CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE A APLICAÇÃO DO JUÍZO DE
PONDERAÇÃO NOS CASOS DE COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Wanderley Soares Dantas1
RESUMO: Neste artigo será analisada a solução jurídica normalmente empregada
para casos de colisão entre os direitos fundamentais. O eixo de condução será a
problematização em torno da aplicação da técnica de ponderação proposta por
Alexy. Entende-se que o recurso da ponderação gera deficiências ao discurso do
direito, na medida em que remete o julgador a argumentos extrajurídicos que estão
fora de sua alçada, transformando assim o conflito jurídico em um embate entre
concepções ético-políticas diferentes. Para fazer um contraponto ao método
proposto por Alexy na resolução de conflitos entre direitos fundamentais, o marco
teórico adotado consistirá na teoria discursiva do direito formulada por Habermas. A
metodologia a que se recorreu foi epistemológica, problematizando conceitos e
teorias do campo jurídico, com base no levantamento bibliográfico de obras da lavra
de Alexy e Habermas sobre a superação de conflitos entre direitos fundamentais.
Conclui-se que a teoria discursiva confere uma maior racionalidade à atuação do
Poder Judiciário diante desses embates, o que correspondeu aos objetivos
propostos de evidenciar que muitas vezes a resolução dos conflitos entre direitos
fundamentais conteudisticamente preenchida pela disputa entre os direitos
encampados pelos micro e pequenos empreendedores e os direitos gerais dos
demais agentes do mercado é fundamentada em valores compartilhados pelos
julgadores.
Palavras-chave: colisão de direitos fundamentais, máxima otimização dos
princípios, método da ponderação, discurso de justificação, discurso de aplicação.
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DANTAS, Wanderley Soares. Economista e Advogado, Analista Jurídico do SEBRAE/AC
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1. Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 arrola
inúmeros direitos fundamentais que devem ser observados pelo Estado nas relações
com os particulares, e também nas relações horizontais estabelecidas entre esses.
Em regra, esses direitos fundamentais são explicitados por comandos dotados de
elevado grau de abstração. Deles não se extrai de imediato o suporte fático,
expressão utilizada pelo constitucionalista Virgílio Afonso da Silva que significa
“aqueles fatos ou atos do mundo que são descritos por determinada norma e para
cuja realização ou ocorrência se prevê determinada conseqüência jurídica:
preenchido o suporte fático, ativa-se a conseqüência jurídica” (SILVA, 2010, pp. 67 e
68).
Para ilustrar. Nas disposições normativas de direito penal, a definição
do suporte fático não se reveste de maiores complicações. Considerando o art. 121
do Código Penal que preconiza: “Matar alguém: Pena – reclusão de seis a vinte
anos”, tem-se que a sanção estipulada (conseqüência jurídica) ocorre tão somente
com a ocorrência daquilo que o dispositivo prescreve, ou seja, alguém matar outra
pessoa (suporte fático). Já nas disposições que enunciam direitos fundamentais o
suporte fático não é definido de imediato. Na norma que dispõe “é garantido o
direito de propriedade”, o que se protege? Contra quem? Qual a conseqüência
jurídica que pode daí decorrer? Para que essa conseqüência ocorra, é necessária a
ocorrência de quais fatos?
Uma vez que todas essas considerações devem ser levadas em conta
na definição do suporte fático dos direitos fundamentais insculpidos na Constituição,
tem-se que não raro ocorrem conflitos entre os mesmos. E a resolução dessa
questão tem sido uma constante no pensamento jurídico. Entre as variadas teorias
sobre o tema, este trabalho adotou duas: a de Alexy, que é a mais difundida na
prática forense, e a de Habermas, que a ela se contrapõe.
O eixo condutor desta produção científica será a apresentação das
deficiências que a aplicação da técnica da ponderação gera ao sistema jurídico, na
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medida em que remete o julgador a argumentos extrajurídicos que estão fora do seu
sistema de atuação, transformando assim o discurso jurídico em um embate entre
diferentes concepções valorativas, éticas, políticas e culturais. Com esse intuito,
será utilizada a teoria discursiva do direito, formulada por Habermas e também
abordada por Günther.
