CO 43: O Movimento de Matemática Moderna em Minas Gerais: construindo uma história Marger da conceição Ventura Viana Universidade Federal de Ouro Preto [email protected] RESUMO Este artigo condensa resultados de uma pesquisa iniciada pela autora em meados da década de oitenta do século XX que atualmente faz parte de um projeto sobre o Movimento da Matemática Moderna (MMM) em Minas Gerais (MG). O primeiro estudo foi baseado principalmente no texto: A evolução do ensino da Matemática no Brasil (MONTEJUNAS, 1980). Na sequência, o trabalho foi apresentado na UFMG para alunos de um curso de especialização, a convite da professora do Departamento de Matemática Maria da Penha Lopes. Compila estudos concluídos ou em andamento realizados com a participação de bolsistas de iniciação científica. Em vista da raridade de resultados sobre o MMM em MG, constatada a partir de consulta ao Banco de Teses da CAPES, objetiva contribuir para esclarecimentos sobre a ocorrência do movimento neste estado. Em decorrência, o objeto de estudo, nas pesquisas em foco, é a passagem do MMM, quer seja em livros didáticos, conteúdos específicos, escolas, professores, alunos e cidades que ao mesmo tempo serviram como instrumentos de coleta de dados. Como a pesquisa se insere na História da Educação Matemática fundamenta-se principalmente em Alain Choppin, André Chervel, Wagner Valente e Vicente Garnica utilizando a análise documental e a pesquisa em história oral. Os resultados se referem ao fato de o MMM não ter sucedido da mesma forma que no estado de São Paulo; sofreu forte influência dos manuais de autores paulistas capitaneado por Osvaldo Sangiorgi considerado o grande divulgador do MMM no Brasil principalmente por meio dos cursos para professores e de seus livros didáticos de Matemática; a geometria de transformações compareceu em livros dos autores mineiros ao contrário de outros e o MMM não conseguiu alcançar profundamente as escolas de Ouro Preto. A partir da pesquisa do MMM em Minas Gerais, contou-se com a ajuda da FAPEMIG e CAPES com bolsas de iniciação científica. Palavras-chave: Movimento da Matemática Moderna. História da Educação Matemática. Disciplina Matemática Introdução Antecedentes Nosso contato com o chamado Movimento da Matemática Moderna ocorreu na elaboração de um trabalho para a disciplina Teoria do Conhecimento lecionada pelo professor Hugo Assmann na UNIMEP, em meados da década de oitenta do século XX. Na sequência, o trabalho foi apresentado na UFMG para alunos de um curso de especialização, a convite da professora do Departamento de Matemática Maria da Penha Lopes. Mais tarde soube que foram escritas dissertações e teses sobre o MMM. Assim, concluí que o tema era importante para a Educação Matemática, e atrevi a submeter meu antigo trabalho ao V SNHM, em 2003. Tive a agradável notícia de sua aprovação, porém com sugestões de aperfeiçoamento. A princípio pensei não ser possível pela falta de bibliografia na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), meu local de trabalho. Mas um fato novo e feliz aconteceu: consegui o livro de Angel Ruiz e Hugo Barrantes: Historia del Comité Interamericano de Educación Matemática (RUIZ e Barrantes, 1997) que continha o material de que eu necessitava. No V SNHM entre meu público estavam as professoras Martha de Sousa Dantas e Lourdes Onuchic, protagonistas do MMM, que aprovaram e incentivaram-me a publicar o trabalho apresentado. Assim, submeti um artigo à revista Escritos sobre Educação que foi aceito e publicado (VIANA, 2004). A partir daí, encorajei-me e parti para pesquisar o MMM em Minas Gerais. Procedimentos O primeiro estudo foi feito a partir de escritos encontrados em livros, artigos de periódicos e de uma entrevista. Nos demais, devido ainda não ser encontrados documentos oficiais sobre o MMM os fundamentos na história oral foram decisivos. Foram adquiridos manuais escolares, isto é, livros didáticos de Matemática para o antigo curso ginasial (atualmente ensino basico, 6º ao 9º ano) para serem analisados. Muitas entrevistas foram realizadas com protagonistas do MMM, autores de livros, professores de Matemática, professores de outras disciplinas e alunos. A análise dos dados foi realizada numa perspectiva mais qualitativa que quantitativa para responder à pergunta: Como foi e o que restou da passagem do Movimento da Matemática Moderna por Minas Gerais? 