações de ciência e tecnologia
veiculados por diferentes meios.
Elaboração de comunicações: Elaborar comunicações orais ou
escritas para relatar, analisar e sistematizar eventos, fenômenos,
experimentos, questões, entrevistas, visitas, correspondências.
(BRASIL, s.d., p.27)
A Proposta Curricular do Estado de São Paulo de matemática, implantada em
2008, também sinaliza na direção de novas metodologias de ensino, sugerindo
atividades que requerem habilidades leitoras para serem resolvidas.
Nesta proposta, a Matemática é apresentada como um sistema
simbólico que se articula diretamente coma língua materna, nas
formas oral e escrita, bem como com outras linguagens e recursos de
representação da realidade.
(SEE, 2008, p.44)
Mas, será que nossos estudantes estão com essa habilidade suficientemente
desenvolvida para serem capazes de resolverem os problemas propostos? Será que só as
aulas de Língua Portuguesa dão conta de desenvolver essa habilidade? Será que os
estudantes são capazes de relacionar os conteúdos e usar, nas aulas de Matemática, o
que aprenderam nas aulas de Língua Portuguesa?
Com a prática da sala de aula, posso indicar que a minoria dos estudantes
relaciona as matérias e aplicam os conhecimentos de uma em outra.
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Por entender que ensinar matemática vai além da resolução de algoritmos e que
deve instrumentalizar o estudante para a interpretação e ação na sociedade, propus a
atividade de leitura em minhas aulas de matemática.
DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE
O livro foi apresentado à classe com um breve resumo da história. Os estudantes
se organizaram em grupos e foi realizado um sorteio dos capítulos, que no livro,
aparecem como noites, pois a personagem principal tem pesadelos quando dorme e
quando começa a sonhar com um Diabo dos Números, suas noites passam a ser mais
interessantes e divertidas. Houve um grupo que apresentou dois capítulos, porque estava
sobrando e eles se propuseram a apresentar.
Os estudantes levavam o livro para casa e tinham uma semana para preparar a
apresentação, que ficou a critério do grupo. As únicas coisas que eles tinham que fazer
era um resumo escrito do capítulo e um cartaz. Em uma das turmas todos os grupos
optaram pela apresentação oral na forma de seminário, na outra turma houve filmagens,
teatro e seminários.
Numa das turmas, no começo, os estudantes demonstraram interesse e
curiosidade pelo que iria ser apresentado, ficavam em silêncio e atentos, mas perderam
o entusiasmo pelas apresentações nos capítulos finais, acredito que por causa da forma
de apresentação escolhida que ficou maçante.
Na outra turma os alunos ficavam na expectativa de ver os filmes, os teatros e os
seminários para ver o desempenho dos colegas e o problema matemático que seria
apresentado, os bastidores e os erros das gravações bem como os cartazes que
ilustravam o tema estudado.
A intenção do resumo é fazer com que o estudante retire do texto aquilo que ele
entende como essencial para a compreensão do assunto, no caso, os conceitos
matemáticos. Já o cartaz vai permitir que o estudante expresse, em um espaço limitado,
o que ressaltou aos seus olhos, ilustrando a compreensão feita, sintetizando o capítulo.
Os grupos que optaram pelas apresentações em forma de teatro e filmagens, ao
incorporarem os personagens, tentaram trazer para o concreto os conceitos propostos no
livro, fazendo uma releitura do assunto abordado, uma vez que, passaram da linguagem
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escrita para a linguagem corporal, traduzindo assim, o texto externando aspectos de seu
entendimento e muitas vezes, adaptando elementos para o contexto atual visando maior
compreensão dos espectadores.
Quero destacar aqui, a importância do uso de diferentes linguagens para as
apresentações dos capítulos do livro. Há muito se percebe uma supremacia da escrita
sobre a fala por se tratar do meio pelo qual o homem, na sociedade atual regularizam a
convivência humana. Segundo Marcuschi (2008, p. 16-17),
A escrita, em nossa sociedade, se tornou um bem social indispensável
para enfrentar o dia-a-dia, seja nos centros urbanos ou na zona rural.
[...] Assim é essencial à sobrevivência do mundo moderno pela forma
que se impôs e a violência com que penetrou nas sociedades
modernas e impregnou a cultura de um modo geral, adquirindo,
assim, um status muito alto chegando a simbolizar educação,
desenvolvimento e poder.
(MARCUSCHI, 2008, 16-17)
Garnica (2009) nos faz refletir sobre a importância de ousarmos e percebermos
que outras formas de linguagens nos permitem também, expressar nossa visão de
mundo.
Numa ousadia, vamos dizer que sim: tanto quanto a literatura e a
oralidade, as expressões artísticas, de um modo geral, são narrativas,
expõem pontos de vista, percepções, encantamentos, desejos, ideais,
falam tanto do tema que retratam quanto daquele que retrata os temas
e podem ser colocados, lado a lado, com as demais produções pelas
quais se revelam os vieses do humano.
(GARNICA, 2009, 93)
Considerando os apontamentos acima entendo totalmente plausível e legítima as
formas escolhidas pelos estudantes para a apresentação dos capítulos do livro, na
tentativa de tornar os problemas matemáticos mais compreensíveis a quem interpretava
e a quem assistia.