Questões que envolvem conflitos entre direitos fundamentais são de
certa forma corriqueiras no processo de afirmação dos interesses de micros e
pequenos empreendedores frente aos interesses do mercado em geral. Isso justifica
a relevância para o Sistema “S” dessa pesquisa de cunho eminentemente
epistemológico.
Inicialmente, será apresentada a teoria de Alexy para depois ser feita
uma exposição das críticas levantas por autores como Günther e Habermas àquela
proposta teórica. Por fim, apresentar-se-á a réplica de Alexy às considerações
desses autores, problematizando-se na sequência sobre seus pressupostos e sua
aplicação no Brasil.
2. Apresentação da teoria de Alexy. Um contraponto: Günther
Para a resolução de conflitos entre os direitos fundamentais, ALEXY
(2003, pp. 131-134) sustenta que o método a ser empregado pelo aplicador do
direito deve ser o da ponderação. Deve se avaliar em que medida cada direito
contraposto tem de ser aplicado ao caso concreto, de forma a se ter uma otimização
máxima.
Vale a pena fornecer um exemplo. Os jovens integrantes de uma
banda de rock beneficiados pelo Projeto de Fomento a Cultura do SEBRAE/AC, na
tentativa de se tornarem mais populares, decidem tocar suas músicas em uma
movimentada rua da capital acreana, que fica nas redondezas de um hospital de
grande circulação. Vale ressaltar que há inúmeras placas exigindo silêncio aos
transeuntes dessa região. Frente à situação narrada, os responsáveis pelo hospital
decidem recorrer ao Poder Judiciário local para impedir que os jovens continuem a
se reunir no local e lá expressarem suas habilidades musicais.
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Ao se deparar com a indagação se seria justa a proibição de
manifestações culturais nas proximidades de hospitais, fazendo uma analogia, para
ALEXY (2003, pp. 131-140), o jurista deveria pensar da seguinte forma: (i) a
Constituição garante a todos o direito fundamental de liberdade de expressão
artística, intelectual e de pensamento; (ii) o direito à vida também é conferido pela
ordem constitucional aos doentes que estão em repouso em um dado hospital; (iii)
diante de uma situação fática em que esses dois direitos são colidentes, o aplicador
do direito utilizará o método da ponderação para conferir um valor superior ao direito
à vida, considerando que o direito constitucional de liberdade de expressão deve ser
preservado em todas suas expressões, a não ser quando representar risco de vida
para os que deveriam estar submetidos a um quadro de repouso físico e mental ou
quando afrontarem a ordem pública, impedindo, por exemplo, trânsito de veículos
automotores em uma região central.
É contra o uso do método de ponderação para a resolução de conflitos
entre direitos que Günther se posiciona. Para ele, não há de se falar em colisão de
direitos fundamentais e de uma ponderação em que um direito deverá ser
resguardado em detrimento de outro (BARBOSA, 2008, pp. 23-37). Na aplicação do
direito, o método empregado pelo juiz deverá ser um que considere o momento de
justificação da norma e seu momento de aplicação.
Esse constitucionalista alemão entende que no caso acima narrado,
por exemplo, não há uma colisão do direito fundamental de liberdade de expressão
artística, intelectual e de pensamento com o direito à vida. Isso não ocorre
justamente pelo fato do direito de liberdade de expressão não ser aplicado ao caso.
Ele é uma salvaguarda justificável, estabelecida mediante um processo legislativo
adequado, devendo, pois, ser observado pelo Estado e pelos particulares. Contudo,
ele não resiste ao momento de aplicação da norma, pois não deve ser aplicado em
um contexto em que se possa expor a riscos consideráveis a vida de outras
pessoas, sendo que seu exercício poderia se dar de inúmeras formas não tão
lesivas.