2 O Movimento da Matemática Moderna As origens do MMM podem se reportar a Félix Klein no início do século XX, em seu Programa de Erlanger. Klein se preocupou com o ensino da Matemática e o conteúdo a ser ensinado aos jovens. Julgava necessário que o desenvolvimento da tecnologia fosse acompanhado de um ensino que expusesse a Matemática como impulsionadora desse progresso, a partir de seus avanços alcançados até aquela época. Ai estava o embrião de uma reforma curricular que aconteceria a partir da metade do século XX. O grupo conhecido por Nicolas Bourbaki (um grupo de matemáticos franceses reunidos na França na cidade de Nancy), que nas décadas de 30 e 40 do século XX, buscou a unificação da Matemática em estruturas gigantescas, a algébrica e a topológica, unidas pela estrutura de espaço vetorial estruturas que desejavam incluir no ensino pré-universitário, muito influenciou e provocou mudanças curriculares. Por outro lado, nos EUA, Richardson, antes da década de 50 do século XX, já introduzira conteúdos novos de Matemática no ensino pré-universitário. Mas a atualização do currículo de Matemática começou a ser feita em 1952, pela Comissão de Matemática Escolar da Universidade de Illinois, presidida pelo professor Max Beberman. Em 1955, Allendoerfer e Oakley, antes de ser cunhado o termo Matemática Moderna (MM), haviam escrito um livro cujo conteúdo já era MM (conjuntos, relações, funções, lógica, grupos, etc.). Segundo Viana (2004) e Matos (2006), a Organização de Cooperação Econômica Européia (OCEE) reuniu, em 1958, na França representantes de 20 países e realizou, em 1959, o Seminário de Royaumont com 60 professores de 20 países, quando se prescreveram linhas centrais da Reforma pré-universitária e políticas de implementação, tendo como objetivo unificar esforços que vinham sendo desenvolvidos em diversos países como a Bélgica, Estados Unidos, França e outros. E se seguiram outras reuniões para a Reforma pré-universitária. No ano de 1960 em Arhus na Dinamarca, sob os auspícios do ICMI, e outras duas em Zagrev e Dubrovnik na antiga 3 Yugoslávia; em 1961 na Colômbia ocasião em que foi fundado o Comitê Interamericano de Educação Matemática (CIAEM) e reuniões continuam até a atualidade, porém não mais com o intuito reformista. Quanto à reforma do ensino de Matemática, de acordo com o saudoso professor Luis Santaló (1979), ela poderia ser considerada em três períodos: 1º - da Conferência de Royaumont, em 1959, ao Congresso de Lyon, em 1969, quando predominou a preocupação com os conteúdos; o 2º- do Congresso de Lyon ao Congresso de Exeter, em 1972, em que a atenção foi direcionada para aplicações e o 3º- do Congresso de Exeter a Karlsrue, em 1976, à época em que este artigo (o de Santaló) foi escrito, ou seja, 1979, período em que se deu ênfase à Didática (VIANA, 2004). Para Ruiz e Barrantes (1997) apud Viana (2004) as causas do MMM, se devem à ação dos matemáticos das universidades, à ideologia e à filosofia da Matemática, e ao contexto político e histórico do pós-guerra. Para o autor português José Matos (2006) as ideias da reforma tiveram origem na Europa. Ele afirma o seguinte: A origem das idéias é essencialmente européia (francófona, espanhola ou italiana) e apenas Gonçalves refere materiais anglo-saxónicos como uma via alternativa. Contrariamente ao que é por vezes referido, nenhum destes autores menciona a rivalidade com os países de Leste ou o lançamento do Sputnik como motivação para os seus trabalhos. Todos procuram melhorar o ensino da matemática como condição essencial de progresso do país, quer de aproximação a outros países europeus, quer como fator de desenvolvimento econômico, social e cultural (MATOS, 2006, s/p). De fato, Viana (2004, p.30) escreveu o seguinte: A tradição diz que o movimento de Matemática moderna teve origem com o lançamento do 1o SPUTNIK, pela URSS, em 1957. O fato convenceu os americanos de que estavam atrás dos soviéticos em ciência e tecnologia e de que os russos poderiam dominar o mundo. Por isso, deviam somar esforços no sentido de aumentar o número de cientistas que