Em ambas as turmas, muitas vezes os espectadores traçavam comentários sobre
a personalidade das personagens, como: “Esse Robert é muito tonto, não percebe o
óbvio!”, “O professor Bockel é folgado, só quer saber de comer rosquinhas e ensinar
matemática que é bom, nada!”, “Esse Diabo dos Números é impaciente e muito
nervosinho!”.
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Os estudantes também faziam relações entre o que estava sendo apresentado e o
que estavam estudando nas aulas, às vezes eu intervinha e provocava essas relações.
Como por exemplo, no capítulo cinco, ou seja, a quinta noite, onde são apresentados os
números triangulares: Robert, o personagem principal, lança cocos à areia do mar, e
esses vão se dispondo na forma de triângulos: o primeiro triangulo possui um único
coco, o segundo, três cocos, o terceiro, seis cocos, e para descobrir quantos cocos havia
no quarto triângulo, o Diabo dos Números fez com que Robert, ao invés de contar,
descobrisse a lei de formação dos triângulos. Esse foi o mesmo processo utilizado nas
aulas para descobrir as leis de formação de algumas sequências numéricas até a sua
generalização. Ao verem que o Diabo dos Números sugeria o mesmo caminho
percorrido por eles para descobrir as seqüências os estudantes se identificaram muito e
perceberam, com facilidade, a importância das generalizações, declarando, até, uma
melhor compreensão do assunto.
A maioria dos estudantes gostou de ler o livro porque trouxe a matemática de
uma maneira mais clara, com vários exemplos, e de forma engraçada.
Alguns estudantes leram o livro todo por se sentirem instigados ou porque
gostam de ler. Isso pode ser percebido pelos relatos que eles fizeram como síntese da
atividade: “Ler um livro de matemática foi uma experiência muito diferente, mas muito
boa, achei super legal, porque, por mais incrível que pareça, às vezes, a matemática
nos deixa com uma certa curiosidade de desvendar certas coisas, e esse livro fez com
que tentássemos desvendar essas coisas de uma forma bem divertida.” (EZ, 1ºB); “Eu
adorei o livro, pois é um livro que prende a gente e faz com que a gente queira ler mais
e mais” (LE, 1ºB); “Foi uma experiência muito interessante. Eu não havia lido nenhum
livro do gênero; essa experiência serviu para despertar o meu interesse pela matéria e
me fez ver que matemática pode ser aprendida de forma divertida e culta – como uma
boa leitura!”(RL, 1ºA); “Achei algo diferente, mas não gostei muito do final da
história, porque ensina e expõe vários conhecimentos, mas termina de uma forma muito
simples.” (WL, 1ºA)”.
Para muitos alunos este foi o único livro lido no ano.
A avaliação foi feita por meio de um questionário onde os alunos deveriam
apontar suas impressões sobre a experiência de ler um livro de matemática, indicar qual
o capítulo que mais tinha gostado e o porquê, e dar uma nota de zero a três a sua
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participação na elaboração da atividade e à participação dos demais componentes do
grupo. Assim pude perceber se houve trabalho em grupo ou se houve fragmentação das
tarefas. Com os relatos dos alunos, percebi que a maioria se envolveu na atividade,
incluindo também a participação de familiares e amigos na produção dos vídeos e
cartazes.
CONCLUSÕES
Essa atividade de leitura nas aulas de matemática me sugerem algumas
reflexões: a matemática pode e deve contribuir sim para a formação do cidadão
leitor?; é possível complementar as aulas com um texto que venha esclarecer o
conteúdo trabalhado?; os estudantes ao serem instigados a uma atividade
diferente se compromete muito mais com a disciplina e percebem que ela não é
o monstro que eles imaginam?
Por fim, gostaria de deixar aqui registrado minha enorme satisfação em
saber que pude fazer a diferença na vida desses estudantes, lhes proporcionando
uma outra forma de aprender matemática.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
Matemática, In LOPES, C. E.; NACARATO, A. M. (Orgs.) Educação matemática,
leitura e escrita armadilhas, utopias e realidade. Campinas: Mercado das Letras,
2009. pp.25-46
______. PCN+. Ensino Médio. Orientações educacionais complementares aos
parâmetros curriculares nacionais. Ciência da natureza, matemática e suas tecnologias.
In LOPES, C. E.; NACARATO, A. M. (Orgs.) Educação matemática, leitura e
escrita armadilhas, utopias e realidade. Campinas: Mercado das Letras, 2009. pp.2546
ENZENSBERGER, Hans M. O diabo dos números. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.
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GARNICA, A. V. M. Notas sobre narrativa e educação matemática. In LOPES, C. E. In
LOPES, C. E.; NACARATO, A. M. (Orgs.) Educação matemática, leitura e escrita
armadilhas, utopias e realidade. Campinas: Mercado das Letras, 2009. pp.79-99;
MARCUSCHI, Luiz A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São
Paulo: Cortez, 2008.
SÃO PAULO, Proposta curricular do estado de São Paulo: matemática. Maria Inês
Fini (coord). São Paulos: SEE, 2008.
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