Como o direito de liberdade de expressão não é aplicável ao caso
acima, não se poderia falar em colisão de direitos e, conseqüentemente,
desnecessário se faz o recurso da ponderação. Daí se pode argumentar: ah, isto é
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apenas uma filigrana jurídica. Chegar-se-á na maioria dos casos a um mesmo
resultado, tendo apenas o diferencial da técnica argumentativa empregada para
justificá-lo. Günther e outros críticos, todavia, sustentam que não, como se verá a
seguir.
3. Críticas que Habermas dirige às formulações teóricas de Alexy
Habermas inicia sua crítica à formulação teórica de Alexy sustentando
que a ponderação dos direitos os reduz ao nível de metas, políticas e valores. Eles
perdem, assim, o caráter normativo que lhes é característico. Nas palavras do
constitucionalista, “se em casos de colisão todas as razões podem assumir o caráter
de argumentos de política, então a parede de fogo erguida no discurso jurídico pela
compreensão deontológica de normas e princípios jurídicos desmorona” (tradução
nossa) (ALEXY, 2003, p. 134).
Habermas entende ainda que não há padrões racionais para que se
efetue a ponderação dos direitos em situações de conflito. Em suas palavras: “como
não existem padrões racionais aqui, o sopesamento realiza-se de forma arbitrária ou
irrefletidamente, de acordo com padrões de costumes e hierarquias” (tradução
nossa) (ALEXY, 2003, p. 134).
Por fim, outra objeção levantada é a de que a ponderação de valores
leva as normas legais a deixarem de ser definidas por conceitos como certo e
errado, correto e incorreto, para serem definidas por conceitos como adequado ou
inadequado dentro de uma ordem concreta de valores.
4. Réplica de Alexy às críticas feitas a sua teoria
Robert Alexy inicia sua réplica introduzindo a estrutura do método de
ponderação como solução de conflitos entre direitos fundamentais, nos termos
abaixo estabelecidos.
A ponderação está compreendida pelo princípio da proporcionalidade,
que
consiste
em
três
subprincípios:
adequabilidade,
necessidade
e
proporcionalidade em sentido estrito (ÁVILA, 2009, pp. 168, 172 e 175). Todos
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esses princípios expressam a idéia de otimização e os direitos constitucionais,
enquanto tratados como princípios, são mandados de otimização.
Mas o que significa entender os princípios como mandados de
otimização? Significa que os princípios são normas e devem ser aplicados com a
máxima eficácia possível, considerando-se as circunstâncias fáticas e legais.
Contudo, devido à amplitude em que suas bases são estabelecidas, é comum que
os princípios estejam em permanente situação de conflito aparente. E é para que a
aplicação desses princípios seja otimizada que, na visão de ALEXY (2003, pp. 131–
140), é necessário o recurso à ponderação.
Voltando
aos
subprincípios
que
constituem
o
princípio
da
proporcionalidade, o qual engloba a ponderação, tem-se que os da adequabilidade e
da necessidade referem-se à otimização enquanto aquilo que é factualmente
possível.
O princípio da adequabilidade deve ser entendido como aquele que
impede a restrição do âmbito de proteção de algum direito fundamental sem que
dela decorra uma respectiva promoção de um outro princípio tão ou mais relevante
(ÁVILA, 2009, p. 168). Se, pois, algum direito pode ser exercido sem afetar outros
constitucionalmente assegurados, não há porque restringir seu exercício.
Já o princípio da necessidade preconiza que a interferência no âmbito
de proteção de um direito fundamental deve ser a menos intensa possível, ou seja,
aquela que represente menos custos ao particular (ÁVILA, 2009, p. 172).
Diferentemente dos princípios de adequabilidade e necessidade que
expressam uma otimização relativa às possibilidades fáticas, o princípio da
proporcionalidade em sentido estrito tem como referencial as possibilidades legais.