formavam. Era a época da “Guerra Fria”. Os EUA, como 4 sempre, investiam muito no esforço bélico e certamente, para desviar a opinião pública, aproveitaram a onda reformista dos matemáticos para investir na reforma escolar, fazendo muita propaganda e justificando os gastos, enquanto ficavam despercebidos maiores aportes que eram destinados à corrida armamentista. Assim, foram criadas as Conferências Interamericanas de Educação Matemática (CIAEM) objetivando a reforma do ensino de Matemática na América. A 1ª CIAEM foi realizada em1961, na Colômbia quando foi criado o Comitê Interamericano de Educação Matemática (CIAEM), com apoio do International Comittee of Mathematical Instruction (ICMI), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Organização dos Estados Americanos (OEA), Fundação Ford, Fundação Rockefeller, Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos, e outros. Segundo Ruiz e Barrantes (1997) apud Viana (2004, p.30 “o comitê era formado principalmente por matemáticos de prestígio internacional, como Marshall Harvey Stone, seu principal idealizador e presidente até o ano de 1972”. O professor Stone foi um dos responsáveis pelo Teorema de Stone-Weierstrass e da Compatificação de Stone-Cech, tendo sofrido influência das idéias do grupo Bourbaki acerca de pesquisa e ensino. A confirmação disso está na presença de André Weil (figura dominante do grupo Bourbaki por vários anos) na Universidade de Chicago, entre 1947 e 1958. Stone era diretor do Departamento de Matemática da Universidade, líder naquela época no país e talvez no mundo (VIANA, 2004). O Movimento da Matemática Moderna no Brasil Certamente, matemáticos brasileiros foram influenciados pelas ideias do MMM, pois importantes componentes do grupo Boubarki como André Weil e Jean Dieudonné estiveram na Universidade de São Paulo participando da formação de pesquisadores a exemplo de Luiz Henrique Jacy Monteiro autor de vários livros entre eles o “Álgebra Moderna” utilizado nos Cursos de Matemática de universidades. 5 Segundo Viana (2004), o Brasil recebeu várias influências. As mais marcantes foram: do grupo francês que preconizou Álgebra Linear desde o antigo curso ginasial; dos EUA o School Mathematics Study Group (SMSG) com conteúdos tradicionais acrescidos de conjunto, mudança de base, congruências, desigualdades, matrizes, lógica simbólica, Álgebra de Boole, grupo, anel, corpo; de Georges Papy (no PREMEM) e de Zoltan Paul Dienes (falecido recentemente) suas seis etapas do processo de ensino aprendizagem com material concreto (seus blocos lógicos), transformações em planos finitos e estruturas algébricas. Ainda segundo Viana (2004), no Brasil exemplos de influências nos conteúdos para o curso ginasial foram: introdução de numeração com bases não-decimais (ênfase em algoritmos de mudança de base); teoria dos conjuntos, propriedades dos conjuntos numéricos, funções e coordenadas cartesianas; inequações e o trinômio do 2º. grau como função quadrática. Houve supervalorização de sentenças matemáticas na resolução de problemas e valorização da Álgebra em detrimento da Geometria. Muitos professores, não dominando os novos conteúdos, repetiam o que continham os livros-texto. Segundo Onuchic (1999) apud Viana (2004, p.37), nesta reforma o professor falava, porém muitas vezes não seguro daquilo que dizia. O aluno não percebia a ligação que todas aquelas propriedades enunciadas tinham a ver com a Matemática dos problemas e, principalmente, com a matemática usada fora da escola. Embora procurasse usá-las em exercícios de aplicação, repetindo o que havia sido feito em classe e dizendo o nome daqueles novos símbolos matemáticos que lhes eram apresentados, com freqüência não conseguia lhes dar significados (ONUCHIC, 1999, p. 203) Além disso, em geral, a Geometria de Transformações não foi abordada, e abandonaram a euclidiana. No entanto, como sabemos o ensino da Geometria não pode ser deixado a um plano inferior, pois localizar-se no espaço, raciocinar, analisar, concluir, todos precisam, embora usualmente a maioria jamais utilizará o Teorema de Pitágoras. Viana (2004) concluiu seu primeiro estudo considerando que, de fato, no Brasil a Matemática Moderna não foi de todo implementada não