Segundo esse princípio, a não satisfação de um direito em detrimento de um outro
apenas se justifica quando a satisfação deste gerar ganhos maiores que a não
satisfação daquele. Alexy explica com primor como se dá a aplicação prática do
princípio da proporcionalidade em sentido estrito, nos seguintes termos:
A Lei do Sopesamento mostra que a ponderação pode ser dividida em três
fases. A primeira fase é uma questão de estabelecer o grau de não
satisfação, ou prejuízo, ao primeiro princípio. Isto é seguido por uma
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segunda fase, em que a importância de satisfazer o princípio concorrente é
estabelecida. Finalmente, a terceira fase responde à pergunta de se deve
ou não a importância de satisfazer o princípio concorrente justificar o
prejuízo, ou não-satisfação, do primeiro (tradução nossa) (ALEXY, 2003, p.
136).
Feitas essas reflexões iniciais, ALEXY (2003, pp. 135-137) inicia sua
réplica.
Quanto à primeira objeção levantada por Habermas, a rebate, em
linhas gerais, com o argumento de que é possível um juízo racional acerca da
intensidade de uma interferência no âmbito de proteção dos direitos constitucionais
e da escala de importância que cada um tem no desenho normativo. Como
ilustração de que o método da ponderação como solução para o conflito entre
direitos fundamentais pode ser utilizado racionalmente, Alexy traz alguns julgados da
Corte Constitucional Alemã.
No primeiro deles, a Corte decidiu que a obrigação de os fabricantes
de cigarros colocarem advertências em seus produtos sobre os perigos à saúde
provocados pelo fumo é uma interferência relativamente menor na liberdade de
iniciativa. Diferentemente, banir todos os cigarros representaria uma grave
interferência. Considerando-se que os riscos à saúde pública decorrentes do tabaco
são elevados, tem-se que as razões que justificariam a interferência na atividade
comercial relacionada à cadeia produtiva do cigarro são bastante consideráveis.
Relacionando uma intensidade de interferência leve, derivada da mera
obrigação de se reproduzirem os prejuízos à saúde provocados pelo fumo nos
produtos do tabaco, com razões bastante consideráveis para interferências graves,
tem-se, sob o exame da proporcionalidade em sentido estrito, que é válida a referida
obrigação estabelecida aos que exercem atividade econômica nesse ramo.
Uma segunda decisão trazida por Alexy diz respeito a um caso em que
se vislumbra um conflito entre liberdade de expressão e direitos da personalidade.
Nos pólos do litígio estavam a revista humorística Titanic e um oficial da reserva dos
Estados Unidos. O motivo da querela foi o uso das expressões “assassino nato” e
“aleijado” pela publicação citada ao se referir ao oficial da reserva paraplégico, que
tinha sido convocado à ativa.
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A Corte Constitucional alemã entendeu que a utilização da expressão
“assassino nato” no contexto da sátira, em que outros também foram chamados com
termos semelhantes, não configurou um dano injusto, grave, ilegal contra os direitos
de personalidade do oficial paraplégico. Sendo assim, não seria cabível impor uma
multa ao folhetim por causa dessa expressão. Se diferente fosse, ter-se-ia um dano
moderado desproporcional a uma interferência severa no direito constitucional de
liberdade de expressão, haja vista que os produtores da revista ficariam receosos de
continuar realizando seus trabalhos da forma que tinham feito até então.
No que tange ao emprego da expressão “aleijado”, a Corte vislumbrou
um grave prejuízo aos direitos de personalidade titularizados pelo oficial tetraplégico.
Entendeu-se que o uso da expressão “aleijado” em referência a uma pessoa
portadora de necessidades especiais era humilhante e expressava uma falta de
respeito de tal ordem contra a dignidade da vítima que justificaria uma grave
interferência no exercício da liberdade de expressão da revista Titanic.
Após a exposição desses dois casos julgados pela Corte Constitucional
alemã, Alexy conclui que neles se depara com o uso do método da ponderação para
a solução de conflitos entre os direitos fundamentais. E mais, no pano de fundo
desses julgados, estariam presente os juízos de certo e errado, correto e incorreto,
conforme sua explanação:
Juízos sobre o aumento da proporcionalidade trazem, como todos os
juízos, uma pretensão de correção, e esta pretensão é apoiada por juízos
sobre graus de intensidade enquanto razões. Isso é suficiente para o
argumento de que o balanceamento não remove nada do reino de
justificação e correção (tradução nossa) (ALEXY, 2003, p. 139).
Sendo assim, Alexy sustenta que o uso do método da ponderação é
racional (e não arbitrário como defende Habermas), além de o juízo de
proporcionalidade em sentido estrito ser pautado pelas noções de certo e errado (e
não apenas pelas de adequado e inadequado).
5. Experiência jurisprudencial brasileira
Conforme entendimento do Ministro Gilmar Mendes, o Supremo
Tribunal Federal tem acolhido em julgados a formulação teórica de Robert Alexy.
Para corroborar seu ponto de vista, ele cita em sua obra a decisão em que se
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concedeu um habeas corpus a um suposto pai, que se recusava a retirar uma
amostra de sangue para exame de DNA em uma ação de investigação de
paternidade e que, por isso, recebeu uma ordem judicial para fazê-lo, sob pena de
condução sob vara (BRANCO, COELHO e MENDES, 2008, pp. 287-288).
O relator originário do caso entendeu que a interferência sobre o direito
à incolumidade corporal do indivíduo era mínima quando confrontada com o
interesse do investigante de ter conhecimento de sua identidade real. Já a corrente
vitoriosa recorreu a uma ponderação diversa, conferindo um peso maior à
interferência provocada sobre o direito à intangibilidade corporal do suposto pai do
que à pretensão do investigante de exigir o exame.
6. Problematizando as considerações anteriores
De tudo que foi exposto sobre a teoria de Alexy, depreende-se que
para ele a ponderação é um método que aplicado aos casos concretos produziria
uma decisão correta para o deslinde do conflito entre direitos fundamentais. É isso
que o constitucionalista Leonardo Barbosa, egresso da Faculdade de Direito da
Universidade de Brasília, sobreleva com bastante primor em seus estudos sobre o
tema. Com ele, a palavra:
Para comprovar essas afirmações, basta checar a posição de Alexy em sua
análise do caso Titanic. O exemplo que ele traz para demonstrar por que a
ponderação deve ser entendida como método racional (fundamentado) de
solução de colisões de direitos fundamentais revela exatamente o oposto.
Reconhecendo ser “polêmico” se a denominação “assassino nato”
representa ou não uma afetação apenas moderada à imagem do oficial da
reserva alemã, ele defende que chamá-lo de “aleijado” é certamente
humilhante e desrespeitoso, portanto, mais grave. Porém o que está em
jogo não é quão grave foi a ofensa ao oficial. Não interessa o “grau de
afetação” de seu direito em comparação ao direito da revista. De um ponto
de vista deontológico, a questão é se o direito à honra ou à imagem do
oficial proíbe o tipo de manifestação veiculado pela Titanic ou, se ao
contrário, a matéria representa (em um, nos dois ou em nenhum dos casos)
tão-somente o exercício regular da liberdade artística ou de expressão. Não
há o que ser ponderado aí. Quanto à proibição de circulação da Titanic,
cabe definir se, ocorrendo violação à honra ou à imagem do oficial, ele teria
o direito de impedir a circulação da revista ou se o dano que lhe fora
imposto deveria ser resolvido de outra maneira (publicação da sentença no
mesmo espaço utilizado para matéria, condenação pecuniária pelo dano
proporcional à circulação da revista, etc.). Alexy não hesita em afirmar que
os argumentos da Corte são “bons argumentos”. Entretanto, seriam
argumentos jurídicos? (BARBOSA, 2008, p. 33)
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Daí se tira um gancho para se fazer mais uma crítica à Alexy. O uso do
método da ponderação para a solução de conflitos entre direitos fundamentais
remete o julgador a outros tipos de argumentos que estão fora de sua alçada,
transformando o discurso jurídico em uma disputa entre concepções ético-políticas
diferentes.