podendo, portanto, ser responsabilizada pelo estado atual da educação matemática do cidadão. O baixo rendimento escolar é um problema de variáveis multidimensionais e não apenas do ensino da Matemática. Considerou que, no Brasil, o MMM abriu possibilidades para o fortalecimento da área de Educação Matemática, propiciando financiamento de projetos, bolsas de estudo, 6 realização de encontros e seminários e, fortalecimento da pós-graduação. Que a visão de ensino da Matemática foi alargada, o processo evoluiu de repasse de informações a uma conceituação ampla considerando a utilização da Matemática como ferramenta a serviço da educação, que oferece possibilidades a todo estudante para o exercício da cidadania. O Movimento de Matemática Moderna na Região Metropolitana de Belo Horizonte - MG Como a Educação Matemática no Brasil concentra pesquisas com diferentes focos o objetivo desta pesquisa foi analisar o MMM em Minas Gerais (MG), com recorte na Região Metropolitana de Belo Horizonte para identificar a influência que tal movimento exerceu/exerce sobre a Matemática Escolar praticada na atualidade. O tema é inovador, pois ainda não foi explorado na região. Pela escassez de documentos localizados, esta pesquisa foi cunhada pela história oral, identificados atores, que de fato, puderam auxiliar no esclarecimento da ocorrência do MMM naquela região. Foram realizadas entrevistas com três educadores matemáticos que protagonizaram o MMM em MG, e analisados livros textos de Matemática escritos e utilizados no Ensino Fundamental e no Médio à época do MMM em MG, entre as décadas de 60 e 80 do século XX. Obteve-se o seguinte: a região metropolitana de Belo Horizonte teve contato com o MMM por meio do PREMEM e também com os treinamentos oferecidos aos professores, realizados pelo Centro de Ensino de Ciências de Minas Gerais (CECIMIG), localizado na UFMG. Foi possível constatar que o MMM superou, em partes, a Matemática tradicional que o professor ensinava em sala de aula. Não porque esta fosse ruim, mas porque havia alguma coisa errada com o ensino tradicionalista, de modo que o MMM contribuiu positivamente, posto que redirecionou a metodologia de ensino, focando em processos diferenciados e modernos, que destacaram a necessidade de mudanças.Trouxe temas novos para o ensino da Matemática, assim como estatística e probabilidade e outros temas que hoje são ensinados (VASCONCELLOS; VIANA, 2009). O conteúdo de Matemática ensinado foi modificado, pois, havia necessidade e vontade de unificar as áreas de Aritmética, Álgebra e Geometria, assim como questionar e modificar o 7 ensino baseado na pura memorização de conteúdos, que diminuiu tornando as aulas mais dinâmicas. Os livros tornaram-se mais atraentes e fáceis de estudar, professores passaram por cursos de aperfeiçoamento. Isto era necessário, pela evolução da ciência, novas tecnologias e da sociedade em geral (VIANA; CARVALHO, 2009). Na região metropolitana de Belo Horizonte, o MMM ajudou bastante com relação ao ensino e aprendizagem da Matemática, aperfeiçoamento dos livros didáticos, e influência nos professores. Em geral, o movimento foi positivo no aspecto de publicar livros diferentes dos usuais, provocar discussões sobre currículo e ensino, interação entre professores, reflexões, experimentações em escolas, publicação de revistas. Livros textos de matemática escritos por autores mineiros no Movimento da Matemática Moderna A Educação Matemática comporta também o estudo dos livros textos (livros didáticos), pois são reveladores de características que ocorreram em determinado momento da história de uma disciplina. Sendo possível conjecturar que eles revelem relações com a Educação Matemática de hoje, já que grande parte dos educadores matemáticos de agora, foram formados sob a influência do Movimento MMM. Livros didáticos são considerados objeto e fonte de pesquisa, como importantes elementos da cultura escolar presentes na relação professor aluno, pois segundo Valente (2005), além dos documentos oficiais que regulamentam a função da escola (portarias, decretos, leis, etc.) também constituem fontes documentais de grande valor para pesquisa dos processos históricos da educação, elementos produzidos nas escolas, tais como diários de classe, cadernos e livros. Indicando a ligação entre livros didáticos e a Matemática escolar, para Valente (2005), talvez seja a Matemática a disciplina cuja história mais esteja relacionada com a do livro didático, “pois desde as origens de seu ensino (enquanto saber técnico militar) até sua promoção a saber de cultura geral escolar, sua trajetória histórica de constituição e desenvolvimento pode ser lida nos livros didáticos”. (VALENTE, 2005, p. 151). 