Uma alternativa que o jurista tem para contornar os conflitos aparentes
entre direitos fundamentais é concluir que a pretensão do indivíduo envolvido na
querela não se inclui no âmbito de proteção do direito que evoca. Vale lembrar aqui
a afirmação de Virgílio Afonso da Silva de que o suporte fático das disposições que
enunciam direitos fundamentais nem sempre se mostra evidente e indiscutível.
É dessa forma que Klaus Günther procede (BARBOSA, 2008, p. 27-34).
Ao defender a existência do discurso de justificação e do discurso de aplicação, ele
simplesmente se afasta da problemática do conflito aparente entre direitos
fundamentais para sustentar que não há choque algum. Simplesmente um dos
direitos não é aplicável ao caso. Faz-se, assim, uma restrição do suporte fático do
direito em questão.
Nada melhor do que um exemplo para finalizar as reflexões acima
lançadas sobre a teoria de Günther como uma alternativa para o enfrentamento dos
conflitos aparentes entre direitos fundamentais. É de reconhecimento universal a
validade da norma moral de que não se deve mentir. Contudo se um cidadão
conhece o paradeiro de um militante de esquerda procurado por um regime
autocrático, deve ele compartilhar suas informações com os agentes do Estado,
entregando-o?
Vamos à teoria de Günther, assim estruturada:
Para Günther, o discurso de justificação responde pela produção de normas
de ação válidas. A validade das normas, por sua vez, atende a uma
exigência de universalização (isto é, “interesse geral em um seguimento
generalizado”). Esta exigência é formulada por Günther na forma de um
“princípio da universalização”, que, em sua versão fraca, enuncia o
seguinte: “Uma norma é válida se as conseqüências e efeitos colaterais
[side effects] resultantes de sua observação generalizada para os interesses
de cada indivíduo puderem ser aceitos por todos eles, sob as mesmas
circunstâncias”. A cláusula sob as mesmas circunstâncias pretende indicar
que a exigência de universalização (da qual depende a validade normativa)
deve ser condicionada, em razão da impossibilidade de preencher as
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condições ideais de tempo infinito e saber ilimitado. Este índice de
indeterminação, com o qual o princípio passa a ser equipado, aclara dois
modos diferentes de oferecer razões para a ação. O primeiro associa-se à
produção de normas válidas, oferecendo razões prima facie para a ação
(nas palavras de Günther, razões que valem “sob as mesmas
circunstâncias”). O segundo modo diz respeito à aplicação de normas
válidas a situações concretas, e demanda razões ponderadas (isto é, “tudo
considerado”, deve-se ou não agir de tal maneira) (BARBOSA, 2008, pp.
27-28).
Voltando ao exemplo narrado acima, chega-se à conclusão de que o
enunciado “não se deve mentir” é valido universalmente, pois a observância desse
preceito inibe a ocorrência de desajustes na esfera social. Entretanto, necessário se
faz reconhecer que o saber é limitado e, portanto, a exigência de universalização
deve ser condicionada em algum grau. No caso trazido à baila, tem-se que, apesar
de existir uma regra moral válida que recomenda não mentir, um cidadão poderá
descumpri-la, omitindo a verdade, quando a sua aplicação no caso concreto não se
mostrar ponderada.
Em suma, o discurso de justificação confere uma validade universal ao
enunciado “não se deve mentir”, todavia as circunstâncias concretas oferecem
razões para que o discurso de aplicação indique que tal norma não deve ser
aplicada.
Na teoria discursiva do direito de Habermas, a legitimidade do sistema
de direito está amparada em ações e processos discursivos que garantem a
participação dos destinatários das normas quando da sua criação.
De
outra
banda,
segundo
Habermas,
no
campo
do
Direito,
diferentemente da moral em que a autonomia é monolítica, há sua manifestação em
duas facetas: autonomia pública e autonomia privada. Seu modelo de democracia
procedimental faz uma conjugação entre da liberdade dos antigos com a liberdade
dos modernos, ou seja, da autonomia pública proposta pelo modelo republicano e da
autonomia privada liberal. Nesse sentido:
Essa vinculação entre autonomia pública e autonomia privada legitima o
Direito como instrumento necessário para garantir a igualdade desse liame.
E isso se fundamenta no fato de que a ideia de autodeterminação jurídica
exige que os destinatários do Direito possam se enxergar como seus
autores (BOTELHO, 2010,
pp.164-165).
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Assim, Habermas assevera que há um nexo interno entre os direitos
fundamentais e a soberania popular. Consoante Habermas, “certamente a fonte de
toda legitimidade está no processo de legiferação; e esta apela, por seu turno, para
o princípio da soberania do povo” (HABERMAS, 2003, p. 122).
Afinal, para que haja a configuração da situação de incidência do
princípio da democracia, os direitos fundamentais assumem um papel primordial,
pois eles são os pressupostos garantidores de um processo discursivo inclusivo e
em igualdade de condições.
[...] Habermas entende que uma coesão interna entre direitos humanos e
soberania popular consiste no fato de que toda e qualquer exigência de
institucionalização jurídica de uma determinada prática civil do uso público
das liberdades comunicativas seja cumprida através dos direitos humanos,
os quais possibilitam, portanto, o exercício da soberania popular
(BOTELHO, 2010, p.168).
Nessa condição de pressupostos para o desenvolvimento de um
processo democrático, os direitos humanos não podem ser flexibilizados através de
um juízo de ponderação. Daí a crítica de Habermas à aplicação do juízo de
ponderação como método para resolução de conflitos entre direitos fundamentais.
Concluindo:
[...] podemos dizer que a concepção procedimentalista apresentada por
Habermas pressupõe um processo democrático assegurador da autonomia
pública e privada ao mesmo tempo, levando à existência de uma
equiprimordialidade entre soberania popular e direitos humanos que,
portanto, se pressupõe mutuamente, sem que qualquer deles possa
reivindicar uma primazia sobre o outro (BOTELHO, 2010, p.170).
Para solver a problemática entre direitos fundamentais conflitantes é
mais adequado se recorrer ao reconhecimento de um discurso de aplicação da
norma jurídica, que nas palavras de Álvaro Ricardo de Souza Cruz:
[...] viabiliza uma decisão imparcial, a partir de ações comunicativas ou
estratégicas por meio de um mecanismo de depuração: o processo. Logo,
afasta-se de uma argumentação exclusivamente moral, que deve sustentarse tão somente na ação comunitária dos falantes (CRUZ, 2006, p.188).
Os choques entre direitos fundamentais podem ser resolvidos com a
exclusão de uma situação jurídica de seu âmbito de proteção devido a algumas
circunstâncias que recomendam a não aplicação daquele direito no caso concreto.
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Logo, haverá a incidência apenas do outro direito restante, não sendo,
pois, cabível se falar em colisão entre direitos e nem sendo necessário se recorrer
ao método da ponderação para solver o impasse.
Com o intuito de traduzir a problemática epistemológica abordada
neste artigo às vicissitudes do mundo da vida, traz-se um exemplo ao leitor. Caso
um cidadão residente nas proximidades de uma área de preservação ambiental com
mananciais resolva construir uma represa em sua propriedade rural para o exercício
de sua atividade econômica, visando a ter a seu dispor uma fonte para irrigar sua
produção agrícola e industrializar a sua produção, pode o Estado impedi-lo de levar
tal empreitada adiante?