8 Assim, considerados objeto e fonte de pesquisa, importantes elementos da cultura escolar presentes na relação professor aluno foram analisados livros textos de autores mineiros, pois o objetivo desta pesquisa foi analisar livros didáticos (livros textos) de Matemática dos ensinos Fundamental e Médio, veiculados em Minas Gerais durante o MMM, com ênfase em autores mineiros, isto é um recorte do estudo do MMM em Minas Gerais, em busca de subsídios para a compreensão do estado atual da escolarização em Matemática. Isto considerando-se que um estudo de livros textos que reinaram no período de vigência do MMM, em Minas Gerais poderia colaborar na compreensão do passado, servindo de fundamento para orientações sobre o ensino de Matemática, a partir de ideias de Choppin (2000). Do exposto, a questão central do trabalho foi: o que se encontra nos livros didáticos para o Ensino Básico produzidos no MMM no estado de Minas Gerais, que caracteriza este movimento neste estado? Para a pesquisa foi utilizado instrumental teórico-metodológico de historiadores (André Cellard - análise documental, Alain Chopin - livro e André Chervel - História das Disciplinas Escolares) para compreender o presente, a partir do passado, pois esta investigação se insere na História da Educação Matemática. Foram procurados resultados de investigações já realizadas, e discussões de trabalhos acadêmicos que contemplaram MMM em outros estados do país, pela escassez de pesquisas sobre o MMM em Minas Gerais. De acordo com Choppin (2000), atenção deve ser dada a “diferentes etapas na trajetória de existência de um livro: aquelas que tratam da concepção, da produção e da difusão da obra” (CHOPPIN, 2000, p. 563). Este autor pondera que há questões fundamentais a serem respondidas, como: Que tipo de consumo se faz deles? Seguem os educadores fielmente o texto didático? O papel de determinado livro está ligado à consulta ou à sua simples “decoração”? (p.565). Os resultados da pesquisa indicaram livros que vão além de conjuntos, relação e função; nem todos conforme a proposta do MMM para a geometria; alguns aspectos diferenciam os livros: ênfase na linguagem simbólica, abordagem rigorosa do tema, preocupação com abstração e contextualização, o uso de cores e de histórias em quadrinhos; a geometria, de modo geral não foi tratada nos moldes das propostas pelo MMM. 9 A Geometria nos livros didáticos de matemática de autores mineiros no MMM. Este trabalho sobre o Movimento da Matemática Moderna (MMM) em MG focalizou livros textos (livros didáticos) com um recorte para conteúdos da Geometria. Esta opção se deu pelo fato do ensino dos conteúdos desta área da Matemática, ter sido considerado abandonado, por alguns autores a exemplo de Pavanello (1993). Assim, o objeto desta pesquisa é o estudo da apresentação de conteúdos de Geometria nos livros didáticos escritos por autores mineiros. Com isso, o objetivo final da pesquisa foi desvendar como e qual Geometria foi tratada nos livros didáticos de Matemática, para a escola básica, escritos por autores mineiros à época do MMM em MG. Com isso, o trabalho de caráter qualitativo, apoiou-se em diferentes estudos que envolvem o Movimento da Matemática Moderna, a História dos Livros Didáticos, inserindo-se na História da Educação Matemática, mais precisamente na História do ensino da Geometria. Entre os autores que dão suporte teórico-metodológico, destacam-se, em relação ao MMM, Viana (2004), Valente (2005); sobre o livro didático Chopin (2000), em relação à História das Disciplinas Escolares Chervel (1990). A opção foi pela análise documental, pois segundo Cellard (2008) é a adequada para trabalhar com os livros didáticos. Para esse autor, esse tipo de metodologia exige uma análise preliminar das fontes