Essa é uma hipótese exemplar em que o jurista se deparará com um
conflito entre direitos fundamentais, mais especificamente, entre o direito de
propriedade do empresário rural e o direito a um meio ambiente equilibrado
titularizado pela coletividade. A construção de uma represa em uma propriedade
particular com fins de dar suporte a uma atividade econômica localizada nas
proximidades de uma área de preservação ambiental com mananciais constitui um
ato enquadrável no suporte fático do direito de propriedade? Se sim, como
resguardar o direito da coletividade em ter preservados os mananciais que
abastecem toda cidade? Diante desse choque entre direitos, como resolver tal
impasse?
Sob a ótica da micro e pequena empresa, a problemática da superação
da colisão entre direitos fundamentais através do juízo de ponderação também pode
ser catastrófica, na medida em que cria canais hermenêuticos que permitem ao juiz
afastar os benefícios legais estabelecidos ao grupo dos micro e pequenos
empreendedores sob a justificativa de que o princípio da isonomia está sendo
rompido pelo conjunto normativo aplicável ao caso, que indiretamente prejudica o
grupo geral dos empresários.
Nessa situação, o juiz declararia a inconstitucionalidade dos ditos
benefícios legais sob a fundamentação de não espelharem os valores de isonomia
compartilhados pela coletividade. Toda essa argumentação seria viabilizada com a
abertura criada pelo juízo de ponderação para a busca de critérios fora do sistema
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do direito, permitindo assim decisões judiciais que refletissem a carga de valores e
princípios morais, éticos e políticos compartilhados pela coletividade. Ou que pelo
menos o julgador diz serem da coletividade, ao projetar suas crenças pessoais em
esferas alheias, e assim afastar as normas legais que beneficiam os micro e
pequenos empreendedores!
7. Conclusão
Como foi apresentado ao longo deste artigo, o juízo de ponderação
não representa a melhor técnica para a solução dos conflitos entre direitos
fundamentais. A adoção desse método gera deficiências ao sistema jurídico,
fazendo com que o julgador fundamente sua decisão em argumentos extrajurídicos
que estão fora de sua alçada. O discurso jurídico, nesse quadro, cede lugar ao
embate entre distintas concepções valorativas.
Como
visto,
Klaus
Günther
solve
essa
problemática
com
a
diferenciação entre a aplicabilidade do discurso de justificação no âmbito da
legislação e do discurso de aplicação na esfera jurisdicional para o caso concreto.
Assim, ele afastou os argumentos centrados em aspectos éticos, religiosos, morais e
políticos do momento de aplicação concreta das normas.
Em termos conclusivos, tendo por base que a função da atividade
jurisdicional é a estabilização das expectativas de comportamento do indivíduo, temse que a atribuição essencial do Poder Judiciário é a manutenção do equilíbrio
comportamental do cidadão, e não a ascensão de expectativas de cunho ativista.
Esse papel cabe ao legislador legitimamente eleito pelo povo, sendo realizado
através do discurso de fundamentação do processo de elaboração das normas
jurídicas.
Nesse sentido, quando estiver diante de um caso envolvendo os
interesses da micro e pequena empresa frente aos direitos comuns a todos os
empresários, o juiz não deve recorrer à sua carga de valores e princípios políticos
para fundamentar que os benefícios legais estabelecidos ao primeiro grupo são
inconstitucionais por não espelharem os valores de isonomia compartilhados pela
coletividade. Afinal, o Judiciário não deve encampar a pretensão de representar a
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ordem de valores reinante na sociedade, sendo assim objeto de críticas por invadir a
seara de representação política da sociedade, sem ter uma legitimidade para tal
conferida. Isso cabe ao Legislativo, pois é nele que está refletida a soberania
popular, sob o pálio da participação da sociedade na escolha de seus integrantesrepresentantes e de um processo democrático judicialmente institucionalizado.
8. Referências bibliográficas
ALEXY, Robert. Constitutional rights, balancing, and rationality. Ratio Juris, vol. 16,
n.
2,
jun.
2003.
Disponível
em:
<http://onlinelibrary.wiley.com/journal/10.1111/(ISSN)1467-9337/issues>.
Acesso
em: 10 nov. 2012.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 10° ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
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