analisando o contexto em que o documento foi produzido, sua natureza, confiabilidade, etc. E que para fazer a interpretação dos textos dos documentos usados como fontes, é necessário o conhecimento prévio da identidade do autor, seus interesses e motivos que o levaram a escrever. Neste sentido, foram aproveitadas as entrevistas realizadas com autores mineiros pelos bolsistas de iniciação científica Alexandre Vasconcellos em 2009 e Allana Carolina F. de Carvalho em 2010. Essas entrevistas auxiliaram a compreensão das escolhas dos autores por um ou outro caminho seguido e os motivos de suas obras permanecerem ou não no mercado. Os livros-textos, agrupados por coleções, pois nem sempre a Geometria é tratada num único volume, tiveram analisados seus conteúdos relacionados à Geometria Euclidiana e à Geometria das Transformações preconizada pelo MMM. 10 Foram seguidas as etapas que Chervel (1990) propôs: escolha do período a ser investigado, seleção, localização/aquisição, leitura dos livros didáticos e seleção das categorias de análise para a comparação. Também foram analisadas capas, prefácios, folhas de rosto, buscando elementos para analisar a natureza, a linha editorial, os aspectos materiais, exercícios e problemas propostos e modelos apresentados. Os autores Alceu Mazzieiro e Antônio Davi não apresentaram Geometria das Transformações em seus livros, mas estes eram bastante atrativos utilizando estórias em quadrinhos muito do gosto dos estudantes. Mario de Oliveira apresentou a Geometria Euclidiana sem retoques. Apenas Reginaldo Lima e Maria do Carmo Vila abordaram, de fato, a Geometria de Transformações sugeridas no MMM. Segundo Viana e Silva (2013) os livros destes autores continham: o estudo da Geometria Afim por meio das transformações lineares e métodos vetoriais, grupo de transformações (rotações, reflexões e translações); o plano afim, notação de Grassman, etc., afirmando também que as abordagens (translações e homotetias, por exemplo) foram interessantes. Os autores utilizaram também o recurso de história em quadrinhos, e que a publicação foi interrompida com o fechamento da Editora Vega, sendo portanto pouco difundida. Como o MMM teve maior ênfase em São Paulo, principalmente com Osvaldo Sangiorgi um dos precursores do MMM em todo o Brasil, também foram analisados seus livros-textos. Contudo, este autor não incorporou a Geometria das Transformações, esta foi colocada apenas num apêndice de uma de suas obras. Considerações finais O estudo sobre o MMM no estado de Minas Gerais embora ainda inconcluso, principalmente pela sua extensão territorial, permite tecer algumas considerações. Na região metropolitana de Belo Horizonte, foram realizados cursos de capacitações para professores, que não ocorriam antes do MMM, que provocaram renovação na área pedagógica. A implantação dos novos livros didáticos nas escolas de Belo Horizonte foi difícil, pois o professor tinha dificuldades 11 para aprender um novo assunto, abandonando práticas cristalizadas, até porque não tinham tempo e nem dinheiro para estes investimentos. As escolas acabaram desistindo da ideia de mudança e o movimento perdeu a força que tinha. Mas a região metropolitana de Belo Horizonte teve grandes representantes que assimilaram a ideia de modificação nos livros didáticos e a mudança necessária para um ensino melhor (VIANA; CARVALHO, 2009). Até hoje há vestígios do movimento em livros didáticos, nas formas de ensino, mas o MMM não conseguiu prosseguir, foi enfraquecendo talvez devido ao excesso de críticas feitas ao modelo. A cultura escolar a partir do MMM incorporou a linguagem dos conjuntos no tratamento de equações, funções e conjuntos numéricos. Quanto à Geometria, apesar de poucas tentativas de mudanças, pois muito pouco foi encontrado nos textos estudados, e que foram representativos para o estudo, permaneceu a Euclidiana. Referências Bibliográficas CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean (org.), et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, n.2, 1990. CHOPPIN, A. Pasado y presente de los manuales escolares. Trad. Mirian Soto Lucas. In: La Cultura escolar de Europa: Tendências Históricas emergentes. 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